quinta-feira, 5 de abril de 2007

Mais ossos da evolução

Em Setembro do ano passado foi publicado na revista Nature a descoberta da equipa liderada por Zeresenay Alemseged, um paleoantropólogo do Max Planck Institute for Evolutionary Anthropology em Leipzig. A equipa encontrou o fóssil mais completo de um exemplar do Australopithecus afarensis, a que chamaram Selam ou DIK-1-1, o fóssil com 3,3 milhões de anos de um bébé de 3 anos encontrado em Dikika na Etiópia, uns quilómetros apenas do sítio arqueológico em que foi descoberto em 1974 o fóssil de Lucy, o primeiro exemplar encontrado desta espécie.

Lucy é o membro mais antigo da linha de bípedes que levou, cerca de quatro milhões de anos mais tarde, aos humanos modernos. E, como veremos, os homínideos «Lucy» apresentavam uma série de características morfológicas intermédias entre os outros primatas e os humanos.

O fóssil Selam, nomeado a partir da palavra etíope para paz, é o mais completo exemplar do A. afarensis descoberto, e inclui a escápula ou omoplata, osso nunca encontrado antes. A escápula apresenta características intermédias entre a escápula dos homens e macacos modernos que permitem concluir que este nosso antepassado remoto estava a perder as suas capacidades de locomoção nas árvores.

E de facto, uma análise do esqueleto de Lucy tinha permitido chegar à conclusão que Lucy exibia bipedalismo. Os membros inferiores do Australopithecus afarensis são quasi indistinguíveis dos correspondentes humanos. Nos humanos, por exemplo, os ossos do calcanhar têm uma almofada alargada composta de osso esponjoso que absorve o impacto gerado pelo bipedalismo. O calcanhar do esqueleto de Lucy exibe esse osso esponjoso enquanto os macacos, que se movem apoiando-se nas articulações interfalângicas, não apresentam essa almofada óssea. O fémur de Lucy, embora proporcionalmente mais longo que nos humanos modernos, apresenta uma série de características claramente humanas. O colo do fémur humano tem um centro esponjoso que absorve o impacto de caminhar e uma camada mais espessa de osso compacto no topo da articulação para suportar o esforço. Nos macacos, este arranjo é totalmente diferente; o colo do fémur é quase completamente sólido, apresentando apenas um pequeno núcleo central de osso esponjoso.

O fémur dos macacos apresenta uma quilha larga ao longo da parte superior do colo onde se une com o receptáculo da anca. O fémur do Australopithecus afarensis é idêntico neste arranjo ao fémur humano. É na cintura pélvica, no entanto, que as características humanóides e o bipedalismo do Afarensis são mais claramente evidentes. A cintura pélvica, com o seu sacro proporcionalmente mais largo que o dos humanos modernos, era mais adequada ao bipedalismo que a nossa. Nos humanos, um sacro tão largo estreitaria o canal de parto e torná-lo-ia impossível, o que não acontecia no Afarensis que apresenta uma dimensão craniana muito inferior.

O trilho de pegadas de hominídeos, descoberto em 1978 por Mary Leakey numa camada de cinzas vulcânicas com mais de três e meio milhões de anos, próximo de Laetoli na Tanzânia, mostra claramente mostram que a espécie que deixou estas marcas caminhava de forma bípede eficientemente, como um humano. Não há evidência de um polegar divergente como apresentado pelos macacos, e foi encontrado um arco plantar muito similar ao humano. Um modelo do pé do A. afarensis reconstruído a partir dos fósseis encontrados, encaixa-se perfeitamente nas pegadas de Laetoli.

O osso hióide (o Hyoideum ou osso da língua) do Selam, por outro lado, apresenta mais semelhanças com o análogo nos chimpazés modernos o que implica uma capacidade de vocalização muito próxima da dos macacos e que um longo caminho evolucional foi percorrido para o desenvolvimento das nossas capacidades discursivas.

4 comentários:

Mário Lima disse...

Boas.
Parece-me que é a 1º vez que estou a visitar este blog.
É uma escrita um pouco pesada, mas bem elaborada.

Uma boa Pascoa.

Saudações.

amil

Anónimo disse...

então para os criacionistas esta escrita deve ser mesmo muito pesada... excelente posta, como sempre. e muito útil para aqueles que não sabem o que é um fóssil transicional!

Joana disse...

tão pesada que deve dar indigestão aos criacionistas :)

O Selam e restantes fósseis são uma pedra no sapato criacionista. Não admira que os evangélicos quisessem esconder os fósseis do mUseu Nacional do Quénia para o pessoal não ver com os próprios olhos os disparates que os criacionistas vendem

Darlene Santos disse...

Vcs ajudaram muito no meu trabalho,rs.

DIREITO DAS CRIANÇAS À SEGURANÇA EM AMBIENTES DIGITAIS NA NOVA DECLARAÇÃO DE GENEBRA

Por Cátia Delgado Foi na passada quarta-feira, 20 de novembro, no dia em que se assinalaram 35 anos da aprovação da Convenção dos Di...