sexta-feira, 31 de maio de 2024

CAMÕES NO «SÉCULO DOS PRODÍGIOS»



Meu artigo no último JL (número especial sobre Camões):

Foi Onésimo Teotónio Almeida quem, no seu livro «O Século dos Prodígios. A Ciência no Portugal da Expansão» (Quetzal, 2018), inspirando-se num título de Lídia Jorge, chamou ao período da expansão portuguesa entre meados do século XV e meados do século XVI o «século dos prodígios». Em 1419 os navegadores portugueses chegaram à Madeira. Em 1500 acharam o Brasil, na sequência da descoberta do caminho marítimo para a Índia dois anos antes. Haveriam de chegar à China em 1509 e ao Japão em 1543 (ou 1542, há disputa sobre a data). Na maior parte dos casos houve encontros com povos de culturas diferentes, por serem sítios habitados há muito. Nesse livro, Onésimo inclui um capítulo justamente intitulado «Camões e a sua notável modernidade». De facto, Luís de Camões (1524?-1580) foi um homem do seu tempo, um tempo de enormes transformações em Portugal e no mundo, quando fermentava a modernidade.

O poema épico Os Lusíadas, publicado em Lisboa na Oficina de António Gonçalves em 1572, relata, com laivos fantasistas pois intervêm um conjunto de deuses da mitologia greco-latina, a viagem de Vasco da Gama de Lisboa a Calecute, na Índia. Camões, que viajou para a Índia em 1553 onde passou longos anos, descreve não apenas a viagem, mas também a história de Portugal, que é contada por Gama ao rei de Melinde (cantos III a V). Por todo o poema é transmitida a visão ptolemaica da «esfera do mundo», isto é, o conjunto dos astros então conhecidos do sistema solar, com a Terra posicionada no centro. É essa «máquina do mundo» que a ninfa Tétis mostra a Gama na ilha dos Amores, como podemos ler no canto X. Para além da contemplação astronómica, os heróis são recompensados da árdua viagem com o convívio com as divindades. Ora, 1543, quando os portugueses chegaram ao Japão, foi o ano de publicação na cidade alemã de Nuremberga do famoso livro do astrónomo polaco Nicolau Copérnico Da Revolução dos Orbes Celestes, que reorganiza os dados astronómicas anteriores de uma forma mais simples e consistente ao colocar o Sol no centro do mundo em vez da Terra. Poder-se-á perguntar por que razão Camões, que estava muito bem informado (passou na sua juventude alguns anos na cidade de Coimbra, onde vivia um seu tio, prior no Mosteiro de Santa Cruz), ainda usava o sistema astronómico antigo quase três décadas volvidas após a obra revolucionária de Copérnico. Acontece que o sistema ptolemaico era o ensinado na época: o matemático Pedro Nunes (1502-1578) ensinava-o na Universidade de Coimbra, depois de o ter ensinado em Lisboa (a então única universidade nacional mudou-se em 1537 da capital para Coimbra por ordem do rei D. João III). Durou muitos anos até que o sistema copernicano passasse a ser oficialmente ensinado entre nós -– de facto. até ao século XVIII. O livro de Copérnico entrou no Índex de Livros Proibidos da Igreja Católica, criado após o Concílio de Trento, a reacção papal à reforma protestante de 1517 (os luteranos, entre os quais o próprio Martinho Lutero, não ficariam nada atrás dos católicos nas acusações a Copérnico, que morreu precisamente no ano da publicação da referida obra), por alegadamente contrariar as Sagradas Escrituras. Mesmo não adoptando a mais recente sistematização astronómica, Camões revela um conhecimento bastante pormenorizado dos céus, de acordo com os cânones então vigentes. Como fez notar no início do século XX o professor de Matemática da Universidade de Coimbra Luciano Pereira da Silva, no seu livro A Astronomia de “Os Lusíadas” (Imprensa da Universidade de Coimbra, 1915, e reeditado pela Junta de investigações do Ultramar em 1972, para assinalar os 400 anos de publicação de Os Lusíadas), o poema épico está repleto de informação astronómica fidedigna. Estando o texto de Os Lusíadas acessível na Internet é muito fácil hoje fazer contagens da frequência de termos conotados com a ciência: palavras como mundo, estrela, planeta, Terra, etc. aparecem amiúde.

Assumindo o ponto de vista da ciência, a principal marca de Os Lusíadas não é, porém, o conjunto de dados de cariz astronómico nem o conjunto de dados meteorológicos e botânicos, que mostram que a competência científica do poeta estava longe de se restringir à astronomia. É, como apontou Onésimo, a sua grande modernidade traduzida no facto de a atitude empírica – a observação atenta, a experiência cuidada e o raciocínio lógico – estarem valorizados n’Os Lusíadas. Essa atitude é a pedra angular do método científico, que haveria de ser apresentado, com convincentes exemplos, já no século XVI, entre outros, pelo astrónomo e físico italiano Galileu Galilei (1564-1642), autor de O Mensageiro das Estrelas, de 1610, que divulgou as primeiras observações realizadas com o telescópio) e pelo médico inglês William Harvey (1578-1657), autor de Estudo do Movimento do Coração e do Sangue nos Animais, de 1728, que sustentou que o coração é uma bomba de tipo hidráulico. Sendo convencional a data do início de ciência moderna, no período designado hoje por Revolução Científica, o historiador inglês David Wootton, autor do livro A Invenção da Ciência. Nova História da Revolução Científica (Temas e Debates, 2017), localiza-a em 1572, exactamente o ano dos Lusíadas, com a observação de uma supernova (uma grande estrela a morrer) pelo astrónomo dinamarquês Tycho Brahe (1546-1601), o último grande astrónomo antes da era dos telescópios inaugurada por Galileu. Embora tenha sido cultivador das letras e não das ciências, Camões foi um notável precursor do método científico. Foi ele que escreveu «vi claramente visto o lume vivo» a propósito do fogo de Santelmo e foi ele que elogiou a experiência dos «rudos marinheiros» que, nas suas viagens nos mares até então ignotos, «vêem do mundo os segredos escondidos» (canto V). O seu espírito está em consonância com o dos navegadores da expansão: foi no «século dos prodígios» que o navegador português Duarte Pacheco Pereira (1460-1533) escreveu o seu manuscrito Esmeraldo de Situ Orbis, apenas descoberto mais tarde, onde chama à experiência «a madre de todas as cousas», acrescentando que «por ela soubemos radicalmente a verdade».

O «século dos prodígios» é um período de luz da ciência portuguesa: foram contemporâneos de Camões, para além do matemático Pedro Nunes, o geógrafo e geofísico D. João de Castro (1500-1548) e os médicos (como aliás Pedro Nunes) Amato Lusitano (1511-1568) e Garcia da Orta (1501?-1568). D. João de Castro, mais conhecido por ter sido vice-rei da Índia, foi o autor de três Roteiros da Índia, eivados de espírito científico, Os dois médicos, ambos cristãos-novos, decidiram deixar o país em 1534, dois anos antes de ter sido aqui instituída a Inquisição, o primeiro para um exílio europeu que passou pelos Países Baixos, Itália, Croácia e Grécia (recorrendo aos nomes actuais) e o segundo para Goa, na Índia. Foi em Goa que Camões conheceu Orta. E, graças a esse feliz encontro, foi também nessa cidade que ele inaugurou a impressão da sua poesia com uma ode ao Conde de Redondo inserida no início do Colóquio dos Simples e Drogas e Coisas Medicinais da Índia, de Garcia de Orta, saído em 1563 do prelo de João de Endem. Trata-se de uma obra extraordinária pela sua modernidade, continuando a sair edições:  coordenei, com o botânico Jorge Paiva, uma edição incluída nas Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa (Temas e Debates, 2017), e foi publicada há pouco uma nova edição coordenada por Rui Loureiro e Teresa Nobre de Carvalho (Cátedra de Estudos Sefarditas Alberto Benveniste, 2024). Nesse poema Camões elogia Orta, dizendo que ele está a realizar descobertas na área da botânica (a base da farmácia da época) que fariam as invejas das divindades antigas.

Camões viveu não só no Oriente como em África, ganhando uma mundividência que só o país mais ocidental da Europa não lhe podia dar. Como foi um dos protagonistas da chamada «primeira globalização», é inteiramente justo que o novo aeroporto de Lisboa tenha recebido o seu nome, neste ano de comemoração dos 500 anos do seu nascimento. Não será uma mera coincidência que o maior nome das letras portuguesas (Fernando Pessoa que me perdoe) tenha sido contemporâneo dos maiores nomes das ciências portuguesas (Egas Moniz, que este ano faz 150 anos de idade e 75 de prémio Nobel, que me perdoe). As letras e as ciências estão mais ligadas do que normalmente se julga.

quinta-feira, 30 de maio de 2024

CRATERA OCULTA DE CHICXULUB

Por A. Galopim de Carvalho
 
Descoberta em 1978 pelos geofísicos Glen Penfield e António Camargo, em trabalhos de prospecção de petróleo, ao serviço da PEMEX, Mexican State Oil Company, esta enorme estrutura oculta, com 180 km de diâmetro, testemunho de um megaimpacto, com centro próximo da localidade de Chicxulub (nome de origem maia), no México.

Estudos mais recentes sugerem que a verdadeira cratera tem cerca de 300 km diâmetro, e que o anel de 180 km, inicialmente admitido, é o de uma sua parede interior. Oculta, em parte, sob a Península do Iucatão, a Sul e, em parte, sob o mar, a Norte, tem sido citada como uma das maiores crateras conhecidas no mundo. Estima-se, em cerca de 10 km, o diâmetro do asteróide que a causou.

Amostras com quartzo de choque ou de impacto e tectitos e outras de argila castanho-esverdeada com um excesso de irídio (relativamente à média nas rochas da superfície da Terra) provenientes das áreas circundantes e a prova de uma anomalia da gravidade, corroboram a origem meteórica desta estrutura. Em apoio da mesma interpretação estavam as evidências de metamorfismo de impacto nas amostras de rochas retiradas dos poços da PEMEX. Outras ocorrências, apontando no mesmo sentido, são os depósitos espessos, heterométricos e caóticos de fragmentos de rocha, que se acreditava terem sido arrancados de algum local e depositados num outro, por um gigantesco tsunami, causado por esse megaimpacto.

Sobre esta enorme estrutura assentam margas e calcários, cujas datações mais antigas indicam-nas como sendo da base do Paleocénico, com cerca de 66 Ma. Sob estas camadas, no interior da estrutura, há vidro, brechas e os característicos grão de quartzo de impacto.

Em 2010, no culminar de múltiplos exames em domínios científicos como paleontologia, geoquímica, sedimentologia, geofísica e modelação climática, dos testemunhos encontrados, ao longo de duas décadas, um número alargado de cientistas (cerca de 40), de três dezenas de instituições de diversos países, assumiram como mais plausível que o impacto responsável por este grandioso astroblema ocorreu há cerca de 66 Ma, no limite entre o final do Cretácico (Maestrichtiano) e o início do Cenozóico (Daniano), a atrás referida fronteira K-T (sigla da expressão alemã Kreide-Tertiär, ou seja, Cretácico-Terciário) e que foi a causa da grande extinção em massa ocorrida nesse curto intervalo de tempo, incluindo a dos dinossáurios não avianos, postulada, décadas antes, em 1980, pelo físico americano Luís Alvarez e seu filho, o geólogo Walter Alvarez.
 
Nota:

Quartzo de choque ou de impacto é um tipo muito particular de quartzo observável nos grãos de rochas sujeitas a pressões elevadíssimas como acontece nas situações de impactos meteoríticos ou de explosões nucleares subterrâneas. Nestas condições de pressão intensa (mas temperatura limitada), a estrutura cristalina do quartzo deforma-se segundo certos planos no interior do cristal. Estes planos, que são visíveis ao microscópio como linhas, são a expressão visível de estruturas de deformação planar, ou lamelas de choque. Este tipo de quartzo foi encontrado no interior de cratera de Barringer. A sua presença prova que estas crateras foram formadas por um impacto de suficiente magnitude.

Dinossáurios não avianos são estes de que estamos a falar, os que se extinguiram. As aves, todas sem excepção, dos pequenos pardais às grandes avestruzes, são os (que a ciência tem vindo a demonstrar) dinossáurios avianos.


quarta-feira, 29 de maio de 2024

Rushdie e a decência humana

Imagem recolhida no jornal El País: aqui

Depois de Segunda Grande Guerra, o Ocidente declarou "nunca mais": nunca mais à destruição, à perseguição, à tortura, ao medo, à iniquidade; nunca mais a tudo aquilo que atente contra a dignidade humana e o extenso rol de valores éticos que concorrem para ela. Urgia ampliar e reforçar a educação escolar: era nela que, numa recuperação de princípios iluministas caídos por terra, deveria assentar a nova Paz.

As guerras - e tudo o que abeira delas - mantiveram-se entre países, povos e regiões, ideologias e facções. Essa educação não parece, então, fazer muita diferença; algo se lhe sobrepõe e anula os que supomos serem os seus efeitos positivos.

Mas há, como sempre houve, outro lado da realidade: o da insistência, colectiva e/ou individual, na possibilidade de se estar neste mundo, de nascer, viver e morrer, de acordo com princípios decentes.

Muitos reconhecem no escritor Salman Rushdie um exemplo maior dessa insistência. Não escolheu o estatuto mas também não fugiu dele. Tendo estado há pouco tempo em Espanha, por causa da publicação do seu último livro, reconheceu, numa entrevista a Andrea Aguilar, que o presente é, à escola global, "um momento terrível”. Ainda assim, a jornalista destaca nele a sua "inteligência e a total ausência de fanatismo", a que "se soma um senso de humor que protege contra a arrogância intelectual, a obsessão ou a amargura". Extraordinário para quem tem, desde há três décadas, os passos tão limitados numa quase prisão e que, mais recentemente, sofreu um ataque que lhe deixou marcas permanentes no corpo. 

Por ser um exemplo, que, no caso, toca a abnegação e a coragem, Aguilar recupera no seu texto no El País (ver aqui), o que o também escritor e tradutor Javier Cercas declarou: “proteger Salman Rushdie é proteger a civilização”.

segunda-feira, 27 de maio de 2024

NÖRDLINGEN, UMA CIDADE NO INTERIOR DE UM ASTROBLEMA

Por A. Galopim de Carvalho

O astroblema de Ries é uma cratera de impacto localizada no distrito de Donau-Ries, na Baviera (Alemanha), aberta por um asteróide que ali caiu há cerca de 15 milhões de anos, no Miocénico. Com um diâmetro estimado entre 1 e 1,5 km, este grande impactor vindo do espaço, terá atingido a Terra a uma velocidade na ordem dos 70 000 km/h (cerca de 20 km/s). Deste impacto restou uma depressão circular, ocupada pela cidade medieval de Nördlingen.

A cidade medieval de Nördlingen, na Bacia do Ries, Alemanha, erguida dentro da cratera

Originalmente interpretada como uma estrutura vulcânica, conhece-se, a partir de 1960, a sua origem impactítica. Nesse ano, o geólogo e astrónomo norte-americano, Eugene Shoemaker (1928-1997), e o geólogo chinês, Edward Ching-Te Chao (1911-2008), demonstraram essa origem, com base na presença de coesite, o polimorfo de sílica gerado sob as elevadas pressões de choque associadas aos grandes impactos meteoríticos.

A coesite foi encontrada no suevito da pedreira de Otting, o impactito criado a partir das rochas sedimentares mesozóicas locais, usada na construção da Igreja de São Jorge de Nördlingen. 

Acrescente-se que grande parte da cantaria de Nördlingen usou o dito suevito, que aqui se caracteriza também por conter milhões e milhões de microcristais de diamante, todos com menos de 0,2 mm. Com efeito, as mesmas condições de pressão e de temperatura, adquiridas a partir da energia libertada na colisão, que geraram a coesite, também deram nascimento ao diamante, a partir de um depósito local de grafite.

Volta-se a lembrar que suevito é o nome dado à brecha de impacto, geralmente constituída por fragmentos da rocha do substrato local, englobados numa matriz mais fina e parcialmente fundida. Diga-se que o termo suevito, proposto em 1901 pelo mineralogista e geólogo alemão, Adolf Sauer (1852-1932), radica em Suevia, nome latino da Suábia, região alemã da Baviera.

Admite-se que o impacto que gerou a cratera de Ries tenha sido a fonte dos tectitos (do grego tektos, fundido), conhecidos por moldavitos (do nome do Rio Moldava), encontrados na Boémia e na Morávia (República Tcheca). Atingindo a Terra com um ângulo de 30 a 50 graus da superfície, no sentido WSW-ENE, estes tectitos, gerados a partir da rocha sedimentar arenosa superficial, no sítio do impacto, foram ejectados a distâncias de até 450 km da cratera. 

Este astroblema está na base da criação do visitadíssimo Geopark Ries, de grande importância geológica, com reflexos na economia local em termos de geoturismo. O Museu Rieskrater, que lhe está associado, instalado num antigo celeiro do século XVI, em Nördlingen, é um valioso centro de informação sobre tudo o que se relaciona astroblemas. Inaugurado em 1990, já recebeu mais de um milhão de visitantes.

Diga-se, a terminar, que o nome Ries evoca a antiga Rhaetia (lê-se Récia), a região dos Récios, povo anterior à civilização Romana. 

A título de curiosidade vale a pena dizer que, em virtude das semelhanças com uma cratera da Lua, a de Ries foi usada no treino dos astronautas da Apollo 14.

NOVIDADES DA GRADIVA

 


Do autor mais vendido em França, Central Park é um thriller psicológico imprevisível e emocionante que mantém os leitores envolvidos até à inesperada reviravolta final. Duas personagens inesquecíveis, uma leitura intensa, viciante, irresistível.

 

Alice, uma implacável e respeitada agente de polícia parisiense, acorda algemada a um estranho, num banco do Central Park, sem qualquer memória dos acontecimentos da noite anterior. Atordoada e com manchas de sangue na camisa, Alice tenta desesperadamente reconstituir os factos. A lembrança dela suspende-se no serão passado nos Campos Elísios com as amigas. Já Gabriel confessa ter passado a noite a tocar jazz num bar em Dublin.

Um músico e uma agente de polícia, dois desconhecidos que formam um par improvável. Estariam sob o efeito de drogas? Teriam sido alvo de um sequestro? Por que razão falta uma bala na arma que Alice transporta no bolso do casaco? E de quem é o sangue que tinge a sua roupa? Durante as vinte e quatro horas que se sucedem, Alice e Gabriel percorrem Nova Iorque, e não só, em busca de respostas, tropeçando num conjunto surpreendente de pistas que apontam para um antigo inimigo...

Alice vê-se forçada a despertar memórias de uma perturbante perseguição a um serial killer que julgava há muito estar morto…

Já disponível: "Eduardo antes de ser Lourenço", de Eduardo Lourenço e Luciana Leiderfarb. De €24,00 por €21,60.

Os textos de juventude de Eduardo Lourenço, na sua maioria inéditos, são aqui reunidos numa obra que dá a conhecer a génese do seu pensamento e personalidade.

Resultado de uma rigorosa selecção feita pela jornalista Luciana Leiderfarb junto do espólio do autor na Biblioteca Nacional de Portugal, Eduardo antes de Ser Lourenço revela o génio embrionário e cristalino daquele que é já um pensador em potência.

Através deles, quer no registo diarístico, quer nas primeiras experiências da escrita poética, ensaística ou de romance, o leitor é levado a testemunhar «o momento em que o atleta de salto em comprimento dá um impulso para trás, a fim de ver melhor e se lançar em frente».

Atravessado pela preocupação de dar a conhecer o pensamento do filósofo a futuros leitores, o trabalho de recolha de Luciana Leiderfarb proporciona uma compreensão privilegiada da antecâmara das ideias expressas em obras como Heterodoxia IPessoa Revisitado ou O Labirinto da Saudade.

Já disponível: "Sangue do meu sangue", de Michael Cunningham. De €21,50 por €19,35.

A história épica de três gerações do clã Stassos que acompanha as transformações da família, marcadas pelo amor, pela ambição, pelas possibilidades e obstáculos que a própria realidade vai moldando.

 

Constantine Stassos, um imigrante grego, casa-se com Mary Cuccio, uma italo-americana com a qual tem três filhos.  Nenhum dos percursos é isento de complexidade, mesmo que a aparência dite o contrário.

Susan é oprimida por causa da sua beleza e pelos sentimentos incestuosos que desperta no pai; Billy é brilhante e gay; Zoe é uma visionária rebelde e sonhadora. Com o passar dos anos, os desafios crescem. Para todos.

Rico em pormenores, executado com mão de mestre e narrado numa voz de grande sensibilidade e força emocional, Sangue do Meu Sangue é um inesquecível e comovente retrato da condição humana e também uma crónica das esperanças e das desilusões da sociedade americana da última metade do século XX.

Já disponível: "O Fotógrafo de Mauthausen", de Salva Rubio e Pedro J. Colombo. De €32,50 por €29,25.

Uma história verídica, baseada em factos reais.

A história verdadeira da única testemunha espanhola nos julgamentos de Nuremberga e a sua luta pela verdade.

 

E se o roubo do século tivesse ocorrido... num campo de concentração nazi?

Em 1941, Francisco Boix, prisioneiro número 5181 do campo de concentração de Mauthausen, e os seus camaradas delinearam um plano para roubar fotografias que testemunhassem os crimes cometidos no campo e incriminassem os mais altos dignitários nazis. Este plano arriscado é apenas o início da sua jornada para revelar a verdade...

Destaques e relançamentos
"Portugal como Destino seguido de Mitologia da Saudade", de Eduardo Lourenço.

Portugal como Destino seguido de Mitologia da Saudade
Eduardo Lourenço

 

€15,00 13,50

 
«A história chega tarde para dar sentido à vida de um povo. Só o pode recapitular. Antes da plena consciência de um destino particular - aquela que a memória, como crónica ou história propriamente dita, revisita -, um povo é já um futuro e vive do futuro que imagina para existir. A imagem de si mesmo precede-o como as tábuas da lei aos Hebreus no deserto. São projectos, sonhos, injunções, lembrança de si mesmo naquela época fundadora que, uma vez surgida, é já destino e condiciona todo o seu destino. Em suma, mitos.»
"Fernando, Rei da Nossa Baviera", de Eduardo Lourenço.

Fernando, Rei da Nossa Baviera
Eduardo Lourenço

 

€15,00 13,50

 
«Quem sonhou todas estas ficções foi o passeante da Rua dos Douradores, um homem triste por não existir como se sonhava, irmão gémeo por dentro de Luís da Baviera, prisioneiro como ele de idênticos fantasmas. Enquanto se inventava poeta e nos sonhava mais angustiados do que somos, mais perdidos do que ele se sentia, mais tristes do que ele era, ia escrevendo como quem transcreve o sonho que o está sonhando, o livro do seu Desassossego. Não há na nossa literatura prosa mais luminosamente suicidária. Aí se despe da sua própria ficção, oferecendo-se sem resguardas como órfão de tudo, excluído voluntário dos outros e da vida, sonhador de todos os sonhos, sobretudo dos improváveis.»

domingo, 26 de maio de 2024

"A democracia foi concebida para uma época que não é a nossa"

Daniel Innerarity, é um filósofo da Universidade do País Basco, que se dedica a questões políticas e sociais, algumas das quais tocam a educação. Entre as suas incumbências académicas, conta-se a leccionação da disciplina de Inteligência Artificial & Democracia na School of Transnational Governance (STG), em Florença. Em recente entrevista (ver aqui) a propósito de uma conferência que realizou em Portugal, diz o seguinte:
"De que modo a Inteligência Artificial (IA) está a mudar a democracia atual e como irá fazê-lo no futuro? A democracia foi concebida para uma época que não é a nossa. A maior parte dos conceitos que utilizamos para perceber a política (poder, soberania, representação, divisão de poderes) nasceram num contexto que tem muito pouco a ver com as nossas sociedades atuais. Por isso, é muito difícil perceber como será a democracia no futuro, mas podemos ter a certeza de que a datificação (tendência para converter vários aspetos da nossa vida em dados) e os sistemas automatizados de inteligência artificial transformarão profundamente as nossas sociedades e devemos ter muito cuidado ao compatibilizar essas transformações com a manutenção dos valores democráticos básicos.
Temos visto como as redes sociais, a desinformação e as fake news, sobretudo, mudaram eleições e a democracia. A IA será uma ameaça maior? A democracia tem dois pilares: o diálogo e a tomada de decisão. Ambos são afetados pela digitalização. Não há democracia sem um bom diálogo público e o desenho do sistema comunicacional, neste novo ambiente, continua por fazer. A tomada de decisões pode ser ajudada por dados e algoritmos, mas cabe a nós, cidadãos, estabelecer que partes do processo público são automatizáveis e quais não são.
Por que razão ainda não encontrámos uma solução, um antídoto para essas ameaças? A tecnologia avança a uma velocidade tal que teremos de desenhar esses antídotos e estudar a tecnologia disponível muito cuidadosamente. Teremos de compreender o seu significado democrático através de um diálogo que envolva muitos atores e disciplinas.
Pensava-se que a tecnologia iria salvar a democracia, mas estamos a ver o oposto. Como podemos equilibrar o modo como a tecnologia influencia o processo democrático? Temos de perceber que a tecnologia não resolve problemas políticos, mas também não é um instrumento neutro. Precisamos, isso sim, de explorar até que ponto estas novas tecnologias condicionam a nossa vida política. Condicionar não é o mesmo que determinar ou ser neutro (...).
A democracia já não garante segurança? A única coisa que a democracia garante (e isto não deixa de ser importante) é que o exercício do poder seja contrabalançado, limitado no tempo e que as suas decisões sejam passíveis de revisão (...).
Viveu em vários países. Qual deles tem uma democracia melhor e porquê? Ao viver em diferentes países aprende-se que os valores democráticos são vistos de diferentes maneiras em distintas sociedades e que poucas coisas são transportáveis ​​de uma para outra. Em segundo lugar, qualquer qualidade admirável tem alguns aspetos negativos. Os Estados Unidos foram a primeira democracia do mundo e hoje sofrem com o racismo e a desigualdade. França tem um Estado admirável, mas é muito pouco europeizado. Na Alemanha admiro a capacidade de compromisso que falta em Espanha. A Grã-Bretanha tem uma tradição democrática impressionante, mas está a pagar caro pelo erro do Brexit. A Itália é um país à beira do colapso político, mas está sempre a salvo da queda."

sexta-feira, 24 de maio de 2024

E amanhã (sábado) vou estar com um dos melhores autores de romances históricos

 


Vou estar com o alemão mais português na próxima terça-feira


 

O CÈU NÃO NOS VAI CAIR NA CABEÇA

 



Meu artigo no Correio da Manhã de segunda-feira passada:

Um personagem da banda desenhada Asterix é o chefe gaulês Abaracourcix, cujo maior medo é que o céu lhe caia na cabeça. De facto, há frequentes casos de pequenos corpos celestes que caem para a Terra. Esses corpos, em regra de menos de um metro, são chamados meteoroides (podem ser pedaços de asteroides ou cometas, que são astros maiores). Caindo a uma velocidade incrível, incendeiam-se ao entrar na atmosfera terrestre, a menos de 100 km de altitude. A sua passagem fugaz pelo céu chama-se meteoro, da palavra grega que significa «alto no céu». Podem emitir um clarão e um estrondo. Quando são maiores do que o normal, chamam-se bolas de fogo ou bólides. Em geral, os meteoroides pulverizam-se completamente antes de chegarem à superfície terrestre. Algum pedaço sólido que chegue chama-se meteorito.

Na noite de 18 para 19 de Maio, os espanhóis e portugueses foram surpreendidos com a passagem de um bólide. Desceu na atmosfera de sudeste para noroeste e, se caiu alguma coisa, tal ocorreu no Atlântico ao largo do Minho. Não se confirmam, por isso, as primeiras notícias de que algo caiu em Castro Daire, Viseu.  Apesar de haver todos os dias meteoros em todo o lado do mundo (de dia mal se vêem), o bólide hispano-luso foi espectacular, como muita gente testemunhou. Do céu podem vir surpresas. Mas não há que ter medo, como Abaracourcix. Quando algo cai, a atmosfera é um bom escudo protector.

quinta-feira, 23 de maio de 2024

VOLTAIRE

Para a Teresa MM, que me falou nele
Voltaire tinha a pena bem aguçada,
disparava, certeiro, para a mouche,
fazia mau sangue à rapaziada
e, francês, tomava pouco douche.

Com CANDIDE chateava a Igreja,
e, com romances como ZADIG,
dos policiais, primeira cereja,
foi muito mais longe do que a VARIG!

Agiota, mas muito corajoso,
pagou valor com prisão e exílio.
A burrice excitava-lhe o gozo

e disse-as boas ao autor de EMÍLIO.
Como era um divertido “gamin”,
teria apreciado o TINTIN!
                                                                Eugénio Lisboa

CRATERA DO METEORO OU DE BARRINGER

Por A. Galopim de Carvalho
 
Há cerca de 50 000 anos, no Pleistocénico, ainda a calote gelada da glaciação Wisconsin (Würm, na Europa) cobria as latitudes do norte da Califórnia e da Pensilvânia, um asteroide com cerca de 50 metros de diâmetro, deslocando-se à velocidade de cerca de 13 km/s, colidiu com a Terra, no planalto desértico do Arizona (EUA), abrindo uma cratera com cerca de 1200 m de diâmetro e 170 m de profundidade. O local do impacto, cerca de 60 km a leste de Flagstaff, dista 3 km para leste do Canyon Diablo, nome do arroio que ali corre num vale profundo, em canhão.

Esta estrutura foi primeiramente referenciada pelos colonos americanos que, na segunda metade do século XIX, estabeleceram ali a comunidade de Canyon Diablo, hoje uma cidade fantasma, dado que se extinguiu no início do século XX. Embora a não soubessem explicar, foram eles que a deram a conhecer.

Em 1902, o geólogo e empresário mineiro americano, Daniel Barringer (1860-1929), teve conhecimento desta cratera e sabendo da existência de milhares de fragmentos de ferro parcialmente oxidados e espalhados nas redondezas, foi o primeiro a interpretá-la, com argumentos válidos, como tendo sido produzida pelo impacto de um grande meteorito férrico. 
 
Os ditos fragmentos, designados oficialmente como sendo do meteorito do Canyon Diablo, permitem supor que se separaram do corpo principal antes da colisão. Diga-se que, muito mais tarde, em 1960, geólogo e astrónomo dos EUA, Eugene Shoemaker (1928-1997) descobriu coesite e stishovite em rochas com quartzo do interior da cratera. Estes dois minerais polimorfos de sílica só ocorrem em rochas sujeitas às enormíssimas pressões geradas neste tipo de ocorrências, confirmando, assim e de vez, a interpretação de Barringer. Uma outra descoberta importante atribuída a este investigador foi a do chamado quartzo de choque ou de impacto. Em 1959, Shoemaker descobriu que, sob pressões suficientemente intensas e instantâneas (como são as desenvolvidas pelas explosões nucleares em ensaios subterrâneos) a estrutura cristalina do quartzo se deforma segundo certos planos no interior do cristal, criando como que lamelas, ditas de choque ou de impacto que, ao microscópio, são visíveis como linhas paralelas.
 
A cratera do Meteoro está cercada por um rebordo saliente 45 m acima da planura circundante. Este rebordo já foi mais elevado, dado que se estima ter perdido, por erosão, 15 a 20 m de altura, desde a sua formação, como parte constituinte da estrutura da cratera. Diga-se, no entanto, que ela é o astroblema terrestre mais bem conservado e estudado. A sua idade relativamente jovem (em termos geológicos), os atrás referidos 50 000 anos, e o clima seco do Arizona, permitiram que permanecesse com uma imagem muito próxima da que teve na origem.

Acreditando que a maior parte do asteróide se encontrava enterrada no interior da cratera, Daniel Barringer obteve, em 1903, licença de mineração numa área até 2,6 km em redor do centro da cratera. Criou, então, a "Standard Iron Company" que fez perfurações entre 1903 e 1905, mas não encontrou quaisquer vestígios de ferro. Ele não sabia que a maior parte do meteorito se vaporizara no calor resultante da colisão. No caso do ferro, a temperatura para que tal aconteça é de 2861 ºC. Só anos depois, o astrónomo americano, Forest Ray Moulton (1872-1952), com base em cálculos sobre a energia desenvolvida no impacto, concluiu que a parte do asteróide que atingiu o solo se vaporizou no preciso momento da colisão.

O interior da cratera está preenchido com material do subsolo brechificado e transformado pela pressão e calor decorrentes da colisão, sobre o qual se depositaram alguns metros de sedimentos resultantes da erosão das paredes.

Em 1906, o Presidente Roosevelt autorizou o estabelecimento de uma nova estação dos correios na proximidade da cratera, com o nome de Meteor e, daí, o nome de Cratera do Meteoro (Meteor Crater, na versão original). O nome Cratera Barringer, por que é igualmente conhecida, preferido pela comunidade científica, representa uma homenagem ao atrás referido geólogo e empresário mineiro, o primeiro a interpretá-la correctamente como um astroblema. Não há um, mas milhares de fragmentos do que podemos designar por meteorito de Canyon Diablo, encontrados nas proximidades. Aconteceu que, momentos antes do impacto, o meteoro se desintegrou parcialmente, espalhando os respectivos fragmentos numa área em redor da cratera.
 
O seu estudo mostrou tratar-se de um siderito, quimicamente composto por 92,28% de ferro; 7,1% de níquel; 0,46% de cobalto; 0,26% de fósforo; 1,0% de carbono; 1,0% de enxofre e 1,9 ppm de irídio, entre outros elementos-traço. No seu interior há nódulos com grafite, troilite e diamantes nanométricos. Em 1905, o químico francês Ferdinand H. Moissan (1852-1907), observou e descreveu aqui a presença de carboneto de silício, espécie mineral a que, em sua homenagem, foi dado o nome de moissanite.
 
Em 1953, o geoquímico norteamericano, Clair Cameron Patterson (1922-1995), calculou com base no estudo do meteorito de Canyon Diablo, o valor de 4550 milhões de anos, para a idade da Terra, um valor muito próximo do actualmente aceite (4540 milhões de anos ± 1%).

O maior de entre os milhares de meteoritos de Canyon Diablo, é o Holsinger, com 1,2 m de comprimento e cerca de 639 kg de peso, exposto no Centro de Visitantes localizado no bordo da cratera.
 
A. Galopim de Carvalho

quarta-feira, 22 de maio de 2024

BÓLIDES, METEOROIDES E METEORITOS

 
Por A. Galopim de Carvalho
 
O que muitos viram e filmaram, na noite de 19 deste mês de Maio, a riscar e a iluminar o céu foi o que se costuma designar por bólide, ou seja, um corpo rochoso (meteoroide), de dimensões apreciáveis, vindo de algures, no Sistema Solar, que, na forma de um globo inflamado e brilhante, atravessou velozmente a atmosfera terrestre, deixou rastro luminoso, explodiu e fez ruído.

Este corpo entrou na atmosfera terrestre a uma velocidade na ordem dos 160 000 km/h, ou seja, cerca de 45 quilómetros por segundo, aqueceu por atrito com o gás atmosférico e explodiu e vaporizou-se, deixando de ser avistado quando ainda estava a mais de 50 km de altitude, não chegando a atingir a superfície da Terra. Estima-se que estes corpos entrem na atmosfera a uma velocidade entre os 10 e os 70 quilómetros por segundo. Se deste corpo tivesse resistido uma parte, maior ou menor, que atingisse o solo, teríamos um meteorito.

METEORITOS
 
No Livro das Pedras, de Aristóteles (384-322 a.C.), que se julga não ser da autoria deste filósofo, mas sim uma compilação das suas ideias, feita por um anónimo, provavelmente um árabe posterior ao século IX, disserta-se sobre as influências celestiais ou dos astros, em geral, e do Sol, em particular, no nascimento destes e de outros objectos naturais. Uma visão do filósofo sobre estas influências era a de que, sob o efeito dos raios solares, certas exalações se escapavam para a atmosfera. Destas, as chamadas “exalações secas”, associadas às trovoadas, condensavam e caíam na Terra, sob a forma de pedras e, de entre elas, os meteoritos e, daí, o nome de pedras de raio usado pelos antigos.

Os gregos dispunham do termo “meteoron”, para designar as ocorrências próprias do céu, nome no qual radica a nossa palavra meteoro, usada como o nome dos velozes traços de luz que rasgam o céu da noite. Quando de dimensão milimétrica (à semelhança de grãos de areia) ou ainda mais pequenas, estes corpos, melhor dizendo, estas partículas, em queda (micrometeoroides) sobre a Terra, a velocidades na ordem das dezenas de quilómetros por segundo, aquecem também por atrito com a atmosfera, tornando-se incandescentes, acabando por se volatilizar sem deixarem quaisquer vestígios. São as “estrelas cadentes”, expressão popular de um fenómeno ocorrente na mesosfera, 50 a 90 km acima da superfície da Terra. 
 
Objectos maiores resistem ao calor da fricção e conseguem chegar até à superfície da Terra: são os meteoritos, rochas peculiares que podemos observar, apanhar e estudar. Diga-se que este termo foi “construído” apondo o sufixo -ito (próprio da nomenclatura científica alusiva às rochas) à palavra meteoro que, como se disse atrás, designa as ocorrências, as partículas e os restantes corpos próprios do céu. Com efeito, os meteoritos são rochas ou pedras caídas do céu.

Por outras palavras, dá-se o nome de meteoróides aos pequenos corpos do espaço interplanetário, que tanto podem ser pequenos asteróides ou os seus fragmentos, como restos de núcleos de cometas, e de micrometeoróides às pequenas partículas que produzem as atrás citadas “estrelas cadentes”, uma vez que são a expressão milimétrica ou inferior dos meteoróides. Podemos agora dizer que meteoritos são todos os meteoróides que nos caem, vindos do céu, ou que um meteoróide muda de nome, para meteorito, só depois de “aterrar”. Só então o vemos, o apanhamos e podemos estudar.

Para os antigos, meteoritos eram os bólidos (ou bólides), versão portuguesa do termo grego bolis, alusivo a tudo o que se desloque a grande velocidade, o que é, precisamente, a característica destes corpos vindos do espaço. Alguns meteoritos, recolhidos na Antárctida, têm sido interpretados como provenientes da superfície de Marte, de onde teriam sido arrancados por uma grande colisão com outro corpo sólido.

Muito pequenos ou muito grandes, entre pedras que cabem numa mão e blocos com dezenas de toneladas, os meteoritos são antigos, vêm de longe e trazem consigo uma parcela importante da história do Sistema Solar, nos seus primórdios. Foi com os corpos (meteoróides) que representam que, há uns 4600 milhões de anos (Ma), se iniciou a formação de todo ou parte dos corpos sólidos do Sistema Solar, isto é, os planetas telúricos ou rochosos (Mercúrio, Vénus, Terra, Marte, Lua e os muitos satélites de outros planetas), os interiores sólidos dos planetas gigantes, ditos gasosos, os asteróides e os núcleos dos cometas. 
 
Podemos, mesmo, dizer que com eles se iniciou a nossa própria história como parte que somos deste mesmo conjunto. Errantes no espaço interplanetário, os meteoróides colidem entre si ou com os planetas, originando crateras de dimensões entre decimétricas e quilométricas, em função da magnitude dos impactos, variável esta, por sua vez, em função da massa e da velocidade a que se deslocam. Muitos deles caem na Terra num número bastante superior ao daqueles que são recolhidos. Sujeitos ao aquecimento durante a vertiginosa travessia da atmosfera, perderam parte da respectiva massa, deles restando porções maiores ou menores.

Estima-se em algumas centenas o número destes corpos que, por ano, atingem a superfície do nosso planeta. Destes, dois terços perdem-se no mar, estimativa que tem em conta a muito maior área correspondente aos oceanos. Dos caídos em terra, só cerca de uma dezena, em média, chega ao nosso conhecimento.

A importância dos meteoritos é essencialmente científica, pois, como se disse, constituem documentos importantes para o estudo da história do Sistema Solar, em geral, e do nosso planeta, em particular. Muitos deles mostram semelhanças com certas rochas do manto superior terrestre, nomeadamente, os peridotitos. Além das espécies minerais aqui identificadas, entre as quais diamante, grafite, feldspatos, piroxenas, olivina e alguns sulfuretos, contêm outras até agora desconhecidas na Terra, como seja, ferro elementar (não combinado), formando ligas com níquel, e ferro combinado com enxofre, sob a forma de troilite, um sulfureto de ferro afim da pirite, mas magnético. Para além de elementos químicos comuns na crosta terrestre (oxigénio, silício, alumínio, ferro, magnésio, cálcio, sódio, potássio, titânio), os meteoritos caracterizam-se pela presença significativa de outros particularmente raros nesta mesma crosta, como irídio, platina, ósmio, paládio, ruténio, níquel e arsénio.

O estudo dos meteoritos levou à definição de três tipos fundamentais:
- Meteoritos líticos, essencialmente rochosos, por vezes referidos como areólitos.
- Meteoritos férreos, formados, sobretudo, por ligas de ferro e níquel, a que se deu o nome de sideritos.
- Meteoritos lito-férreos, simultaneamente líticos e férreos, conhecidos por siderólitos.
Os meteoritos líticos reúnem dois tipos que muito interessa distinguir: condritos e acondritos
Mais numerosos de todos os meteoritos conhecidos (cerca de 86%), os condritos são maioritariamente formados por pequenas esférulas milimétricas (1 a 4 mm), ou côndrulos, com olivina e piroxenas, ligadas entre si por uma pasta predominantemente vítrea (amorfa). Contêm, também, partículas ricas em Fe-Ni, sulfuretos e alguns silicatos que estão entre os minerais que primeiro se formaram no sistema solar. Os condritos são os mais antigos de todos os corpos sólidos que orbitam o Sol. Foram criados a partir dos materiais de nébula que deu origem ao Sistema Solar e têm idades compreendidas entre 4550 e 4600 Ma. Não sofreram diferenciação uma vez que não foram fundidos no interior de um planeta ou de um asteróide.

Os côndrulos são interpretados como condensados de gotículas dessa matéria primordial remanescente e em rotação em torno do Sol recém-nascido. Tendo passado por uma fase inicial de fusão, as ditas gotículas arrefeceram e solidificaram, como pequenas esferas, a temperaturas que se estimam próximas dos 1200 oC. As proporções entre os elementos químicos presentes nos condritos são as mesmas que se encontram no Sol, o que também aponta para o seu carácter primitivo como corpos solidificados da nébula solar em arrefecimento. Por outras palavras, os condritos são corpos indiferenciados, testemunhos inalterados das primeiras partículas sólidas geradas em torno do Sol. 
 
De entre as dezenas de milhar de condritos recuperados e conservados em Museus, destaca-se o condrito de Jilim, o maior de entre uma chuva de meteoros que caiu próximo desta localidade chinesa em 1976. Com cerca de 1,9 toneladas, produziu, no impacto, um buraco com 5,5 metros de profundidade. Numa outra ocorrência deste tipo, registada em 1912, em Holbrook, no Arizona (EUA), o número de condritos caídos conta-se por milhares.

Com teores de carbono que atingem os 3%, sob a forma de grafite, carbonatos e alguns compostos orgânicos, incluindo aminoácidos, os condritos carbonáceos são um tipo particular de condritos. Podem conter água e minerais hidratados. Uma tal composição indica não terem estado sujeitos a altas temperaturas.

O tão falado meteorito de Allende, alude a um meteoróide que explodiu antes de colidir com o solo, em 1969, perto do povoado do mesmo nome, no estado mexicano de Chihuahua. Os muitos fragmentos recolhidos totalizam cerca de duas toneladas, sendo, até hoje, o maior condrito carbonáceo conhecido e, também, o mais estudado. O grande interesse que lhe é atribuído resulta de se acreditar que representa o tipo de objectos mais antigos do Sistema Solar.

Uma particularidade deste meteorito é a de conter um óxido de titânio desconhecido na Terra, a que foi dado o nome de pangüite, em alusão a Pan Gu, o antigo deus chinês, criador do mundo através da separação de yin (terra) de yang (céu). Mineral refractário, a pangüite formou-se sob as temperaturas extremamente altas reinantes no início do nosso sistema solar, há mais de 4570 Ma, sendo por isso considerado um dos minerais mais antigos que nos é dado observar.

A esta fase seguiu-se a acreção (crescimento por aglutinação sucessiva) de corpos sólidos progressivamente maiores, que podemos exemplificar com os asteróides, atingindo as dimensões dos planetas como o nosso e os que nos acompanham no Sistema Solar. Os corpos suficientemente massivos, com mais de 500 km de diâmetro, diferenciaram-se, à semelhança da Terra, com a formação de uma zona externa, na qual foram geradas as rochas granulares a que pertencem os acondritos (destituídos de côndrulos), uma zona central, ferro-niquélica, como nos sideritos, e uma zona intermédia propícia à coexistência de ferro-níquel e material rochoso, como nos siderólitos. 
 
Nesta concepção, largamente aceite pela comunidade científica, acondritos, siderólitos e sideritos são considerados meteoritos diferenciados, oriundos, respectivamente, das zonas externa, intermédia e central desses asteróides e, portanto, mais recentes do que os condritos. Após fragmentação destes, na sequência de eventuais megacolisões, os seus restos vagueiam no espaço e, sempre que se aproximam da Terra, o suficiente para ficarem submetidos ao seu campo gravítico, caem, passando a chamar-se meteoritos. Não chega a uma dezena o número de meteoritos caídos em Portugal e dos quais ficou registo. São eles:
- Meteorito da Tasquinha (Évora Monte, Alentejo), em 1796, com 4,8 kg;
- Meteorito de S. Julião (Ponte de Lima), um siderito achado em 1877, com 162 kg;
- Meteorito de Olivença (na fronteira com o Alentejo), um condrito caído em 1924;
- Meteorito de Vila Verde da Raia (Chaves), um acondrito caído em 1925, com 2,9 kg;
- Meteorito do Monte das Fortes (Ferreira do Alentejo), um condrito caído em 1950, com 2,1 kg;
- Meteorito do Alandroal (Alentejo), um siderito caído em 1968, com 25,5 kg;
- Meteorito de Ourique (Palheiros, Alentejo), vários fragmentos de um condrito caído em 1998.

A Galopim de Carvalho

terça-feira, 21 de maio de 2024

O (DES)PRESTÍGIO DAS HUMANIDADES

Encontrámos no facebook de Maria Teresa Amado, professora da área de Estudos Clássicos da Universidade de Santiago do Compostela, um texto recente e muitíssimo interessante sobre a relevância das humanidades e das línguas clássicas, escrito por Iñigo Ruiz Arzalluz, professor de Filologia Latina da Universidade do País Basco (ver aqui). Poderemos dizer que o final é... surpreendente!
 
Maria Helena Damião e Isaltina Martins
 
"Assistimos, desde há demasiado tempo a um progressivo desprestígio dos estudos de humanidades. Sem  dúvida, as razões serão muitas e variadas, mas não parece que se estejam a fazer grandes esforços para as identificar. Uma razão que se repete com frequência – apocalíptica e, como tal pouco convincente – é a que invoca o materialismo imperante na sociedade actual, segundo o qual o lucro é a única medida de sucesso, etc. (...).
 
O que aconteceu no ensino secundário com os estudos de humanidades? Várias coisas importantes e quase nenhuma boa. De todos elas, há uma que me parece ter maior relevância do que a que normalmente lhe é atribuída: o gradual encurralamento e desvitalização do estudo das línguas clássicas, especialmente do latim. Ao contrário do currículo de ciências, o currículo de humanidades sofre de uma manifesta falta de precisão (...).
 
Tradicionalmente, foram as línguas clássicas que caracterizaram simbolicamente os estudos de humanidades: foram elas que, em grande medida, identificaram a opção e constituíram – isto também é importante – a prova mais exigente para quem as escolhia. Alguém dirá que o latim – já para não falar do grego – não serve para nada ou para quase nada. Desde quando a utilidade prática é motivo para incluir uma disciplina no currículo do ensino secundário? Física e Química, por exemplo, são disciplinas que todos os estudantes – de ciências (...) – devem ter. Há alguém que, sem se ter dedicado profissionalmente à Química, ache útil aprender fórmulas? A Química não se ensina – continuemos com o exemplo – porque é útil na nossa vida, mas por razões muito mais poderosas: porque o seu estudo é um excelente exercício para a mente dos jovens, porque lhes abre a porta para uma disciplina fundamental, dando-lhes a oportunidade de continuar a estudá-la, etc. E é bom que seja assim.

O estudo das línguas clássicas cumpre todas estas funções: entre outras coisas, combina uma componente teórica e uma componente prática, convertendo-o num exercício intelectual que cativa quem o pratica e representa um desafio em que entram em jogo  a inteligência, a memória, a intuição (...). Quantas vezes ouvimos pessoas que não se dedicam às letras dizerem que, graças ao latim, compreenderam uma série de conceitos essenciais da gramática da sua língua materna ou de uma língua estrangeira. 
 
Claro que, tal como nas disciplinas de ciências, há muitas outras razões para o estudo das línguas clássicas no ensino secundário: permitem-nos aceder a uma civilização que, para além de ser a origem da cultura europeia, está presente em múltiplos aspectos da nossa sociedade; abrem-nos um mundo fascinante de textos de todos os tipos que nos fornecem uma visão mais informada da história do pensamento humano e da nossa posição na história, etc. 
 
Seria ingénuo atribuir o desprestígio das humanidades apenas ao abandono do estudo das línguas clássicas [mas este abandono contribui em muito para o seu descrédito]. O ensino das línguas clássicas – como no passado – com exigência e seriedade, poderia contribuir significativamente para que a área de letras voltasse a ser vista como uma opção tão sólida como qualquer outra. Esta outra reflexão parece muito próxima de tudo o que foi dito antes:
“Na velha escola (…) o latim e o grego eram estudados através da gramática, mecanicamente; mas a acusação de mecanicismo e aridez seria muito injusta e imprecisa. Estamos a falar de jovens nos quais é aconselhável incutir certos hábitos de diligência, de rigor, até de compostura física, de concentração psíquica em determinadas questões que não podem ser adquiridos sem a repetição mecânica de actos disciplinados e metódicos. (…) Haverá que substituir o latim e o grego como eixos da escola formativa e serão substituídos, mas não será fácil organizar a nova disciplina ou o novo conjunto de disciplinas numa estrutura didáctica que proporcione resultados equivalentes na educação e na formação geral da personalidade".
Talvez esta conversa sobre diligência, precisão, para não falar da compostura, pareça retrógrada, elitista ou sabe-se lá o quê; mas, bem, são palavras de Gramsci."

sábado, 18 de maio de 2024

UMA MARATONA DE PESSOAS E LIVROS


 Meu artigo no último JL:

O título acima é o subtítulo do belo livro Bibliotecas, que acaba de sair com a chancela da EntrefOlhOs (uma edição de autor, de apenas 150 exemplares), da autoria do médico pediatra Abílio Guimarães, residente em Cesar, Oliveira de Azeméis. Para além de uma obra de genealogia, de circulação restrita à família e amigos, é também autor de poesia, que reuniu no livro Trinta por uma linha. Trinta anos de poesia (ainda da EntrefOlhOs, 2023). E é montanhista, tendo já subido aos 6961 metros do Aconcágua, nos Andes, a mais alta montanha fora da Ásia.

A ideia de Bibliotecas é – há que reconhecê-lo – muito original: o autor visitou 50 bibliotecas privadas, espalhadas pelo Norte e Centro do país, com uma única excepção: a do poeta Tiago Alves da Costa, em Barcelona. A obra abre com um texto de sentido elogio aos livros e às bibliotecas, da autoria de um conhecido médico-poeta: Jorge de Sousa Braga (o autor de A matéria escura e outros poemas, Assírio & Alvim, 2021). E continua, nas suas 240 páginas de papel-couché, repletas de fotografias a cores, com a apresentação, numa prosa de tons poéticos escrita num português de lei, das bibliotecas pessoais, escolhidas por conveniência. Só duas dessas bibliotecas são de acesso e interesse públicos: a do Nobel da Medicina António Egas Moniz, na sua casa em Avanca; Estarreja, e a do poeta da saudade Teixeira de Pascoaes (o pseudónimo de Joaquim Teixeira de Vasconcelos), na sua casa de Gatão, Amarante (curiosamente os dois foram não só contemporâneos como também amigos). Todas as outras são de pessoas anónimas ou quase (o autor destas linhas é parte do «quase»: franqueei-lhe as portas da minha casa, por sugestão de um amigo comum, o pediatra e escritor Luís Carlos Januário). Cada descrição resumida e necessariamente subjectiva (portanto, afectiva) de uma biblioteca pessoal é encimada por um título inspirado numa obra literária (a mim calhou-me, não sem exagero, O Físico Prodigioso, de Jorge de Sena) e de uma epígrafe (a mim calhou-me Rui Knopfli: «Até que no tempo cesse anónimo o ténue sopro que ao tempo dou»). Trata-se de um meio único de conhecer 50 casas de pessoas, que se mostram através dos seus livros: «diz-me que livros tens, dir-te-ei quem és.» Couberam, em média, quatro páginas a cada proprietário. Como recompensa para quem conseguir chegar ao fim da «maratona» bibliotecária, o autor presenteia-nos com a descrição das suas visitas à Biblioteca Joanina, em  Coimbra, uma das mais belas do mundo, à Biblioteca Gabriel García Márquez, em Barcelona, considerada a melhor biblioteca pública em 2023 pela Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias, e à Livrearia, em Ponte de Lima, uma livraria inovadora pois não tem funcionários, pelo que os compradores vão livremente pagar numa das lojas próximas. E encerra com um depoimento sobre a sua própria biblioteca, onde a poesia impera, embora também haja romance, medicina e montanhismo.

Penitenciando-me de não ter providenciado amesendação ao visitante da minha biblioteca tal como fizeram outros visitados (soube ao lê-lo…), foi este livro que há dias apresentei na terra do autor, na antiga escola, mesmo ao lado da igreja. O nome de Cesar vem de «Villa Cesari», o que remete para os antigos romanos. Com tradição na latoaria, hoje é um centro industrial, sendo a fábrica mais famosa a da Silampos. Entre os ilustres da terra estão, para além de Abílio Guimarães, Carlos Costa, o economista que presidiu ao Banco de Portugal, Lindolfo Ribeiro, um chef de cozinha que já fez programas na TV, e Marlene de Sousa, hoquista do Benfica que já foi campeã europeia. A apresentação foi numa aldeia, mas a casa estava a transbordar.

Escreve Jorge de Sousa Braga a rematar a sua nota de abertura: «Gosto de pensar numa biblioteca como um jardim. Com as suas árvores centenárias, as suas alamedas, os seus canteiros e as suas estufas. E também com as suas zonas escuras, onde é muito difícil penetrar». E escreve Abílio Guimarães, no fim do seu texto derradeiro: «Sobra-me o desejo de crer que estas curtas narrativas possam interessar a outros, que não só aos aqui descritos ou aos seus mais próximos, conquistando a curiosidade do leitor mais anónimo [para obter o livro, o leitor terá de o encomendar a abilioguim@gmail.com] (…) Em cada biblioteca e em cada leitor vive o grato prazer e a ágil surpresa. Nada disso pode ou deve sequer ser medido. Da biblioteca que a minha mãe me lia antes de adormecer, até estas que agora aqui vos deixo: Que sorte, que eu tive!»

Seria injusto destacar um dos 50 capítulos, de pessoas com as mais diversas idades (desde uma menina de oito anos a um ancião de 97 em excelente forma física e mental) e as mais variadas ocupações. Mas, por ser o «decano» destes «bibliotecários», seja-me permitido destacar o mais velho, Dr. Flores dos Santos Leite, médico residente em São João da Madeira. O título, retirado a Cesare Pavese, é Ofício de Viver e a epígrafe é de Carlos Drummond de Andrade: «(…) o mundo não pesa mais que a mão de uma criança». Vejamos um excerto da prosa de Abílio Guimarães que descreve a fabulosa biblioteca do Dr. Flores, que um dia passará para a bisneta: «É linda, a biblioteca! O paraíso não deve andar longe disto. Um sítio de prazer, satisfeito de relíquias: Arte de Furtar, que, a despeito de se apregoar do P.e António Vieira, ainda hoje abriga a dúvida da sua autoria: Os Lusíadas, edição do Morgado de Mateus – nem a Biblioteca Nacional o tem; e até um livro de aforismos de 1630. Ia aos alfarrabistas (o Fumaça na capital era o seu preferido) fisgado no gozo das primeiras edições: Florbela Espanca, Sá Carneiro, Garrett, Torga, Almada, Eça e do génio Pessoa, uma de Mensagem. Perdia a cabeça e tudo o que ganhava era para livros. Hoje ainda compra, mas menos. Sobre a biblioteca, alguém nos garante que estar lá metido é a sua maior e grata alegria.»

Alegria é mesmo a palavra certa para o convívio com os livros escolhidos a dedo. As bibliotecas não são uma Alegria breve, um título de Virgílio Ferreira, mas antes uma alegria duradoura, uma Alegria para o fim do mundo, um título de Andreia C. Faria.

PREFÁCIO A «De que somos feitos?», de Dan Levitt (Lua de Papel)

    Meu prefácio ao mais recente livro de ciência da Lua de Papel:   No tempo de Apolo na cidade de Delfos na Grécia Antiga havia uma inscri...