domingo, 30 de setembro de 2007
Química verde: Bioplásticos
Isto é, a durabilidade dos polímeros que no passado era uma vantagem não despicienda, constitui um sério problema para o homem contemporâneo e traduz-se numa enorme quantidade de lixo que se acumula em lixeiras e aterros ou se dispersa no meio ambiente provocando problemas ambientais que podem ser desastrosos. As alternativas, a queima ou reciclagem, nem sempre são soluções para estes problemas, a primeira principalmente por razões sociais/políticas e a segunda porque muitos polímeros, nomeadamente termoendurecíveis, não são recicláveis.
Uma solução compatível com os frenéticos tempos modernos passa pela utilização de polímeros biodegradáveis e nos últimos anos vários destes produtos foram disponibilizados no mercado, por exemplo, o Ecoflex da BASF AG, Eastar Bio da Eastman Co., Bionelle da Showa Co., USA (mas fabricados na Showa Highpolymer Co., Japão e SK Chemicals Co., Coreia do Sul), Sky Green BDP da SK Chemicals; Biomax da Dupont Co. etc.. Todos eles são produtos do que se designa indústria petroquímica de terceira geração e são poliésteres alifático-aromáticos, polímeros que do ponto de vista químico são análogos ao PET, polietileno tereftalato, um termoplástico reciclável muito utilizado, mas que ao contrário deste último se degradam em semanas e não séculos no meio ambiente.
Embora biodegradáveis, estes polímeros obtidos de derivados do petróleo não são biopolímeros, designação consagrada para polímeros biodegradáveis obtidos a partir de fontes renováveis e que muito recentemente têm conhecido uma enorme expansão.
Em 1992, a paulista PHB Industrial sob direcção de Sylvio Ortega Filho desenvolveu com apoio da FAPESP um biopolímero obtido da fermentação de cana do acúcar. Três anos mais tarde, a PHB deu início à produção numa instalação piloto de 5 toneladas anuais deste biopolímero, produção que expandiu em Dezembro de 2000 para cerca de 50 toneladas/ano e pretende ampliar brevemente para dez mil tonelada anuais.
O BioCycle, PHB (polihidroxibutirato, um polihidroxialcanoato, PHA) pode substituir o polipropileno ou o poliuretano em praticamente todas as suas aplicações e a empresa desenvolveu outro PHA, PHB-HV (polihidroxibutirato-hidroxivalerato), para as aplicações que envolvam filmes finos de polímero, como seja a produção de sacos de plástico. Por outro lado, por ser biocompatível, este polímero tem aplicações na indústria farmacêutica, nomeadamente, por associação com a nanobiotecnologia, pode ser utilizado em «drug delivery», a libertação gradual e/ou dirigida do princípio activo de um determinado medicamento.
No Brasil, apenas a PHB comercializa «plástico de açúcar», mas existe, para além de cerca de dez grupos de investigação interessados na produção de biopolímeros, outra empresa, a Res Brasil, que já comercializou desde Outubro de 2003 cerca de 1 200 toneladas de embalagens produzidas com polímeros obtidos a partir de amido de milho, mandioca ou batata.
Nos Estados Unidos, o sector biopolímeros é liderado pela NatureWorks, inicialmente Cargill Dow, uma associação formada em 1995 entre a Cargill, um gigante do sector agrícola, e a Dow Chemical (que saiu em 2005) que produz polilactato, PLA, comercializado como NatureWorks® e utilizado ainda para produzir a fibra têxtil Ingeo™ . O polilactato é igualmente obtido por via microbiana, agora de milho - incluindo milho geneticamente modificado, o que lhe tem trazido alguns problemas de aceitação dos produtos que comercializa.
Este nicho de mercado, em franca expansão não obstante os preços (ainda) elevados, surgiu há quase 20 anos pelos esforços de um grupo de cientistas italianos liderados por Catia Bastioli, numa pequena localidade 100 quilómetros a norte de Roma.
Em 1989, a Novamont deu início à sua actividade, tarefa complicada uma vez que ofereciam um produto (caro) para o qual não existia mercado, biopolímeros obtidos a partir de amido de milho. O salto que permitiu à Novamont ser actualmente a líder do mercado, assegurando 60% da produção mundial de biopolímeros, deu-se em 1992 quando Fürstenfeldbruck, uma cidade no sul da Alemanha, resolveu testar o Mater-Bi nos seus sacos de recolha de lixo e descobriu que estes tinham um desempenho muito superior aos sacos tradicionais, nomeadamente em termos de odores.
Actualmente, cerca de 3500 municípios europeus utilizam sacos de lixo biodegradáveis, uma prática que esperemos seja seguida universalmente, não obstante o preço mais elevado destes (os sacos de supermercado da Novamont custam entre 8 e 9 cêntimos contra os 5 cêntimos de um saco de plástico de polipropileno ou polietileno). De facto, são produzidos anualmente no mundo ocidental cerca de 150 sacos de plástico por pessoa, muitos dos quais terminam os seus dias contaminando por séculos o meio ambiente, nomeadamente rios e oceanos onde são culpados pela morte de muitos milhares de baleias, golfinhos, tartarugas e aves marinhas todos os anos.
Um grande obstáculo à substituição de polímeros «convencionais» por PHAs ou PLAs tem sido de natureza económica. Por exemplo, o preço dos PHAs é muito superior ao do polipropileno (em 2002, € 9/kg para o PHB contra €1/kg para o polipropileno). Como referiu uma colega no DEQB do Técnico, a investigação na área não pode descurar o aspecto económico, e «Com este objectivo, pode pensar-se em utilizar matérias-primas 'residuais' (subprodutos industriais) como nutrientes para o crescimento dos microrganismos. Além da óbvia vantagem do seu baixo custo, o escoamento de subprodutos de indústrias, em muitos casos poluentes, vem ajudar a resolver problemas ambientais».
Entre os maiores desafios da actualidade destacam-se a sustentabilidade de recursos e a gestão do lixo urbano, nomeadamente no que respeita a embalagens, um dos principais agentes multiplicadores desses resíduos. Urge compatibilizar o nosso estilo de vida e o desenvolvimento sustentável, sem comprometer os recursos e futuro do planeta. Uma maior utilização de biopolímeros, que neste momento são preteridos pelos biocombustíveis e dão conta de uma fatia mínima do mercado mundial de polímeros, poderá certamente contribuir para esse objectivo.
FOGO NO CÉU
Desde tempos imemoriais que o homem conhece o fogo que, através do feérico espectáculo dos vulcões, provém do interior da Terra. Da observação da lava a sair da boca das crateras se concluiu a existência de matéria a alta temperatura no interior da Terra. Os antigos elementos gregos fogo e terra aparecem, portanto, frequentemente associados. E vem talvez daí a ideia antiga da localização do inferno no interior do nosso planeta…
Mas não menos espectacular que o fogo na Terra é o fogo no céu. De facto, a associação dos antigos elementos químicos fogo e ar também é comum porque o fogo arde, evidentemente, no ar. Mas fogo no céu? Sim, o fogo aparece no céu quando, mais ou menos perto da Terra, passam cometas, meteoros ou asteróides. Fala-se de cometas no caso de pequenos astros do sistema solar, com núcleo, cabeleira e cauda, que efectua uma órbita, geralmente muito alongada e não necessariamente periódica, em torno do Sol. Fala-se de meteoros ou de “estrelas cadentes” quando um rasto luminoso percorre o céu. Essa provém do atrito de um ou mais fragmentos celestes (meteoróides) em queda na atmosfera terrestre. Os meteoritos são os restos observados na Terra de meteoróides. E, finalmente, fala-se de asteróides no caso de pequenos corpos que gravitam em torno do Sol. Há relações entre estes fenómenos celestes: algumas chuvas de meteoróides estão associadas à passagem de cometas; um asteróide pequeno é, ao fim e ao cabo, um meteoróide. E alguns asteróides não passam de antigos cometas.
O céu é, embora ocasionalmente, palco de violentas travessias de corpos incandescentes. Não admira que esses fenómenos entrem na cultura popular ou que sejam mesmo imortalizados por artistas. Sejam eles cometas, meteoros ou asteróides, os fenómenos de fogo no céu sempre foram perturbadores e mesmo assustadores para os habitantes da Terra. A aparição de fogo no céu atenta contra o lugar comum segundo o céu é um sítio de paz e tranquilidade. Perante a surpresa, podemos ser tomados pelo pânico!
A moderna cultura popular soube transmitir os maus augúrios associados ao fogo no céu. Abraracourcix, um personagem da série “Astérix”, só tem medo que o céu lhe caia na cabeça, isto é, que meteoritos, asteróides, etc. caiam na Terra. No álbum “A Estrela Misteriosa” das aventuras de Tintim, um asteróide embate na Terra, entrando nas águas do Atlântico Norte. De início temia-se o fim do mundo, mas depressa se percebe que é apenas um fenómeno natural que precisa de ser estudado. Na junta de cientistas que se reúne para o estudar conta-se um físico da Universidade de Coimbra, chamado Pedro João dos Santos (não houve nenhum físico com esse nome em Coimbra, embora tenha havido um João de Almeida Santos). A ilha formada pelo asteróide acaba por se afundar no oceano, dela só se salvando, a bordo do navio expedicionário “Aurora”, algumas estranhas amostras rochosas.
Os artistas visuais também não ficaram indiferentes a esse tipo de fenómenos. Em Inglaterra, onde no século XVII o astrónomo Edmund Halley profetizou o regresso do cometa que tem hoje o seu nome, vários artistas fixaram nos seus quadros a passagem de cometas pelo céu. Assim, quando em 1985-1986 o cometa Halley reapareceu nos céus (muita gente deve estar ainda recordada dessa reaparição) a Smithsonian Institution realizou uma notável exposição em Washington D.C. sob o título “Fire and Ice: A History of Comets in Art” (catálogo da autoria de Robert Olson, New York, 1985). A exposição mostrava vários quadros representando cometas e o espanto que estes causavam. A contribuição dos cometas para a arte britânica foi muito bem estudada no livro “Fire in the Sky. Comets and Meteors, the Decisive Centuries, in British Art and Science” (Roberta Olson e Jay Pasachoff, Cambridge, 1998).
É bem sabido que a ciência pode inspirar a arte. Mas, por outro lado, representações artísticas podem inspirar missões científicas. Com efeito, a Agência Espacial Europeia (ESA) lançou em 1995 uma sonda de reconhecimento ao cometa Halley que chegou a cerca de 500 km de distância do núcleo para recolher dados e tirar fotografias e o nome dessa sonda - "Giotto" - era uma homenagem ao grande pintos florentino Giotto di Bondione, que nos deixou uma bela representação do cometa Halley (antes de ele se chamar Halley) no quadro “Adoração dos Magos”, patente numa capela de Pádua e datado de 1301. De facto, a presença do Halley perto da Terra foi já assinalada pelo menos 24 vezes no mundo ocidentall e pelo menos 28 vezes na China (cada habitante da Terra, em geral, só vè uma vez o Halley na vida, pois ele demora 76 anos a voltar: eu já vi!).
Outro grande pintor que representou cometas e meteoros foi o inglês Joseph Mallorde William Turner. Esse grande especialista da luz e da cor observou o Halley em 1835-1836. E representou numa aguarela, a partir da qual se fez uma gravura, um cometa sobre o palácio de Fontainebleau, onde mostra a abdicação de Napoleão. A imagem pode ser pouco realista mas o simbolismo é evidente: a “queda da estrela” é ligada à decadência do imperador francês. O que se passava nos céus era apenas um presságio do que ocorria na Terra...
E muitos outros artistas representaram cometas: merece destaque em Inglaterra um quase homónimo do anterior – William Turner de Oxford (outro Turner, contemporâneo do referido acima), que pintou o cometa Donati (ver imagem em cima), aparecido apenas em 1858 (talvez tenha também aparecido ao poeta romano Séneca em 146 a. C., mas não há a certeza que seja o mesmo). Em Portugal há uma representação de um cometa num mosaico na igreja do Convento de Santa Joana, onde se situa o Museu de Aveiro.
Hoje em dia cometas, meteoros e asteróides continuam a aparecer, para delícia dos astrónomos, amadores ou profissionais, e para receio de muito boa gente, nomeadamente os cidadãos menos prevenidos para os fenómenos naturais. Continua a haver quem receie que o céu lhe caia em cima da cabeça... Não nos iludamos: os meteoritos caem mesmo e ninguém está livre de apanhar com um no telhado da sua casa)? Embora muito remota (esteja o leitor descansado!), existe sempre a probabilidade da colisão de um asteróide com a Terra com consequências catastróficas. Pois não vimos há anos o cometa Shoemaker-Levy a cair sobre o planeta Júpiter?
De vez em quando os media veiculam notícias, mais ou menos alarmantes, sobre a queda de asteróides. A história de “A Estrela Misteriosa” parece tornar-se verídica quando nos jornais é relatada a aproximação de um pequeno astro à Terra. Esses corpos, pequenos mas com dimensões suficiente para poderem causar mossa ao nosso planeta, têm passado felizmente ao largo, muito ao largo. Não é fácil fazer as contas de modo a obter resultados suficientemente precisos sobre uma dessas trajectórias, mas não há até agora a menor indicação em abono de risco de colisão nos próximos tempos. Mas uma legião de astrónomos, profissionais e amadores, está atenta. Um dia pode até ser que se torne real uma história de ficção científica, já aproveitada pela indústria cinematográfica, na qual uma expedição temerária consegue fazer explodir um asteróide em rota de colisão com a Terra. Não sabemos quando a ficção mais delirante se vai concretizar…
Fundação de Ciência Europeia no feminino
O actual director executivo, John Marks, reassumirá a posição de director de Ciência e Estatégia da ESF, cargo que abandonou em Abril de 2007 para substituir Bertil Andersson, que deixou a ESF pela reitoria da Nanyang Technological University em Singapura.
A European Science Foundation (ESF) é uma associação de 67 organizações europeias dedicadas à investigação científica, nomeadamente organismos nacionais financiadores de ciência e tecnologia e academias científicas. Desde a sua fundação em 1974, a ESF promove a ciência europeia financiando várias actividades, de conferências a redes científicas. A nacional Fundação para a Ciência e Tecnologia, FCT, é uma das associadas da ESF, integrando desde 2000 o respectivo Governing Council.
sábado, 29 de setembro de 2007
Nanopartículas e segurança
Há uns tempos a Samsung lançou uma linha de produtos a que chamou Silver NanoTM Health System (sistema de saúde Silver Nano) que garantia eliminar 99.9% das bactérias presentes no ar, nos alimentos e nas roupas. Os electrodomésticos estão dotados de placas de prata e durante o funcionamento a prata é oxidada electroquimicamente a Ag+ e são estes iões os responsáveis pela acção bactericida. Lembro-me de há uns anos ver publicidade a electrodomésticos louvados pelo seu «poder ionizador» mas aparentemente a ionização passou de moda e o o hype actual é anteceder qualquer produto com o prefixo nano, sejam produtos cosméticos ou alimentares . Só assim se percebe porque razão a Samsung resolveu incluir o termo Nano na designação destes electrodomésticos que não assentam em nanopartículas.
Na realidade, como o Carlos já explicou, poderíamos referir toda a química como ocorrendo em nano escalas e certamente nenhum químico ou físico considera um ião (ou uma molécula) uma nanopartícula. Os electrodomésticos da Samsung não cabem assim naquilo a que chamamos nanotecnologias.
A distinção entre iões e nanopartículas é tão óbvia que não deveria ser necessário fazê-la, mas o facto de a US Environmental Protection Agency (EPA) se ter sentido obrigada a explicá-la, em relação a esta linha de electrodomésticos, é um pequeno sintoma, ou antes, um nano-sintoma, de um macro problema: a incompreensão pública de ciência que permite este tipo de publicidade.
Assim, dia 21 de Setembro a EPA emitiu um esclarecimento em relação a estas máquinas de lavar roupa, posteriormente ainda mais clarificada:
«Embora artigos recentes na imprensa se tenham referido a uma máquina de lavar roupa com iões de prata como um produto nanotecnológico, a EPA não tem informação que sugira que este produto usa nanotecnologia».
Em causa estão as parangonas que tinha merecido em Novembro último a classificação da referida máquina pela EPA como pesticida - porque os iões de prata se poderiam concentrar nas estações de tratamento de águas residuais matando as batérias que são utilizadas para tratar a água. A imprensa norte-americana anunciou o evento como «EPA regula nanotecnologia pela primeira vez», quando na realidade não houve qualquer regulação de nanoprodutos e, como relatou a Chemistry World, a EPA, assim como os restantes organismos reguladores americanos, não fazia sequer ideia, na altura, como avaliar os nano efeitos quanto mais regulá-los.
Embora os electrodomésticos da Samsung não recorram a nanopartículas de prata, estas - assim como as correspondentes de ouro - são utilizadas em inúmeras aplicações, nomeadamente médicas, como meias contra o pé de atleta ou os lençóis e pijamas actualmente em teste contra infecções hospitalares no hospital Lister, na cidade britânica de Stevenage, particularmente contra as causadas por estafilococos aureus resistentes à meticilina (MRSA).
Claro que os charlatães estão em cima do acontecimento e embora este produto em particular apenas me pareça banha da cobra - não consigo perceber o que é suposto fazer para além do óbvio - , muitas panaceias «alternativas» vendidas nos Estados Unidos que exibiam nanopartículas de prata ou prata coloidal no nome ou na publicidade, foram reconhecidas como fraudes, algumas perigosas já que a ingestão prolongada de prata pode causar argiria. O problema pode ser resolvido com o uso de nanopartículas de prata de dimensões controladas e em torno de 100 nm, mas uma característica de todos os charlatães é que só pensam na respectiva conta bancária e na melhor forma de vender a sua aldrabice sem qualquer consideração pelas consequências desta.
Não só os intrujões se aproveitam infamemente e sem escrúpulos da ciência para vender as banhas da cobra respectivas, sejam «nano» partículas ou «vibrações» quânticas, como muitos pensam que tudo o que luz é ouro – ou prata. Embora as nanotecnologias sejam extraordinariamente promissoras em inúmeros campos e de utilidade reconhecida em muitos outros, por exemplo, «drug delivery» - com controvérsias recentes, agora no que a preços diz respeito -, e prometam revolucionar o mundo como o conhecemos, muita da ciência subjacente está ainda na sua infância. E se os cientistas são cautelosos em relação a possíveis efeitos adversos e insistem que o impacto a vários níveis das nanopartículas deve ser melhor estudado, essas preocupações pareciam estar ausentes de algumas empresas que comercializam nanoprodutos sortidos.
A Europa no aspecto da segurança das nanotecnologias vai muito à frente do resto do mundo e só precisamos ter cuidado com produtos «alternativos» que por razões que nunca percebi não são regulados como os produtos «convencionais». De facto, a União Europeia é responsável por um terço do investimento público mundial em ciência nesta área (embora em investimento privado esteja muito atrás dos Estados Unidos ou Japão) e está consciente deste problema. Para além de uma aproximação integrada ao financiamento de projectos em nanotecnologias, em que as considerações de segurança têm uma importância central, os legisladores europeus estão atentos à necessidade de regulamentação da área, nomeadamente:
«The European Commission is currently undertaking a review of existing legislation to see whether the current regulatory framework appropriately addresses health, safety and environmental risks. Moreover, it has taken steps to establish an observatory to provide decision-makers with dynamic assessments of scientific and market developments.»
sexta-feira, 28 de setembro de 2007
A CAÇA À CULPA
Minha crónica do "Público" de hoje:
Houve recentemente um grande coro de protestos porque os radares colocados em várias artérias da cidade de Lisboa estavam a registar demasiadas infracções. Em resultado, os limites de velocidade passaram nalguns sítios de 50 quilómetros por hora para 80 quilómetros por hora, um aumento de mais de 50 por cento. Tal mudança encorajará decerto algumas vozes que se têm levantado contra o limite de 120 quilómetros por hora nas auto-estradas nacionais.
A mensagem emitida vai no sentido errado. Em Portugal há desde há muito tempo um grave problema de sinistralidade rodoviária. Nas estatísticas de acidentes e de vítimas de acidentes estamos, na Europa, no grupo da frente. Apesar de, nos últimos anos, ter havido alguma diminuição dos acidentes nas estradas, essa tendência não continua no corrente ano. Os números são aterradores: de 1 de Janeiro a 2 de Setembro de 2007 registaram-se 551 mortos, 2070 feridos graves e 28.167 feridos ligeiros, com o recorde distrital em Lisboa. É como se uma epidemia matasse e debilitasse a torto e a direito. A razão mandaria, portanto, que os limites de velocidade vigentes fossem mantidos e bem fiscalizados.
Mas o acelera tem razões que a razão desconhece. O português gosta definitivamente de acelerar (só na estrada, porque no resto não acelera nada, acelera até chegar ao trabalho para aí abrandar!). A fama dos automobilistas portugueses, apesar de ser proverbial em todo o mundo, continua a ser comprovada com espanto por todos os estrangeiros que nos visitam. O automobilista português considera, nas cidades, 50 quilómetros por hora a velocidade mínima e não máxima e, nas auto-estradas, 120 quilómetros por hora a velocidade mínima e não máxima. "É proibido, mas pode-se fazer..." Não admira, por isso, que os choques se sucedam. Admira, isso sim, que eles não sejam ainda mais numerosos. Já alguém disse que a rede de estradas nacionais é uma enorme pista de carrinhos de choque, com a diferença de que nas pistas das feiras se procura evitar o choque...
A acusação de "caça à multa" a quem pôs os radares a funcionar não passa de uma desculpa de mau pagador. Pela minha parte, acho muito bem que a multa seja "caçada". Uma sociedade civilizada - que é o que gostaríamos de ser - funciona impondo um conjunto de regras e essa imposição passa necessariamente por sanções a quem não as cumpra. Pode não se concordar com as regras e até tentar mudá-las exercendo pressões de vária ordem (foi, aparentemente, o que se passou em Lisboa). Mas, uma vez fixas as regras, a tolerância devia ser pequena. Aliás, com regras adequadas, a tolerância devia ser nula (em Portugal a "tolerância zero" nas estradas, o cumprimento normal da lei, foi apenas uma campanha temporária). As autoridades que façam a "caça à multa", pois estão para isso devidamente autorizadas. O que precisamos, além disso, é de fazer a "caça à culpa"...
E de quem é a culpa? Não é seguramente dos automóveis, que são cada vez mais seguros (só falta equipá-los com um dispositivo automático que impeça velocidades loucas). E também não é das estradas que estão cada vez melhores (com excepções, nomeadamente os troços em obras das auto-estradas, que são um autêntico perigo e que deviam dar direito a descontos nas portagens). Eu não me considero menos português do que os outros e não vou, por isso, nas estradas citadinas ou nas auto-estradas, mais devagar do que a média. Contra mim falo, portanto. Mas estou em crer que a causa principal da morte e invalidez nas estradas é a imprevidência dos condutores. Muitos portugueses guiam como se acreditassem que, por milagre, as leis da física se pudessem suspender no último instante antes do choque. Ou, para dar uma imagem inspirada na lenda, têm o que se pode chamar "síndroma de D. Fuas Roupinho", isto é, acreditam que, tal como o cavalo de D. Fuas no sítio da Nazaré, os muitos cavalos do motor se podem subitamente empinar por cima do abismo. Mas os números de vítimas aí estão, como um banho de água fria, a confirmar que não há milagres!
Segredos da Luz e da Matéria
Informação recebida do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra:
O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra é um novo museu de ciência, um museu interactivo onde os visitantes podem explorar conhecimentos de várias áreas da ciência, de forma didáctica e interactiva, ao mesmo tempo que possibilita o contacto com instrumentos e objectos científicos históricos. O tema da exposição permanente "Segredos da Luz e da Matéria" aborda as seguintes temáticas: a luz / a luz e a matéria / a luz do Sol / a visão dos animais / as cores.
O Museu tem ainda um programa de exposições temporárias, ateliers e outras actividades educativas. Para os grupos escolares, temos preparadas visitas guiadas que permitem uma exploração mais profunda e interessante do museu.
Museu da Ciência, Laboratorio Chimico, Largo Marquês de Pombal, 3000-272 Coimbra, T. 239 85 43 50, F. 239 85 43 59
www.museudaciencia.pt geral@museudaciencia.pt
Terça a Domingo, das 10:00 às 18:00
Dias de encerramento: Segunda-feira, 1 de Janeiro, Domingo de Páscoa, 1 de Maio, 24 e 25 Dezembro
Bilhete Geral: EUR 3,00. Reduzido: EUR 2,00 (grupos > 15 pessoas); EUR 1,50 (Estudantes _ Professores _ Portadores de Cartão Jovem _ > 65 anos_ grupos > 80 pessoas)
Gratuito: Docentes, alunos e funcionários da UC; Crianças (< 6 anos); Sócios do ICOM _ APOM _ MC 2 P
INTEGRIDADE NA INVESTIGAÇÃO
Filosofia das Ciências
Informação recebida do CENTRO DE FILOSOFIA DAS CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA (na foto, Hermínio Martins)
O U T U B R O
- Seminário Permamente de Filosofia das Ciências
"O papel dos Experimentos de Pensamento nas Ciências e na Filosofia"
Prof. Hermínio Martins (Emeritus Fellow, St Antony s College, University of Oxford, UK / Investigador-coordenador Emérito do Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa )
3 de Outubro de 2007 (4.ª feira) 18H00, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Edifício C 8 - Sala 8.2.23
- A Imagem na Ciência e na Arte
"Aproximações ao Conceito de Imagem V - Atelier "
Davide Scarso
Desenho Científico e Pensamento Selvagem
8 de Outubro de 2007 (2.ª feira) 10H30, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Edifício C 1 - Sala 1.3.29 (a confirmar)
- Seminário Permamente de Filosofia das Ciências
" Grundlagenstreit e o intuicionismo Brouweriano "
Prof. Fernando Ferreira (Departamento de Matemática, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa )
10 de Outubro de 2007 (4.ª feira) 18H00, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Edifício C 8 - Sala 8.2.23 (a confirmar)
- Dispersões
"El tiempo reversible. Perdón y promesa en Hannah Arendt"
Marina López (Fac. Filosofía, Univ. Michoacana de San Nicolás de Hidalgo, México)
22 de Outubro de 2007 (2.ª feira) 18H00, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Sala a confirmar
- I Colóquio Internacional de Ciência, Ética e Política " Vivre en Europe"
Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa - CFCUL, em colaboração com o Collège International de Philosophie de Paris, o Instituto de Filosofia da Freie Universität Berlin e o Instituto Franco Português de Lisboa.
29, 30 e 31 de Outubro de 2007, Instituto Franco-Português, Av. Luís Bivar, n.º 91, 1000 Lisboa
Mais Informações: Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa
http://cfcul.fc.ul.pt
Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Campo Grande 1749-016, Lisboa, Portugal
quinta-feira, 27 de setembro de 2007
HÁ PÉROLAS NO QUIOSQUE
Já há muito tempo que não falava da revista "Oculta" e do seu director, o inefável Mestre Alves. Mas voltou a aparecer no quiosque. Desta vez, as histórias de capa são a previsão que fez sobre Madeleine McCann, os ataques que lança à credibilidade dos bruxos seus colegas e as previsões que efectuou sobre as vitórias do Futebol Clube do Porto.
Quanto a Madeleine, Mestre Alves deslocou-se propositadamente à Aldeia da Luz para deslindar o enigma. Há tanta gente a mandar palpites na comunicação social sobre o caso que não faria sentido que um bruxo profissional não entrasse nessa disparatada competição. O barulho é tanto que o Mestre tem, porém, dificuldade em fazer-se ouvir. Quanto aos bruxos seus colegas, ele está verdadeiramente indignado e não se contenta com menos do que arrasá-los. Se não o soubéssemos já, ficamos a saber que são todos uns impostores. Finalmente, quanto às vitórias do Porto, ficamos a saber que a vitória do início do campeonato contra o Sporting se deveu a "trabalhos" do Mestre. Se é assim, falta explicar por que é que ele, no jogo recente do Porto contra o Fátima, ficou a descansar...
PS a 29/9/2007) O Mestre previu há bastante tempo a vitória de Luís Filipe Menezes no PSD. Será que também aqui fez "trabalhos"?
MAIS POESIA INFANTIL
Manuel António Pina é conhecido dos leitores do “Jornal de Notícias” (há aliás quem leia o JN principalmente por causa dele). O jornalista e escritor, com uma sensibilidade à ciência que não é comum no nosso meio literário, tem vários volumes de poesia tanto para adultos como para crianças e jovens (a sua “Poesia Reunida”, Assírio e Alvim, é de 2001). Da sua poesia infantil, quero destacar “O Pequeno Livro da Desmatemática” (ilustrações de Pedro Proença”, publicado em 2001 pela Assírio e Alvim (nº 8 da colecção Assirinha).
A ideia do autor é brincar com a matemática, desmistificando-a. É uma boa ideia! Mas confesso que fiquei algo perplexo com a citação, na entrada do livro, de Agostinho da Silva: “Que a imaginação te engorde e a matemática te emagreça”. Em primeiro lugar, não vejo a que propósito vem Agostinho da Silva, cuja relação com a matemática será diminuta (formou-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras na Universidade de Lisboa). Está pois errada a frase final do livro, na qual o autor chama a Agostinho da Silva um “matemático muito especial”. Nunca entendi o entusiasmo de tanta gente, nomeadamente jornalistas por esse filólogo e professor de Filosofia, que é autor de teses algo descabidas para não dizer mesmo delirantes sobre o futuro de Portugal e do mundo (Quinto Império, etc.). Em segundo lugar a citação dá a entender que há uma dicotomia entre matemática e imaginação, uma dicotomia que obviamente não existe. Bem pelo contrário. Basta conhecer um pouco a matemática para se intuir que ela é um dos maiores exercícios da imaginação humana. Felizmente que cada vez mais gente percebe isso, incluindo literatos como o escritor alemão Hans Magnus Ernszenberg, autor do “Diabo dos Números” (edição da Presença).
“O Pequeno Livro da Desmatemática” contraria, na prática, a citação inicial. O autor quer desmontar a Matemática (daí o título) para mostrar como ela tem a imaginação dentro dela. A matemática parece ser a imaginação à solta: descreve o nosso mundo físico, mas descreve também mundos só existentes mentalmente. Mas a imaginação matemática não está à solta, encontra-se contida na camisa de forças da lógica...
O livro contém poemas muito inspiradores, nos quais a imaginação matemática se combina com a imaginação literária. Há interessantes jogos de palavras. Gostei mais dos poemas mais curtos (a concisão é uma virtude em matemática!). No final, há algumas histórias em prosa que expõem algumas das maiores criações matemáticas, como o número pi, os números negativos, o número imaginário i, etc. Estas poemas e prosas bem podem contribuir para aumentar o gosto pela matemática nas nossas crianças.
Transcrevo dois breves poemas, um sobre a multiplicação e outro sobre a divisão, que espero multipliquem os leitores do livro:
Um problema de multiplicar
Numa multiplicação,
Se um dos factores faltar
E outro chegar atrasado,
Quando é o resultado?
Valerá a pena esperar?
Um problema de dividir
Partindo da proposição
“Dividir para reinar”,
divide até te fartar
e calcula a reinação!
Aquecimento global: um tratamento de choque
O texto foi publicado em co-autoria com Chris Rapley, director do Museu de Ciência de Londres e que foi responsável pela pesquisa Antárctida britânica, e basicamente assenta na «Hipótese de Ferro» que já foi discutida no De Rerum Natura.
Como referi na altura, foi recentemente descoberto que «alterações no suprimento de ferro por parte das águas profundas - como invocado em alguns cenários paleoclimáticos e de alteração climática no futuro -, pode ter um papel mais significativo que o pensado previamente».
James Lovelock e Chris Rapley propõem reproduzir a escala global o trabalho da equipa internacional que induziu mistura de águas profundas ricas em nutrientes com as águas superficiais relativamente pobres, nomeadamente em ferro. Esta mistura estimularia o crescimento de fitoplâncton que, conforme referido em Abril na Nature, pode remover dez vezes mais dióxido de carbono, CO2, que o que se supunha, isto é, cada átomo de ferro fornecido permite remover cem mil moléculas de CO2.
O fitoplâncton tem um papel fundamental no sequestro de carbono e na produção dos componentes dos aerossois de sulfato - que afectam o albedo terrestre e a nucleação de nuvens - que os dois cientistas sugerem seja utilizado na regulação climática, instalando nos oceanos tubos que, com o movimento das ondas, bombeariam para a superfície águas profundas -entre 100 metros e 200 metros de profundidade- ricas em nutrientes.
«Acreditamos que não vamos conseguir salvar o planeta com as abordagens tradicionais, como o Protocolo de Quioto e as energias renováveis», é a opinião de James Lovelock transmitida à BBC. Os dois cientistas duvidam que os planos actuais para reduzir as emissões de dióxido de carbono sejam eficazes mas admitem que há riscos na sua proposta, nomeadamente consideram que o impacto na acidificação do oceano precisa ser levado em conta.
«Mas as apostas são tão altas que colocamos em prática o conceito geral de utilizar a própria energia do sistema terreste para melhorá-lo. A remoção de 500 biliões de toneladas de dióxido de carbono do ar por acção humana está além da nossa actual capacidade tecnológica. Se não podemos curar o planeta, talvez possamos ajudá-lo a curar-se sozinho».
Esta semana decorre no Woods Hole Oceanographic Institution (WHOI) uma conferência devotada ao tema fertilização dos oceanos, pelo que segundo David Karl, um biólogo e oceanólogo da Universidade do Hawaii em Manoa, «O timing desta proposta é fantástico».
Alguns cientistas aí reunidos apontam falhas na proposta, nomeadamente Scott Doney, um químico do WHOI, considera que trazer para a superfície as águas frias das profundezas, que são mais ricas em CO2 e contêm carbono inorgânico dissolvido, pode ser contraproducente, isto é, libertar ainda mais dióxido de carbono para a atmosfera.
Outro químico do WHOI, Ken Buesseler referiu ainda que «Em todas as conferências a que fui, quando se fala sobre esta ideia da remoção de CO2 por águas oceânicas superficiais, o balanço indica que se transportaria para a superfície nutrientes e carbono inorgânico à mesma taxa em que se remove carbono na biomassa». Acrescentando que a ideia teria um impacto potencialmente muito negativo na vida marinha (como vimos em relação aos anfíbios).
Karl por seu lado considera que a proposta de Lovelock e Rapley não deve ser descartada sem ser testada:
«Conceptualmente a proposta é simplesmente elegante - embora tecnicamente possa ser difícil de ajustar».
CIÊNCIA E POESIA PARA CRIANÇAS
São bem conhecidas as incursões por temas de ciência de alguns poetas portugueses. Bastará a este propósito ler a a “Obra Completa” de António Gedeão (pseudónimo de Rómulo de Carvalho), o “Limite de Idade” de Vitorino Nemésio” ou o “Limitável Oceano” de Eugénio Lisboa.
Mas são menos comuns os livros de poesia sobre temas de ciência destinados a um público infantil. Convém, por isso, chamar a atenção para um desses livros, que transmite vocabulário e ideias de ciência aos leitores mais novos. Saiu na colecção Assirinha, a colecção de poesia infantil da Assírio e Alvim, a maior editora portuguesa de poesia. O número dois da colecção data do ano 1999 e é de uma dupla de autores: Jorge Sousa Braga (poemas) e Cristina Sernadas (ilustrações). Intitula-se “Herbário” e ganhou um prémio que a Fundação Gulbenkian atribui para obras de literatura infanto-juvenil. O poeta é médico (a sua especialidade poderá ressaltar do título do seu livro de poesia “A Ferida Aberta”, saído na Fenda em 2001; há uma edição recente da obra reunida do poeta: “O Poeta Nu”). A mesma dupla é autora na mesma colecção de dois outros livros semelhantes: “Pó das Estrelas” e “Poemas com Asas”.
A maior parte dos poemas de “Herbário” são pérolas de bom gosto, inteligência e sensibilidade, que podem não só ser apreciadas por crianças como por adultos. Sabe-se aliás que os bons livros para crianças não têm limite para a idade dos leitores. No “Herbário” entra o mundo fantástico e de mil cores da botânica. Melhor porém do que perorar sobre as virtudes dos poemas, para o que faltam qualidades a este “crítico”, será transcrever dois exemplos que agucem a vontade de leitura. A minha selecção, como qualquer outra, tem uma marca pessoal: um trata do pai da genética Ernest Mendel, o monge beneditino que, no século XIX, no mosteiro de Brno, hoje na República Checa, descobriu as regras da transmissão das propriedades das ervilhas; e o outro trata de uma maravilhosa planta que consegue crescer na adversidade do deserto no Sul de Angola. Tanto a genética das ervilhas como a Welwitschia apareceram-me nas aulas do liceu (tenho, mais ou menos, a idade do poeta), a primeira nas Ciências Naturais e a segunda na Geografia (tínhamos de saber a flora das “províncias ultramarinas”), e ficaram-me gravadas na memória. Ficou também o assombro de perceber que a história que começou com as ervilhas veio a dar ao DNA e continua nos dias de hoje. E o assombro sempre renovado perante a capacidade da vida se adaptar ao seu meio ambiente – é justo que a “Welwitschia Mirabilis” se chame “Mirabilis”.
Eis os dois curtos poemas:
Mendel
Ao contrário dos monges beneditinos,
Que ficaram a meditar nas suas celas,
Ele gostava de meditar entre os pepinos,
Os bróculos, as favas e as beringelas.
E foi num momento de meditação
Entre ervilhas de casca lisa e rugosa,
Que descobriu por que é que os teus olhos
São castanhos e não azuis ou cor-de-rosa.
Welwitschia Mirabilis
No meio do mais árido deserto
Há uma planta que consegue medrar,
E até se dá ao trabalho de florir,
Mesmo que não haja ninguém por perto,
Que a possa contemplar.
Este último poema pode até ser relacionado com a teoria quântica. A planta do deserto existe mesmo que não haja ninguém para a ver e admirar, com os olhos de uma cor qualquer. Uma das grandes discussões do século XX foi precisamente a que ocorreu entre Albert Einstein e Niels Bohr sobre a teoria quântica. Uma das questões era: existe a realidade independentemente do observador? Existirá a Lua quando não há ninguém a olhar para ela?
É de pequenino que se torce o pepino. É de pequenino, e até com a poesia, que se pode começar não só com a biologia como com a física e a filosofia.
Ano Internacional da Rã
A palavra «anfíbio» vem do grego amphíbios, «duas vidas» e refere espécies que apresentam na sua maioria ciclos de vida em duas fases, com uma forma aquática (em água doce) e uma forma que vive na terra. Apesar de de serem inofensivos para os seres humanos, todos os anfíbios possuem glândulas espalhadas na pele que podem produzir secreções tóxicas ou alucinogénicas - como é exemplo do sapo cururu -, que podem ter aplicações importantes em farmacologia.
Os mitos e superstições que rodeiam estas espécies têm contribuído para o seu desaparecimento e para o facto de que pouco se fala na sua extinção e declínio - são francamente menos atraentes e «vendáveis» para o grande público que baleias, pandas ou linces. Embora o consumo humano (nalguns locais do Globo) de algumas «delícias» gastronómicas não contribua para a sua preservação - só em França, cerca de 80 milhões de rãs são servidas à mesa todos os anos - é a acção do homem no meio ambiente a principal culpada do declínio rápido nas populações de anfíbios nos últimos 20 anos.
Dotados de uma pele permeável, os anfíbios são quasi indicadores da qualidade ambiental já que são muito sensíveis à poluição, do ar e da água. Para além disso, as populações de batráquios estão a ser ameaçadas por fungos com efeitos mortais, Batrachochytrium dendrobatidis, cuja proliferação se pensa estar relacionada com o aquecimento global. O Batrachochytrium dendrobatidis, que já foi detectado em todos os continentes, menos na Antárctida, foi responsável pela extinção nos últimos anos de 70 espécies de sapos da América Central e da região tropical da América do Sul e pelo declínio de pelo menos 93 espécies de anfíbios no mundo, 43 delas na América Latina.
O último número da PNAS inclui um artigo, Aquatic eutrophication promotes pathogenic infection in amphibians, que explica como a eutrofização está a contribuir para o problema. O excesso de nutrientes que são despejados nos cursos de água doce - devido a descargas de efluentes agrícolas, urbanos ou industriais -, leva à proliferação excessiva de algas e dos caracóis (Planorbella tenuis) que delas se alimentam. Os caracóis por sua vez são hospedeiros de um parasita da classe Trematoda, Ribeiroia ondatrae. Tal como o parasita que causa a malária, os trematodes têm várias espécies como hospedeiros durante o seu ciclo de vida, e este em particular infecta sapos causando deformidades muitas vezes fatais. Estas deformidades são até benéficas para o parasita uma vez que tornam um sapo infectado (e deformado) uma presa mais fácil para pássaros, o hospedeiro final do Ribeiroia ondatrae.
O estudo apresentado no PNAS sugere ainda que o mesmo mecanismo que está a contribuir para a extinção de anfíbios, pode ajudar a explicar a incidência crescente de parasitas com múltiplos vectores que afectam o homem, da cólera à malária passando pelo febre amarela e dengue. No caso destas últimas doenças, acresce ainda que os anfíbios ajudam a controlar as populações de insectos, nomeadamente dos mosquitos que são o vector que nos infecta. Com a diminuição drástica de anfíbios aumentam as populações de insectos transmissores de doenças e a probabilidade de infecção do Homem. Anualmente, só a malária mata cerca de 2 milhões de pessoas e afecta aproximadamente 500 milhões ...
quarta-feira, 26 de setembro de 2007
A Crise da Química
Uma questão diversas vezes abordada no De Rerum Natura tem a ver com a (má) imagem pública da Química. Para nos ajudar a explicar porquê, pedimos uma contribuição a Luís Alcácer, do Instituto de Telecomunicações/Instituto Superior Técnico. O químico que foi pioneiro em Portugal na área de «Electrónica Molecular», respondeu prontamente com este post convidado, que, dada a sua actualidade e centralidade, será desenvolvido num próximo número do boletim da Sociedade Portuguesa de Química.
A química tem actualmente uma má imagem pública. Os cursos de química não atraem alunos. A química não está na moda. Porquê?
A revista Nature de 3 de Agosto de 2006 (vol. 442, pags. 486 e 500-502) analisou essa questão e publicou os resultados de um inquérito junto de alguns dos químicos mais eminentes do planeta. Todos concordam que a palavra "química" continua a ser a melhor, se quisermos referir-nos às ciências da matéria e das suas transformações. Longe de ser uma espécie em vias de extinção, a química é vítima do seu próprio sucesso. De facto, a química deu-nos as ferramentas e os conceitos para, por exemplo, investigar o misterioso processo a que chamamos vida. Os químicos conseguem criar estruturas (materiais) a partir de átomos, quer trabalhem em departamentos de engenharia química, quer em departamentos de engenharia de materiais ou de polímeros. Intervêm nas nanotecnologias e na electrónica, e poderão mesmo vir a criar, por auto-organização (self-assembly), circuitos e memórias, não apenas programáveis, mas também, capazes de "aprender".
Um dos problemas é que os créditos não são, muitas vezes, atribuídos à química.
O desenvolvimento da ciência e da tecnologia no século XX, levou a uma grande especialização e à separação dos saberes. Só assim, foi possível tirar proveito económico da ciência. Muitas das áreas científicas e tecnológicas, inicialmente do domínio da química, separaram-se, criando muitas novas disciplinas. É o caso da metalurgia, que faz agora parte da "ciência de materiais", e da bioquímica agora estilhaçada numa grande variedade de subdivisões. Esta evolução levou a que muitos departamentos, originalmente de química, tenham mudado de nome para "química e biologia", "química e materiais", etc. As mudanças de nome não são apenas uma questão de moda. Reflectem também uma mudança de ênfase genuína. Esta tendência já é evidente nas organizações e nos nomes de muitos departamentos universitários, desde Harvard até, por exemplo, ao nosso Instituto Superior Técnico. Tal reorganização não é a melhor maneira de assegurar a posição da química como uma disciplina independente.
Com os departamentos de química das universidades a fechar ou a mudar de nome e o número de alunos interessados pela química a diminuir, conseguirão os químicos manter a sua disciplina como uma "ciência básica"?
A revista Nature perguntou aos químicos quais são as grandes questões que se colocam ao seu domínio científico, e se, de facto, a química precisa de se apoiar em grandes questões para manter a sua coerência e identidade.
O eminente carácter sintético da química coloca-a num plano diferente das "ciências baseadas na descoberta" como a física, a astronomia, a biologia e as ciências da Terra. A química cria o seu próprio objecto, como escreveu Berthelot em 1860. E embora esteja a emergir agora a biologia sintética, como uma disciplina genuína, para muitos químicos, esse não é mais do que um ramo da química aplicada, assente em técnicas químicas como a síntese do ADN e o "design" de proteínas. A química é a única ciência que permite fazer coisas que nunca foram feitas. É a ciência que alimenta a indústria, não apenas a petroquímica, mas também a indústria farmacêutica, a indústria de semicondutores e a biotecnologia.
Algumas das grandes questões que se colocam à ciência actual são do domínio da química. É o caso da essência da vida. Só a química terá capacidade de abordar problemas como o da auto-organização (se assim se pode chamar) que levou o Universo a gerar uma entidade que é capaz de reflectir sobre a sua própria origem, diz o prémio Nobel Jean-Marie Lehn. A química precisa de se reafirmar como uma disciplina básica. Não como uma simples ferramenta. É talvez altura de os departamentos de química repensarem a sua estrutura interna. A divisão tradicional em química-física, química orgânica e química inorgânica tornou-se há muito inadequada.
A grande questão diz respeito à natureza e às regras que governam o processo de organização de átomos em novas moléculas e estruturas de um modo previsível e efectivo. Se a química se decompuser em outras disciplinas não haverá base de aprendizagem e treino para conseguir tal domínio sobre a matéria. Note-se que se podem considerar cerca de 1040 (1 seguido de quarenta zeros) moléculas, de tamanho comparável ao de um fármaco típico, que podem ser feitas a partir dos elementos químicos comuns. O mundo químico conhecido, incluindo a expansão do mundo natural que os químicos conseguiram, não atinge sequer 1% desse número.
As grandes questões que se colocam à química:
• Qual é a base química da célula viva?
• Qual a base química do pensamento e da memória?
• Como começou a vida na terra, e como e onde poderá começar noutros mundos?
• Como poderemos fazer o "design" de moléculas com funções e dinâmicas específicas?
• Como poderemos fabricar os materiais necessários para o futuro, nas áreas da energia, da indústria aeroespacial e da medicina?
• Como poderemos explorar todas as possíveis combinações de todos os elementos químicos?
Luís Alcácer
terça-feira, 25 de setembro de 2007
"QUEM ABRE UMA ESCOLA FECHA UMA PRISÃO"
Digo que são quadros surrealistas por várias razões: por, como o Carlos fez notar em texto do passado dia 14, escolas públicas serem benzidas por sacerdote católico na presença do chefe governo; por estações de televisão entrevistarem crianças e jovens no espaço escolar, suponho eu, sem a devida e antecipada autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados e dos encarregados de educação; por se perceber que a visita da comitiva governamental estar combinada e organizada, mas querer dar-se a ideia de espontaneidade, por exemplo, a comitiva governamental aparece numa sala onde alunos e professor “trabalham tranquilamente” (com câmaras de filmar…).
Neste ano resolvi passar por cima das notícias sobre a ida da tutela ao “terreno educativo real”, mas a minha atenção foi presa por um dito do nosso primeiro-ministro num telejornal. Não foi tanto o dito, mas o modo como foi dito. Passo a explicar.
Retive de memória José Sócrates afirmar que já se tinham fechado mais de duas mil escolas e que se continuariam a fechar escolas. Olhei, e era de júbilo, mesmo de exultação, o ar com que falava!
Esta é uma daquelas declarações que, deslocada do contexto, pode assustar. Na verdade, se não tivesse a certeza de viver num regime democrático, ficaria seriamente preocupada e interpretaria que fechar escolas constitui um triunfo do poder político contra a educação. Como tenho a certeza de viver num regime democrático que preza a educação, fiz outra interpretação: pareceu-me que o nosso primeiro-ministro quis sublinhar que fechar más escolas com poucos alunos e abrir bons centros escolares com muitos alunos é uma medida positiva que, por isso mesmo, deve continuar a ser implementada.
Os argumentos que, em geral, são invocados para defender a redução de escolas são os seguintes: um centro escolar dispõe de mais recursos do que uma escola isolada e as actividades que pode proporcionar estão mais de acordo com as exigências da educação do século XXI; para se desenvolverem harmoniosamente, as crianças precisam de conviver com (muitas) outras crianças; há vantagens em que os professores, planifiquem, avaliem, enfim, trabalhem em conjunto… O aspecto económico também terá a sua importância: sob este ponto de vista, um centro escolar é mais vantajoso do que várias escolas dispersas.
Tudo isso estará certo, mas não é menos certo que quando se fecha uma escola pequena, as crianças deslocadas ficam mais tempo afastadas das famílias, mesmo as muito pequenas estão o dia inteiro fora de casa; as famílias, por seu lado, também vão menos à escola, pois, neste pequeno país, as distâncias são difíceis de ultrapassar. Por outro lado, sem crianças a fazer barulho por perto, as comunidades do interior, muito envelhecidas, perdem vida e perdem, em muitos casos, o único sítio de saber e cultura de que dispunham. Sem recursos básicos, os que podem saem para outras paragens, onde haja pelo menos uma escola e, assim, lugares e aldeias ficam cada vez mais desertos...
Ou seja, na decisão de fechar uma escola com poucos alunos há necessariamente prós e contras a ponderar. Até pode ser que os argumentos a favor sejam mais fortes do que os argumentos contra. Contudo, a ligeireza com que aqueles se afirmam e estes se omitem dá que pensar.
Talvez por isso, face ao muito assertivo discurso do primeiro-ministro lembrei-me imediatamente das palavras do escritor francês Vítor Hugo: “Quem abre uma escola fecha uma prisão”.
Palavras que foram ditas num tempo (no século XIX) em que abrir uma escola numa povoação remota constituía uma vitória contra a ignorância, essa mãe de todos os males… Hoje, apesar de temos uma atitude um pouco mais comedida em relação aos resultados da educação (sabemos que ela não conduz necessariamente à felicidade, à bondade e à sabedoria), ainda nos devíamos guiar pelo princípio de que ter uma escola próxima de nós faz alguma diferença para as crianças que a frequentam e para a comunidade onde está integrada.
Num certo sentido, abrir uma escola é (ou deveria ser) um acontecimento alegre; enquanto fechar uma escola é (ou deveria ser) um acontecimento triste, ainda que saibamos que esse fecho é ditado por uma causa boa e razoável.
Imagem tirada daqui.
Nanovídeo
Um grupo de cientistas da Universidade de Cambridge (Inglaterra), da Universidade de Kyoto (Japão) e do Instituto Indiano de Ciências (Índia) conseguiu, pela primeira vez, registar em tempo real a interacção entre uma enzima e o ADN de um vírus. Este vídeo mostra-nos os detalhes descritos no artigo «Fast-scan atomic force microscopy reveals that the type III restriction enzyme EcoP15I is capable of DNA translocation and looping» publicado online em Julho nos Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS).
No vídeo, produzido com o auxílio de um microscópio de força atómica revolucionário, podemos ver uma enzima de restrição de uma bactéria a cortar o ADN de um vírus. As enzimas que cortam a dupla cadeia do ADN em sítios especificos são denominadas enzimas ou endonucleases de restrição- porque são produzidas por bactérias para reconhecer e destruir ADN estranho, e assim restringir a proliferação de, por exemplo, vírus invasores.
Uma das técnicas usadas na sequenciação de ADN, análise dos polimorfismos dos fragmentos de restrição ou RFLP (Restriction Fragment Length Polymorphisms), assenta nas enzimas que são designadas a partir do nome da espécie bacteriana de onde são extraídas, por exemplo, EcoRI, a primeira enzima de restrição a ser isolada - da estirpe R da bactéria Escherichia coli. Os fragmentos de ADN produzidos pelas enzimas de restrição podem ser separados por electroforese em gel de agarose e detectados após «blotting» (transferência) e incubação com uma sonda marcada.
Até a divulgação do vídeo, os cientistas podiam apenas contar com evidência indirecta para descrever como estas proteínas cortam o ADN. Agora, está disponível uma técnica para ver ao vivo todos os detalhes da interacção.
Segundo os autores, este trabalho terá grandes implicações para o estudo da reparação do ADN, nomeadamente no que ao tratamento do cancro diz respeito. Como referiu um dos autores, Robert Henderson, da Universidade de Cambridge:
«Esta técnica ajudará a entender como as enzimas identificam qual a parte de uma cadeia de ADN a que se devem ligar, o que é importante para compreender como as proteínas reparam ADN danificado. A longo prazo, poderá auxiliar na procura de tratamentos contra o cancro, por exemplo, uma vez que a doença muitas vezes ocorre onde o ADN está danificado, mas as enzimas não se comportam correctamente de modo a reparar o problema».
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
SOBRE A HISTÓRIA DAS CIÊNCIAS
É comum arrumar a história de um lado e as ciências num outro. Nas universidades a história aprene-se nas faculdades de letras e as ciências aprendem-se nas faculdades de ciências e de engenharia. E não é comum encontrar disciplinas de ciências nas faculdades de letras nem disciplinas de história nas faculdades de ciências e de engenharia.
Mas essa separação esquece que existe, desde há muito, uma disciplina denominada História das Ciências, que está no cruzamento preciso entre a história e as ciências. Exige tanto conhecimentos de história como conhecimentos de ciências. Onde estudar esse assunto? Pois devia ser nos dois lados. E, se existir apenas num dos lados, dever-se-ia procurar que as pessoas do “outro lado” a frequentassem.
Por que é importante a história das ciências? Em primeiro lugar, como se vê logo do lugar que ocupa, desde logo pela eliminação ou esbatimento da compartimentação rígida do conhecimento. Se a ciência é (erradamente) vista como algo de impessoal, de pouco humano, a história da ciência mostra-nos que a ciência é feita por pessoas concretas, que são bem humanas (mesmo “deuses” como Galileu, Newton e Einstein são completamente humanos!). A história da ciência, ao mostrar-nos que a ciência não caiu do céu aos trambolhões, mas resultou do desejo e do trabalho dos homens, ajuda decerto a compreender melhor o que é a ciência. A ciência, por mais “fria” e “neutra” que seja apresentada nas faculdades de ciências e engenharia, traz sempre consigo a marca dos seus criadores, assim como dos tempos e dos espaços em que foi criada. Tal facto não representa nenhum defeito ou disfuncionalidade: ajuda a mostrar que a ciência é uma forma de cultura.
A história da ciência ensina-nos sobretudo que a ciência é um empreendimento humano, realizado progressivamente ao longo do tempo, num processo que é mais de acumulação do que de ruptura (o historiador e filósofo de ciência Thomas Kuhn exagerou ao falar de ruptura de paradigmas). Contudo, o facto de a ciência ser humana não significa que que ela não se confronte com uma realidade objectiva – as ciências exactas e naturais procuram descobrir o mundo de que o homem faz parte. Significa, sim, que na contínua descoberta do mundo, na construção do edifício científico, entram elementos que têm a ver com personalidades, épocas e lugares. E, muitas vezes, nesse processo de descoberta, entram paixões, disputas, intrigas, como num enredo de ficção. ..
A ciência em nada fica diminuída por ter uma história e uma história feita de numerosos incidentes. Bem pelo contrário, a história das ciências expõe uma dimensão não desprezável da ciência, a dimensão dos sonhos, das dificuldades e e dos erros. E só com essa dimensão a ciência fica completa: não se trata apenas de um corpo de conhecimentos em ampliação constante, mas do processo da sua própria ampliação.
A história da ciência ensina-nos também a compreender melhor a ciência do presente, iluminando-a com a luz da ciência do passado. E permite-nos compreender melhor a ciência do passado, iluminando-a com a luz da ciência do presente. Embora o historiador de ciência tenha de fazer um grande esforço para ver a ciência do passado com os olhos do passado, é inevitável que a veja também com os olhos do presente. O historiador e filósofo das ciências Gaston Bachelard lembra-nos que é preciso saber ciência para fazer história das ciências:
“O historiador das ciências, para bem julgar o passado, deve apreender o mais possível a ciência cuja história se propõe escrever.”
Porém, o historiador de ciência Pascal Acot, comenta no seu livro “História das Ciências” (Edições 70, 2001) a afirmação anterior do seguinte modo:
“Mas esta necessidade não deve levar os historiadores de ciência a passarem ao crivo as obras científicas do passado, para separarem o que hoje é considerado verdadeiro daquilo que é considerado errado ou de reter apenas, na multidão de obras passadas, aquelas que, retrospectivamente, parecem progredir rumo à modernidade, como se elas ‘avançassem ao nosso encontro’ e, portanto, como se a história fosse orientada. Num jogo como este, efectivamente, só poderíamos sair perdedores, visto que o erro científico pode ser de uma espantosa fecundidade e trazer nele próprio as sementes de um discurso verdadeiro acerca dos fenómenos estudados”.
A história das ciências deve, portanto, revelar a fecundidade de alguns erros...
Alberto Romão Dias: uma homenagem
Por coincidência, no dia do seu aniversário inicia-se o ano lectivo para os caloiros do Técnico, nomeadamente para os caloiros do DEQB que pela primeira vez nos últimos 32 anos não contarão com aquele que neles deixou a marca indelével de que as muitas homenagens na blogosfera são testemunho. De facto, o chefe foi uma figura de destaque no Departamento de Engenharia Química e Biológica do Instituto Superior Técnico, não apenas como cientista mas sobretudo como (grande) educador, um professor que nos empolgou, nos surpreendeu, nos fez pensar e nos envolveu activamente no ensino e investigação em Química.
Vi o chefe pela primeira vez em diferido e a preto e branco, na televisão em que assistia às aulas do ano propedêutico, que antecedeu o 12º ano e substituiu o serviço cívico dos anos da Revolução. O seu génio como educador era evidente mesmo no pequeno écran em que eu e mais três colegas tentávamos aprender a muita matéria das cinco disciplinas, matemática, física e química, ciências da natureza, português e inglês, que constavam dos exames que em Julho realizei no Pedro Nunes. Aliás, devo confessar que muito rapidamente as aulas de química passaram a ser as únicas que não perdíamos.
Quando mais tarde pude assistir ao vivo e a cores às aulas do chefe, fiquei fascinada com a facilidade como descascava e apresentava os aspectos mais complexos da química, com a forma brilhante como usava a voz, o corpo, o giz ou o ponteiro (de madeira nesses tempos) para transmitir os seus vastos conhecimentos de química a uma plateia completamente rendida.
Muitos foram aqueles que já como jovens assistentes ou assistentes estagiários assistiam às lendárias aulas no QA para se inspirarem para as respectivas. O amor pela Química - uma ciência que nos dia de hoje é muitas vezes totalmente incompreendida ou reduzida a estereótipos a milhas da realidade -, que todas as suas aulas transpiravam reflectia uma das suas grandes causas, o ensino da (boa) Química em Portugal.
Embora sinta que escrever (e ensinar) sobre a ciência à qual devotou a sua vida constitui a melhor homenagem que posso prestar ao chefe, neste dia que em anos anteriores significaria um almoço quasi ritual no Retiro do Quebra-Bilhas ou no Amazonas, não posso deixar de assinalar a data. Obrigado chefe, nunca o esqueceremos.
OUTRA PÉROLA NO EMAIL
Recebi um email a publicitar um curso de hipnose a realizar em Lisboa por um hipnotizador brasileiro. Nunca fui hipnotizado, apesar de conhecer pessoas que já foram. Também nunca hipnotizei ninguém. Duvido que passasse a ser capaz no fim de frequentar este curso. Sei pouco de hipnose, mas este anúncio cheira-me a pseudociência. Talvez alguém mais versado em hipnose, ou em psicologia, ou em medicina, possa esclarecer...
CURSO de FORMAÇÃO em HIPNOSE CONDICIONATIVA - A última palavra em hipnologia
"Esta é uma terapia eficiente na resolução das questões psíquicas de cada indivíduo, sem a necessidade de “investigar” a vida de uma pessoa, o seu passado, e que chega ás causas dos problemas (registros mentais negativos), sem resgatar traumas, nem revivenciar os abalos emocionais (sofrologia), abreviando os tratamentos. Foi nesta perspectiva que Crozera estudou e implementou um meio para chegar às causas, indo até os registros mentais negativos, conseguindo "bloqueá-los" na mente e desta forma resolvendo problemas comportamentais e diversos transtornos emocionais, chegando diretamente à causa ou fazendo uma espécie de rastreamento na mente (consciente e inconsciente), indo da vida intra-uterina até o momento presente, num curto espaço de tempo. Assim o professor Luiz Carlos Crozera encontrou uma brilhante forma de proporcionar ao ser humano, equilíbrio emocional, motivação, elevação da auto-estima (fundamental em qualquer tipo de tratamento e patologia, tanto de ordem física como psicológica, elementos indispensáveis para que o organismo humano funcione adequadamente, inclusive no campo imunológico), projetando a verdadeira “saúde”, onde nenhum componente químico pode entrar – “na mente humana”. Esta é uma solução inovadora, que substitui técnicas de regressão (Hipnose Clássica), assim como aplicação de metáforas (Hipnose Ericksoniana) e incontáveis métodos adaptados pela psicologia, aos poucos vai conquistando espaço nos mais variados segmentos da saúde (clínica integrativa), na educação, desportes, recursos humanos e criminalística."
Cultura e Ciência
Penso... logo controlo
Impaciências – Café de Ciência
"Penso logo... controlo"
João Paulo Cunha
29 de Setembro de 2007
Sábado 15h00>16h30m
Penso logo... controlo
Pode o nosso cérebro controlar um computador?
Sabia que o campo eléctrico, produzido pela actividade cerebral, permite a comunicação com um sistema informático, através de eléctrodos, sendo capaz de controlar um computador para, por exemplo, abrir o correio electrónico?
Existe mesmo um campeonato do mundo onde, recorrendo a métodos computacionais de análise da actividade cerebral, equipas disputam o controle de acções: uma interface regista a actividade eléctrica do cérebro dum membro da equipa; a informação tratada, num suporte informático, conduz a uma acção diferente entre os grupos, permitindo a competição por um melhor desempenho.
Estas utilizações podem parecer ficção científica, mas no próximo dia 29 de Setembro, pelas 15h, iremos mostrar que não estamos no domínio da fantasia, e aqui mesmo, em breve, será possível experimentar uma destas interfaces, numa valência na Fábrica.
Para dar início à conversa estará connosco o Prof. Doutor João Paulo Cunha. E porque o SIAS - grupo de investigação e desenvolvimento em Sistemas de Informação na Área da Saúde, integrado no IEETA - Instituto de Engenharia Electrónica e Telemática em Aveiro, faz 10 anos, após este Impaciências, lançamos o convite para uma visita guiada à Fábrica, com a apresentação da exposição “Mãos na Massa”.
Da nossa parte está assegurada a qualidade de um bom café, das conversas que se estabelecem à sua volta e a simpatia de toda uma equipa que o recebe. Contamos com a sua presença!
Na Fábrica Centro Ciência Viva de Aveiro, pois claro!
Nota: Aos pais que venham com filhos propomos que, enquanto decorre o ImpaCiências, estes, não participando no Café de Ciência, possam realizar outras actividades que decorram na Fábrica – Centro Ciência Viva (entradas gratuitas)
domingo, 23 de setembro de 2007
A COISA MAIS PRECIOSA
Minha crónica do último "Sol":
Apesar de a ciência se encontrar hoje por todo o lado, nem sempre é fácil transmiti-la. Alguns casos recentes ilustram bem essa dificuldade:
- No badaladísimo caso Madeleine McCann, como explicar ao grande público o significado de uma concordância de 80 por cento no DNA, passando a mensagem que a ciência não pode, em geral, oferecer certezas absolutas? A noção de probabilidade não é fácil e, de resto, o público não quer uma resposta baseada em percentagens mas sim uma resposta de sim ou não, para saber se os arguidos são culpados ou inocentes.
- No caso do ataque de um grupo ecológico radical a uma plantação de milho transgénico no Alentejo, como explicar ao grande público o que são organismos geneticamente modificados? E serão mesmo perigosos para a saúde pública? De facto, as pessoas têm dificuldades com a noção de risco, que se mede com probabilidades. Normalmente – e isso é normal - têm receio do invisível e do novo. De novo, querem da ciência certezas que não podem ser dadas.
- É também controversa a construção de uma nova barragem no Alto Sabor, para não falar já da construção da primeira central nuclear em Portugal. Será que as novas centrais de energia podem ser discutidas apenas numa perspectiva científica? Claro que há outros factores que devem ser considerados na tomada de uma decisão (políticos, económicos, etc.), sendo muito difícil destrinçá-los. Além disso, a comunidade científica discute entre si: algumas pessoas queriam uma resposta científica unânime, mas encontram afinal várias respostas, por vezes antagónicas.
Estes três exemplos mostram bem como a ciência pode ser incerta e controversa. Pois é precisamente a incerteza que alimenta a ciência. E é precisamente a controvérsia que faz avançar a ciência. A discussão científica serve para diminuir a incerteza. Da discussão há-de nascer a luz, se não a luz toda pelo menos alguma luz. A incerteza e a controvérsia em nada diminuem a ciência. Como disse Einstein: “A ciência pode ser primitiva e infantil, mas é a coisa mais preciosa que temos.”
Biocombustíveis podem agravar aquecimento global
Paul Crutzen foi galardoado com o prémio Nobel da Química em 1995 pelo seu trabalho em química da atmosfera, particularmente no que concerne à camada de ozono, sendo ainda uma das autoridades mundiais em óxidos de azoto na atmosfera.
O artigo da equipa de Crutzen, «N2O release from agro-biofuel production negates global warming reduction by replacing fossil fuels», publicado para discussão dia 1 de Agosto na revista interactiva Atmospheric Chemistry and Physics, tem gerado muita polémica, embora até ao momento só tenha merecido 10 comentários e a discussão aberta do artigo termine já no dia 26.
O estudo indica que utilizar biocombustíveis irá muito provavelmente aumentar em vez de diminuir as emissões de gases de efeito de estufa. Os cálculos de Cruttzen e colaboradores indicam que a cultura dos biocombustíveis mais utilizados liberta cerca do dobro de óxido nitroso, N2O, que estudos anteriores indicavam. O N2O, o gás hilariante, é um gás de efeito de estufa com potencial de aquecimento global a 100 anos - global warming potential (GWP) - 298 vezes maior que o CO2.
Crutzen calcula que os micro-organismos do solo convertem em N2O entre 3 a 5% do azoto dos nitratos utilizados como fertilizantes, enquanto o valor utilizado pelo International Panel on Climate Change (IPCC) é de apenas 2% .
O prémio Nobel estima para o óleo de colza (canola ou rapeseed) um factor de aquecimento global devido às emissões de N2O entre 1 a 1.7 vezes maior que o factor de «arrefecimento» devido às emissões de CO2 de combustíveis fósseis «poupadas». O óleo de colza é muito utilizado na Europa, dando conta de cerca de 80% da produção de biodiesel. O número análogo para o bioetanol produzido a partir de milho, muito comum nos Estados Unidos, situa-se entre 0.9 e 1.5. Apenas o bioetanol produzido a partir de cana de açúcar é uma alternativa viável aos combustíveis fósseis, com um parâmetro entre 0.5 e 0.9. Isto é, para o Nobel em química atmosférica, só constituem alternativas os biocombustíveis produzidos a partir de culturas pouco exigentes em fertilizantes azotados. No resumo do artigo podemos ler:
When the extra N2O emission from biofuel production is calculated in “CO2-equivalent” global warming terms, and compared with the quasi-cooling effect of “saving” emissions of fossil fuel derived CO2, the outcome is that the production of commonly used biofuels, such as biodiesel from rapeseed and bioethanol from corn (maize), can contribute as much or more to global warming by N2O emissions than cooling by fossil fuel savings. Crops with less N demand, such as grasses and woody coppice species have more favourable climate impacts. This analysis only considers the conversion of biomass to biofuel. It does not take into account the use of fossil fuel on the farms and for fertilizer and pesticide production, but it also neglects the production of useful co-products. Both factors partially compensate each other. This needs to be analyzed in a full life cycle assessment.
Alguns especialistas são críticos da abordagem utilizada nos cálculos, nomeadamente Simon Donner de Princeton, que considera que a premissa básica de Crutzen - as emissões de N2O pré-industriais, quando não se utilizavam fertilizantes azotados, são as emissões naturais deste gás - está «provavelmente errada» e Stefan Rauh - que considera baixas as conversões de colheitas em biocombustível utilizadas.
De qualquer forma, as conclusões de Crutzen apenas reforçam as questões que já abordei no post «Ecologia e biocombustíveis» e um estudo publicado em Abril na «Chemistry & Industry» - que questiona a legislação europeia de promoção de biocombustíveis -, e em conjunto apontam na mesma direcção: a utilização de biocombustíveis pode ser francamente pior em termos de aquecimento global que o uso de derivados do petróleo.
O mesmo é apontado por Keith Smith, um cientista da química da atmosfera na Universidade de Edimburgo, co-autor com Crutzen do artigo prestes a ser publicado na sua versão final:
The significance of it is that the supposed benefits of biofuels are even more disputable than had been thought hitherto. What we are saying is that growing many biofuels is probably of no benefit and in fact is actually making the climate issue worse.
Segundo Dave Reay, igualmente da Universidade de Edimburgo, se o Senado americano determinar que a produção de etanol a partir de milho aumente por um factor de 7 até 2022, as emissões de gases de efeito estufa crescerão 6% no país.
Estas preocupações são partilhadas por Richard Doornbosch, autor de um relatório preparado recentemente para a Round Table on Sustainable Development da OCDE, que põe em dúvida os benefícios de biocombustíveis de primeira geração (isto é, que não sejam obtidos por reciclagem de lixos sortidos) e conclui que os governos deveriam rever os objectivos mandatórios em relação à incorporação de biocombustíveis. De acordo com Doornbosch (e corroborado pelo trabalho de Crutzen), é necessário estabelecer bem todo o ciclo de vida dos biocombustíveis. Sem uma análise profunda de todas as implicações da sua produção e utilização, a legislação produzida, que não distingue entre biocombustíveis, pode piorar em vez de melhorar o problema do aquecimento global.
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