terça-feira, 31 de agosto de 2010

"A investigação que não usamos"

Grande parte dos trabalhos de investigação sobre questões educativas é feita em instituições de ensino superior, no âmbito de projectos, de trabalhos de doutoramento e de mestrado.

No texto de Guilherme Valente e a propósito dele (aqui e aqui), debate-se no De Rerum Natura a ideia de que esses trabalhos:
- são "irrelevantes para o conhecimento, para o ensino, a escola e os alunos";
- têm conduzido a educação ao (mau) estado em que ela se encontra.

Ambas as ideias são discutíveis e devem ser discutidas. Nesse sentido, recorro a um texto de Ana Maria Morais (in Público, Sábado, 7 de Janeiro de 2006), onde se explica que:
- nesta, como noutras áreas, produzem-se trabalhos com e sem qualidade científica, sendo que muitos dos que têm qualidade, podendo ser relevantes para o conhecimento, para o ensino, a escola e os alunos, são sistematicamente desprezados por quem tem o poder real de decidir os caminhos da educação escolar;
- assim, o (mau) estado da educação não se pode atribuir directa e linearmente aos investigadores da Educação, dada as determinações políticas que estão subjacentes a essas decisões.

"Têm sido muitos os que vêm culpabilizando as Ciências da Educação pelo actual estado de coisas. Não seria justo deixar para as Ciências da Educação todo o ónus da colossal falha da educação actual. Muito deve ser imputável a factores de decisão política. Mas também são muitos os professores e investigadores que têm vindo a ser responsáveis pela educação que temos. Uns por intervenção directa, como construtores de novas reformas e formadores de professores. Outros por omissão, porque se limitam ao papel de preparar os seus próprios alunos, futuros professores, e de desenvolver investigação que não ultrapassa o nível académico (...).
É necessário dizer aos decisores de política educativa e aos cidadãos em geral que há outras formas de organizar a educação. Que há investigação que suporta essas outras formas. Que é urgente aumentar o nível de exigência conceptual. Que não é uma inevitabilidade que o nível de educação baixe perante a inacção colectiva (...).
No que respeita, em particular, à avaliação dos alunos com recurso a exames, que também se aflorou nesse debate, se dúvidas houvesse quanto à afirmação da sua importância, esta professora de pedagogia não pode ser mais clara:

"... os exames são uma necessidade absoluta (poderemos inventar outro tipo de mecanismo regulador?). Mas, e este é um aspecto da máxima importância, exames que não se limitem à tradicional avaliação centrada em níveis baixos de literacia mas que avaliem conhecimentos e capacidades de elevado nível cognitivo. Tais exames iriam levar os professores e as escolas a modificar o nível de aprendizagem que promovem (...) Também aqui podemos encontrar investigação que suporta esta afirmação.
Temos a clara consciência dos múltiplos problemas que os exames podem acarretar, problemas que, contudo, têm vindo a ser sobrevalorizados (...) Numa cultura de sobreprotecção de crianças e adolescentes, todo o esforço, exigência e rigor têm sido desprezados, desprezando-se assim uma preparação necessária à vida activa dos futuros cidadãos.

Esta educação que temos não é educação. Falemos antes da educação que não temos... e da investigação que não usamos."

Não tem sentido falar de decadência da nossa universidade

Numa altura em que se começam a fazer balanços sobre a reforma do ensino superior, reproduzimos um texto de António Manuel Baptista sobre a universidade, na sequência de um outro que aqui publicámos.

"Na verdade, não podemos falar de decadência das nossas universidades, até porque não pode haver decadência onde nunca houve excelência. Existem, sim, maiores ou menores períodos de insuficiência, degradação e corrupção.

Actualmente, estamos a atravessar um período reconhecidamente difícil. Um ensino já extremamente carenciado em homens e meios, desde há séculos, veio a ser ainda mais perturbado pelo afluxo de uma população numerosíssima de alunos. Os problemas são aqui semelhantes aos que ocorrem por toda a parte, mas o nosso país estava, em particular, muito mal preparado para enfrentar um choque que continua a abalar fortemente outros países com estruturas educacionais muitíssimo mais poderosas, alicerçadas numa tradição de excelência forte, quase inexistente entre nós.

Fundaram-se apressadamente novas instituições, intituladas universidades, para acolher essa numerosa população para quem um diploma universitário parecia, razoavelmente, como que uma chave para um futuro mais desafogado. No entanto, as construções físicas, apesar de tudo fáceis de erguer, reflectem certamente a cultura prevalecente, sendo embora mais fácil adquirir salas e mobílias do que planear laboratórios e centros de investigação, e tudo isto ainda muito mais fácil de conseguir do que formar os docentes-investigadores para povoarem os laboratórios para essa multidões de alunos. Aliás, sem estes docentes-investigadores na mira dos fundadores de universidades é impossível planear e construir os centros de estudo e investigação, cerne de qualquer instituição universitária (…).

Importa esclarecer que, quando nos referimos à investigação fundamental ou básica como a investigação própria da universidade, não queremos dizer que esta se divorcie da tecnologia, da agricultura, da medicina, da arquitectura, da engenharia, enfim, de todas as ciências aplicadas. O que importa é defender um certo distanciamento desses interesses dos da exploração comercial ou industrial directa do conhecimento adquirido, não porque ele não seja importante (pelo contrário), mas porque a sombra utilitária tem efeitos poluentes culturalmente indesejáveis. Não falo em nome de qualquer snobismo cultural que considera a utilidade corruptora da qualidade.

Pelo contrário, é sempre desejável que os resultados das investigações possam encontrar aplicações e, assim, contribuam para o progresso económico e a qualidade de vida da comunidade. A preocupação com a utilidade da ciência é contemporânea com o nascimento da ciência nova com Galileu. Ele defende a ciência «não para fazer da mente [...] mas para benefício e uso da vida [e] [...] o seu verdadeiro e legítimo objectivo não é outro senão este: que a vida humana seja dotada de novas descobertas e poderes» (…). Compreende-se esta posição como uma reacção violenta a extremos quase caricaturais de uma ciência que chegou a recusar, como contaminante espiritual, qualquer possível aplicação e que chegou a refugiar-se, por isso, num pensamento racional que recusava a experiência.

Quando muito, aceitava-se a observação astronómica, pois estão longe, intocáveis, as estrelas longínquas, que, assim, não podemos perturbar com o nosso hálito impuro. Por outro lado, justificar a ciência, como dizia René Dubos, «pelos seus produtos mundanos é uma tentativa semeada de perigos. Não apenas compromete a honestidade intelectual da comunidade científica [e] ajuda a fomentar entre os leigos algum desprezo pela própria ciência [...]. A longo prazo o apelo exclusivo ao utilitarismo pode bem fazer perigar o futuro da ciência e a sua própria existência.»

E aqui temos dois pólos de uma tensão que faz oscilar os modos de pensar a relação entre a ciência e as suas aplicações (…). Por outro lado, temos de insistir em que todo o conhecimento novo, independentemente da sua utilidade, é um cimento cultural poderosíssimo (...).

Há exemplos notáveis de certas áreas disciplinares se terem desenvolvido apenas porque alguém teve a visão e a sensibilidade – derivadas de uma experiência de investigação não motivada senão pelo desejo de conhecer – de que elas teriam um potencial de desenvolvimento extraordinário numa dada época histórica (...).


E assistimos ao fenómeno que se traduz numa nova caracterização, ou descaracterização, das funções das universidades, classificadas em dois grandes grupos: as universidades de investigação e as universidades de ensino designações que, por razões várias, algumas derivadas de uma má consciência, não foram ainda adoptadas no nosso país. Este exercício em nomenclatura não é inocente. Vivemos numa época em que o termo elitismo é repulsivo, excepto, curiosamente, quando se refere aos grupos desportivos, em particular, no nosso país, do futebol. Seria impensável para o honesto democrata cidadão português que as exigências feitas para a selecção e formação de um jogador de futebol, o seu treino, as condições de trabalho, a competência dos treinadores, a organização dos serviços de apoio, o espírito de grupo, as remunerações correspondentes dos agentes, tivessem paralelo num sistema educativo para os seus filhos (...)."

Referência completa: Baptista, A. M. (1998). Ciência, universidades e universidades portuguesas. A. M. Baptista. A ciência no grande teatro do mundo. Lisboa: Gradiva, Capítulo 6, páginas 171 e seguintes.

UMA CARTA SOBRE A AVENTURA DA EDUCAÇÃO

Transcrição do Jornal i de 2010/08/24

"iCorreio - UMA AVENTURA

Face à facilidade com que se adquire no mercado o 9.º ou o 12.º ano de escolaridade (este último comprava-se por 500€... mas devido à crise o seu preço baixou já para os 400€ - isto se não conseguir um centro Novas Oportunidades que na "excelência" de "produzir" mais certificados tenha um ou dois formadores graciosamente a coisa), não se entende muito bem o porquê de tanta algazarra por o Ministério da Educação ir encerrar mais 701 escolas do 1.º ciclo!

Afinal elas estão abertas para quê? Para os professores terem de passar a garotada independentemente de eles saberem ler, escrever, saberem ser ou estar?

O Ministério da Educação, em vez de andar a rabiscar "uma aventura ... às mijinhas", devia era encerrar de vez a totalidade das escolas do 1.º e 2.º ciclos, e, em vez de prometer aos recém-nascidos um cheque de 200 euros, fornecer-lhes, no acto do registo, um diploma (a rosa ou azul-bébé) atestando os seus conhecimentos, que pouco menos serão que aqueles que viriam a adquirir se frequentassem as tais "escolinhas"!

Sarcasmos à parte, porque a educação é um dos pilares máximos de uma sociedade moderna e desenvolvida, é desmotivador e preocupante olhar para toda uma elite de iluminados e vê-la entretida, na maior das escuridões, a tentar juntar as peças de um puzzle que não faz a mínima ideia do que seja!

O secretário de Estado talvez imagine uma paisagem corriqueira de Punta Cana a quinhentas e tal peças! A senhora ministra, um cenário helvético de neve e relógios de cuco a outras tantas peças!

E o primeiro-ministro, embora indiferente a quase tudo, talvez vislumbre "o menino que chora" (aquela deprimente visão de Giovanni Bragolin que uma vez na vida a todos calhou em sorte no sorteio anual da Comissão Fabriqueira) a mil e muitas mais!

Enfim: no meio de tanta dissensão, resta aos portugueses o consolo de olhar para o seu timoneiro e ver que, apesar de tudo, através de novas oportunidades, se pode chegar sempre mais além!

António Carvalho - Gouveia (email)"

O MUSEU DOS BICHOS


Alexandra Prado Coelho no último suplemento ípsilon do jornal Público fala de alguns museus de ciência nacionais que surpreendem os visitantes. Excerto:

"Mais uma vez fazemo-nos à estrada. Próxima paragem, e última: Coimbra. Estacionamos à porta do Museu de Ciência, antigo Laboratório Chimico, criado no final do século XVIII pelo Marquês de Pombal. Do outro lado da rua, no edifício do Colégio de Jesus, que aguarda obras de remodelação (quem sabe se então se encontrará o Teatro Anatómico que se supõe que aqui existia?) -, nascerá o segundo núcleo do Museu da Ciência, integrando parte dos impressionantes espólios dos Gabinetes de Física e História Natural da Universidade.
Trata-se de um investimento - da Universidade, com a Câmara - calculado entre os 15 e os 20 milhões de euros. Para valorizar colecções que, não se tem cansado de repetir o director do museu, Paulo Gama Mota, "têm relevância mundial."

Na imagem, a grande baleia da secção de História Natural do Museu, no Colégio de Jesus, a que antigamente o povo chamava o Museu dos Bichos, e que está a ser alvo de um grande projecto de modernização. Em breve está a abrir, mesmo ao lado, ao público o Gabinete de Física Experimental pombalino.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

BREVES COMENTÁRIOS AOS COMENTÁRIOS

Resposta recebida de Guilherme Valente aos comentários ao artigo "A MISTELA DO EDUQUÊS" publicado no "Expresso" e aqui:

1. É objectivamente incontroverso que a legislação privilegia a «graduação» em «ciências» da educação. Foi feita para isso pelos próprios. E a resposta do comentador que tentou contestar a demonstração que Fartinho da Silva fez dessa evidência é um exemplo perfeito da qualidade intelectual e da atitude do «eduquês».

2. É preciso dizer claramente que a generalidade dos mestrados e doutoramentos nas ditas «ciências» da educação não produziram conhecimento relevante, que possa justificar, honrar, a atribuição desses títulos. Na sua generalidade trata-se de banalidades, frequentemente ridículas, «descobertas da pólvora», em «circuito fechado», revelando uma significativa indigência de referências científicas e culturais. São irrelevantes para o conhecimento, para o ensino, a escola e os alunos. E tudo se tornou pior e mais fácil para eles quando passaram a poder reproduzir-se hermafroditicamente, isto é, a constituírem júris só com gente da seita.

A melhor prova é o estado a que conduziram a educação.

3. Como sabem pouco e o que sabem é, regra geral, irrelevate, a generalidade dos «especialistas» da educação escondem-se nos diplomas. Quando, raramente, se atrevem a falar, brandem o «argumento» de autoridade, isto é o diploma, ou desviam-se do assunto.

4. O que pode parecer surpreendente é o facto de quase nunca aparecerem frontalmente, assinadamente, a defenderem o seu projecto. Mas percebe-se bem porquê: a) a natureza do projecto (de que muitos deles, aliás, não têm sequer consciência) é inconfessável; b) dominando, geralmente, mal as fontes fontes inspiradoras, com grandes limitações culturais, não conseguem integrar numa exposição minimamente coerente e argumentadamente sustentável o sincretismo ideológico e teórico irracionalista e obscurantista que vão impondo. Por outro lado, a nossa «obsessão» parece ter dado frutos: alguns aparentam começar a ver e parecem recuar nas suas posições. Claro que a maior parte não assumirá o erro pois isso seria perderem o poder, o estatuto e o emprego.

5. De facto tenho uma «obsessão»: combater o obscurantismo.
E não se justifica persistir no combate? Os resultados melhoraram? Depois de trinta anos de degradação da situação, mudaram as concepções, as teorias, a política, os métodos, os teóricos, os que dirigem o sistema? Não é óbvio, portanto, a continuidade que referi? Obsessão tem o eduquês, têm os «especialistas» da educação, que insistem em destruir a escola e o país, sem compaixão pelas crianças e jovens que todos os anos condenam à ignorância e à boçalidade, roubando-lhes a esperança de um futuro de realização profissional e cidadã. Porque não de afastam? Alguém imagina uma equipa de futebol a perder todos os jogos desde há mais de trinta anos sem que se mude o treinador? Pois é isto que acontece em Portugal na área da educação.

6. Faço afirmações muito concretas: «Quando não se aceita a prova da realidade, entra-se no reino da irracionalidade». Não é isto, com toda a evidência, que se verifica na educação?

O fim das retenções é a todos os títulos idiota, porque mesmo que fosse adoptado não deveria ser, evidentemente, declarado obrigatório. A menos que se deseje mesmo que ninguém se preocupe em não aprender e…em não ensinar nada. Não é mais um passo na escalada da ideologia que julgo ter vindo desde há muito a caracterizar?

Respondam-me com argumentos. Expliquem e defendam o vosso projecto. Porque não o fazem nunca? Quanto ao controlo do sistema, à opressão e à repressão, querem que refira as estruturas e as pessoas, as situações e os testemunhos?

7. Quanto às soluções, não temos feito outra coisa que não seja sugeri-las. E não será preciso inventar nada. É tudo óbvio.

Guilherme Valente

FLUIR PARA CRESCER


Nova crónica de António Piedade saída no "Despertar":

Logo após a fecundação, depois de uma brevíssima pausa para o zigoto “respirar”, explode uma intensa actividade de divisão, diferenciação e especialização celular. Estes processos vão originar os diversos tecidos e sistemas de órgãos que nos dão forma e nos enchem de vida.

Estes processos estão particularmente activos, mas não exclusivamente, durante o desenvolvimento embrionário, no qual são edificados os diferentes tipos de células, blocos estruturantes e funcionais dos diferentes tecidos, alicerces e elementos anatómicos dos órgãos. Numa “tradição” que fica dos tempos embrionários, todos os órgãos cooperam entre si funcionando ao “som” de mensagens bioquímicas (hormonas, neurotransmissores, entre outros compostos), que trocam entre si, numa orquestração homeostática.

Um dos veículos de transporte dessas mensagens moleculares é o sangue. Este tecido é composto, como os outros, por um conjunto de células que lhe são específicas. Entre elas encontram-se os glóbulos vermelhos ou eritrócitos.

Entre outras funções, ainda hoje pouco esclarecidas, os eritrócitos são responsáveis pelo transporte de oxigénio e de dióxido de carbono, entre os pulmões e os tecidos, garantindo assim que ocorram as trocas gasosas indispensáveis para a respiração pulmonar e celular. É de salientar que os eritrócitos são também indispensáveis na homeostase do ferro e que também podem ser considerados como transportadores deste ião metálico.

Regressando ao embrião já nidado à parede uterina materna, as primeiras trocas gasosas que permitem que o oxigénio chegue abundantemente a todas as suas células, e que o dióxido de carbono seja delas removido, são garantidas, inicialmente, por mera difusão. Mas o rápido crescimento do embrião torna a pura difusão insuficiente. A resposta arquitectada é em forma de coração e são desenvolvidos os esboços do que virá a ser o sistema cardiovascular adulto.

De facto, um projecto de coração é o primeiro órgão a se formar com a tarefa de propulsionar, por convecção forçada pelo seu bombear, sangue a todas as células. Os primeiros batimentos, numa frequência entre 100 e 115 batimentos por minuto, ocorrem cerca de 21 dias após a fecundação, numa altura em que a mãe, a maior parte das vezes, ainda não sabe que está grávida!

Os eritrócitos que fluem nos primeiros tempos de desenvolvimento são gerados por diferenciação de células estaminais embrionárias hematopoiéticas. Recorde-se que o embrião não possui os ossos nem a medula óssea onde os eritrócitos serão gerados quando o organismo estiver completo.

A ideia geral sobre a diferenciação celular é a de que ela é mediada por mensageiros químicos, numa interacção célula a célula, que estimula quais e onde se devem especializar as células no, e do, embrião, para executar uma tarefa indispensável para o organismo como um todo. Mas no caso dos eritrócitos, embriologistas moleculares descobriram que as forças biomecânicas do bombear cardíaco, e as resultantes do fluxo sanguíneo, exercem estímulos sobre as células estaminais embrionárias para que estas se diferenciem em eritrócitos (aqui). Ou seja, numa fina e elegante economia de recursos disponíveis, é o próprio bombear do coração que indica a necessidade de se gerar mais glóbulos vermelhos.

António Piedade


Ver Melhor Tão Longe e Tão Perto


Apontamento do bioquímico António Piedade:

A semana que passou desvendou-nos avanços no conhecimento científico e tecnológico resultantes da nossa capacidade de ver muito para além daquilo que o nosso sentido da visão permite.

Foi notícia a identificação e confirmação de um sistema solar semelhante ao nosso, com sete planetas a orbitar em torno da estrela HD 10180, a cerca de “só” 127 anos-luz de distância, na constelação da Hidra visível no hemisfério Sul (ver aqui).

Foi publicado na revista “Science” um próximo sub-microscópio com resolução nanométrica do adenovírus, vírus com ADN que nos causa doenças nas vias respiratórias. Esta resolução de 3,5 Ångström permite segundo os autores mapear nunca como dantes as relações moleculares entre os distintos constituintes do vírus, abrindo assim novas portas para o conhecimento fino do seu ciclo viral, assim como para a detecção e desenvolvimento de novas alvos e estratégias terapêuticas contra esta família de vírus ( aqui).

Os olhos são epicentros do nosso sistema de visão e logo da nossa capacidade em observarmos o mundo que nos rodeia. Também por isso, realço uma notícia importante para a visão e que foi a publicada na revista “Science Translational Medicine”. No último número são apresentados os resultados obtidos nos ensaios clínicos de fase 1 de aplicação de uma córnea biossintética e suas potencialidades como alternativa à substituição da correspondente estrutura ocular natural, na falta de dadores humanos. (aqui).

António Piedade

domingo, 29 de agosto de 2010

O QUE É E O QUE NÃO É A CIÊNCIA


Trecho do meu livro "A Coisa Mais Preciosa que temos" (Gradiva), que está esgotado:

Embora se possa dizer sumariamente que a ciência é a “busca do erro” definir a ciência é pano que dá para muitas mangas. Decerto que haverá unanimidade se se disser que a arte ou a religião, apesar de serem dos mais notáveis empreendimentos humanos, não são actividades científicas. Por outro lado, ninguém duvida que tanto a matemática como a física são ciências, apesar de terem metodologias e critérios de validação muito diferentes. Mas, por exemplo, as chamadas ciências jurídicas ou as ciências da comunicação serão ciências?

Na matemática ou na física existem alvos precisos a atingir (o rigor lógico-formal e a descrição correcta das leis da Natureza) e sobre eles fazem os matemáticos e os físicos esforçada pontaria. Mas, nas ciências jurídicas ou nas ciências da comunicação, só para continuar com os mesmos dois exemplos, vemos que muita gente atira para qualquer lado e por vezes de qualquer maneira. Depois pintam o alvo à volta dos locais de impacto dos seus projécteis.

Cientista é aquele homem ou mulher que admite que falhou a pontaria. Se um jurista ou um teórico da comunicação estiverem prontos a admitir que as suas respostas a uma qualquer questão estão erradas e devem, portanto, ser substituídas por outras, do próprio ou de outrem, estarão de pleno direito na comunidade dos cientistas. Claro que esta definição remete para outra, a definição de erro. Mas, por mais difícil ou controversa que seja a definição de erro, um matemático ou um físico sabem reconhecer quando se lhes aponta um erro (há excepções, claro, que só servem para confirmar a regra). Mas nem sempre outros profissionais admitem os erros com a mesma rapidez, com o mesmo ou pelo menos semelhante desprendimento.

Como é que os cientistas evitam a publicação e a conveniente disseminação de erros? É uma questão de cuidado. Tomam todos os cuidados e mais alguns. Esta porfiada preocupação por evitar o erro é uma das marcas maiores da actividade científica, que pode evidentemente ser aplicada aos mais variados tipos de estudos: os objectos podem ser os números e as formas, os átomos e o seu movimento, ou ainda as leis humanas ou os meios como os humanos comunicam. Por outras palavras, abrange tanto as ciências exactas e naturais como as ciências sociais e humanas. A metodologia científica passa, numa certa fase, pela comunicação por um autor da sua descoberta (é preciso que haja descoberta, isto é, se tenha algo de novo) de uma maneira clara e simples (é falso que os cientistas procurem a obscuridade nos seus processos de comunicação, pese embora o aparente hermetismo de alguma linguagem disciplinar para quem a não tenha aprendido). E nada é publicado que não passe pelo crivo apertado de um sistema de avaliação pelos colegas especialistas no mesmo assunto. Normalmente, usa-se a terminologia anglo-saxónica: avaliação diz-se “refereeing” (literalmente, arbitragem) e os colegas são os “peers” (literalmente, pares). Como diz o físico e matemático Jorge Buescu, no seu livro “O Mistério do Bilhete de Identidade e Outras Histórias” (Gradiva, 2001):

“O valor científico de um artigo publicado, nem que fosse por Albert Einstein, numa publicação sem sistema de ‘refereeing’ e ‘peer review’ é nulo (...) Publicações não validadas pela comunidade científica através de refereeing valem zero. São meras opiniões, talvez interessantes, mas com tanto valor científico como o editorial do jornal de domingo”.

Como é muito fácil errar, este foi o sistema inventado pelo homem para errar menos. O empreendimento científico consiste em procurar errar cada vez menos e o método científico, que inclui a juzante o “refereeing” pelos “peers” é a maneira prática de conseguir esse desiderato.

Então o que não é a ciência? Toda a actividade humana, por muito interessante e relevante que eventualmente seja, que não admita o elemento de contestação e, por isso, recuse o papel fulcral da avaliação. Não há nenhum mal em a praticar, pois o homem tem dimensões mais latas que a dimensão científica (tem emoções, crenças, etc., que não podem estar erradas). Mas curioso é o número de actividades humanas que imitam toscamente a ciência (poder-se-á dizer mesmo, sem querer ofender ninguém, que “macaqueiam” o método científico) sem nunca chegarem a ser uma pálida sombra do que é a ciência. Erram abundantemente, o que é natural porque não têm nenhum processo de o evitar, mas nunca ou raramente o admitem. Disparam para todo o lado e nunca ou raramente acertam (repare-se como as palavras “disparar” e “disparatar” estão tão próximas...).

Qual é o lugar da ciência num mundo onde a não-ciência prolifera? Não devemos ser demasiado pessimistas. Quando uma paraciência, pseudociência, ciência alternativa ou seja lá o que for pretende passar por ciência está, sem querer, a prestar uma boa homenagem à ciência. A ciência tem, bem vistas as coisas, um valor que é reconhecido por todos.

ÓPERA FORA DA ÓPERA


Vale a pena ver e ouvir a Companhia de Ópera de Filadélfia a actuar no meio de um mercado em Filadélfia no passado dia 24 de Abril.

sábado, 28 de agosto de 2010

Memórias de Hubert Reeves

Informação recebida da Gradiva sobre um livro acabado de sair:

Já não Terei Tempo - Memórias
Hubert Reeves

O título desta obra, retirado de uma peça coral com letra de Pierre Delanoë e música de Michel Fugain, atesta o entusiasmo com que Hubert Reeves sempre encarou a sua vocação de explorador do espaço: «Mesmo em cem anos, não terei tempo de visitar toda a imensidão dum tão grande Universo.»

Neste livro, Hubert Reeves entrega-se como nunca o tinha feito. Conta-nos como se forjou a sua paixão pelo cosmos, porque cedo sentiu o desejo de partilhar o seu saber, de que modo a filosofia, a religião e a música se uniram indissoluvelmente à sua demanda intelectual, como os encontros com outros grandes espíritos orientaram o seu – a vida ao mesmo tempo exemplar e singular de um investigador de hoje relatada na primeira pessoa, num testemunho ímpar. Todos os leitores de Hubert Reeves o verão neste livro mais próximo ainda, e os novos leitores descobrirão um homem admirável e um cientista de excepção. O livro de um cientista que se lê como um romance. Mas não diziam Harold Bloom e Ian McEwan que a grande literatura está hoje em muitos livros de ciência?

«Ciência Aberta», nº 185, 380 pp., € 18,50

Humor - Células Estaminais 3

Humor - Células Estaminais 2

Humor - Células Estaminais 1

AS CÉLULAS ESTAMINAIS E O JUIZ FEDERAL


O habitual apontamento de fim de semana do físico Robert Park, um grande combatentes contra a fraude, a superstição e o erro:

"STEM CELLS: BESTOWING PERSONHOOD ON THE ZYGOTE?

On Monday federal judge Royce Lamberth, appointed to the federal bench by Ronald Reagan, blocked the use of federal funds for research using embryonic stem cells on the grounds that extracting the cells kills human embryos. It is of course true that, for good or ill, every embryo has the potential to become a totally unique human being. The same is true of every zygote created by the fusion of gametes in an in-vitro fertilization Petri dish. One or more of the resulting embryos will be transferred to the patient's uterus a few days later. There will typically be many embryos left over. They are stored cryogenically in case a second transfer is necessary. By 2008 about 500,000 frozen embryos had accumulated in cryogenic facilities around the United States. That would be closer to 1 million by now, all of which retain the potential to become unique human beings. Does Judge Lamberth’s decision mean that society must now assume responsibility for the continued viability of this growing population of potential people?"

Robert Park

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

NOITE DOS INVESTIGADORES 2010


Informação recebida do Museu de Ciência da Universidade de Coimbra (UC):

Dia 24 de Setembro: Cientistas regressam à ribalta para nova edição da Noite dos Investigadores

Evento promovido pela Comissão Europeia chega a Coimbra graças ao Museu da Ciência da UC

As actividades são muitas, mas o objectivo é um só: aproximar os cientistas do público em geral. No dia 24 de Setembro, a partir das 15 horas e até à meia-noite, o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra acolhe a “Noite dos Investigadores” e uma nova performance dos “Cientistas ao Palco”.

Qual é o impacto da ciência na nossa sociedade? Em que consiste o quotidiano dos investigadores? Para o saber, nada melhor do que falar directamente com os cientistas. Na sexta-feira, 24 de Setembro, a “Noite dos Investigadores” começa em Coimbra às 15 horas, com “Conversas com Cientistas”, e prolonga-se pela noite dentro com uma sessão de ‘Speed Dating’, onde as pessoas podem ver as suas questões esclarecidas em curtos diálogos com os investigadores da Universidade de Coimbra.

Dirigidas ao público escolar, as conferências abordam diversas temáticas. Nuno Empadinhas (Centro de Neurociências e Biologia Celular - CNC) irá falar d’‘O Planeta das Micobactérias’, João Fernandes (Dep. de Matemática, FCTUC) de ‘Um universo cheio de planetas’ enquanto que Emília Duarte (Dep. de Ciências da Vida, FCTUC / CNC) fechará as “Conversas com Cientistas” com uma intervenção sobre a ‘Vida longa para os neurónios – protecção e regeneração’.

Para perceber melhor a ciência, reflectir e discutir sobre o trabalho desenvolvido pelos investigadores, os participantes também poderão pôr mãos à obra, através das experiências interactivas e observações astronómicas promovidas pelo Museu da Ciência da UC. O teatro será outro meio de comunicação dos cientistas com o público, graças aos “Cientistas ao Palco”.

A ciência também explicada graças ao teatro

“Cientistas ao Palco” é um dos projectos portugueses seleccionado pela Comissão Europeia para a Noite dos Investigadores. Decorre pela segunda vez em Coimbra e convida cientistas a subir ao palco para interpretar peças produzidas para o evento.

Serão apresentados em Coimbra, este ano, os espectáculos “Método Bosão de Higgs”, de David Marçal (às 21h30 e às 23h00) e “As Moscas são Ratos que Voam”, uma produção da companhia MARIONET (às 18h00 e às 21h30).

O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra conta, na iniciativa, com o apoio do Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC), do Departamento de Ciências da Vida e do Departamento de Matemática da FCTUC, da companhia de Teatro MARIONET e da associação Alpha Centauri.

A iniciativa “Cientistas ao Palco - 2010” tem lugar no próximo dia 24 de Setembro em Coimbra, Porto, Lisboa e Olhão. É desenvolvida pelo Museu da Ciência da UC em paralelo com mais 8 instituições nacionais de investigação e de divulgação da cultura científica, entre as quais o Instituto de Biologia Molecular e Celular, o Centro de Astrofísica da Universidade do Porto, o Instituto Gulbenkian da Ciência (Fundação Calouste Gulbenkian) e a Universidade do Algarve.

Mais informações: aqui e aqui

Programa:

TEATRO (18h00 – 23h30)
- Método Bosão de Higgs | de David Marçal (21h30 e 23h00)
- As Moscas são Ratos que Voam | MARIONET (18h00 e 21h30)

CONVERSAS COM CIENTISTAS (15h00 – 18h00)
Cientistas de diferentes áreas falam sobre a investigação científica que desenvolvem, numa conversa dirigida ao público escolar.

15h00: O Planeta das Micobactérias | Nuno Empadinhas (CNC)
16h00: Um universo cheio de planetas | João Fernandes (Dep. de Matemática, FCTUC)

17h00: Vida longa para os neurónios – protecção e regeneração | Emília Duarte (Dep. de Ciências da Vida, FCTUC / CNC)

SPEED DATING (21h00 – 24h00)
Cientistas da Universidade de Coimbra estarão disponíveis para curtas conversas com o público

CIÊNCIA AO VIVO (21h00 – 24h00)
Assista a demonstrações ao vivo de experiências científicas

EXPERIÊNCIAS INTERACTIVAS (15h00 – 24h00)
Actividades hands-on (mãos na massa) para todos

EXPOSIÇÕES (15h00 – 24h00)
Conheça os Segredos da luz e da matéria

OBSERVAÇÕES ASTRONÓMICAS (21h00 – 24h00)
Venha observar o céu e conhecer os seus segredos

MEDICINA QUÂNTICA?! (II)


Continuação de crónica anterior de António Piedade, com o mesmo título:

Todos os exemplos indicados, na crónica anterior, implicam uma fonte de radiação que, apesar de não estar necessariamente em contacto directo com o organismo, produz neste efeitos mensuráveis e reprodutíveis. O Sol está a cerca de 150 milhões de quilómetros, ou a 8 minutos-luz, mas “queima” a pele e altera o ADN dos seus cromossomas, numa relação causa efeito reprodutível numa simples experiência laboratorial em qualquer lugar do Universo e por qualquer pessoa. Como a radiação ultravioleta está “fora” do espectro visível, a que os olhos são sensíveis, não antevemos a causa do mal mais ou menos futuro. Noutro exemplo, a bomba de cobalto (radioterapia) está a uma certa distância do paciente com cancro, distância essa apropriada e calculada matematicamente, sendo que o feixe de radiação gama, que incide e é focado na massa cancerígena, minimizando assim danos nos tecidos saudáveis circundantes, é invisível aos olhos, mas os seus efeitos são sentidos posteriormente pelo organismo. De facto, o paciente nada sente durante a radioterapia ou exposição solar. É, para o senso comum, como se o efeito resultasse de “pura magia” advinda de uma tecnologia ou conhecimentos muito avançados, como dito na citação de Arthur C. Clarke. Mas nestes casos conhecemos a tecnologia e podemos explicar a magia com conhecimento acessível a todos (com mais ou menos esforço). Não há truques. Há conhecimento científico aplicado e substancial a uma tecnologia.

O mesmo não se pode dizer, nem sequer sugerir, de uma terapia designada por quântica, que se está a disseminar numa Medicina curadora de apelido também “Quântica”. Aparece definida como o processo que resulta da irradiação do organismo, ou parte dele, com energia electromagnética de determinada frequência, para repor, numa terapia ressonante, o estado de equilíbrio electromagnético perdido e característico do estado de saúde de cada um dos indivíduos. Não se entende como é que as radiações electromagnéticas terapêuticas de baixa intensidade se tornam efectivas no meio de tanta poluição electromagnética já produzida pela acção humana (telecomunicações, redes eléctricas, motores eléctricos, etc.). Não se entende como é que a terapia quântica, veiculada por instrumentação e alguns acessórios esteticamente agradáveis e de fácil mas dispendiosa utilização, sobrepõe a sua acção terapêutica em relação ao efeito placebo, isto é, ao efeito de sujeitar o paciente ao mesmo tipo de procedimento terapêutico mas sem aplicar qualquer radiação. Não se encontra apresentado, discutido e publicado em lado algum onde é que se encontra depositado o conhecimento que a suporta e que sugere alguém saber determinar parâmetros de física e química quântica para biomoléculas complexas como são o ADN, proteínas e mesmo de células inteiras, de agregados destas em tecidos, destes em órgãos e destes no todo que é o organismo. E o que é o equilíbrio electromagnético de uma indivíduo saudável? Ninguém normaliza.

Na famosa série de ficção científica “O Caminho das Estrelas” (Star Trek, no orginal), Leonard McCoy (desempenhado pelo actor DeForest Kelley), médico chefe da nave Enterprise, diagnosticava e tratava os doentes utilizando um equipamento que pulsava feixes invisíveis de radiação, capazes de tratar feridas gravosas entre outros problemas ainda de difícil ou impossível resolução para a nossa medicina actual. Também era comum tratarem os tripulantes com danos mais severos (em coma) com diademas e pulseiras aparentemente electromagnéticas. Assim como os autores da saga não nos explicaram como funcionava o teletransporte, veiculo privilegiado de transporte entre a nave e um outro local pretendido, também não nos deixaram instruções para tão avançada tecnologia de aplicação médica. Resta-nos, ainda hoje, espantarmo-nos com tão sugestiva, impressiva e curadora magia residente na ficção científica da saga galáctica e esperar que o conhecimento avance para a tornar em pura e robusta tecnologia ao serviço da saúde e de vida.

Entretanto, não se deixe enganar por futurologistas de bata branca a irradiar saúde. É que já não há oráculos!

António Piedade

O CHEIRO DOS RICOS


Minha crónica no semanário "Sol" de hoje:

A estação central de comboios da cidade alemã de Colónia é dominado pela publicidade à água de Colónia 4711, que é, aí como noutros lados, denominada “autêntica”. Ora essa publicidade, como tantas outras, é bastante enganosa, pois a água original de Colónia é quase um século mais velha, remontando a 1709, o ano em que, em Portugal, Bartolomeu de Gusmão fazia subir, perante o rei D. João V, a sua Passarola.

Com efeito, foi nesse ano que o comerciante italiano Giovanni Maria Farina inventou e passou a vender uma “água milagrosa” que ele próprio descreveu nestes termos: "Encontrei um cheiro que me lembra uma manhã na Itália, narcisos da montanha e folhas de laranja depois da chuva. Ele me refresca e fortalece os meus sentidos e a minha fantasia.” Em homenagem à cidade onde foi inventada, passou a ser anunciada como “água de Colónia”.

Aconteceu à água de Colónia o mesmo que, mais tarde, aconteceu à Gilette, isto é, passou a designar-se todo um tipo de produtos com o mesmo nome do produto inicial. Embora de fórmulas químicas diferentes, a 4711 e a Farina são ambas águas de Colónia, isto é, são uma mistura de óleos essenciais de plantas, em concentração inferior a sete por cento, com álcool (etanol) diluído em água. A 4711 será talvez a água de Colónia mais famosa em todo o mundo, pese embora a história da sua pretensão à autenticidade ser um pouco recambolesca: o alemão que criou, também em Colónia, o sucedâneo convidou para sócio da sua empresa um Farina que não tinha nada a ver com a família do perfumista com o mesmo nome, só para que as duas águas pudessem ser confundidas. As leis da propriedade industrial ainda não tinham sido feitas!

A 4711 (nome que deriva do número de porta da loja, na Rua dos Sinos, Glockengasse, no tempo em que os números diziam respeito a toda a cidade e não apenas à rua) tem uma relação com o nosso país: toda uma linha dos seus produtos de perfumaria se intitula Portugal. Porquê? Acontece que um dos óleos essenciais usados para preparar esses produtos é feito com casca de uma laranja azeda, proveniente dos países do Sul da Europa. A associação de Portugal com a produção de laranjas é ancestral e, na Alemanha, esse óleo da água de Colónia tem mesmo como sinónimo “óleo de Portugal” (Portugalöl). É por isso que antigamente se falava de uma “água de Portugal”.

Como é o cheiro que resulta dos óleos essenciais como o “óleo de Portugal”? Conforme disse Farina, é refrescante e, portanto, leve e agradável. Notáveis como Napoleão, Goethe e Beethoven (natural de Bona, perto de Colónia) usaram água de Colónia, uma grande novidade na época porque os perfumes, em geral de origem francesa, eram até aí demasiado fortes. O cheiro a Colónia passou até a ser designado por “cheiro dos ricos” ...

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Do "homem-que-conhece" ao "homem-que-faz"

Com base nas notícias da comunicação social portuguesa, poderíamos afirmar que os Ensinos Básico e Secundário polarizam mais os interesses das pessoas comuns do que o Ensino Superior, ainda que neste as reformas em curso sejam tão profundas como naqueles.

Além disso, são reformas que assentam exactamente nos mesmos pressupostos, sendo o mais central “a passagem de um ensino baseado na transmissão de conhecimentos para um ensino baseado no desenvolvimento de competências".

Isto está claramente plasmado no Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, que formaliza a reorganização do Ensino Superior, mas encontra-se explicitado em todos os documentos que formalizam as reorganizações dos Ensinos Básico e Secundário.

No que concerne ao nível de Ensino Superior, explica-se nas alíneas e) e f) do referido documento quais as competências que os alunos devem adquirir na sua frequência universitária ou politécnica: "Competências que lhes permitam comunicar informação, ideias, problemas e soluções, tanto a públicos constituídos por especialistas como por não especialistas; competências de aprendizagem que lhes permitam uma aprendizagem ao longo da vida com elevado grau de autonomia.”

Centrando-se a noção propangandeada de competência no saber-fazer (ainda que se advirta a todo o momento que ela não pressupõe a desvalorização do saber, que é um "saber em acção ou em uso"), talvez estejamos a passar (ou já passámos), dum modelo de "homem-que-conhece" para um modelo "de homem-que-faz", como referiu António Manuel Baptista. Vale a pena ler o enquadramento destas expressões:

"Sabemos que a instituição universitária, de que a actual é herdeira, nas suas linhas fundamentais, tem as suas raízes na Idade Média, no século XII. Destacamos a sua importância capital por ter contribuído principalmente para fazer a ligação do mundo clássico greco-romano, através dos Árabes, ao mundo ocidental e decisivamente para o surgimento de uma cultura científica (…).

A ideia de universidade moderna que chegou até aos nossos dias foi implantada por Alexander von Humboldt na Alemanha no século XIX (…). Fundamentalmente, via-se a universidade como uma instituição de ensino superior onde se ia criando o conhecimento novo que iria sendo transmitido aos alunos, formando-se uma comunidade de escolares numa atmosfera propícia para a obtenção e propagação desse conhecimento (…).

A ênfase fundamental era colocada mais no homem-que-conhecia do que no homem-que-fazia.

Os problemas da competência do professor e das capacidades dos estudantes eram, de certa maneira, simplificados, pois, com o desenvolvimento científico, foi-se estruturando, regradamente, uma comunidade internacional com hierarquias próprias. Polany chamar-lhe-ia, mais tarde, a república da ciência na sua dimensão internacional. Essa república haveria de estabelecer os seus próprios padrões de excelência, em que se valorava primariamente a criatividade científica e os modos de a apreciar e estimular. Assim se desenvolveram e criaram instituições variadas, com as revistas especializadas, com o seu corpo editorial e árbitros, conferências, seminários, etc., envolvendo toda a actividade com uma vigilância bastante eficaz.

O conhecimento era considerado o produto por excelência das instituições universitárias (…). O espírito universitário radica fundamentalmente neste respeito pelo conhecimento e sua fruição como valor próprio absoluto (…). Assim, a universidade responde a uma necessidade real das comunidades e surge como meio de responder a esse anseio cultural, para lá da formação de profissionais. A universidade, em princípio, está onde estiver este amor ao conhecimento e à sua aquisição e transmissão (…). Considerava-se que os jovens formados numa atmosfera em que se valorizasse o conhecimento desta forma, com as suas exigências intelectuais, poderiam depois, nas suas profissões particulares, desempenhar cabalmente as diversas funções que a sociedade lhes exigisse para a realização dos seus fins, fossem estes quais fossem.

Estamos, efectivamente, a tentar identificar o cerne vital da instituição que, naturalmente, seria sempre um organismo muito mais complexo na satisfação de outros objectivos da sociedade onde estava inserida e que, pelo seu apoio, a tornava possível. Mas digamos que tudo o que afectava esse núcleo essencial da formação e transmissão do conhecimento novo era resistido como uma ameaça à integridade da instituição (…)."

Referência completa: Baptista, A. M. (1998). Ciência, universidades e universidades portuguesas. A. M. Baptista. A ciência no grande teatro do mundo. Lisboa: Gradiva, Capítulo 6, páginas 171 e seguinte.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

«Isto tem muito númaro»

Andava Júlio Pomar pelos vinte anos quando, um belo dia, para seu grande espanto, recebeu no seu ateliê - "um quarto alugado na Rua das Flores a que chamávamos pomposamente ateliê", diz o pintor - a visita de Almada Negreiros.

Passando ao acaso, ou tendo ouvido falar da exposição que um grupo de alunos das Belas Artes ali apresentava, o já então conhecido por Mestre Almada, resolveu espreitar. Nessa esperitadela viu "uma pinturinha sobre cartão com uma cena de saltimbancos" da autoria de Pomar, que comprou, por cem merréis, "para ser exposto no Secretariado de Propaganda Nacional, em São Pedro de Alcântara".

Nessas andanças o quadro perdeu-se (existe apenas o desenho preparatório), o que não foi muito importante; o elogio que ele permitiu é que foi importante. Conta-o Pomar da seguinte maneira:

O que é que sentiu quando o Almada lhe comprou o quadro?
Ah! Enfim, foi assim uma coisa.... Só o simpes facto de o Almada se ter abalado da Brasileira até ao nosso atelier era... Nunca esquecerei. A dado momento, perante um desenho meu, o Almada, com aquele seu sotaque lisboeta, diz: «Isto tem muito númaro». Conhecia que era a sua atracção pelos números, pelas relações geométricas, era o maior cumprimento que se podia receber. «Isto tem muito númaro». Claro que me babei... «Númaro».

Grande Reportagem, Agosto de 2003, p. 59.

Na figura: Quadro de Júlio Pomar intitulado O Almoço do Trolha. A inspiração neo-realista traduz a influência que Almada Negreiros teve na sua obra.
Documentos consultados:
Entrevista de Júlio Pomar à revista Grande Reportagem de Agosto de 2003, realizada por Ana Sofia Fonseca.
Entrevista de Júlio Pomar ao semanário Expresso, realizada por Ana Soromenho.

Para evitar mais massacres

Há um ano, em Agosto, referia aqui a destruição de livros sobrantes por editoras portuguesas.

Em sequência, no passado mês de Março, tive conhecimento de que a Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, considerou publicamente essa destruição inaceitável.

Ontem li uma notícia animadora a este respeito: as editoras poderão oferecer obras sem valor de mercado a instituições várias, ficando dispensadas de impostos.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

A bela Maria Dulce

“É irrepetível e absolutamente efémero.
Isso é que é fantástico, é o mistério do teatro.
Não fica nada, só a memória do público,
que entretanto também vai morrendo.”
Mário Viegas em Entrevista ao Expresso, 1993, 48.

Não tem o De Rerum Natura dado grande destaque àqueles que dão voz e vida às palavras contidas nos textos. Percebi esse esquecimento, quando soube da morte da bela actriz de voz firme e gestos seguros que foi a Maria Dulce.

Estava a estudar no Conservatório, quando António Lopes Ribeiro, viu nela a doce Maria de Almeida Garrett. Com treze anos, entrou, pois, em Frei Luís de Sousa e depois desse filme foram sessenta anos no teatro, no cinema, na televisão, na rádio... Em Portugal e em Espanha.

Fez revista, comédia, drama... Também cantou e disse e gravou poesia, por se ter deslumbado com alguns dos nossos clássicos.

Afirmou a sua classe laboral, reivindicou direitos que lhes eram devidos e criou uma companhia de teatro.

"Tenho orgulho de ser altamente profissional, de nunca me atrasar e de ter os textos todos trabalhados", foi o que ela disse uma vez, para resumir a sua vida.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Colony Collapse Disorder

Parece que as abelhas estão a abandonar as suas colmeias e ninguém sabe porquê.

O problema é conhecido por CCD (Colony Collapse Disorder):


O 60 minutos da CBS dedicou uns minutos ao assunto.
1ª parte:


2ª parte:


Fontes de informação:
http://en.wikipedia.org/wiki/Colony_collapse_disorder

Como dizia uma das cientistas da estória da CBS as abelhas são sensores do ambiente e estão a dar-nos a informação sobre o estado a que conduzimos o planeta terra: não há comida suficiente e a que existe está contaminada.

Vale a pena pensar nisto!

Ondas no embrião do Peixe-Zebra


Nova crónica do nosso colaborador habitual António Piedade.

O peixe-zebra, muito apreciado pelos aquariófilos, é também muito utilizado em investigações sobre o desenvolvimento embrionário dos animais vertebrados, como nós. A sua utilidade, como modelo animal para estes estudos de embriologia, deve-se, entre outros aspectos, ao facto de o seu genoma estar totalmente sequenciado, o seu comportamento estar muito bem estudado e compreendido, ser relativamente fácil de obter mutantes e de estes também estarem muito bem caracterizados, apresentar um desenvolvimento embrionário em cerca de três dias desde a eclosão do ovo até ao estado larvar, e de não apresentar muita variação de tamanhos, o que permite excelentes comparações entre estudos diferentes.

Para além disso, a sua fase embrionária é de muito fácil observação e manipulação experimental uma vez que o desenvolvimento ocorre fora da mãe, com um embrião generoso no tamanho, robusto e opticamente transparente. Esta transparência permite uma boa visualização dos diferentes estados do desenvolvimento embrionário, utilizando um simples microscópio óptico.

O aparecimento de novas técnicas microscópicas baseadas na excitação de tecidos biológicos por lasers estáveis e de baixas intensidades, aliadas ao desenvolvimento no tratamento informático da informação captada, tem permitido ultimamente registar aspectos no desenvolvimento embrionário, em tempo real e sem a utilização de marcadores celulares (a marcação de estruturas especificas celulares, para permitir a visualização das diferentes etapas, acabam sempre por ser um elemento estranho no embrião).

Neste contexto, foi publicado no último número da revista Science (aqui) um artigo que apresenta novos aspectos espantosos sobre o desenvolvimento embrionário deste importante modelo experimental animal. Um deles é o de os investigadores terem detectado uma certa assimetria pulsante na evolução do desenvolvimento embrionário, que sugere uma certa ondulação com o tempo na diferenciação celular.

É como se o desenvolvimento fosse embalado ao ritmo da transcrição genética e da difusão das substâncias modeladoras, que vão progressivamente dirigindo a arquitectura funcional que irá ser o organismo completo. O artigo é acompanhado por vídeos que documentam o observado: aqui.

Apetece escrever que “a mão que embala o berço” do desenvolvimento embrionário orquestra o caldo bioquímico ao diferenciar o óvulo singular para a sinfonia multifacetada da vida multicelular e complexa que caracteriza os organismos como o nosso.

António Piedade

domingo, 22 de agosto de 2010

O MOTOR CAÍDO DOS CÉUS


Não, a peça mais surpreendente do Museu Romano-Germânico, mesmo ao lado da catedral de Colónia, na Alemanha, não é o belíssimo chão de mosaico de Dionísio, que foi encontrado "in situ" quando se escavava durante a Segunda Guerra Mundial um abrigo anti-aéreo (e que consegue superar os de Conímbriga). O que mais me surpreendeu foi encontrar, no meio de tantos e tão ricos fundos romanos e pré-romanos, um motor enferrujado, dificilmente reconhecível, de um avião-caça da Luftwaffe que caiu em Enger-Pödinghausen, Herford, no estado de Nordrhein-Westfalen, em Novembro de 1944, e que, ao fim de 66 anos, foi encontrado por acaso numa escavação arqueológica.

Estava enterrado no solo a 4,5 metros de profundidade, tal foi a violência da queda. Mas foi ainda possível encontrar testemunhas oculares da queda, alemães que se lembram de ter recolhido o piloto, ejectado de páraquedas (uma sua pistola e um seu crucifixo foram também escavados por arqueólogos e são mostrados junto ao motor no segundo piso do museu). O avião era um Messerschmitt Bf 109 G 6/Y e o motor era Daimler-Benz,

Dois anos antes, mais precisamente a 30 de Maio de 1942, tinha havido um dos primeiros grandes ataques aéreos da história, com 1100 caças bombardeiros da Royal Air Force a semear a esmo bombas sobre a cidade. O burgo ficou quase arrasado, como mostram alguns postais ilustrados (embora a preto e branco) que os turistas hoje gostam de comprar. Num mar de ruínas ergue-se, solitária e altiva, a catedral. Que os pilotos tenham conseguido poupar uma das jóias da arquitectura gótica que demorou mais de 600 anos a construir mas que poderia ter sido destruída em poucas horas só mostra a sua perícia. Perícia que é comprovada pelo facto de a defesa antiaaérea alemã só ter conseguido abater 43 aviões dos 1100 que enxamearam o céu sobre o rio Reno (uma perda de cerca de quatro por cento!). Nenhum destes aviões britânicos apareceu ainda em escavações arqueológicas, mas isso pode ainda vir a acontecer.

E o que não poderão dizer, se existirem, os arqueólogos daqui a milhares de anos quando descobrirem motores do século XX à mistura com pedras medievais?

MEDICINA QUÂNTICA?! (I)


Novo texto de António Piedade saído no "Diário de Coimbra" (na foto imagem de ressonância magnética nuclear):

“Toda a tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da pura magia”

Esta é a asserção da terceira lei de Sir Arthur C. Clarke, inclusa no seu livro "Profiles of The Future", escrito em 1961. Arthur Clarke, escritor de obras de ficção científica incontornáveis, como “2001, Odisseia no Espaço”, propôs, em 1945, os fundamentos do sistema de comunicações por satélites em órbitas geoestacionárias. Fez, para isso, uso do conhecimento sobre a radiação electromagnética adquirido cumulativamente por várias gerações dos melhores cientistas da humanidade nos últimos 200 anos (Maxwell, Hertz, Weber, Faraday, Snell, Marconi, Einstein, Planck, entre outros). De facto, muita da tecnologia que sustenta a nossa sociedade actual é fruto do conhecimento que temos dos campos, da forças e das radiações electromagnéticas, de que o espectro da luz visível, estudado por Newton, é só uma pequena parte.

Desde as ondas de rádio até aos raios gama, passando pelas microondas e pelos raios X, não é difícil identificarmos actividades, processos e instrumentação, no nosso dia-a-dia, que decorrem da natureza da radiação electromagnética, que por sua vez dependem da frequência ou do comprimento de onda e da amplitude. Einstein teorizou a relação entre matéria e energia, através da famosa constante “c” que mais não é do que a velocidade a que qualquer radiação electromagnética, independentemente da sua frequência, se propaga no vazio. E Planck estabeleceu através da constante “h”, que tem o seu nome, a relação entre a energia de uma dada radiação electromagnética e a sua frequência. De facto, a velocidade de propagação das ondas electromagnéticas varia com a frequência, ou com a sua energia, se o vazio for preenchido por matéria (recorde-se que o som não se propaga no vácuo, por se tratar de uma onda mecânica e não electromagnética). O meio de propagação (ar, água, metal, tecido biológico, etc.) afecta a velocidade de propagação e até a própria capacidade de penetração de uma dada radiação electromagnética, e isto proporciona-nos tecnologias muito úteis que usamos sem nos apercebermos o que está por detrás delas.

Isso é, em particular, evidente nas tecnologias da saúde e da vida. Inúmeros são os exemplos no nosso quotidiano. Um é a aplicação dos raios-X na detecção de inúmeras patologias e perturbações no organismo, determinante como auxiliar de diagnóstico, primeiro no quadro de uma medicina mais empírica e, mais recentemente, de uma medicina baseada na evidência, robustecida pela metodologia científica na minimização de erros tantas vezes fatais para o paciente. Outro exemplo é o da aplicação da radiação gama na radioterapia curativa ou paliativa de combate a determinados tipos de cancros sólidos. Ainda um outro exemplo é o da ressonância magnética nuclear, que faz uso de campos magnéticos e radiações electromagnéticas com frequências na gama das ondas de rádio e, por isso, muito menos nocivas do que, por exemplo, os raios X. Aliás, é espantoso o avanço nas técnicas de imagiologia por ressonância magnética registado nos últimos anos e tudo o que têm permitido desvendar a respeito da fisiologia do nosso corpo, mormente na neurofisiologia, conquanto permitem monitorizar uma determinada função e contextualizá-la com a anatomia envolvente.

Um último exemplo, este visto por um ângulo oposto, é o efeito nefasto que a radiação ultravioleta, proveniente do Sol, provoca no ADN das células da nossa pele, induzindo mutações e danos biomoleculares que potenciam o desenvolvimento de certas formas de cancro.

Sem o conhecimento minucioso das propriedades da interacção da radiação electromagnética com a matéria que constitui os tecidos do nosso corpo, em rigor com os átomos e moléculas que o constituem, não teria sido possível desenvolver aquelas e outras tecnologias para a saúde e da vida. Estas são áreas cientificamente bem fundamentadas e identificadas com a medicina nuclear e com a radiologia, disciplinas incluídas nos currícula para a formação de médicos e técnicos de saúde.

O mesmo não se pode dizer, por ausência de qualquer informação científica acessível, de um pretenso conhecimento científico subjacente a uma dita "medicina quântica" que se começa a instalar, adubada pelo desconhecimento que o público em geral possui sobre a física e química quânticas.

(continua)

António Piedade

Carros do Futuro (presente)

Nissan Land Glider EV Concept


Volvo XC60 Concept Car


Toyota EV Concept


Future Car BMW


Audi Shark


Audi RSQ


Nissan Pivo 2


Alfa Romeo Pandeon

A MISTELA DO EDUQUÊS

Texto gentilmente enviado por Guilherme Valente ao De Rerum Natura, saído no semanário Expresso de hoje.

«Os que negam a razão não podem ser conquistados por ela.» A. R.
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1. Só há um grande problema em Portugal, todos os outros derivam dele, serão resolvidos por acréscimo: a educação. O nosso défice público maior. No entanto, a solução desse problema fundador foi deixada a um grupo de pessoas de duvidosa formação, chocante insensatez, gritante incapacidade de gestão, desígnio ideológico inconfessável. Durante mais de trinta anos. Sobrevivendo a todas as mudanças de governo. Com uma continuidade como nunca se verificou noutra área governativa. Sem terem sido eleitas. Sem o seu programa ter sido votado pelos Portugueses. Impedindo a construção da escola do conhecimento e da exigência, que redistribuiria a cultura e qualificaria os Portugueses, esse grupo dos «especialistas» controla todo o sistema educativo, das estruturas de poder do Ministério à formação de professores. Recrutaram em todos os partidos, colocaram fiéis ou têm instrumentos nas Presidências da República. Na expectativa de eleições, preparam já a troca de cadeiras nos lugares mais visíveis no Ministério da Educação. À espera do próximo convertido ou «idiota útil» mais provável para ministro. Ninguém pode ambicionar uma carreira na educação sem aceitar o seu jugo. Uma «União Nacional».
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2. Confrontados com a tragédia dos resultados, que não os deixámos continuar a esconder, justificam o insucesso atribuindo-o a «cedências», «desvios» e «recuos» na realização do seu projecto. Devem ser assim interpretadas divergências recentes. E chegou a «justificação» mais sinistra: «Precisamos de mais tempo». Perante a sucessiva descida das notas de matemática, os responsáveis pelo Plano de Acção para a Matemática (os mesmos que causaram o descalabro) disseram… precisarem de mais anos (Expresso de 3/6/10, p. 18). Não chegaram trinta anos de experiência, um longo cortejo de vítimas? Pseudo-argumento, inverificável, fanático, que se conhece da História. No registo da política, como no da ciência, quando não se aceita a prova da realidade - neste caso o fracasso verificadíssimo da anti-escola imposta ao País - entra-se no reino das «ciências» ocultas. Também nesse sentido o eduquês é uma seita. Uma história conhecida ilustra a natureza irracional da falácia: Envenenado pela mistela do curandeiro, o doente acaba por ir ao médico. Levado o charlatão a tribunal, o que diz em sua defesa? «Se tivesse continuado a beber o meu remédio… acabaria por melhorar.» Até quando? Até morrer mesmo, pois não era remédio, mas veneno.
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3. Estúpida relativamente à escola de que o País precisa, mas perfeita relativamente ao projecto de sociedade que querem impor, a instituição do fim das retenções, agora tão atalhoadamente defendida (Expresso de 31/7/2010 e entrevista ao telejornal da SIC), é, afinal, a dose letal da mistela que faltava. Percebe-se o seu efeito num país como Portugal. Solução final há muito desejada pela seita, que, finalmente, um ministro e um governo lhes oferecem. Só num ensino, útil e digno para todos, que seja exigente desde a primeira aula, e, assim, gerador da autoexigência de professores, alunos e pais, as retenções e o abandono seriam residuais. Uma escola em tudo o inverso da que temos. Mas mesmo nesse caso uma impossibilidade das retenções não devia ser formalizada.
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4. Do mesmo modo, a política dos grandes agrupamentos, vista como de poupança financeira, é, sobretudo, outra concretização do projecto ideológico imposto ao País: criam espaços anómicos, onde, sem regras, na dissolução do conhecimento que conta e dos valores que humanizam, na «libertação» dos ressentimentos, supostamente se diluiriam todas as diferenças, sociais, culturais, pessoais. Ao contrário, por exemplo, do que acontece na Finlândia, que tão mentirosamente referem.
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5. A minoria que foge ou sobrevive não chegará para resistir à aniquilação geral da inteligência e da vontade que tem sido perpetrada, para resistir à magnitude do que foi, agora, alegremente, prometido.
Guilherme Valente

sábado, 21 de agosto de 2010

Água de Colónia: a "original" versus a "autêntica"














Ir a Colónia e não trazer água de Colónia é como ir a Roma e não ver o papa, ou melhor, ir a Colónia e não ver a catedral. Mas, em Colónia, fiquei indeciso entre a "original", associada ao nome do italiano Giovanni Maria Farina, e a "autêntica", que usa o nome de 4711, do antigo número de porta da casa onde era fabricada. O segundo perfume é talvez mais conhecido até porque se vende mais. Mas o perfume mais antigo foi criado na cidade de Colónia pelo italiano em 1709, portanto há mais de 300 anos. O "4711", que tem uma fórmula química diferente (as duas são um segredo bem guardado!), só viu a luz do dia em 1804, graças a um comerciante alemão de seu nome Wilhelm Muehlens, não chegando por isso aos 200 anos. Seria uma história complicada contar como Muehlens tentou por todos os meios usar o nome de Farina, incluindo a compra do nome a um Farina que não era da família original e que não teve escrúpulos de o vender a dezenas de outros perfumistas... Ao contrário de Farina, o nome de "água de Colónia" é hoje uma designação genérica, com vários fabricantes em vários sítios do mundo, que desenvolvem campanhas de marketing agressivas. É curioso notar que o escritor francês Honoré de Balzac escreveu um romance onde descreve lutas entre perfumistas na Paris do século XIX, antecedendo no tema o alemão Patrick Sueskind, autor de "O Perfume".

Em Colónia, vale a pena ver o Museu do Perfume na casa onde trabalhou o italiano Farina, que continua de posse da mesma família, oito gerações depois, em frente à praça de Juelich, muito perto do magnífico Museu Wallraff-Richartz e da velha Rathaus (Câmara Municipal), e relativamente perto da Catedral, a única coisa que em Colónia é mais famosa do que a água de Colónia. O original sempre é o original. E aprende-se lá que Napoleão, querendo estar sempre bem-cheiroso, usava um frasco inteiro de água de Colónia por dia. Mais modernamente, e embora em menor quantidade, eram dados frascos aos marinheiros dos submarinos alemães na Segunda Guerra Mundial. Consta que eles, em vez de os usarem, os traziam para oferecer às namoradas ou esposas, uma vez que o perfume, de aroma suave, é unisexo...

O REGRESSO DA "FÍSICA ALEMÃ"

No nosso habitual destaque para a coluna do físico Robert Park, escolhemos hoje a sua chamada de atenção para a estranha parecença entre uma entrada na "Conservapedia" (Wikipedia Conservadora) e as posições nazis da "Física Alemã", que comparavam Hitler aos "gigantes da ciência" (na foto Philipp Lenard):
"CONSERVAPEDIA: OMINOUS ECHOES OF DEUTSCHE PHYSIK.

Last week I commented about Conservapedia, which was created to counter the "liberal bias of Wikipedia." As an example, I quoted from an item about relativity and Einstein. Physicist Don Langenberg, Chancellor Emeritus of the University of Maryland, who happened to be reading "The German Genius" by Peter Watson (Harper, 2010), remarked that the Conservapedia position quite accurately echoes a view expressed in May 1924 by Nobel physics laureates, Philipp Lenard and Johannes Stark in which they compared Hitler with the giants of science. This marked the emergence of "Deutsche Physik," which eschewed relativity and quantum theory, arguing that they were too theoretical, too abstract, and "threatened to undermine intuitive mechanical models of the world." Langenberg wonders if it’s possible that our rabid right might be pushing us toward revisiting the tragic events of the early 20th century."

Robert Park