Por Eugénio Lisboa
Texto antes publicado na Revista LER, Primavera de 2023
Dizia o grande dramaturgo irlandês, George Bernard Shaw, que ninguém se diverte tanto como o indivíduo que diz sempre o que pensa.
De facto, quando se espera dele uma resposta convencionalmente acomodatícia, a inesperada verdade nuaznha que lhe sai dos lábios espalha à sua volta um tumultuoso e divertido embaraço.
O escritor francês Henry de Montherlant, um dos maiores prosadores do século XX, propunha a seguinte fórmula eminentemente saudável: “A verdade, só a verdade, mas não toda a verdade.” Isto é, nunca mentir, por calculismo oportunista, mas omitir uma verdade que possa tornar-se dolorosa ou mesmo catastrófica, para terceiros, muito mais do que para o próprio.
O dramaturgo Ibsen já tinha feito um aviso dilacerante, sobre os perigos de se dizer sempre TODA a verdade, custe o que custar, na sua peça frequentemente encenada, O PATO SELVAGEM. Mas, repito: não dizer ocasionalmente o que se pensa é apenas calá-lo e não substituí-lo por uma mentira.
O calculista substitui o que pensa pelo que lhe CONVÉM pensar, para obter determinados proveitos. A sua vida torna-se uma perfeita canseira, tentando inventariar todos os nichos que lhe não convém incomodar, a bem de um futuro glorioso. Estar constantemente a fazer cálculos oportunistas e cobardes sobre as consequências de se pensar assim ou assado é, além de cobarde, bastante inestético. Como dizia alguém, “a vida não é uma estratégia de relações públicas. Pode muito bem dizer-se o que se pensa”.
O nosso milieu literário está contudo recheado de calculistas, que desenvolvem, com grande determinação, toda uma estratégia da glória, que lhes traz muitos frutos, mas lhes provoca um desgaste de energias incomensurável: quem aliciar, quem não ferir, que temas não glosar, que companhias não frequentar, quem não elogiar, que nichos proteger, quem convidar para almoçar, que críticas fingir aceitar, metendo a bordo o crítico que passa a admirador… Como gostava de dizer a minha falecida amiga, Maria Lúcia Lepecki, uma canseira…
Se quiserem ler um delicioso manual do perfeito estrategista da glória, recomendo-vos o admirável romance de Somerset Maugham, CAKES AND ALE. É uma deliciosa e pérfida narrativa, que mostra, com finura, os ingredientes necessários a uma carreira triunfal, nas Letras, mesmo que se tenha pouco talento. Logo no começo, Maugham apresenta o escritor Alroy Kear, não especialmente talentoso, mas que domina perfeitamente toda a arte de ascender no traiçoeiro milieu literário.
Já agora, permito-me dar ao meu ocasional leitor um conselho desinteressado: aproveite a mina de informações que o autor se SERVIDÃO HUMANA lhe dá neste saboroso e malévolo romance, mas não diga onde obteve tais informações. Maugham não deve citar-se, se é que se quer beber do fino e ter a aprovação das universidades.
É um dos maiores contistas de todos os tempos, um dos mais perfeitos herdeiros de Maupassant e de todos os grandes contadores de histórias, mas não se deve dizê-lo. Não cai bem. Maugham não está “in”. Podemos devorar as suas absorventes histórias, como “Rain”, “The Letter”, “Mr. Know All” e tantas outras inesquecíveis narrativas curtas, mas devemos escondê-lo com muito cuidado, como se esconde um segredo um pouco vergonhoso.
Seja desavergonhadamente calculista. Mate a sua mãe se for preciso. Mães há muitas, glória há só uma. Cultive o oportunismo, com gulodice. Mande bugiar a inteireza e a coragem.
Eugénio Lisboa
8 comentários:
A minha mãe chama-se Glória. Não dá para matar. Com toda a certeza, eu não sou Guy, nunca fui, nem serei. Dizer a verdade sempre, não dá trabalho, os outros é que se chateiam e quero lá saber de subir na vida. O céu é gasoso.
Podem dizer todas as minhas verdades, desde que sejam mesmo verdade. Não me afeta.
Televisão, rádio e cassete pirata. Indiferente.
Não precisam de incidir nas virtudes. Transmitam só os defeitos. É mais divertido e prometo que não me comovo.
No fim, não esperem por mim.
Ouve-se e lê-se cada uma! Só de quem não viveu os tempos do politicamente correcto. Há pessoas que se disserem o que pensam correm grandes riscos, incluindo serem agredidas. Até tenho receio de dar exemplos.
Zeca
Os juízos de valor e respetivos exemplos valem o que valem, isto é, quase nada tem valor.
O cinzentismo é uma vivência do não.
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