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sexta-feira, 16 de maio de 2014

BOM DIA, A SUA BOLSA FOI CORTADA!!!

A Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) deu ontem conhecimento de uma nova tentativa de cortar os valores das bolsas ao abrigo das reduções salariais da função pública, previstas no Orçamento de Estado para 2014. Desta vez, na Universidade de Lisboa. Os Precários Inflexíveis, publicaram no seu sítio uma das cartas envidas aos bolseiros, que começa com "bom dia!".

Esta não é a primeira vez que uma universidade, acossada com os cortes titânicos a que está sujeita, se lembra deste expediente inadmissível. Já há alguns meses outras instituições, nomeadamente a Universidade do Porto, terão tido essa intenção, da qual vieram a recuar, mediante a falta de sustentação jurídica e a falta de apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (que neste caso, se tem portado bem, não manifestando qualquer intenção de avançar com cortes nos valores das bolsas pagas directamente por si).

É preciso esclarecer que no cerne desta questão está o facto de os bolseiros não serem considerados trabalhadores para mais nenhum efeito, pelo que nenhum sentido faz aplicar-lhes os cortes dos trabalhadores da função pública. Os bolseiros não têm direito à segurança social dos trabalhadores, não têm subsídio de desemprego, as bolsas não são aumentadas desde 2001 (mais de 20% de perda acumulada de poder compra), não se podem sindicalizar e não estão abrangidos pela protecção da legislação que regula as relações laborais. Um bolseiro pode ser sumariamente despedido, simplesmente porque o seu supervisor se recusa a escrever um parecer favorável para a renovação anual da sua bolsa.

O desfecho de mais este triste caso, presumivelmente, será o mesmo das tentativas anteriores, com toda a angústia e instabilidade que entretanto causa na vida das pessoas envolvidas. É caso para perguntar se os responsáveis pelos recursos humanos da Universidade de Lisboa não lêem jornais. A Universidade de Lisboa deverá recuar desta lamentável intenção o mais rapidamente possível.

As estruturas universitárias, os investigadores, professores, funcionários, bolseiros, deveriam unir-se para defender o ensino e a ciência, abstendo-se todos de ser cúmplices deste tipo de ataques à parte mais fraca.

E mais do que isso: Nuno Crato, Leonor Parreira e Miguel Seabra têm que sair a terreiro e mostrar que estão do lado da ciência e dos investigadores e não do lado das políticas cegas do Ministério das Finanças.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

A POLÍTICA DE CIÊNCIA É BOA, OS CIENTISTAS É QUE NÃO PRESTAM

Num comunicado divulgado ontem, o Conselho dos Laboratórios Associados criticou duramente as políticas do governo para a ciência, rebatendo cabalmente as afirmações ignorantes de Passos Coelho acerca do percurso da ciência portuguesa nos últimos 20 anos. Ao contrário do que disse o primeiro-ministro, num português que está longe de ser um exemplo de excelência, o aumento de investimento na ciência em Portugal foi acompanhado de um correspondente aumento da produção científica. Não estamos ainda ao nível dos países mais avançados da UE, nem do investimento nem da produção científica, razão que justifica a continuação deste caminho e não a sua inversão. A ideia de que há doutorados a mais também é falsa, não há, há a menos, quando comparado com a média da UE, razão pela qual é inaceitável o corte brutal nas bolsas de doutoramento. A ideia de que podemos deitar para o lixo mais de 2000 investigadores pós-doutorados, como sucedeu no último concurso, é suicida.

Os vários actores da política do governo têm falado numa aposta na "qualidade" e na "excelência", para tentar mascarar como "poda" os cortes pela pela raiz que têm feito. A avaliar pelos dois comunicados do Conselho dos Laboratórios Associados (aqui e aqui) e pelo in(comunicado) do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, a qualidade e a excelência não querem essa doutrina de "qualidade" e "excelência" apregoada pela FCT.

O Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia é um órgão de aconselhamento criado pelo actual governo, tem sua a sede no Palácio das Laranjeiras (ou seja em instalações do Ministério da Educação e Ciência), conta entre os seus membros com alguns dos mais reconhecidos e premiados cientistas portugueses, tanto a nível nacional como internacional, é coordenado pelo cientista António Coutinho (antigo director do Instituto Gulbenkian de Ciência e presidido pelo próprio primeiro-ministro! Este conselho é inquestionavelmente uma representação de excelência e qualidade, que pelos vistos não se revê na "excelência" e "qualidade" deste governo.

O Conselho dos Laboratórios Associados (CLA) reúne 26 centros de investigação de todo o país com classificação de "excelente", entre os quais o laboratório associado do Instituto de Tecnologia Química e Biológica. Desse laboratório associado faz parte o Centro de Estudos de Doenças Crónicas da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa (CEDOC), que acolhe o grupo de investigação do Presidente da FCT (Não é excelente? Não é produtivo? "Falha na substância?").

A qualidade e a excelência não querem a "qualidade" e a "excelência" da FCT. Nem sequer o Laboratório Associado do qual Miguel Seabra faz parte. Como está contra todos, tantos os investigadores jovens (que manda embora) como os menos jovens e mais reconhecidos (cuja opinião não leva em conta), talvez a ideia deste governo seja fazer ciência sem cientistas. Está visto que, para eles, a política de ciência é boa, os cientistas é que não prestam.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

CARTA ABERTA AO SR. MINISTRO

Transcrevo aqui uma carta aberta da astrónoma Paula Brochado para ao "Sr. Ministro" que circula nas redes sociais.
Sr. Ministro,

Podia começar por citar Einstein com a tão badalada frase sobre a estupidez humana mas partindo do, provavelmente errado, principio que já a conhece, prefiro citar o Ricardo Araújo Pereira: “a liberdade de expressão é uma coisa linda: permite-nos distinguir os idiotas”. Salvaguardo já alguma pequena incorrecção mas ouvi isto na rádio (sabe o que é? aquele aparelho que tem no carro que lhe dá as notícias e o trânsito? já ouviu falar de Maxwell? Foi a investigação dele na teoria do campo eletromagnético que deu origem à invenção do rádio, sabia?). Pois sr. ministro, acontece que depois de ler as suas declarações em que se diz “contra bolsas científicas longe da vida real” não podia deixar de sentir a maior repulsa por tamanha idiotice.

Antes que o sr. ministro se interrogue se não serei mais uma desesperada bolseira sem bolsa deixe-me esclarece-lo: já fui, sim. Sou doutorada em astronomia numa universidade pública (a melhor do país diz-se), essa ciência que, ironia das ironias, não podia estar, segundo os seus critérios, mais longe da vida real - mas, note bem, sou agora analista de negócio na Sonae - quer mais real que isto? Tenho por isso muito mais legitimidade em falar sobre este assunto do que o sr. ministro alguma vez terá, tendo o sr. ministro feito faculdade e carreira em privadas, sem sentir o seu, ainda que exíguo, talento avaliado, enxovalhado, esmiuçado e, por fim, recusado. Pois eu, e milhares de outros em Portugal, já. E, sabe, os astrónomos já têm algum poder de encaixe e alguma tolerância jocosa tantas foram as vezes que, por um lado, os ignorantes nos perguntaram se lhes líamos as cartas astrais e, por outro, os ignóbeis nos acusaram de não fazer nada pela sociedade.

Mas é por ter sido bolseira - não se amofine, não fui bolseira FCT, fui recusada vezes a mais do que as que me dei ao trabalho de contar - que lhe posso dizer que, não fossem as suas declarações mostrarem um profundo desrespeito e desconsideração por milhares de investigadores deste país, chegaria a ser ternurenta a sua ignorância - faz lembrar a minha avó, analfabeta repare bem, que há uns anos atrás me perguntou muito indignada o que é que eu aprendia na escola se não sabia a diferença entre alcatra e chambão.

Quando falo em milhares de investigadores não é de animo leve, o número traduz não só os que agora ficaram sem bolsa, sem projectos e sem expectativas: inclui também todos os que até agora contribuíram para que Portugal deixasse a cauda da Europa e todos cujo trabalho ficou agora hipotecado porque, sem querer ser dramática, pura e simplesmente deixou de haver futuro. Da minha parte, escolhi experimentar aquela que o sr. ministro designa de “vida real” e estou cá fora - segundo o sr. ministro, estou fora do sistema das bolsas, estou agora num sistema perfeitamente bem regulado e previsível que é o mundo empresarial, correcto? Confesse sr. ministro, deu-lhe uma certa vontade de rir. O seu argumento é tão falacioso que um incauto até acredita que existe tal coisa como “ciência longe da vida real” - isso é o mesmo que dizer “astronomia longe das estrelas” ou até “futebol longe do Pinto da Costa”: a ciência nunca estará longe da vida real da mesma forma que um prédio não está longe dos tijolos.

Se se quer referir à investigação científica que gera receitas então aí sr. ministro, assusta-me mais a sua sanidade mental, ou falta dela, do que as suas idiotices. Se tiver ligação à internet sr. ministro (já ouviu falar do CERN? esse laboratório de física de partículas, longe portanto da “vida real”? Sabe então do papel do CERN no conceito da world wide web) pode procurar pelo ROI (return of investment, é a sua praia de certeza que sabe o que é) do programa Apollo (pois, imagino que o feito da humanidade que foi a ida do Homem à Lua não lhe interesse minimamente) e, com certeza para seu espanto, pode verificar que por cada dólar investido no programa, e foram 25 mil milhões de dólares, houve um retorno de 14 dólares. 14. Sabe multiplicar?

Que a vida de investigador, o bolseiro em particular, nunca foi fácil em Portugal isso é um dado adquirido - quer-se rir um bocadinho sr. ministro? Sabia que existe código de atividade profissional para astrólogo (CAE 1316) mas não existe um para investigador? LOL sr. ministro, LOL - mas já se perguntou porque é que apesar de não termos subsidio de férias nem de natal (imagine a nossa confusão em sentir a revolta dos portugueses quando o seu colega sr. primeiro-ministro cortou nos subsídios), de não sermos cobertos pela segurança social, de não fazermos descontos, de termos valores de bolsas que não são revistos há mais de uma década, e outros tantos desajustes com que, com certeza, está familiarizado, continuamos na ciência? já alguma vez pensou nisso? porque, acima de tudo, somos uns sonhadores. Temos que ser sonhadores, temos que ser loucos, acreditar no que não existe, no que não vemos, no que não podemos tocar nem ouvir, temos que ir atrás para perceber porquê, perceber como, temos que questionar, dizer que não, temos que amarrar uma chave a um papagaio e largá-lo no meio de uma trovoada, que deixar as nossas culturas ganhar bolor e ousar pensar que a terra não é plana.

Se o sr. ministro acha que o sonho não tem lugar na “vida real” então tenho pena de si - tal como as crianças acreditam que os ovos vêm do supermercado também o sr. ministro deve acreditar que o seu rato sem fios veio da fnac. Se assim é sr. ministro, está no seu direito, mas então não se envergonhe e, mais importante, não nos insulte.

Sem mais.

CARTA ABERTA SOBRE A CIÊNCIA DO CONSELHO DOS LABORATÓRIOS ASSOCIADOS

Trancrevo aqui a carta aberta do Conselho dos Laboratórios Associados, a propósito dos cortes nas bolsas de investigação, tornada pública ontem, no mesmo dia em que cerca de um milhar de investigadores se manifestaram, à chuva, em Lisboa pela mesma razão.


Carta aberta

Os resultados do concurso nacional de bolsas de doutoramento e pós doutoramento lançado em 2013 pela FCT foram agora tornados públicos.

Por decisão da FCT e do governo, foram atribuídas apenas metade das bolsas de doutoramento habitualmente concedidas, e menos de um terço das bolsas de pós-doutoramento. Depois de há poucas semanas de terem sido excluídos mais de 1000 investigadores doutorados enviando-os para o desemprego ou para o exílio forçado, esta nova decisão apenas parece confirmar a vontade de reduzir a comunidade científica portuguesa.

Tais medidas não resultam de cortes no orçamento da FCT, que se mantém quase idêntico ao do ano anterior. A questão não está pois na falta de recursos financeiros mas sim numa absoluta falta de conhecimento das regras elementares do desenvolvimento científico.

Reduzir drasticamente, como se pretende, a formação avançada de recursos humanos em ciência, e mandar embora grande número de cientistas qualificados, tem como consequência imediata reduzir a capacidade científica do País e a sua cultura científica e conduz ainda, inevitavelmente, à quebra de capacidade tecnológica do tecido empresarial português, atrasando a sua renovação e penalizando a sua competitividade.

Dois argumentos foram finalmente apresentados em defesa destas medidas, tomadas à revelia das instituições científicas e académicas.

O primeiro argumento, ditatorial, afirma sem vergonha que, tendo o sistema científico crescido muito haveria que “podá-lo”, isto é, mandar para o desemprego e para o exílio, a maioria dos mais jovens e mais capazes, há poucos anos recrutados por concurso público internacional.

O segundo argumento, contudo, tenta convencer-nos que nada mudou. O desemprego e emigração forçada de cientistas agora impostos pela FCT seria apenas, como ouvimos estupefactos, “uma mudança de paradigma”. O que eram dantes bolsas e contratos pagos pela FCT seriam doravante bolsas e contratos pagos por projectos científicos dos laboratórios, a financiar pela FCT. A ser verdadeira essa intenção teriam sido, primeiro, financiados projectos com fundos suficientes para contratar investigadores e, seguidamente, se alteraria o financiamento de bolsas e contratos. Mas nada disso aconteceu. Aconteceu, sim, termos hoje grupos científicos decapitados e muitos mais investigadores à procura de emprego no estrangeiro.

O CLA não quer acreditar que estas medidas tenham sido aprovadas pelo primeiro-ministro, ou pelo governo no seu conjunto, nem que tenham a concordância do parlamento ou o apoio do Presidente da República.
Acreditamos sim que todos os quadrantes políticos, sem excepção, designadamente os partidos hoje responsáveis pelo governo, estão unidos na aposta no desenvolvimento científico do País.

Por isso apelamos hoje de forma veemente a todos os responsáveis para a urgentíssima e indispensável inversão das medidas tomadas.

Comissão Executiva do Conselho dos Laboratórios Associados (CLA)
21 de Janeiro de 2014

NOTAS

1.
Para além do facto de, no caso das 298 bolsas de doutoramento agora atribuídas, se destinarem a programas de doutoramento (nacionais e internacionais) que se iniciaram em Setembro/Outubro de 2013 e que se arriscam a ficar sem alunos, o que de mais grave decorre da análise rigorosa dos números é o brutal desinvestimento na formação avançada de recursos humanos (doutoramento e pós-doutoramento), sector em que o país é ainda fortemente deficitário. Se às 298 bolsas de doutoramento atribuídas no concurso nacional (3433 candidatos) adicionarmos as 431 bolsas de doutoramento dos novos Programas de Doutoramento FCT, resulta o número de 729 a comparar por exemplo com 872 em 2002, 2031 em 2007, 1640 em 2010 ou 1378 em 2011. Quanto às bolsas de pós-doutoramento que no presente concurso se ficaram pelas cerca de 210 (2100 candidatos), só em 1999 tiveram valor igual, pois de então para cá foram sempre atribuídas em número superior, mesmo muito superior como em 2006 (737), 2007 (914), 2008 (634), 2009 (690), 2010 (718), 2011 (mais de 670).
Também os 1200 contratos de investigadores recrutados por concurso público internacional há 5 anos, já terminados ou em vias de terminar, foram até agora substituídos por apenas cerca de 400 contratos novos.

2. O Conselho dos Laboratórios Associados reúne 26 laboratórios de investigação científica classificados como excelentes em avaliações internacionais e aos quais foi atribuído o estatuto de laboratório associado pela sua função de referência no sistema científico nacional. Os Laboratórios Associados reúnem cerca de 4300 doutorados.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

RESUMO DA AUDIÊNCIA COM O PRESIDENTE DA FCT A PROPOSITO DO FIM DA ÁREA DE PROMOÇÃO DE CIÊNCIA

No dia 26 de Setembro o Presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia concedeu uma audiência a alguns dos signatários do Manifesto pela Comunicação da Ciência em Portugal (que contínua disponível para ser subscrito), a propósito do fim da área de Promoção e Administração da Ciência e Tecnologia (PACT). Fica aqui o resumo dessa reunião, na perspectiva dos signatários do Manifesto.


Resumo da audiência com o Presidente da FCT, ocorrida a 26 de Setembro 2013

Estiveram presentes: Miguel Seabra (Presidente da FCT), Ana Godinho (coordenadora do gabinete de comunicação da FCT) e os signatários Joana Lobo Antunes, David Marçal e Bruno Pinto.

O Presidente da FCT começou por expressar o seu desagrado pela  criação do Manifesto, assim como pela publicação de artigos de opinião acerca da extinção da área de Promoção e Administração da Ciência e Tecnologia (PACT). Considera que estas iniciativas foram desajustadas, por terem ocorrido antes do pedido de uma audiência com a FCT. Explicámos que, sendo os primeiros peticionários um grupo de pessoas preocupadas com a situação, tentámos primeiro descobrir se a nossa indignação encontrava reflexo em mais cidadãos ou se estávamos sozinhos nesta luta. Afirmámos que a petição nos constitui como interlocutores e que, por isso, só depois de recolhidas 600 assinaturas, fizemos o pedido de audiência (que foi respondido nove dias e 250 assinaturas depois).

O Presidente da FCT sustentou que a área científica PACT não foi extinta e que quem quisesse submeter uma candidatura dessa natureza o poderia fazer no concurso de bolsas individuais de 2013, enquadrada noutra área. Questionámos como seria avaliada uma candidatura que tivesse parcial ou totalmente uma componente de promoção e divulgação de ciência e tecnologia. Não obtivemos uma resposta concreta, apenas a referência ao mecanismo geral que permite a convocação de avaliadores externos aos painéis, no âmbito do actual quadro de interdisciplinariedade da FCT. O Presidente da FCT afirmou não estar em condições de detalhar a solução concreta no concurso para este ano, pois ainda não haviam sido definidos os membros dos painéis. Manifestámos a nossa preocupação relativa à eficácia deste mecanismo para avaliar adequadamente projectos que tenham componente de promoção e divulgação de ciência. Defendemos que apenas avaliadores com experiência na área estão em plenas condições para avaliar a pertinência, alcance e novidade de um projecto dentro desse tema.

O Presidente da FCT afirmou que pretende adequar os processos de avaliação às melhores práticas internacionais. Na sua interpretação das melhores práticas internacionais, os painéis de avaliação devem ter mais ou menos a mesma dimensão, não fazendo sentido um painel avaliar um número reduzido de candidaturas, como tem sido o caso da área PACT. Anunciou que as áreas científicas irão ser reformuladas e que essa proposta irá estar em consulta pública nos próximos meses. Remeteu a oportunidade da fundamentação da necessidade da área PACT, para essa consulta pública das novas áreas da FCT (que serão comuns a projectos e bolsas).

Questionado sobre o que irá acontecer às bolsas PACT em curso, nomeadamente no que diz respeito a dotação orçamental para os segundos triénios das bolsas de pós doutoramento, foi-nos dito que estão em ponderação alterações às renovações para os segundos triénios de todas as bolsas de pós doutoramento, não tendo sido avançada uma posição conclusiva acerca do assunto.

Questionámos acerca do futuro do financiamento pela FCT de projectos de comunicação, divulgação ou promoção de ciência (é uma questão que nos preocupa bastante, já que, para além do fim da área PACT, os últimos financiamentos Ciência 2007 e Ciência 2008 acabam em 2014, não se conhecendo alternativas). O Presidente da FCT mostrou-se interessado em encontrar uma via de apoio financeiro a esta linha de investigação e de funções. Nesse sentido comprometeu-se em nomear alguém na FCT para fazer a ponte entre a tutela e a comunidade, e garantiu que pretendia dialogar com os “stakeholders” no sentido de encontrar soluções em conjunto.

Os primeiros signatários desta petição apresentaram uma lista de propostas concretas ao presidente da FCT sobre o futuro do financiamento da comunicação da ciência em Portugal, que ficou em sua posse. Nomeadamente:

- Bolsas individuais de doutoramento e pós doutoramento numa nova área científica que poderia ser designada como Public Understanding of Science/Public Engagement in Science/Science in society/Estudos de Ciência na Sociedade. Porque consideramos fundamental que se continue a financiar investigação neste campo.
- Concurso semelhante ao “Investigador FCT” (“Divulgador FCT”) para projectos a cinco anos de divulgação e promoção da ciência, propostos por investigadores, apoiados por instituições. Para investigadores e divulgadores de ciência com doutoramento e experiência comprovada na área, implementando projectos inovadores de promoção da ciência.
- Prever posições de comunicação de ciência institucional em Unidades de Investigação com mais de xx investigadores. Porque as funções institucionais devem ser apoiadas pela própria estrutura, não podendo depender de bolseiros.
- Avaliar e incluir ponderação específica para actividades de outreach/disseminação/comunicação de ciência nos Projectos I&D submetidos a concursos da FCT nas mais diversas áreas científicas. Estas podem incluir acções para a comunicação da ciência com o público, colaboração com os grupos de comunicação das respectivas Unidades de Investigação ou colaboração com outros grupos de investigação na área da comunicação de ciência com os quais se estabeleça uma parceria de trabalho. Porque a divulgação e comunicação da ciência que é prevista como trabalho inerente às funções dos investigadores deve ser adequadamente valorizada e financiada.

Quando questionado sobre o concurso de bolsas individuais recentemente encerrado, o Presidente da FCT revelou terem havido cerca de 6000 candidaturas, um número semelhante ao do ano passado. Afirmou não estar em condições de dizer quantas bolsas seriam atribuídas, explicando que esse número está dependente da versão final do Orçamento de Estado para 2014. Lembrou que já foram atribuídas cerca de 400 bolsas no âmbito dos programas doutorais.

A reunião terminou com a expressão de disponibilidade mútua para dialogar no sentido de encontrar uma solução para enquadramento de investigadores em ciência e sociedade e divulgadores de ciência.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

CONCORRER EM 2013 A UMA BOLSA É UM TIRO NO ESCURO

Transcrevo, com a devida vénia, o artigo de Nicolau Ferreira publicado hoje no Público, a propósito do concurso de bolsas individuais da Fundação para a Ciência e Tecnologia, cujo prazo termina hoje.


Os três meses de limbo começam a contar a partir de hoje. O prazo das candidaturas ao concurso de bolsas individuais da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) termina nesta segunda-feira, às 17 horas.

Os resultados só serão anunciados daqui a 90 dias. Até lá, Cristina Matos, Francisco Leitão, Ana Filipa Ferreira, e Carolina Bento, que concorreram a estas bolsas, vão ter de esperar para saber como vão ser os próximos quatro anos.

Anualmente, alguns milhares de candidatos com vontade de se especializarem — parte deles com a esperança numa carreira científica —, atravessam esta espera. Mas as hipóteses de se ganhar uma bolsa individual de doutoramento da FCT em 2013 parecem mais reduzidas.

"A FCT não anuncia quantas bolsas estão a concurso, tendo apenas ameaçado com mais cortes", diz ao PÚBLICO Francisco Leitão, 28 anos, candidato que quer fazer um doutoramento na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, centrado na forma como a Europa olhava para a Península Ibérica no século XV, com base em relatos de viajantes. "Pretendo recriar as impressões, preconceitos ou choques sentidos por um europeu do século XV", explica. Mas o que espera do concurso? "Independentemente da qualidade do projecto ou do curriculum vitae [do candidato], qualquer prognóstico é um tiro no escuro." Há alguns dados que podem ajudar a decifrar a escala da redução das bolsas, temida pelos candidatos com quem falámos. No concurso de 2012 foram atribuídas 1198 bolsas individuais de doutoramento e 677 de pós-doutoramento, cujo prazo de candidatura este ano também termina hoje. Em 2007, no pico do financiamento da FCT, a relação foi de 2031 bolsas para 914. Desde aí, o número tem vindo a descer.

No final de Junho, a presidência da de bolsas individuais que serão concedidas, pois o orçamento para 2014 encontra-se em discussão", referiu ao PÚBLICO o gabinete de imprensa da FCT na sexta-feira, três dias depois do seu presidente, Miguel Seabra, dizer na Comissão de Educação, Ciência e Cultura, na Assembleia da República, que a verba atribuída à fundação no Orçamento do Estado 2014 deverá aumentar, mas este aumento será para as despesas com novas competências da FCT.

Última oportunidade

O que se sabe é que as candidaturas tanto a bolsas individuais de doutoramento como às de pós-doutoramento têm subido. Em 2011, foram 5285 candidaturas, 3775 para doutoramentos. No ano seguinte o total passou para as 6490.

Para 2013, a FCT explica que só vai poder aferir esse número a partir de amanhã, quando o concurso ficar fechado e for possível "contabilizar as candidaturas lacradas". Mas a ABIC diz ter recebido um "fluxo semelhante aos outros anos de pedidos de reclamações e dúvidas para as candidaturas", conta-nos André Janeco, presidente desta associação.

Para Cristina Matos, 30 anos, esta é a terceira e "última oportunidade" para conseguir a bolsa de doutoramento. Pelo menos em Portugal. Cristina está a trabalhar no grupo de Química Organometálica e Bioorganometálica da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). A jovem investigadora tem um percurso diferente dos outros candidatos com quem o PÚBLICO falou, já que começou por tirar a licenciatura em Física e Química na área do ensino na Universidade dos Açores, deu aulas e só mais tarde, em 2008, é que tirou o mestrado em Química Inorgânica e Biomédica. "Quando fui para a licenciatura sempre quis ir para a área de investigação", diz. A primeira vez que se candidatou para uma bolsa de doutoramento já tinha a tese de mestrado feita mas não tinha artigos publicados, o que desvalorizou o seu currículo. Em 2011 começou a trabalhar neste grupo da FCUL e no ano passado candidatouse de novo à bolsa sem conseguir.

Agora, voltou à carga. "Vou bem preparada. Mas nunca assumo que vou conseguir a bolsa porque nunca se sabe", confessa. No seu projecto de doutoramento vai investigar moléculas com elementos metálicos. "Estou à espera de desenvolver um composto mais próximo para aplicar na medicina", explica. Além disso, se ganhar a bolsa, quer aproveitar estes quatros anos para estabelecer contactos, fazer colaborações e avaliar quais as futuras oportunidades profissionais que terá.

Mas sente as limitações que a crise está a trazer à actividade científica. "Mesmo em relação a 2011, a sensação que me dá é que a burocracia cresceu. As pessoas que deveriam ter mais tempo para a investigação ficam mais presas a justificações orçamentais e a procurar por outras fontes de financiamento", exemplifica. Isto, já por si, pode limitar a capacidade de apoio que os orientadores dão aos alunos de doutoramento— que apesar de toda a experiência, estão ainda numa fase de aprendizagem da sua carreira —, mas Cristina Matos defende que estes problemas são ainda mais insidiosos nos peqquenos grupos de investigação.

"Os grupos maiores têm pessoas vocacionadas para fazerem propostas. Quando isso não há, torna-se complicado gerir tudo", explica, acrescentando que esses grupos "vão acumulando projectos e os mais pequenos não o conseguem, apesar da qualidade, por falta de dimensão."

A incerteza e a escassez do financiamento para o trabalho científico podem, para Helena Freitas, "acabar por condenar a própria investigação", defende a bióloga e professora da Universidade de Coimbra. "É inegável que a insatisfação da própria comunidade que acolhe os estudantes também começa a ser muito grande, até porque a carga lectiva dos docentes é cada vez maior", refere. Apesar disso, a bióloga considera que continua a valer a pena tirar o doutoramento em Portugal onde os grupos são globalmente competitivos.

A experiência de Maria Mota dá-nos um contexto da evolução portuguesa recente. "Enquanto em 1995, quando sai para Londres para fazer o meu doutoramento não havia grandes opções em Portugal, hoje os jovens têm uma grande gama de escolha com muitos laboratórios a serem referências internacionais", defende a especialista em malária e líder de uma equipa no Instituto de Medicina Molecular, em Lisboa. Mas avisa que "em tempos de crise, com menos acesso à obtenção de projectos por parte dos investigadores, o número de equipas de investigação nestas condições começa a reduzir".

Mas as duas investigadoras são peremptórias na necessidade dos doutorandos. "Não há ciência sem alunos de doutoramento. São eles a base de um sistema científico de sucesso", diz Maria Mota.

Condições piores

Há outros factores que pioram as condições de um doutoramento. Além da mensalidade das bolsas de 980 euros não ser actualizada há mais de dez anos, há uma série de mudanças que limitam as possibilidades de quem escolhe esta via.

No último ano lectivo, os alunos que ganharam uma bolsa mista e já tinham iniciado este tipo de doutoramento — feito a meias numa universidade portuguesa e noutra estrangeira —, viram as regras mudar. A FCT deixou de pagar as propinas de ambas as universidades, e passou a pagar só as da instituição que confere o grau. No final de Julho de 2013 haviam 2007 bolsas mistas em execução, 126 destas era a instituição estrangeira a conferir o grau.

A FCT cortou ainda o subsídio de execução gráfica da tese, que pode custar algumas centenas de euros e que, segundo André Janeco, também ajudava a pagar os emolumentos do final do doutoramento. Além disso, os 750 euros anuais que os alunos tinham direito para a apresentação de trabalhos em reuniões científicas — uma ajuda fundamental quando estas acontecem noutros países —, passaram a ser concedidos uma única vez nos quatro anos do grau.

Mas qual é a importância destas conferências? "Por um lado, vemos o que os outros países estão a fazer [no nosso tema] e podemos aprender com isso. Por outro, damos a conhecer aquilo que estamos a fazer aqui. É assim que a ciência evolui", responde-nos Ana Filipa Ferreira, 26 anos, que há quatro está a trabalhar no Centro de Oceanografia da FCUL e da Universidade de Évora.

Ana Filipa Ferreira é bióloga de formação e esteve nestes últimos quatro anos com bolsas de projectos científicos e fez ainda alguns trabalhos de monitorização ambiental encomendados por empresas ao centro. Agora candidatou-se a uma bolsa de doutoramento para um projecto que tem como objectivo a regulamentação da pesca nos estuários dos rios portugueses para "maximizar o lucro económico e a conservação das espécies de peixe", resume. "Espero poder contribuir para o país."

Se não conseguir a bolsa, as perspectivas não são muito boas. "O projecto onde estou acaba no final do ano e têm sido poucos os projectos aprovados. Apesar de trabalhar há quatro anos, os bolseiros não têm direito a qualquer subsídio de desemprego. Terei de voltar para casa dos meus pais", antecipa.

Alguns têm mais sorte. Carolina Bento, 25 anos, sente-se uma "felizarda". Se não ganhar a bolsa da FCT, pode contar com os seus pais. "Sei que muita gente não vai ter essa oportunidade."

A jovem tirou a licenciatura em Engenharia Informática no Instituto Superior Técnico. Fez aqui o mestrado onde estudou as ligações virtuais de "pessoas influentes" nas redes sociais. A Internet vai continuar a estar no centro no doutoramento. Desta vez, irá analisar redes sociais com localização geográfica como o Foursquare onde pode estudar "padrões de movimentos diários ou as pessoas que vão de férias".

Francisco Leitão já foi prejudicado pelo atraso do concurso das bolsas deste ano, que só abriu no final de Julho, um problema apontado desde logo pela ABIC. Por isso, vai ter de tomar a decisão de se candidatar ao doutoramento em Cambridge antes de saber se ganhou a bolsa. "Como muitos outros doutorandos, terei de começar a minha investigação já em Outubro com a necessidade de pagar imediatamente propinas", conta, acrescentando que as alternativas para se financiar serão contrair um empréstimo ou, "muito provavelmente" arranjar um trabalho.

O estrangeiro é uma opção tentadora. Cristina Matos refere que se não conseguir a bolsa, poderá virar-se lá para fora. Francisco Leitão aponta as condições da Universidade de Cambridge, que terá "mais medievalistas do que em todo o nosso país", além de bibliotecas com mais material para consultar sobre Portugal do que cá. E depois do doutoramento, vai voltar? "É provável que não. Nesta como noutras áreas, a tendência é para que se fechem portas, se limitem oportunidades e o país se torne mais deprimido."

Nicolau Ferreira
Público 23.09.2013

sábado, 16 de março de 2013

Um Matemático Com Um a Menos


Texto recebido de Ana Luísa Alves (Bioquímica)


Quem trabalha na gestão de dados provenientes de estudos clínicos sabe que, periodicamente, tem de cruzar alguns desses dados. Ou seja, é necessário reconciliar os dados relativos a acontecimentos adversos graves, armazenados quer na base de dados clínica, quer na base de dados de segurança. O objectivo deste procedimento é que um certo dado se revele exactamente o mesmo (ou justificadamente parecido) em ambas bases de dados. E o mesmo princípio, por defeito profissional, apliquei à história que vos vou contar.

Quando fui aluna da FCUP à Praça Gomes Teixeira, conhecia relativamente bem todo o edifício, desde os diferentes departamentos, às bibliotecas, aos museus, ao salão nobre, à associação de estudantes e até à sala no último andar a partir de onde a Rádio Universitária emitia na frequência 99.4 mHz. Havia no Departamento de Matemática a Sala Luiz Woodhouse onde nunca entrei, mas onde sempre morri de curiosidade de o fazer.

Ora lendo um artigo sobre famílias em Coimbra no século XIX1, tropeço na família Woodhouse na Couraça de Lisboa, no tempo em que ambos os irmãos Woodhouse foram estudantes na Universidade de Coimbra. Como na bibliografia oficial diz que Luiz Inácio foi um estudante brilhante, resolvi investigar. Assim, inscreve-se no primeiro ano de Matemática em 18752 que veio a completar com distinção3 (2º Acessit em Matemática e 1º Acessit em Filosofia – Química mineral). No ano lectivo de 1878-79 reinscreve-se no terceiro ano4: Luiz Inácio foi veterano!

Finalmente forma-se em Ciências Matemáticas em 1881 com a distinção de Muito Bom, 19 valores5. Foi o único finalista do seu curso! Já no Porto obtêm o seu doutoramento6 em Ciências Matemáticas a 30 Novembro de 1918, pela universidade da referida cidade.

Quem costuma frequentar os autocarros da STCP que passam na Rua de Costa Cabral, sabe que uma das paragens é exactamente “Luís Woodhouse” que dá acesso à rua com esta toponímia. A placa exibe os anos de nascimento e da morte deste ilustríssimo lente de Matemática.  Sem sair de casa, dei um salto ao Arquivo Distrital do Porto cujos registos paroquiais passaram a estar disponíveis online e nada de dar com o baptismo de Luiz Inácio no ano de 1858. Até que “BINGO”, ali estava ele na freguesia de S. João do Douro, juntamente com uma carta7 de seu pai, o Dr. Roberto Woodhouse, elucidando que seu filho havia nascido no dia 31 Julho 1857, tendo sido baptizado a 15 de Agosto do mesmo ano. Ou seja, Luís Inácio nasceu um ano antes do que consta na literatura8.

Se este episódio ocorresse a propósito de um caderno de recolha de dados num ensaio clínico, enviaria um query ao investigador principal pedindo-lhe que riscasse o ano de nascimento com uma caneta azul ou preta, escrevesse ao lado o ano correcto e paragrafasse a correcção. E assim se limparia um erro da base de dados. Nesta situação, o melhor é pegar nas lãs e crochetar um modelo hiperbólico9...


1-Guilhermina Mota (2010): Famílias em Coimbra nos séculos XVIII e XIX. Revista de História da Sociedade e da Cultura, 10 Tomo II , 353-385.
2- Annuario da Universiade de Coimbra – Anno lectivo de  1875 a 1876. Coimbra 1875
3- Annuario da Universiade de Coimbra - Anno lectivo de  1876 a 1877, pag 60-1. Coimbra 1876
4- Annuario da Universiade de Coimbra - Anno lectivo de  1878 a 1879. Coimbra 1878
5- Annuario da Universiade de Coimbra - Anno lectivo de  1881 a 1882. Coimbra 1881
6- Livro de registo de doutoramentos deprofessores. 1917-1943. Arquivo Digital UP 
7- Baptismos Foz do Douro – Porto 1853-05-12/1859-12-20, PT/ADPRT/PRQ/PPRT05/001/0015
8- Piranha Gomes (1989): Roberto Guilherme Woodhouse (1828-1876) - Resposta aos detractores e mofadores da religião e dos seus ministros. Lusitania Sacra, 2ª série, 1, 149-177.
9- Alexandra Nobre (2013): A Biologia, a Matemática e o Croché. Blog De Rerum Natura (http://dererummundi.blogspot.pt/2013/03/a-biologia-matematica-e-o-croche.html)

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

PORTUGAL NA NATURE POR CAUSA DOS CORTES NA CIÊNCIA

Um artigo publicado hoje na revista Nature dá conta da preocupação com os cortes na ciência em Portugal e noutros países do Sul da Europa, por parte de associações de cientistas expatriados, ou seja de cientistas portugueses, espanhóis ou italianos que trabalham no Reino Unido ou na Alemanha.

Desde os descobrimentos ibéricos que a hegemonia das nações tem como base a ciência e a técnica, que se traduz num domínio militar, económico, político e cultural. Os cortes na ciência conduzem a Europa ou os países que deles forem alvo à irrelevância. Os países não têm ciência porque são ricos. São ricos porque têm ciência...

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

PORTUGAL, ACADEMIA DE ALCOCHETE DA CIÊNCIA?


A Cabra publicou esta semana um bom trabalho jornalístico, que faz um retrato interessante e realista da situação dos bolseiros de investigação. As últimas alterações ao Estatuto do Bolseiro de Investigação foram desastrosas. Por exemplo, impedem os bolseiros de doutoramento de darem aulas no ensino superior. E os posdocs podem apenas dar aulas em doutoramentos. Compreendo que, face ao modelo de financiamento da generalidade dos doutoramentos em Portugal (que tem vantagens e problemas) se pretenda preservar a disponibilidade do bolseiro para a actividade para a qual é financiado (o projecto de investigação de doutoramento). Por isso é natural que haja restrições ao número de aulas que um bolseiro pode leccionar, tal como tem havido até ao corrente ano. Mais impedir os bolseiros pura e simplesmente de darem aulas parece-me um absurdo que limita o seu desenvolvimento profissional. Até porque, a exclusividade da dedicação do bolseiro à execução do seu plano de trabalhos, não fica assegurada com esta medida. Muitos bolseiros colaboram em actividades do grupo de investigação ou instituição em que se encontram, que nada têm a ver com o seu projecto de doutoramento. E isto, até certo ponto, é aceitável (claro que é inaceitável ter bolseiros a fazerem trabalho administrativo ou de motorista, como é sabido que acontece ou pelo menos aconteceu em certos casos, em clara violação do Estatuto do Bolseiro).

É certo que há problemas neste domínio, por exemplo de casos de bolseiros obrigados a dar aulas de graça, ou seja a quem poderia ser atribuído serviço docente sem qualquer remuneração. Mas como resposta a este problema, as alterações efectuadas são inadequadas. Porque uma coisa é os bolseiros serem obrigados a dar aulas de graça. Outra, é serem impedidos de darem aulas (até um certo limite de horas) sendo remunerados por isso (podendo haver uma redução do valor da bolsa nesse caso, o que também é discutível).

Se as aulas e a investigação são tão incompatíveis, se calhar deveríamos rever a profissão de professor universitário. Porque não impedir os professores universitários de darem aulas, já que também se espera que façam investigação?

Esta semana, o Público noticiou que o pagamento das bolsas de investigação estão em risco na Faculdade de Ciências por “atrasos sistemáticos” da Fundação para a Ciência e Tecnologia. Mais uma notícia que mostra como os bolseiros são o elo mais fraco nas Universidades: contratos renovados a cada três meses? Por estas e por outras é que Portugal se arrisca a ser cada vez mais a ser Academia de Alcochete da ciência: forma talentos muito bons que vão a "custo zero" para o estrangeiro, onde atingem o auge da produtividade científica. Depois talvez voltem, por sentimentalismo, para acabarem a carreira.

É certo que se antevêem problemas em toda a Europa, com a redução do financiamento da ciência em nome da austeridade e da crise. Também esta semana tivemos a notícia de que 42 prémios Nobel alertaram a Europa para perigo dos cortes na ciência. Parece que a Europa se está a esquecer que desde o século XV, com os descobrimentos dos países ibéricos, que a base da hegemonia das nações assenta no conhecimento, na ciência e na técnica, que se refletem no poder militar, económico e cultural. Os países não têm ciência porque são desenvolvidos. São desenvolvidos porque têm ciência. A ciência não é uma despesa em que se têm que cortar para sair da crise, é um investimento que se tem que fazer para superar a crise.

O mercado dos cérebros, como mostra uma inquérito recente publicado na Nature é global e muito competitivo. Os cientistas tendem a seguir o dinheiro da investigação, apesar de factores culturais também contarem. A Índia é o maior exportador de cérebros mundial, com cerca de 40% dos seus cientistas a trabalharem em países estrangeiros. O Estados Unidos são, actualmente o maior destino de emigração dos cientistas. Mas pensa-se que em 2020 a China, a Índia e o Brazil sejam destinos muito importantes de acolhimento dos cientistas.

A concorrência é grande e há quem ponha muito dinheiro na ciência. A Arábia Saudita, que está por cima das maiores reservas mundiais de petróleo, fundou em 2009 uma universidade dedicada exclusivamente à investigação científica (apenas confere graus mestrados e doutoramentos) chamada King Abdullah University of Science and Technology (KAUST) que tem um orçamento superior ao do MIT. Com linhas de investigação fundamental e aplicadas, em disciplinas directamente relacionadas com factores de desenvolvimento locais, como por exemplo a resistência de cereais à água salgada. Se despejar dinheiro e contratar investigadores de topo pelo mundo inteiro numa espécie de Oasis intelectual resulta ou não, o tempo dirá. 

Mas, mesmo sem o dinheiro do petróleo, países como o Brazil, Índia e China estão a apostar forte na ciência. Prevê-se que a produção científica da China ultrapasse a dos Estados Unidos, dentro de um ano.


E nós, como ficamos? A Europa tem que ter uma estratégia e uma aposta clara na ciência, se não quiser ser remetida para a irrelevância e o subdesenvolvimento. E Portugal, tem que ter igualmente uma estratégia e uma aposta clara nesse sentido. Sabendo que não podemos ser o Manchester United ou o Real Madrid, temos que ter equipa (cientistas) para passar a fase de grupos na liga dos campeões. Portugal tem que conseguir atrair e fixar bons cientistas. E criar carreiras atractivas, que não podem ser exageradamente baseadas em bolsas, com as condições actuais das bolsas. Afinal, no inquérito publicado pela Nature, a principal razão apontada pelos cientistas para emigrar é assegurar uma posição mais sénior.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

DAS SUPERNOVAS ÀS SUPERCONSULTORAS

Chamo a atenção para os últimos parágrafos da notícia da RTP acerca do Prémio Nobel da Física, que passo a transcrever:
Patrícia Castro, ex-investigadora do Centro de Astrofísica do Instituto Superior Técnico e atualmente consultora na empresa Cap Gemini, escreveu vários artigos científicos sobre as supernovas distantes. É até co-autora do artigo fundamental de 1998 de Saul Perlmutter e não tem dúvidas sobre a importância da descoberta: "É o reconhecimento merecido de um trabalho de grande valor e impacto na cosmologia".

Na altura em que o artigo foi escrito, Patrícia Castro estava em Berkeley, na Califórnia, no grupo de Saul Perlmutter a terminar o seu projeto de licenciatura: "Por sorte cheguei a tempo de participar no artigo, assisti à sua elaboração e ajudei, como outros, na análise das supernovas que o grupo detetou".

Posteriormente, Patrícia Castro acabou por se doutorar em Astrofísica na Universidade de Oxford, foi bolseira de pós-doutoramento na Universidade de Edimburgo e no Centro de Astrofísica do Instituto Superior Técnico, de onde saiu em 2010: "Por falta de perspectivas de investigação em Portugal, acabei por sair da investigação com grande pena minha e estou a agora a trabalhar como consultora na Cap Gemini, em Lisboa."

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

VIDA DE CIENTISTA DESCOBERTA NOUTRO PLANETA

Chamou-me a atenção esta notícia acerca de uma instalação científica na Austrália:
Synchrotron experts 'may leave'

AUSTRALIA risks losing crucial expertise as one of the most important scientific facilities in the southern hemisphere runs out of money, federal officials have warned.

(...)

Notícia completa aqui.
Enquanto não se descobre mesmo vida noutros planetas, gosto de seguir as novidades do outro lado do mundo. Esta notícia seria muito pouco plausível em Portugal, há mesmo um hemisfério de distância. Por várias razões.

A valorização dos "cérebros" e a preocupação com a sua fuga. Em Portugal, estaríamos contentes que alguns tipos com uns "tachos" saíssem voluntariamente da folha de pagamento do Estado. E neste caso estamos a falar essencialmente de investigação fundamental (e não propriamente de institutos públicos de investigação convertidos em departamentos de R&D das empresas, como agora parece ser uma ideia muito em voga).

Outra coisa do outro mundo é que a razão apontada para a eventual fuga de cérebros é a insegurança no trabalho, coisa estranha em Portugal e no Fundo Monetário Internacional.

Claro que as diferenças não são só de políticas de recursos humanos. São as notícias do outro mundo!

terça-feira, 31 de maio de 2011

Bolseiros: FotoProtesto 2011

O protestos fotográfico dos bolseiros de investigação científica, pela melhoria das condições de trabalho, que segundo a Associação dos Bolseiros de Investigação Científica contou com cerca de 850 participantes.

Galeria completa aqui.

terça-feira, 10 de maio de 2011

FotoProtesto 2011


Informação recebida da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)

A ABIC - Associação dos Bolseiros de Investigação Científica dinamiza durante esta semana uma nova edição do FotoProtesto. Os propósitos da Iniciativa podem ser lidos aqui. As fotos da primeira edição, realizada em 2010, podem ser visualizadas aqui.

Até ao dia 13 de Maio, a ABIC receberá as fotografias que os/as Bolseiros/as tirarem nos seus locais de trabalho, com o objectivo de, posteriormente, tornar públicas as manifestações de protesto e as propostas que estes Investigadores/as têm tendo em vista a melhoria da sua condição e a consequente qualificação do sistema científico e tecnológico nacional.

A ABIC apela à participação criativa dos Bolseiros de todo o país, apelando ao envio para o seu e-mail geral (geral@abic-online.org) de fotografias que dêem conta da diversidade de situações, problemas e propostas que nos caracteriza. Entre os tópicos que podem figurar como mote para as fotografias poderão estar a reivindicação mais geral do estabelecimento de contratos de trabalho para os Investigadores Bolseiros ou propostas mais específicas, como as que dizem respeito ao acesso a uma cobertura justa em termos de protecção social ou à actualização dos montantes das bolsas. Uma alternativa, designadamente no caso de colectivos de Bolseiros mais pequenos, poderá ser ainda a apresentação, na fotografia, do número de anos que cada Bolseiro/a leva nessa situação. Ficará a cargo dos dinamizadores locais de cada FotoProtesto a definição quanto aos moldes concretos da fotografia a tirar.

Votos de bons protestos!
A Direcção da ABIC

quarta-feira, 4 de maio de 2011

O fim da Nature e da Science?


Já aqui elogiei o sistema de peer-review, ou de revisão pelos pares, que serve de base à publicação de artigos científicos. Tal como a democracia é o pior sistema à excepção de todos os outros. Tem permitido um progresso notavel, filtra as ideias que não têm sustentação e é um dos grandes pilares da credibilidade da ciência. É incomparavelmente melhor do que o iluminismo auto-ajuda de algum guru alternativo ou que as alegações interesseiras dos marketeers (que gostam muito de ir ao dicionário "pescar" termos científicos por arrasto).

Mas o sistema de publicação científica actual é kafkiano, de acesso restrito e de algum modo do velho mundo editorial do século XX. É absolutamente irracional que os investigadores por vezes paguem para publicar (muitas vezes acontece, por exemplo para incluir figuras), paguem para ler os artigos (as suas instituições ou os seus países) e que uma parte muito significativa do conhecimento publicado não seja de acesso livre. É um absurdo que os resultados de investigação fundamental, feita com dinheiro público, não estejam livremente disponíveis. Isso é algo que as agências de financiamento deveriam exigir.

Muitas vezes os cidadãos têm que pagar para conhecerem os resultados da investigação que é feita com o dinheiro dos seus impostos. Quando há notícias nos jornais sobre grupos portugueses que publicam artigos na Science ou na Nature, se o leitor os quiser ler terá que pagar!

Uma projecto financiado pela UE, chamado LiquidPublication, propõe um modelo de divulgação dos resultados mais parecido com o mundo das redes sociais. O peer-review no sentido clássico iria desaparecer, ou seja não seriam dois ou três revisores convidados pelo editor da revista a avaliar o artigo, mas sim uma comunidade relevante (cientistas da área). As escolhas editoriais ("este artigo interessa e deve ser publicado", "este não é suficientemente inovador") deixariam de existir e a (ir)relevância seria atribuída também pela própria comunidade (tal como em última análise acaba por acontecer com os artigos científicos actuais).

A ideia é que publicação seja mais rapida ("Post, don't publish") e que os cientistas passem menos tempo a escrever artigos (já que são avaliados pelo número que publicam, o que induz algumas perversões) e a rever artigos para satisfazer as exigências dos revisores. E que tenham mais tempo para fazer investigação e eventualmente para interacções mais informais e construtivas com os seus pares. E que os resultados da investigação cheguem mais facilmente a outros intervenientes sociais, como as empresas, e que estes possam dar algum retorno aos cientistas.

Pode ser que seja isto, talvez seja outra coisa. Mas o processo de disseminação dos resultados científicos está a mexer, tal como todo o mundo editorial. Cada vez mais algoritmos que funcionam com base na reacção dos utilizadores substituem os editores. A publicação científica também não vai ficar na mesma. Vamos ver para onde vai.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Reuniões de bolseiros


Informação recebida da Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)

Durante as próximas duas semanas, a Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC) irá realizar nos diversos institutos e cidades do país reuniões de Bolseiros de Investigação.

Estas reuniões servirão para ouvir os problemas dos bolseiros nos seus institutos, recolher contributos para a acção da ABIC a nível institucional e reivindicativo e preparar o fotoprotesto que terá lugar até ao dia 13 de Maio por todo o país.

Estas iniciativas têm ainda como objectivo o recrutamento de sócios para ABIC e a sensibilização dos partidos políticos candidatos às eleições legislativas para os problemas dos bolseiros de investigação.

Reuniões da ABIC a nível nacional já agendadas:

Porto - 5 de Maio na FEUP;
Oeiras - 4 de Maio no ITQB (entre as 13-14.30h)
Coimbra - 5 de Maio no auditório do CES às 18h
ICS e ISCTE - 5 de Maio, 16h, Sala C407 (Edifício II Iscte)
IST - 6 de Maio (sala V1.14, Pavilhão de Civil)

Passa a palavra. Participa nas sessões de esclarecimento e divulga o FotoProtesto 2011.

Votos de bom trabalho,

A Direcção da ABIC

--
Direcção da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC)
Para receber informações regulares da ABIC
Para se tornar associado

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

VIDEO: Cientistas de Pé no Jardim Botânico Tropical

Vídeo com o resumo do espectáculo de stand-up comedy com cientistas na Noite Europeia dos Investigadores 2010, no Jardim Botânico Tropical, em Belém:

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Bolseiros forçados a dar aulas de graça

Em Abril dei aqui conta da intenção da Universidade de Lisboa aprovar um Regulamentos do Estatuto da Carreira Docente Universitária, que previa a atribuição de serviço docente aos bolseiros de investigação sem qualquer remuneração.

A Universidade de Lisboa, face às objecções que foram levantadas durante a discussão pública do Regulamento e à intervenção pronta da Associação dos Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), acabou por reconsiderar e retirar essa imposição do regulamento.

Mas a ideia fez escola. E a ABIC tem vindo a denunciar a intenção de várias universidades portugueses pretenderem usar os bolseiros de investigação para dar aulas sem qualquer remuneração adicional. Disso dá conta, por exemplo, este artigo do JN, de que transcrevo um excerto:

Universidades usam bolseiros para dar aulas sem remuneração
(...) Na opinião dos bolseiros, esta prática não só é prejudicial para os bolseiros, mas também para os professores, "na medida em que constitui uma ameaça à carreira e prejudica a qualidade do ensino", visto que os bolseiros "não são docentes experientes".

A ABIC já pediu uma audiência ao presidente da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), no sentido de haver uma chamada de atenção às universidades.
A associação de bolseiros está consciente de que a FCT pouco mais poderá fazer além disso, devido à autonomia universitária, que permite às instituições de ensino superior aprovar esta medida nos seus regulamentos.
A ABIC está também a contactar os sindicatos e já alertou os membros da Assembleia da República, acrescentou André Levy.
"A nossa oposição não é contra o uso de bolseiros para dar aulas, é contra o não serem remunerados, mostrando a fragilidade da sua condição, utilizando-os para tapar buracos", acrescentou (...)
Texto completo
aqui.

A ABIC lançou um abaixo assinado público contra esta situação.

O grupo parlamentar do PCP (goste-se ou não, quem tem levantado a voz na Assembleia da República em favor dos bolseiros de investigação tem sido o PCP, o BE e mais timidamente o CDS-PP) formulou há dois dias uma pergunta ao governo sobre este assunto, de que transcrevo o essencial:


(clique para ampliar)

Eu já nem vou retomar a questão da fragilidade do vínculo do bolseiro e de como muito facilmente pode ser coagido a dar aulas contra a sua vontade sem que ganhe mais por isso ou que veja reduzidas as suas obrigações na investigação, pois nos tempos que correm estas ideias tem dificuldade em ganhar simpatias alheias.

Mas faz sentido ter nas universidades portuguesas pessoas a dar aulas contra a sua vontade e que não são pagas por isso? Quando olhamos os rankinks internacionais de ensino superior a nossa situação já não é famosa. E isto não ajuda nada.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Beautiful mind

John Nash (ao lado, fotografia de Enric Vives-Rubio), o matemático em torno do qual gira a história do filme Uma mente brilhante, de Ron Howard, realizado a partir da biografia de Sylvia Nasar, publicada em finais dos anos noventa, esteve em Portugal como conferencista na 24.ª Conferência Europeia de Investigação Operacional, na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Ana Gerschenfeld, jornalista do Público, entrevistou o Senior Research Mathematician na Universidade de Princeton, de onde resultou uma conversa muito interessante, da qual tomamos a liberdade e transcrever a passagem que se segue:

O seu contributo para a teoria dos jogos foi muito importante. O que é a teoria dos jogos?

A expressão teoria dos jogos é uma descrição popular. A mesma área científica poderia ter tido outro nome. A teoria dos jogos foi desenvolvida com a publicação de um livro [em 1947], por John von Neumann e Oskar Morgenstern, intitulado em inglês Theory of Games and Economic Behavior (Teoria dos jogos e Comportamento Económico), que se tornou muito influente. Mas Von Neumann já tinha publicado na Alemanha em 1928 - o ano em que eu nasci - um artigo intitulado Zur Theorie der Gesellschaftsspiele, que significa "jogos sociais". E antes disso, tinha sido publicado em França um artigo com théorie du jeu no título. Von Neumann também publicou uma nota [em 1928] na Comptes Rendus de l"Académie des Sciences onde falava de théorie des jeux. Foi assim que o nome ficou.

É algo que permite a modelização matemática de comportamentos sociais e económicos?
Sim, mas com a ênfase nas escolhas alternativas e na ideia de estratégia - uma palavra de origem grega que significa a escolha de uma política. Há estratégia no xadrez e noutros jogos. Pode haver uma estratégia no futebol. Só que, aí, as estratégias têm como objectivo fazer com que o outro perca. É o que chamamos um jogo de "soma zero". Todos os jogos de entretenimento e desportivos são desse tipo. Também podem ser de "soma constante", com um certo benefício para ambos os lados, como a final de um Mundial de futebol - mas onde o vencedor beneficia mais do que o outro. E também há jogos onde todos perdem... Sim, são os jogos de soma negativa. Por exemplo, podemos imaginar uma situação em que uma prisão obriga prisioneiros a entrar num duelo onde apenas um irá sobreviver.
(...)
O seu contributo para a teoria dos jogos é hoje conhecido como "equilíbrio de Nash" e mudou a maneira de fazer teoria dos jogos aplicada à economia. O que é o equilíbrio de Nash?
O equilíbrio de Nash define-se em termos de estratégias, do conceito de estratégia do jogador. Temos dois, três ou mais jogadores. Cada jogador tem um número finito de acções ou estratégias "puras" pelas quais pode optar, fazendo isto ou aquilo. Mas também existem estratégias mistas, que são planos baseados numa mistura de estratégias puras, em que uma certa probabilidade de ser escolhida é atribuída a cada estratégia pura. Assim, se um jogador tiver três escolhas possíveis, três acções puras entre as quais optar, poderá optar por uma delas com uma probabilidade de 20 por cento, pela segunda com 50 por cento e pela terceira com 30 por cento, o que dá 100 por cento. E o conjunto das estratégias mistas dos jogadores apresenta um equilíbrio quando nenhum dos jogadores pode mudar de estratégia e aumentar os seus benefícios. O benefício tem de ser calculável a partir da estratégia mista em questão. Calcula-se o benefício previsto para todos os jogadores e cada jogador olha para a sua fatia.

Quando duas empresas competem pelo mesmo mercado, usam a sua teoria para ver se compensa produzir mais ou menos, ou subir ou descer os preços?
Essa é considerada uma óptima área de aplicação da teoria. Existe uma abordagem clássica que é equivalente a uma análise de teoria dos jogos em certos casos especiais. É o chamado equilíbrio de Cournot. É um conceito certamente mais antigo do que o equilíbrio de Nash, mas é um caso particular. Augustin Cournot, economista francês do século XIX, considerou o caso em que duas empresas produziriam algo para o mesmo mercado - dois grandes produtores de leite, por exemplo. Se uma dada quantidade de leite é produzida, pode ser vendida por um certo preço; se produzirem mais, não vão conseguir vender o leite por um preço tão bom. Por outro lado, se produzirem menos, o preço sobe, mas também há um limite. E se produzirem muito pouco, pode ser preciso importar leite. Pode então existir um equilíbrio de Cournot em que cada um deles produz uma certa quantidade do produto - e em que nenhum deles pode produzir mais ou menos e obter uma vantagem. Mas, aqui, trata-se de um jogo não-cooperativo com dois jogadores onde o equilíbrio reside numa estratégia pura. No caso do equilíbrio de Nash, as estratégias são mais complexas... Podem ser mistas. Por exemplo, se os produtores produzirem produtos diferentes [para o mesmo mercado], podem ter uma estratégia secreta - podem decidir que, durante um ano, só vão produzir uma certa quantidade desse produto. Podia ser a Apple a decidir produzir uma certa quantidade de iPods ou de Macintosh. O outro lado pode não conhecer o plano, mas precisa de ter um plano em que preveja o que pode acontecer - e pode tomar uma decisão ao acaso, de última hora, para surpreender os rivais.

E em casos deste tipo, você provou que também existe uma situação de equilíbrio, que é calculável?
Há um equilíbrio desde que se consiga determinar a função [a fórmula matemática] que determina os benefícios. Em princípio, é possível calculá-lo.

Existe software que as empresas usam para fazer este tipo de previsão?
Nem por isso. Existe há já uns tempos algum software de teoria de jogos, mas é mais útil do ponto de vista teórico. Há coisas que apenas são usadas ao nível do ensino académico.

Ou seja, a sua teoria é mais uma ferramenta para os especialistas do que uma ferramenta prática, concreta, para o mundo empresarial?
Qualquer teoria, seja ou não económica, é em grande parte utilizada apenas ao nível académico. O que os responsáveis empresariais fazem na prática costuma ser algo diferente daquilo que aprenderam quando estudaram teoria económica. Quando uma pessoa se torna efectivamente um banqueiro, tem de tomar decisões práticas - e isso não é algo que se possa fazer utilizando apenas o que se ouviu e aprendeu nas aulas
.

Por que é que a sua teoria foi considerada pouco ortodoxa na altura em que a desenvolveu em Princeton?
Não consigo responder muito bem a essa pergunta. Depende da maneira de olhar para as coisas. É verdade que eu fui mais longe do que Von Neumann e Morgenstern. Mas não foi tanto o equilíbrio de Nash [nos jogos não-cooperativos] que foi considerado pouco ortodoxo, foi a minha teoria da cooperação aplicada aos jogos com duas pessoas, que é bastante diferente da ideia que eles tinham dos jogos cooperativos.

Mais próxima da realidade?
A área dos jogos cooperativos é muito complexa. Eu não fui para além de dois jogadores (duas partes). Mas a área dos jogos com mais de duas partes constitui um desafio muito interessante. Aliás, é a minha área de investigação actual. As minhas ambições são algo limitadas, porque posso não viver para sempre [ri-se] e este tipo de teoria pode levar muito tempo a desenvolver.

O génio científico anda de mãos dadas com uma certa peculiaridade de pensamento?
Esse é um terreno perigoso. Newton, por exemplo, desconfiava muito dos outros e, a dada altura, parecia psicótico em relação a alguns temas. Nunca foi casado, teve uma vida invulgar e fez experiências de alquimia. Também tinha escritos sobre a religião e as ideias religiosas que eram em parte convencionais para a época, mas também bastante impróprias. Mas quem pode dizer exactamente o que são a doença e a saúde mental?

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Protesto fotográficos dos bolseiros de investigação científica IV


A adesão de bolseiros de todo o país ao protesto fotográfico é um sinal inequívoco de insatisfação com as condições de trabalho dos jovens (e menos jovens) investigadores. E não é para menos: as bolsas não são aumentadas desde 2002 (perda de 20% do poder de compra), o subsidio de doença é uma fracção do valor do indexante apoios sociais (€419,22) e não há subsidio de desemprego. Pode-se dizer que os bolseiros pouco ou nada são afectados pelas medidas de contenção do défice (à excepção do aumento do IVA), pois já há muito que contribuem "preventivamente" para combater a crise!

A diversidade e importância das instituições a que estão ligados e o número de bolseiros nas imagens (sem dúvida inferior ao total) é bem reveladora da importância dos bolseiros no sistema científico nacional.

26 Maio 2010 - (30 bolseiros)
E os bolseiros do IST retomam a iniciativa com mais um protesto!
Instituto Superior Técnico - Universidade Técnica de Lisboa

24 Maio 2010
Protesto no CEVDI-INSA
CEVDI - Centro de Estudos de Vectores e Doenças Infecciosas
INSA - Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, I.P.
Para cada investigador, o número na fotografia representa o número de anos como bolseiro de investigação

Maio 2010 (14 bolseiros)

Maio 2010 (59 bolseiros)

Maio 2010 (28 bolseiros)
Universidade do Porto

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...