Diz a ministra da agricultura e do mar, que o relatório do International Council for the Exploration of the Sea (ICES), uma organização científica internacional que se dedica ao estudo da pesca e dos recursos marinhos, pode ter alguma "falha" porque aconselha quotas de captura de sardinha abaixo do aconselhável em vésperas de eleições. Afinal os pescadores votam e, pior ainda, os apreciadores de sardinha também. Qualquer relatório ou estudo científico pode ter falhas. Mas lançar uma suspeita destas sem qualquer fundamento é desonesto. É o tipo de coisa que fazem os negacionistas das alterações climáticas face aos relatórios do IPCC. Nada que surpreenda, de um governo que reduziu a "quota" do conhecimento e da cultura científica a níveis insustentáveis e aumentou alarvemente a da pseudociência, aprovando licenciaturas em banha da cobra e dando um largo (e enganador) impulso às terapias alternativas. Muito bem faz o biólogo Gonçalo Calado na reportagem da SIC, em pôr os pontos nos is.
domingo, 30 de agosto de 2015
As ciências sociais e humanas na roleta russa com a FCT
Artigo de opinião de Moisés de Lemos Martins, Diretor do CECS e presidente da Confederação Iberoamericana das Associações Científicas de Comunicação (Confibercom), publicado no Público:
Com as universidades fechadas e a comunidade académica de férias, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) divulgou, em pleno mês de agosto, os resultados do concurso para financiamento de projetos científicos. Fê-lo, assim, de mansinho, como quem não quer a coisa, para que as péssimas avaliações passassem despercebidas.
O Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS), da Universidade do Minho, viu reprovados os 24 projetos que apresentou a concurso. De igual modo, o centro de comunicação da Universidade da Beira Interior (LabCom.IFP) também viu recusado o financiamento a todos os seus projetos. A FCT cumpriu, deste modo, a segunda fase do desmantelamento das ciências da comunicação em Portugal.
Na primeira fase (dezembro de 2014), havia reduzido as ciências da comunicação a dois centros de investigação financiados, um como Excelente (CECS), outro como Bom (LabCom.IFP). Ao reprovar, agora, todos os projetos destes dois centros, a FCT faz a demonstração exuberante da sua política destrutiva.
Escrevi neste jornal, a 03.02.2014: “um vento ruim levantou-se na Cidade; enquanto durar, serão anos de calamidade”. Outro não foi, aliás, o diagnóstico de Ramada Curto, ao assinalar que o Inverno chegara à investigação das ciências sociais e humanas (CSH) “com a força de uma hecatombe” (02.01.2014). E também Sobrinho Simões (22.11.2013) viu o que está à vista de todos: a FCT fez, com a ciência, “uma espécie de destruição criativa: rebentou com tudo, esperando que, das cinzas, nasça algo de novo”.
Como entender, todavia, que o melhor centro de investigação em ciências da comunicação do país, avaliado como Excelente por investigadores da European Science Foundation, em 2014, tenha todos os seus projetos reprovados para financiamento, à média de 6 pontos em 9? Pode porventura um centro de investigação ser excecional, tendo apenas investigadores medíocres, incapazes de projetar investigação relevante?
No que respeita às CSH, os painéis de avaliação são hoje compostos por investigadores sem competência específica na área que avaliam. Foi assim na recente avaliação dos centros de investigação. Aconteceu a mesma coisa nos sucessivos concursos anuais para bolsas de investigação de topo. E foi também agora, com os projetos de investigação. Acresce ainda o facto de os painéis de avaliação das CSH não incluírem, por regra, investigadores de Comunicação.
Por outro lado, como entender que investigadores estrangeiros tenham a má criação e o desplante de vir a nossa casa, como convidados, avaliar uma equipa de investigação de ciências da comunicação como académicos de “vistas curtas”, quando esta equipa inclui quatro dos seis professores catedráticos do país nesta área, de três universidades diferentes?
E como entender que tais avaliadores possam fazer considerações tão afrontosas sobre os investigadores do CECS: “Tal como referiu um avaliador que serviu, vários anos, na avaliação da FCT, aos concorrentes falta conhecimento da literatura anglo-saxónica”?
Pergunto, ainda, é concebível que um júri de avaliação (um júri de convidados estrangeiros, entenda-se) critique as estratégias de internacionalização da comunidade científica portuguesa, condenando os projetos que escolhem como principais parceiros investigadores do espaço lusófono e ibero-americano, porque “parecem excluir os anglo-saxónicos, principalmente ingleses e americanos”?
Se a FCT recorre apenas a investigadores estrangeiros, fá-lo com encomenda política. E não podem ser investigadores de topo. Pode dar-se o caso, todavia, de a FCT apenas recorrer a investigadores estrangeiros como expediente para legitimar políticas e classificações por si decretadas, contando com o frete político de um conjunto de mandarins da ciência em Portugal. E então, nesse caso, tudo passaria a fazer sentido. Aliás, esta é a hipótese que me parece mais plausível, porque permite explicar as considerações tolas, embora graves e injuriosas, que referi, assim como este inqualificável modo de atuação, que trata os investigadores do CECS como uma indistinta massa de pés descalços, a serem sepultados todos em vala comum.
Apenas assim se compreende que investigadores de obra feita, de grande dimensão internacional, reconhecidos pelos seus pares como os melhores entre os melhores, tanto no espaço anglo-saxónico e francófono, como no espaço lusófono e iberoamericano, sejam tratados como se estivessem a dar os primeiros passos na investigação: “de vistas curtas” e mal informados, dizem; incapazes de formular hipóteses de investigação; sem estratégia científica; equivocados no que toca às escolhas de parceiros internacionais; titubeantes a estabelecer as etapas de investigação; incompetentes a fazer contas…
Alinhados com a FCT, estes mandarins da ciência, investigadores novos ou menos novos, trabalhariam a coberto do anonimato, para condicionar os resultados do concurso, produzindo a argumentação que investigadores estrangeiros depois legitimam e fixando as short lists que determinam os vencedores.
Um tal procedimento da FCT pode comprar a boa vontade dos investigadores estrangeiros, pelo facto de lhes pagar um trabalho que lhes não dá canseira. Mas não passa de um procedimento indecoroso, encapotando as decisões de uma política científica extremista, que ainda por cima abastarda as CSH, avaliando-as em função do dogma da sua ligação ao mercado, ou seja, às empresas e aos negócios.
É deste modo que a FCT prossegue a sua obra de flagelo em devastação, utilizando procedimentos opacos, labirínticos e dissimulados, para desmantelar, do pé para a mão, áreas científicas que demoraram décadas a desenvolver-se.
O que honra uma instituição pública e a torna idónea são as virtudes simples: do sentido de serviço à comunidade, da decência e da seriedade — tudo virtudes que a FCT não pratica.
Mas eu ainda não perdi a esperança de que acabem por lhe rebentar na cabeça as balas da roleta russa com que tem rebentado, a eito, as CSH em Portugal.
Moisés de Lemos Martins
Diretor do CECS e presidente da Confederação Iberoamericana das Associações Científicas de Comunicação (Confibercom)
Avaliação dos centros de investigação – epílogo
Artigo de opinião de Tomasz Boski, coordenador do Centro de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Algarve, publicado no Público:
Finis coronat opus! Depois de iniciado há dois anos, o processo da avaliação dos centros de investigação terminará no próximo mês. As unidades que contestaram o financiamento atribuído pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) terão de apresentar o plano de atividades 2015-2017 adaptadas ao orçamento efetivamente disponível. Apesar de quase metade dos centros financiados não ter concordado com os montantes propostos, esta última fase do processo não levantou uma vaga de protestos semelhante à do verão passado, quando metade das unidades foi eliminada da competição pelos recursos financeiros. Das duas, uma: ou a etiqueta de qualidade é mais importante do que o apoio financeiro ou os centros de investigação e desenvolvimento (I&D), resignados e fartos de um processo marcado por ambiguidades e numerosos vícios de forma, procuram outras vias para se financiar.
A atribuição da substancial parte de financiamento das unidades de I&D aos projetos estratégicos apresentados pelas mesmas unidades, sem serem conhecidos à partida os limites monetários ou regras precisas, é o melhor exemplo daquilo que não se deve fazer, isto é, criar disparidades no financiamento, na realidade pouco competitivo. Trata-se mais de um financiamento das instituições do que de ideias propriamente ditas, tal como ocorre num projeto de investigação. É óbvio que num prazo de três anos é praticamente impossível assegurar a coerência interna do projeto aglutinador da atividade de vários grupos de trabalho.
Mesmo sendo pouco detalhado, o Regulamento de Financiamento não foi respeitado, no que se refere à sua estrutura e aos montantes aprovados para o triénio 2015-2017. Na carta justificativa, os gestores da FCT explicam esta situação de forma curiosa: “Tendo a FCT constatado que o financiamento total solicitado para a execução dos planos estratégicos do conjunto das unidades de I&D ultrapassava largamente a dotação orçamental disponível (…), a FCT assumiu como base para o cálculo do financiamento total a atribuir o financiamento estratégico solicitado por cada unidade.” Dir-se-ia que é uma consequência direta da situação em que os limites financeiros dos projetos estratégicos não foram definidos. Questionada sobre se a próxima avaliação dos centros assegurará a proporcionalidade entre as verbas atribuídas e os resultados produzidos, a FCT permanece muda.
Efetivamente, será muito difícil de esperar que um centro com o financiamento “per capita” por exemplo dez vezes superior ao seu competidor produza dez vezes mais ou melhor de que este competidor.
Provavelmente a cumprir uma agenda política, a FCT decidiu recentemente afirmar o seu papel da guardiã de excelência e competitividade e de altos valores éticos. O envio de dois documentos – “Resultados da avaliação e auto-avaliação” e “Proposta de Código de Conduta Responsável em Investigação Científica – só pode servir estas nobres aspirações. Na Proposta de Código, define-se a má ciência como a resultante de erros metodológicos ou de outra natureza, interpretação errada de dados, erro na prova, negligência ou comportamento eticamente censurável. É difícil não associar estas definições a numerosos casos de metodologia mal concebida e sujeita a alterações oportunistas e análise superficial dos materiais apresentados, que ocorreram durante a avaliação das unidades de investigação. No mundo da ciência, os trabalhos maus são eliminados durante a avaliação por pares. No caso da nossa agência financiadora, em contraste com o documento “Resultados da avaliação e auto-avaliação”, a avaliação foi feita por quatro peritos contratados pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) e, sem surpresa, apresenta uma apreciação qualitativa geralmente favorável do desempenho da fundação. O documento está em contraste com o número de reclamações e críticas, apresentadas após a divulgação dos resultados dos concursos.
Embora a FCT não corra o risco de declarar a insolvência, a semelhança com o sector financeiro, em que os bancos em situação periclitante, foram muito positivamente avaliados por auditores de grande prestígio, é grande. Os exercícios de relações públicas, que visam melhorar a imagem da instituição por via da promoção de valores éticos (em si uma iniciativa louvável), de compromisso com a excelência e da avaliação encomendada não melhoram necessariamente as relações com o meio académico. Antes pelo contrário, irritam e criam mais desconfiança quando lançados em associação com medidas no mínimo controversas. O mesmo vale para as declarações sobre o incondicional apoio à inovação e criatividade, não acompanhadas pelo delineamento inovador dos concursos, que deveriam premiar o que é de mais original e relevante na investigação.
O hábito nacional de investir na ciência e no conhecimento, promovido por José Mariano Gago, permitiu afirmar Portugal como um parceiro de qualidade em todos os domínios de I&D. Os dados da dinâmica de crescimento da produção científica no pais comprovam-no claramente e são de conhecimento geral. No entanto, as limitações orçamentais impostas nos últimos anos constituem um enorme desafio para o MEC e a FCT, isto é, o desafio de não desperdiçar as conquistas das últimas duas décadas. As experiências que vivemos durante o ultimo mandato da presidência da FCT não são tranquilizadoras. Há medidas, tanto dentro como fora do sistema científico, que devem ser adoptadas para que o dinheiro público investido traga o retorno desejado. A título de exemplo:
Criar um quadro legal/financeiro específico para I&D. No atual sistema, as unidades e os seus projetos de investigação, executados no âmbito de instituições públicas, não diferem dos projetos de edifícios, pontes ou estradas a cargo do Estado. Em consequência, a alucinante mutação das normas, que regem estas atividades, acarreta um desperdício de tempo gigantesco para os cientistas responsáveis, forçados a dedicar o grosso do seu tempo à gestão administrativa;
Separar organicamente a avaliação da I&D do financiamento das unidades e dos projetos numa nova FCT, separada do MEC, tal como proposto no relatório de avaliação dos quatro peritos. Trata-se de duas tarefas de grande envergadura que, como mostram os últimos exemplos, dão um grande poder ao decisor e ultrapassam a capacidade da FCT no seu quadro atual. A existência duma agência de “ranking” responsável pela avaliação dos centros e dos projetos e outra responsável tecnicamente pela gestão do financiamento pouparia muito “stress” aos investigadores e aos gestores da I&D.
TOMASZ BOSKI
Coordenador do Centro de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Algarve
sexta-feira, 28 de agosto de 2015
Homenagem a Ilse Losa
O comentário ao texto O ensino da poesia segundo Ilse Losa da leitora Manuela DL Ramos levou-me a este Sítio:
Pela qualidade e sensibilidade do trabalho desta nossa leitora nesse Sítio, vale a pena visita-lo, com o tempo e disponibilidade que ele requer.
(re)descobrindo os seus livros – homenagem no ano do centenário do seu nascimento
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Mário Cesariny, Pena Capital
SOMBRA DE ALMAGRE
Buraco-negro-com-barba-postiça-de-Newton
ou pirâmide de De?
A pirâmide de De
com saltos altos e rara elegância de meios
caminha um mililímetro por segundo
em direcção a Maar
O qual em movimento inverso se expande
(tahafut-ul-tahafut)
à razãode 2 tri-leões por sebe. Por
outro lado
Se houvermos por verídico o retrato
que Blake fez de
Newton
este NÃO TINHA BARBA
(relativamente) (nenhuma)
e assim
Não haverá
qualquer porção
de almagre
o espaço come porém não altera
que os poços escaleres
possam nunca
afastar-se
(ou precipitar-se)
de De
ou de Maar
URGENTE
As bombas matam porque sofrem duma espécie de doença
incurável
que as faz ganhar saúde quando as largam no ar
uma vez expostas à lei da gravidade
e por ela arrastadas para o mundo humano
as bombas precisam de explodir tal como uma criança precisa
de urinar
até fazerem um lugar onde fiquem
que se não mova que
sejacomo um direito a isso
ao pé do deus adulto que lhes deu comida
FAZ-SE LUZ PELO PROCESSO
Faz-se luz pelo processo
de eliminação de
sombras
Ora as sombras
existem
as sombras têm
exaustiva vida própria
não dum e doutro lado
da luz mas no próprio seio dela
intensamente
amantes loucamente amadas
e espalham pelo chão
braços de luz cinzenta
que se introduzem
pelo bico nos olhos do homem
Por outro lado a
sombra dita a luz
não ilumina realmente
os objectos
os objectos vivem às
escuras
numa perpétua aurora
surrealista
com a qual não
podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos
dedos e na bocaquinta-feira, 27 de agosto de 2015
GEOMONUMENTO DA PRAIA DO TELHEIRO (VILA DO BISPO, ALGARVE)
Texto do Professor Galopim de Carvalho na continuação de post anterior.
À semelhança de qualquer objecto, um um seixo que se apanha na praia. uma simples pedra da calçada, um afloramento rochoso ou uma imensa montanha, são ocorrências geológicas e, ao mesmo tempo, documentos naturais que os geólogos aprenderam a ler no pormenor, mas que o cidadão comum, por triste deficiência do nosso sistema de ensino, olha "como boi para palácio" ou, nem sequer, olha. Isto porque a escola não lhe soube despertar o interesse.
Acontece que muitos destes documentos encerram significado e têm grandiosidade que nos levam a considerá-los como monumentos, palavra construída a partir do verbo latino “monere”, que significa, não só fazer recordar ou não deixar esquecer, mas também, “instruir”. Foi nesta óptica, que surgiu, entre nós, há 22 anos, a figura oficial “Monumento Natural” (Decreto-Lei 19/93, de 23 de Janeiro) uma “ocorrência natural contendo um ou mais aspectos que, pela sua singularidade, raridade ou representatividade em termos ecológicos, estéticos, científicos e culturais, exigem a sua conservação e a manutenção da sua integridade”.
A competência para proceder a esta classificação incumbe ao Instituto da Conservação da Natureza (agora ilogicamente acrescentado “e das Florestas”, como se estas não fossem parte importante da Natureza), como tenho dito e escrito muitas vezes, tem desempenhado bem a sua competência na defesa da biodiversidade, sendo insignificante a sua vocação na defesa e valorização do nosso património Geológico. Não fora a obra, já significativa, realizada ao nível da Universidades, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, do grupo ProGEO-Portugal e de mais uns tantos cidadãos empenhados, o nosso desconhecimento nesta área era total e alguns destes monumentos já tinham sido arrasados pelo “progresso”.
Em Portugal estão classificados os Monumentos Naturais de Cabo Mondego, das Portas de Ródão, no Geoparque Naturtejo, e mais cinco relacionados com jazidas de pegadas de dinossauros: Pedreira do Galinha, no antigo Parque Natural das serras de Aire e Candeeiros, Carenque, na região de Sintra, e Pedreira do Avelino, Pedra da Mua e Lagosteiros, no antigo Parque Natural da Arrábida.
Em 1999, numa edição da Liga de Amigos de Conímbriga, inclui o termo Geomonumento no discurso da geoconservação, por adaptação do conceito oficial de Monumento Natural às ocorrências especificamente de natureza geológica. Todas elas geossítios só algumas, porém, se revestem da monumentalidade implícita do referido neologismo.
Mais do que um simples geossítio, insisto em dizer que o Geomonumento da Praia do Telheiro (Vila do Bispo) é muito mais importante do que o internacionalmente conhecido, de Siccar Point, na Escócia, descrito em 1788, pelo “pai da moderna Geologia” e que figura em tudo o que é manual de geologia, por esse mundo fora, como exemplificação de uma discordância angular.
Por todas as razões urge defendê-lo do camartelo do progresso, que o desinteresse, quase sempre, fruto da ignorância, de quem decide, põe em risco.
Em traços muitíssimo gerais, o Geomonumento da Praia do Telheiro conta a seguinte história:
Houve aqui, há centenas de milhões de anos, um muito antigo oceano entre dois continentes em aproximação, que acabou por se fechar na sequência da colisão que os uniu, dando origem à formação de uma grande cadeia de montanhas, parte dela estendendo-se pelo que é hoje o sul da Europa, incluindo a Península Ibérica. Acabada de elevar há cerca de 280 milhões de anos, foi em grade parte arrasada pela erosão, num processo que terminou criando planuras no interior, relativamente árido, de um vastíssimo continente.
Foi sobre uma destas planuras que, há uns 210 a 220 milhões de anos se depositaram areias avermelhadas (por impregnação de óxido de ferro). As dezenas de milhões de anos, que levaram à erosão da citada cadeia de montanhas, estão representadas no dito geomonumento pela superfície de descontinuidade que separa as camadas (xistos e grauvaques) enrugadas da citada montanha, das camadas de arenito (areia consolidada) vermelho, que se lhes sobrepõem. Tal superfície de descontinuidade é, pois, uma discordância que adjectivamos de angular, uma vez que não há paralelismo entre as camada das duas entidades.
Nem toda a gente tem ideia de como nasce uma montanha. Trata-se, porém, de um processo muito simples de explicar. Vamos imaginar uma série de lençóis, mantas de diversas qualidades e espessuras, cobertores um édredon e o mais que se quiser, tudo bem esticadinho e empilhado em cima da cama. Imaginemos que este empilhamento representa a espessura de camadas de sedimentos depositados no fundo de um oceano, ao longo de muitos e muitos milhões de anos, como é, por exemplo, o que está a acontecer no Oceano Atlântico, aqui ao nosso lado. Vamos agora abrir bem os braços e agarrar esta pilha de roupa, uma mão de cada lado, e apertá-la para o meio da cama. Fica tudo amarrotado, com dobras para cima e outras para baixo. Com a força dos nossos braços, em metro e meio de extensão desta roupa e em um ou dois segundos, fazemos, assim, o que a Terra faz, com todas as forças do enorme brasido do seu interior, em milhares de quilómetros de fundo de um oceano e ao fim de muitos milhões de anos. “Então uma montanha são rochas dobradas”.
Podemos dizer. Sim, mas é mais do que isso. A porção das dobras que fica para cima representa a parte de uma cadeia montanhosa que se eleva à superfície do terreno, como está a acontecer nos Alpes, por exemplo. A porção dobrada que fica para baixo representa a parte que se afunda na crosta terrestre, como se fossem as suas raízes. Acontece ainda que, em virtude das elevadas pressões e temperaturas a que passam a estar sujeitas, as rochas sedimentares que assim se afundam na crosta, se transformam em rochas metamórficas.
Na parte mais profunda destas raízes, com temperaturas na ordem dos 800 a 900 oC, as rochas começam a fundir, gerando um magma que, arrefecendo ao longo dos milhões e milhões de anos, se transforma em rochas magmáticas como os granitos e outras menos conhecidas.
Uma boa descrição do significado geológico desta magnífica ocorrência, feita por profissionais para profissionais, pode ser lida aqui.
À semelhança de qualquer objecto, um um seixo que se apanha na praia. uma simples pedra da calçada, um afloramento rochoso ou uma imensa montanha, são ocorrências geológicas e, ao mesmo tempo, documentos naturais que os geólogos aprenderam a ler no pormenor, mas que o cidadão comum, por triste deficiência do nosso sistema de ensino, olha "como boi para palácio" ou, nem sequer, olha. Isto porque a escola não lhe soube despertar o interesse.
Acontece que muitos destes documentos encerram significado e têm grandiosidade que nos levam a considerá-los como monumentos, palavra construída a partir do verbo latino “monere”, que significa, não só fazer recordar ou não deixar esquecer, mas também, “instruir”. Foi nesta óptica, que surgiu, entre nós, há 22 anos, a figura oficial “Monumento Natural” (Decreto-Lei 19/93, de 23 de Janeiro) uma “ocorrência natural contendo um ou mais aspectos que, pela sua singularidade, raridade ou representatividade em termos ecológicos, estéticos, científicos e culturais, exigem a sua conservação e a manutenção da sua integridade”.
A competência para proceder a esta classificação incumbe ao Instituto da Conservação da Natureza (agora ilogicamente acrescentado “e das Florestas”, como se estas não fossem parte importante da Natureza), como tenho dito e escrito muitas vezes, tem desempenhado bem a sua competência na defesa da biodiversidade, sendo insignificante a sua vocação na defesa e valorização do nosso património Geológico. Não fora a obra, já significativa, realizada ao nível da Universidades, do Laboratório Nacional de Energia e Geologia, do grupo ProGEO-Portugal e de mais uns tantos cidadãos empenhados, o nosso desconhecimento nesta área era total e alguns destes monumentos já tinham sido arrasados pelo “progresso”.
Em Portugal estão classificados os Monumentos Naturais de Cabo Mondego, das Portas de Ródão, no Geoparque Naturtejo, e mais cinco relacionados com jazidas de pegadas de dinossauros: Pedreira do Galinha, no antigo Parque Natural das serras de Aire e Candeeiros, Carenque, na região de Sintra, e Pedreira do Avelino, Pedra da Mua e Lagosteiros, no antigo Parque Natural da Arrábida.
Em 1999, numa edição da Liga de Amigos de Conímbriga, inclui o termo Geomonumento no discurso da geoconservação, por adaptação do conceito oficial de Monumento Natural às ocorrências especificamente de natureza geológica. Todas elas geossítios só algumas, porém, se revestem da monumentalidade implícita do referido neologismo.
Mais do que um simples geossítio, insisto em dizer que o Geomonumento da Praia do Telheiro (Vila do Bispo) é muito mais importante do que o internacionalmente conhecido, de Siccar Point, na Escócia, descrito em 1788, pelo “pai da moderna Geologia” e que figura em tudo o que é manual de geologia, por esse mundo fora, como exemplificação de uma discordância angular.
Por todas as razões urge defendê-lo do camartelo do progresso, que o desinteresse, quase sempre, fruto da ignorância, de quem decide, põe em risco.
Em traços muitíssimo gerais, o Geomonumento da Praia do Telheiro conta a seguinte história:
Houve aqui, há centenas de milhões de anos, um muito antigo oceano entre dois continentes em aproximação, que acabou por se fechar na sequência da colisão que os uniu, dando origem à formação de uma grande cadeia de montanhas, parte dela estendendo-se pelo que é hoje o sul da Europa, incluindo a Península Ibérica. Acabada de elevar há cerca de 280 milhões de anos, foi em grade parte arrasada pela erosão, num processo que terminou criando planuras no interior, relativamente árido, de um vastíssimo continente.
Foi sobre uma destas planuras que, há uns 210 a 220 milhões de anos se depositaram areias avermelhadas (por impregnação de óxido de ferro). As dezenas de milhões de anos, que levaram à erosão da citada cadeia de montanhas, estão representadas no dito geomonumento pela superfície de descontinuidade que separa as camadas (xistos e grauvaques) enrugadas da citada montanha, das camadas de arenito (areia consolidada) vermelho, que se lhes sobrepõem. Tal superfície de descontinuidade é, pois, uma discordância que adjectivamos de angular, uma vez que não há paralelismo entre as camada das duas entidades.
Nem toda a gente tem ideia de como nasce uma montanha. Trata-se, porém, de um processo muito simples de explicar. Vamos imaginar uma série de lençóis, mantas de diversas qualidades e espessuras, cobertores um édredon e o mais que se quiser, tudo bem esticadinho e empilhado em cima da cama. Imaginemos que este empilhamento representa a espessura de camadas de sedimentos depositados no fundo de um oceano, ao longo de muitos e muitos milhões de anos, como é, por exemplo, o que está a acontecer no Oceano Atlântico, aqui ao nosso lado. Vamos agora abrir bem os braços e agarrar esta pilha de roupa, uma mão de cada lado, e apertá-la para o meio da cama. Fica tudo amarrotado, com dobras para cima e outras para baixo. Com a força dos nossos braços, em metro e meio de extensão desta roupa e em um ou dois segundos, fazemos, assim, o que a Terra faz, com todas as forças do enorme brasido do seu interior, em milhares de quilómetros de fundo de um oceano e ao fim de muitos milhões de anos. “Então uma montanha são rochas dobradas”.
Podemos dizer. Sim, mas é mais do que isso. A porção das dobras que fica para cima representa a parte de uma cadeia montanhosa que se eleva à superfície do terreno, como está a acontecer nos Alpes, por exemplo. A porção dobrada que fica para baixo representa a parte que se afunda na crosta terrestre, como se fossem as suas raízes. Acontece ainda que, em virtude das elevadas pressões e temperaturas a que passam a estar sujeitas, as rochas sedimentares que assim se afundam na crosta, se transformam em rochas metamórficas.
Na parte mais profunda destas raízes, com temperaturas na ordem dos 800 a 900 oC, as rochas começam a fundir, gerando um magma que, arrefecendo ao longo dos milhões e milhões de anos, se transforma em rochas magmáticas como os granitos e outras menos conhecidas.
Uma boa descrição do significado geológico desta magnífica ocorrência, feita por profissionais para profissionais, pode ser lida aqui.
Um caso de invisibilidade da química e os seus contrapontos
Georges Perec em La Disparition não usa palavras com a letra "e" o que não é nada fácil e muito menos em francês.
Aparentemente, também não deveria ser fácil escrever um livro cujo tema é a ciência e a cultura nos séculos XIX e XX sem referir a Química, como defendi em Jardins de Cristais - Química e Literatura. Encontrei, no entanto, recentemente um caso extremo de invisibilidade da Química: Ciência e Cultura (edição coordenada por Filipe Furtado e Gabriela Gândara Terenas). A propósito da explosão científica no século XX refere-se (seguindo por alto o texto) a Física, os quanta, a relatividade, a Física Nuclear (que já foi Química Nuclear), a Física de Partículas, a Matemática e Ciências Exactas, Engenharia, Economia, Teoria dos Jogos, Computação, Cosmologia, Física Teórica, Astrofísica, Astrobiologia, Ciências da Vida, Geociências, Climatologia, Hidrologia, Oceanografia, Geografia, Geocronologia, Biologia Molecular, Biofísica, Genética Molecular, Genómica, Biotecnologia, Bioquímica (que também pode ser designada Química Biológica), Etologia, Medicina (antibióticos, transplantes e meios complementares de diagnóstico), Aeronáutica, Astronáutica, Informática, Engenharia de Materiais, Nanotecnologia, Psicologia e Neurociências, entre outras áreas. Mas não a Química (que espreita por todos os lados nas áreas acima, mas que não aparece como palavra)! E isso é tão mais surpreendente quando uma das referências do livro é a Breve História de Quase Tudo do Byll Bryson, a qual além de referir bastante a Química, contou com o conselho e leitura do químico Roald Hoffmann, prémio Nobel e poeta.
Ora, no século XX qual foi a área científica que mais contribuiu para a transformação do mundo (e ainda está a contribuir no século XXI)? Que esteve envolvida na descoberta dos adubos sintéticos que ajudaram (e ainda ajudam) a alimentar o mundo? Qual foi a área que mais trabalhou para a descoberta, síntese e produção de antibióticos e medicamentos para doenças como a sífilis, malária, cancro, tuberculose, lepra, perturbações nervosas, entre tantas outras? Qual foi a ciência que desenvolveu o tratamento das águas, higiene e desinfecção, contribuindo para o desaparecimento das epidemias de cólera e febre tifóide e diminuição de muitas infecções? Como apareceu a anestesia, a assépsia e os imunossupressores que permitem muitas das operações modernas? Qual foi a área que desenvolveu os polímeros sintéticos e artificiais? Os novos materiais? os tecidos sintéticos e artificiais? Os corantes sintéticos? A agricultura moderna? O controlo de qualidade e a segurança alimentar? Foi a Química através das suas muitas áreas: Química Analítica e Bioanalítica, Síntese Química, Química Orgânica, Inorgânica e Bioinorgância, Fotoquímica, Química Teórica e Computacional, Química Supramolecular, Química de Colóides, Química de Materiais, Química Verde, e tantas outras áreas da Química, quase todas, por si só, pelo menos tão sexys, produtivas e modificadoras do mundo, como as áreas científicas referidas no livro (sobre o qual não está em causa a qualidade e interesse, mas apenas a desaparição da Química)!
Também sobre a divulgação e popularização da ciência não detectei neste livro qualquer referência a Jane Marcet, pioneira da divulgação de ciência britânica com centenas de milhares de exemplares vendidos das suas conversas sobre Química. Veja-se, sobre Jane Marcet, o artigo de João Paulo André (de onde copiei a imagem acima) e atente-se à comunicação de Marília Peres (com a minha co-autoria) sobre as invisibilidades desta autora nas suas traduções para francês e português a apresentar na International Conference on the History of Chemistry (10th ICHC) em Aveiro no início de Setembro.
Como contraponto a esta injusta invisibilidade da Química no século XX, aproveito para recomendar, para além do livro do Bill Bryson, uma outra obra surpreendente e muitíssimo agradável de ler que trata a ciência do século XX (incluindo a Química) com toda a justiça: Uma breve história do século XX de Geoffley Blainey. Tirando uma ou duas questões mínimas de tradução (o nome do polímero silicone é usado em vez do elemento silício uma vez) e a necessidade de síntese deixar alguns assuntos incompletos é um livro a não perder. Para mais é um livro em que Portugal, para além da Química, não é invisível.
Aparentemente, também não deveria ser fácil escrever um livro cujo tema é a ciência e a cultura nos séculos XIX e XX sem referir a Química, como defendi em Jardins de Cristais - Química e Literatura. Encontrei, no entanto, recentemente um caso extremo de invisibilidade da Química: Ciência e Cultura (edição coordenada por Filipe Furtado e Gabriela Gândara Terenas). A propósito da explosão científica no século XX refere-se (seguindo por alto o texto) a Física, os quanta, a relatividade, a Física Nuclear (que já foi Química Nuclear), a Física de Partículas, a Matemática e Ciências Exactas, Engenharia, Economia, Teoria dos Jogos, Computação, Cosmologia, Física Teórica, Astrofísica, Astrobiologia, Ciências da Vida, Geociências, Climatologia, Hidrologia, Oceanografia, Geografia, Geocronologia, Biologia Molecular, Biofísica, Genética Molecular, Genómica, Biotecnologia, Bioquímica (que também pode ser designada Química Biológica), Etologia, Medicina (antibióticos, transplantes e meios complementares de diagnóstico), Aeronáutica, Astronáutica, Informática, Engenharia de Materiais, Nanotecnologia, Psicologia e Neurociências, entre outras áreas. Mas não a Química (que espreita por todos os lados nas áreas acima, mas que não aparece como palavra)! E isso é tão mais surpreendente quando uma das referências do livro é a Breve História de Quase Tudo do Byll Bryson, a qual além de referir bastante a Química, contou com o conselho e leitura do químico Roald Hoffmann, prémio Nobel e poeta.
Ora, no século XX qual foi a área científica que mais contribuiu para a transformação do mundo (e ainda está a contribuir no século XXI)? Que esteve envolvida na descoberta dos adubos sintéticos que ajudaram (e ainda ajudam) a alimentar o mundo? Qual foi a área que mais trabalhou para a descoberta, síntese e produção de antibióticos e medicamentos para doenças como a sífilis, malária, cancro, tuberculose, lepra, perturbações nervosas, entre tantas outras? Qual foi a ciência que desenvolveu o tratamento das águas, higiene e desinfecção, contribuindo para o desaparecimento das epidemias de cólera e febre tifóide e diminuição de muitas infecções? Como apareceu a anestesia, a assépsia e os imunossupressores que permitem muitas das operações modernas? Qual foi a área que desenvolveu os polímeros sintéticos e artificiais? Os novos materiais? os tecidos sintéticos e artificiais? Os corantes sintéticos? A agricultura moderna? O controlo de qualidade e a segurança alimentar? Foi a Química através das suas muitas áreas: Química Analítica e Bioanalítica, Síntese Química, Química Orgânica, Inorgânica e Bioinorgância, Fotoquímica, Química Teórica e Computacional, Química Supramolecular, Química de Colóides, Química de Materiais, Química Verde, e tantas outras áreas da Química, quase todas, por si só, pelo menos tão sexys, produtivas e modificadoras do mundo, como as áreas científicas referidas no livro (sobre o qual não está em causa a qualidade e interesse, mas apenas a desaparição da Química)!
Também sobre a divulgação e popularização da ciência não detectei neste livro qualquer referência a Jane Marcet, pioneira da divulgação de ciência britânica com centenas de milhares de exemplares vendidos das suas conversas sobre Química. Veja-se, sobre Jane Marcet, o artigo de João Paulo André (de onde copiei a imagem acima) e atente-se à comunicação de Marília Peres (com a minha co-autoria) sobre as invisibilidades desta autora nas suas traduções para francês e português a apresentar na International Conference on the History of Chemistry (10th ICHC) em Aveiro no início de Setembro.
Como contraponto a esta injusta invisibilidade da Química no século XX, aproveito para recomendar, para além do livro do Bill Bryson, uma outra obra surpreendente e muitíssimo agradável de ler que trata a ciência do século XX (incluindo a Química) com toda a justiça: Uma breve história do século XX de Geoffley Blainey. Tirando uma ou duas questões mínimas de tradução (o nome do polímero silicone é usado em vez do elemento silício uma vez) e a necessidade de síntese deixar alguns assuntos incompletos é um livro a não perder. Para mais é um livro em que Portugal, para além da Química, não é invisível.
Por que é que as escamas dos peixes têm um brilho metálico?
a minha resposta à questão na rubrica "Saberás tu?" do jornal i em colaboração com a Ciênvia Viva (mais perguntas e respostas aqui)
Há bastante tempo que se sabe que as escamas dos peixes apresentam cristais que reflectem e difundem a luz, ajudando os peixes a esconder-se de predadores. No entanto, só há relativamente pouco tempo foi caracterizada a estrutura desses cristais. São camadas muito finas e regulares de cristais de guanina (uma base nucleica) sem água, intercaladas com camadas de citoplasma. Em conjunto, estas camadas são muito eficientes a difundir e reflectir a luz, originando o característico brilho metálico. Os investigadores verificaram que a ausência de água nos cristais obriga a um maior gasto de energia na sua produção, o qual é justificado pela obtenção das melhores propriedades de reflexão da luz.
quarta-feira, 26 de agosto de 2015
GEOMONUMENTO EM RISCO
Nota do Professor Galopim de Carvalho.
Nota que recebi de Ana Carla Cabrita, Guia da Natureza da WALKINS SAGRES, acerca dos trabalhos de terraplanagem na imediata vizinhança do geomonumento da Praia do Telheiro (Vila do Bispo), levados a efeito pela autarquia local. Diz esta senhora, no E-mail que me enviou:
Este grandioso documento geológico é muito mais importante e monumental do que o internacionalmente conhecido, de Siccar Point, na Escócia, descrito em 1788, pelo “pai da moderna Geologia” e que figura em tudo o que é manual de geologia, por esse mundo fora, como exemplificação de uma discordância angular.
Começa a surgir entre nós o chamado Turismo de Natureza, uma realidade que põe sérios problemas no âmbito da preservação do património natural e que deve merecer o Interesse do Instituto de Conservação da Natureza, no sentido de evitar o pior.
Nota que recebi de Ana Carla Cabrita, Guia da Natureza da WALKINS SAGRES, acerca dos trabalhos de terraplanagem na imediata vizinhança do geomonumento da Praia do Telheiro (Vila do Bispo), levados a efeito pela autarquia local. Diz esta senhora, no E-mail que me enviou:
"No dia 20 de Agosto, ao chegar à Praia do Telheiro, deparo-me com a terraplanagem do caminho até à extremidade da falésia. Terra revolvida, pedras e tufos de plantas arrancados. Um cenário de destruição numa que é a mais bela das paisagens que aqui temos. Existe uma lei e existem coimas para a condução de veículos nas falésias. E é a própria Câmara municipal que melhora acessos para locais onde a lei proíbe o acesso de veículos motorizados (aqui)."O geomonumento em causa, mostra uma discordância angular particularmente bem conservada e de grande interesse científico e pedagógico.
Este grandioso documento geológico é muito mais importante e monumental do que o internacionalmente conhecido, de Siccar Point, na Escócia, descrito em 1788, pelo “pai da moderna Geologia” e que figura em tudo o que é manual de geologia, por esse mundo fora, como exemplificação de uma discordância angular.
Começa a surgir entre nós o chamado Turismo de Natureza, uma realidade que põe sérios problemas no âmbito da preservação do património natural e que deve merecer o Interesse do Instituto de Conservação da Natureza, no sentido de evitar o pior.
A. Galopim de Carvalho
terça-feira, 25 de agosto de 2015
O PONTO DA SITUAÇÃO
“Prepara-se nova ofensiva dos politécnicos. Por motivos exclusivamente eleitoralistas, alguns socialistas e sociais-democratas, rápidos na demagogia, vão tentar transformar em universidades os politécnicos de Bragança e de Viseu, a que se seguirão os outros. Se ceder, o Governo dirá claramente que está disposto a tudo, pela facilidade” (António Barreto, 1996).
Começo por
transcrever o meu comentário insito no
post, também da minha autoria, publicado neste blogue, intitulado “As causas da
minha causa” (16/08/2015):“Agradecendo os
comentários, generosamente e com elevação, feitos a este meu post, brevemente,
publicarei um outro que se poderá chamar ‘O ponto da situação?’” Nele tentarei
clarificar algumas questões que me foram postas, e, principalmente, tornar mais
claras "as causas da minha causa”".
Na elaboração
deste meu novo post, quis obedecer ao
conselho de Einstein: “Se vais sair à
frente para descrever a verdade, deixa a elegância para o alfaiate”. Assim,
tentando preocupar-me menos com a forma e mais com o conteúdo, faço o ponto da situação um tanto ao correr do
teclado do computador, tendo como
substância o princípio sustentado por Cesare Cantú: “A democracia fundada na igualdade absoluta é a mais absoluta
tirania”.
É, pois, em
discordância total com uma igualdade “desigual”, espalhada urbi
et orbi por Rui Antunes, ao tempo vice-presidente do Instituto
Politécnico de Coimbra, de que “a
universidade faz o mesmo que o politécnico” (“Diário de Coimbra”, 10/01/2005),
propondo, com esta premissa, uma
universidade nova para Coimbra, a partir
do Instituto Superior Politécnico das margens do Mondego, que encontro uma das principais razões deste
meu post.
Situação, aliás, sustentada, outrossim, pelos
Institutos Superiores Politécnicos de Coimbra,
Porto e Lisboa (os dois primeiros sob a presidência de docentes das respectivas
escolas superiores de educação) ao porem
em causa o sistema dual de ensino superior procurando, desta forma, a sombra frondosa de um prestígio universitário
cimentado ao longo de séculos de história, pese embora, por vezes, também ele ser
posto em causa pela sua sua dificuldade em adaptar-se, rapidamente, a um mundo em constante mudança de paradigmas de natureza científica.
Recuando no
tempo, já uma reportagem do “Diário de
Coimbra” (19/07/2006), intitulada “Protocolo pretendeu ser um ‘exemplo de Coimbra
para todo o sistema", nos dava conta de medidas preconizadas pelo Conselho de
Gestão do Instituto Politécnico de Coimbra numa abrangência em propor, inclusivamente, medidas que diziam respeito não só ao politécnico mas à própria universidade. De entre essas
medidas, encontrava-se a proposta,
aprovada em 28 de Junho desse mesmo ano, que defendia a mobilidade dos estudantes do 1.º ciclo de
estudos de licenciaturas nacionais para que o aluno que tivesse ingressado num
determinado curso de ensino universitário ou politécnico, antes de concluído o
respectivo plano de estudos, pudesse transitar para um curso análogo. Ou seja, era proposta uma espécie de licenciatura
mitológica do tipo Centauro: metade homem metade cavalo!
Esta, portanto, uma espécie de porta de cavalo para um
facilitismo que já com nada se contenta em
prol de uma ambição desmedida. Por exemplo, uma vez diplomados, os estudantes
oriundos da universidade (única instituição responsável até então pela
formação dos docentes para o ciclo preparatório, actual 2.º ciclo do básico)
concorrem com os dos politécnicos
para a docência do 2.º ciclo, através de
um sistema concursal que tem em conta a
classificação final dos respectivos cursos.
Assim, um
diplomado pelo politécnico com um valor acima do cursado pelo ensino universitário é preferido, sem ser tomado em linha de conta que aquele
diplomado se preparou, exclusiva e especificamente, para a disciplina do ensino básico a leccionar, por exemplo, português ou francês, enquanto o diplomado pelo politécnico estudou 3 anos
para ser professor do antigo ensino
primário e um ano apenas para ser professor
de duas disciplinas, português e francês.
Tenha-se em
atenção outros casos, igualmente, injustos ou, no mínimo, insólitos. Ao
contrário de hoje, em que se compram graus académicos em saldo, anteriormente à década de 70, um professor com
o curso do magistério primário (em que se entrava com o 5.º ano dos liceus) que,
em valorização digna de elogios e não em
simples oportunismo, pretendesse
licenciar-se teria que fazer os 6.º e 7.º anos liceais e 4/5 anos de
ensino superior. Ou seja, 6/7 anos de
estudo sério, com as inerentes despesas e roubo de horas de descanso depois de
um árduo dia de trabalho docente. Haverá, porventura, alguém, “no uso da licença e da liberdade de quem
não pede favor senão justiça” (Padre António Vieira), que possa defender esta
situação sem o choradinho nacional do coitadinho que não foi mais além nos
estudos por falta de condições económicas, mas nunca por cabulice. Em resumo, um
entendeu valorizar-se com “sangue, suor e lágrimas”. Outro deixou-se ficar onde
estava até que o bambúrrio da sorte lhe permitisse uma licenciatura do tipo
“Novas Oportunidades”! Acresce que, para efeitos de aposentação, em vésperas chegadas de a atingirem, esses docentes bacharéis, embora descontando até essa altura menos que os licenciados, passaram, de supetão, ao 10.º escalão com a reforma a ele inerente. E isto à custa de quem paga elevados impostos para satisfazer mordomias do género!
Partejado com o auxílio de fórceps, em
clima de babélica pressão sindical, nasceu o "Estatuto de
Carreira Docente" metendo no mesmo saco os ensinos infantil, básico e
secundário com uma pequena diferenciação entre professores licenciados e
bacharéis, em início e no topo da carreira. Mas mesmo logo ela foi mitigada com
a igualdade estabelecida entre um professor diplomado pelas ex-escolas médias
do magistério primário, que se tenha licenciado em escolas superiores privadas de duvidosa qualidade, e um professor saído de bancos universitários. Porém, nem tudo isto foi suficiente para diminuir a passada de quem aspirava a outros caminhos ou
procurava asas em busca de novos horizontes que permitissem às escolas
superiores de educação alcançar novos "direitos".
Chegado aqui, é natural que o leitor que
sacrificou a sua vida para ter um lugar
ao sol com a verticalidade de não se
curvar à vontade dos vizires ou, à boa maneira de Camilo, “não respeitar os tolos”, se interrogue: Como foi isto possível?
Foi possível
pela acção concertada de sindicatos docentes em benefício das suas clientelas e
de alguns dos seus dirigentes que se opuseram à criação de uma Ordem dos Professores
que pusesse fim a toda esta desordem. Aqui evoco o testemunho do engenheiro
Ildefonso Dias que seguiu pari passu este processo de que me fiz (ou fizeram) executor,
sendo eu ao tempo presidente da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos
Professores Licenciados (SNPL), mas que
ficou, em linguagem popular, “em águas de bacalhau”, depois de ter sido
apresentada, por este organismo sindical, à Assembleia da República (02/12/2005)
uma petição para a respectiva criação. Petição que teve como seu relator, numa
espécie de raposo que toma conta do
galinheiro, um deputado do Partido Socialista, professor do 1.º ciclo do ensino
básico e vice presidente de um sindicato (Sindep) que baseou a sua intervenção
numa perspectiva stricto sensu de profissão liberal (como tal destituída de um
conceito actual mais abrangente) e de conflitualidade entre sindicatos e ordens profissionais. Desta forma não correu o perigo de se tornar maldito por se negar aos seus nas horas apertadas, como
escreveu Miguel Torga.
Foi possível, também, por uma ex-secretária de
Estado, Ana Benavente, ter querido ir mais longe nas exageradas benesses concedidas
às escolas superiores de educação. Assim, quando se constava nos bastidores que,
para além do já discutível acesso ao 2.º ciclo do ensino básico, seria alargada
a docência do 3.º ciclo a licenciados pelas escolas superiores de educação, o
SNPL solicitou-lhe uma audiência.
Aproveitando a ocasião, para confirmar
a veracidade ou não desta intenção apresentei-lhe a questão. Fazendo jus à proverbial ambiguidade dos políticos
fechou-se num mutismo cúmplice. Voltei à
carga, chamando a sua atenção para o facto de a Lei de Bases do Sistema
Educativo contemplar essa docência apenas a diplomas
outorgados pela instituição universitária. Não disfarçando um ar agastado, retorquiu:
“Mas a lei muda-se de um dia
para o outro!"
Foi possível, finalmente, para não alongar mais este texto, por Ana Maria Bettencourt, professora
coordenadora de uma Escola Superior de Educação e presidente de um Instituto
Superior Politécnico (salvo erro de Setúbal) ter ocupado a presidência do Conselho Nacional de
Educação (CNE), órgão independente com funções consultivas em matéria de
política educativa. Sem pretender pôr em causa a idoneidade institucional de Ana Maria Bettencourt não posso, todavia, deixar de reflectir sobre o fundamento da vox populi: “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou
não sabe da arte”!
A terminar, num importante sector da vida nacional,
como o sistema educativo, já chega de
aplicar vacinas de que se desconhece o efeito ou terapias meramente
experimentais. Ipso facto, entendo que o Governo,
a sair das próximas eleições, poderá, ou melhor deverá, ter uma acção preponderante no arrumar da casa
de um ensino que tarda em definir, preto no branco, o âmbito de um necessário ensino superior dual sem influências, ou ainda mesmo simples sugestões, do ensino politécnico, como tem acontecido nos últimos tempos.
Mas será que haverá coragem e vontade política de vencer um estado mórbido provocado por detractores do saber científico, mezinhas de curandeiros da pedagogia e, para além disso, agravado por leis frouxas da responsabilidade de diversos governos ou simples declarações de boas intenções dos seus responsáveis? Um futuro que se aproxima a passo largos de dias, o dirá!
Mas será que haverá coragem e vontade política de vencer um estado mórbido provocado por detractores do saber científico, mezinhas de curandeiros da pedagogia e, para além disso, agravado por leis frouxas da responsabilidade de diversos governos ou simples declarações de boas intenções dos seus responsáveis? Um futuro que se aproxima a passo largos de dias, o dirá!
A urgente transformação do desporto nacional
Artigo que nos foi enviado pelo Leitor Fernando Tenreiro e que muito agradecemos.
In Público do passado dia 14/08/2015 (aqui).
O desporto português sofre um processo de defenestração económica e social pela irreflexão persistente das suas políticas nos últimos 20 anos. Desde antes da viragem do século houve um descrer e incompreensão sobre o desporto que levou ao tropeção no Euro 2004 que, por carência de princípios, conceito e de propósitos democráticos contribuiu para o esvaziar do sector e o impede de melhorar e progredir como a ciência, a cultura, o calçado, o turismo e outros sectores económicos e sociais conseguiram fazer a partir dos anos 90 do século XX.
A hipótese de Portugal não saber regular politicamente a produção dos seus atletas de alto rendimento observa-se em várias dimensões.
Portugal tem matéria-prima humana bastante e demonstrou que esse ingrediente gera capital humano físico e desportivo notável no seio do Modelo de Desporto Europeu (MDE). Com a matéria-prima humana portuguesa foram geradas estrelas de desporto planetárias que se tornaram incontornáveis beneficiando da oportunidade que terceiros lhes deram para o seu desenvolvimento potencial. Sem a acção de terceiros como o Manchester United é duvidoso que Cristiano Ronaldo alcançasse a primazia global.
O facto em que se observa que Portugal tem dificuldades no desenvolvimento e potenciação de talentos é o caso de Vanessa Fernandes que foi prejudicada por erros de desenvolvimento da sua valia de campeã e estrela do desporto e a esgotaram num ápice. Vanessa Fernandes desapareceu para o desporto e quando isso aconteceu a governança desportiva do país foi incapaz de olhar para trás, analisar criteriosamente o que se tinha passado e daí retirar ilações quer para recuperar a Vanessa Fernandes dos erros perpetrados, quer para evitar que outros sofressem dos mesmos percalços.
A hipótese de Portugal não estar a aproveitar o capital humano potencial que possui com 10 milhões de habitantes é demonstrável estatisticamente. A produtividade da conquista de medalhas nos jogos olímpicos é mais elevada nos países europeus com 20 milhões de habitantes ou populações mais pequenas e que produzem 1 medalha por 500 mil habitantes. Portugal o melhor que conseguiu foram 4 medalhas nos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996 quando conseguiu 4 medalhas alcançando a produtividade de 1 medalha por 2,5 milhões de habitantes. Ou seja, os indicadores de produtividade dos países iguais e mais pequenos do que Portugal mostram que a matéria-prima humana para a criação de campeões desportivos são mais comuns do que a busca de talentos “à Ronaldo”.
De acordo com o Expresso, 21jun2015, um treinador de futebol português na Noruega, um dos tais pequenos países que conquista mais medalhas do que Portugal, disse que tinha uma turma de 600 alunos e que se fosse em Portugal tinha uma turma de 100 talentos. Ou seja, Portugal desperdiça jovens na procura de talentos, não sabendo reconhecê-los ou não querendo esperar o tempo certo para dar valor a cada jovem que passa pelo desporto.
O sistema de ensino nacional tem uma matéria-prima de cerca de 2 milhões de jovens em idade escolar e dá actividades a menos de 20% e este valor é tratado há décadas com ‘normalidade’ o que demonstra a ineficácia das políticas e dos parceiros nacionais que não compreendem que a actividade desportiva regular é para toda a população, independentemente do usufruto do que cada um depois faz com ela.
Insista-se que, por exemplo, a riqueza de Pinto da Costa, Jorge Mendes ou João Lagos apenas é possível porque antes deles estão as estruturas federadas e os clubes de bairro que dão vida desportiva aos poucos jovens de quem depois é possível empresarialmente colher rendas económicas extraordinárias sobre a valia desportiva criada a montante. As políticas públicas têm olhos para os empresários de sucesso descurando a estrutura federada e a sua regulação pública o que contraria o Modelo de Desporto Europeu.
Não se conhece um português que seja um talento mundial criado por estes empresários de sucesso porque a sua labuta centra-se na apropriação de rendas económicas extraordinárias de atletas criados a montante. As políticas voltadas para o conforto dos empresários são estéreis do ponto de vista do Modelo de Desporto Europeu porque não massificam a prática desportiva pela população e, como demonstrado, o uso excessivo do critério lucrativo destrói o jovem atleta promissor como aconteceu com Vanessa Fernandes. Vanessa Fernandes estaria na altura dos Jogos de Pequim a gerar rendas de milhões de euros o que, sem o cuidado extremo que deveria ter havido, destruiu uma carreira que sendo estável no mais alto nível duraria uma dezena de anos e que ficou reduzida a um par de anos.
Na perspectiva empresarial a hipótese de irracionalidade da política nacional surge pela consideração que se Pinto da Costa, Jorge Mendes e João Lagos conseguem enriquecer com os poucos talentos gerados, então poderiam ter rendas económicas superiores se Portugal tivesse políticas desportivas segundo os princípios do Modelo de Desporto Europeu as quais se centram na massificação da prática desportiva nacional.
Urge um ponto de viragem cultural e civilizacional na afirmação por parte de Portugal de que o desporto é essencial para o seu futuro e usando como instrumentos testados de sucesso os do Modelo de Desporto Europeu.
In Público do passado dia 14/08/2015 (aqui).
O desporto português sofre um processo de defenestração económica e social pela irreflexão persistente das suas políticas nos últimos 20 anos. Desde antes da viragem do século houve um descrer e incompreensão sobre o desporto que levou ao tropeção no Euro 2004 que, por carência de princípios, conceito e de propósitos democráticos contribuiu para o esvaziar do sector e o impede de melhorar e progredir como a ciência, a cultura, o calçado, o turismo e outros sectores económicos e sociais conseguiram fazer a partir dos anos 90 do século XX.
A hipótese de Portugal não saber regular politicamente a produção dos seus atletas de alto rendimento observa-se em várias dimensões.
Portugal tem matéria-prima humana bastante e demonstrou que esse ingrediente gera capital humano físico e desportivo notável no seio do Modelo de Desporto Europeu (MDE). Com a matéria-prima humana portuguesa foram geradas estrelas de desporto planetárias que se tornaram incontornáveis beneficiando da oportunidade que terceiros lhes deram para o seu desenvolvimento potencial. Sem a acção de terceiros como o Manchester United é duvidoso que Cristiano Ronaldo alcançasse a primazia global.
O facto em que se observa que Portugal tem dificuldades no desenvolvimento e potenciação de talentos é o caso de Vanessa Fernandes que foi prejudicada por erros de desenvolvimento da sua valia de campeã e estrela do desporto e a esgotaram num ápice. Vanessa Fernandes desapareceu para o desporto e quando isso aconteceu a governança desportiva do país foi incapaz de olhar para trás, analisar criteriosamente o que se tinha passado e daí retirar ilações quer para recuperar a Vanessa Fernandes dos erros perpetrados, quer para evitar que outros sofressem dos mesmos percalços.
A hipótese de Portugal não estar a aproveitar o capital humano potencial que possui com 10 milhões de habitantes é demonstrável estatisticamente. A produtividade da conquista de medalhas nos jogos olímpicos é mais elevada nos países europeus com 20 milhões de habitantes ou populações mais pequenas e que produzem 1 medalha por 500 mil habitantes. Portugal o melhor que conseguiu foram 4 medalhas nos Jogos Olímpicos de Atlanta em 1996 quando conseguiu 4 medalhas alcançando a produtividade de 1 medalha por 2,5 milhões de habitantes. Ou seja, os indicadores de produtividade dos países iguais e mais pequenos do que Portugal mostram que a matéria-prima humana para a criação de campeões desportivos são mais comuns do que a busca de talentos “à Ronaldo”.
De acordo com o Expresso, 21jun2015, um treinador de futebol português na Noruega, um dos tais pequenos países que conquista mais medalhas do que Portugal, disse que tinha uma turma de 600 alunos e que se fosse em Portugal tinha uma turma de 100 talentos. Ou seja, Portugal desperdiça jovens na procura de talentos, não sabendo reconhecê-los ou não querendo esperar o tempo certo para dar valor a cada jovem que passa pelo desporto.
O sistema de ensino nacional tem uma matéria-prima de cerca de 2 milhões de jovens em idade escolar e dá actividades a menos de 20% e este valor é tratado há décadas com ‘normalidade’ o que demonstra a ineficácia das políticas e dos parceiros nacionais que não compreendem que a actividade desportiva regular é para toda a população, independentemente do usufruto do que cada um depois faz com ela.
Insista-se que, por exemplo, a riqueza de Pinto da Costa, Jorge Mendes ou João Lagos apenas é possível porque antes deles estão as estruturas federadas e os clubes de bairro que dão vida desportiva aos poucos jovens de quem depois é possível empresarialmente colher rendas económicas extraordinárias sobre a valia desportiva criada a montante. As políticas públicas têm olhos para os empresários de sucesso descurando a estrutura federada e a sua regulação pública o que contraria o Modelo de Desporto Europeu.
Não se conhece um português que seja um talento mundial criado por estes empresários de sucesso porque a sua labuta centra-se na apropriação de rendas económicas extraordinárias de atletas criados a montante. As políticas voltadas para o conforto dos empresários são estéreis do ponto de vista do Modelo de Desporto Europeu porque não massificam a prática desportiva pela população e, como demonstrado, o uso excessivo do critério lucrativo destrói o jovem atleta promissor como aconteceu com Vanessa Fernandes. Vanessa Fernandes estaria na altura dos Jogos de Pequim a gerar rendas de milhões de euros o que, sem o cuidado extremo que deveria ter havido, destruiu uma carreira que sendo estável no mais alto nível duraria uma dezena de anos e que ficou reduzida a um par de anos.
Na perspectiva empresarial a hipótese de irracionalidade da política nacional surge pela consideração que se Pinto da Costa, Jorge Mendes e João Lagos conseguem enriquecer com os poucos talentos gerados, então poderiam ter rendas económicas superiores se Portugal tivesse políticas desportivas segundo os princípios do Modelo de Desporto Europeu as quais se centram na massificação da prática desportiva nacional.
Urge um ponto de viragem cultural e civilizacional na afirmação por parte de Portugal de que o desporto é essencial para o seu futuro e usando como instrumentos testados de sucesso os do Modelo de Desporto Europeu.
Fernando Tenreiro
Economista
segunda-feira, 24 de agosto de 2015
"Tudo o que George Orwel imaginou no livro 1984 já foi ultrapassado pela realidade"
(imagem recolhida aqui) |
"Tudo o que George Orwel imaginou no livro 1984 já foi ultrapassado pela realidade."
Joseph Cannataci
(Relator das Nações Unidas para a Privacidade, The Guardian, 24 de Agosto de 2015)
Convido o leitor a ouvir uma notícia da Antena 1 da autoria de Inês Forjaz aqui:
O texto (baseado numa entrevista publicada no jornal The Guardian) é o seguinte:
"Todos os dias somos invadidos na privacidade por milhares de empresas que utilizam a internet como “rede” para apanhar gostos e hábitos pessoais. Um hábito que viola todas as práticas e privacidade que a convenção de Genebra assegura.A entrevista ao Relator das Nações Unidas a que a notícia se refere é Joseph Cannataci, professor das universidades de Malta e de Oslo.
A frase é do relator das Nações Unidas para o direito à privacidade que defende mesmo uma convenção de Genebra para controlar os perigos que a internet e a vigilância podem trazer. Os perigos são tantos que o direito à privacidade consagrado na atual convenção de Genebra não assegura nenhuma segurança aos cidadãos. Uma questão que levanta outra. Será que é necessário uma nova convenção de Genebra para a Internet . Existe quem defenda que sim para impedir que empresas e Governos deixem de se desculpar com a segurança para vigiar os cidadãos."
domingo, 23 de agosto de 2015
O ensino da poesia segundo Ilse Losa
Nesse tempo, não obstante as feridas deixadas por uma guerra passada e as que já se esperava que fossem abertas pela seguinte, o interesse pela especificidade da infância e pela renovação da educação das crianças era largamente partilhado por académicos e intelectuais. Não será por acaso que o século XX ficou conhecido como "o século da criança".
Ilse cedo revelou este duplo interesse, começando por se dedicar à tradução de literatura infanto-juvenil e, quase em simultâneo, à escrita, que inclui contos, teatro e poesia; o ensaio veio de seguida, Alguns textos, inscritos nesta categoria, estão reunidos no livro Nós e a criança (Porto Editora, 1980, 3.ª edição).
Desse livro transcrevo um texto - A poesia - (pp. 151-153) que julgo importante para os educadores que entendam proporcionar aos mais pequenos o contacto a poesia, literatura que, como se sabe, é da ordem da arte.
"Geralmente, as crianças tomam contacto com ela na escola. Aí o poema é desfolhado. analisado gramatical e metricamente. Em suma, muito mastigado. A criança não se apercebe da beleza nem do significado real do texto que acaba por se lhe afigurar repulsivo como a comida que não lhe apetece comer.
Lembro-me que numa escola que frequentei na Alemanha tivemos, em certa altura, de analisar, recitar, dividir em orações um longo poema de Schiller. Cheguei a ganhar-lhe tal aversão que, durante anos, não conseguia achar-lhe beleza nem aperceber-me do seu alto sentido. Só muito mais tarde, quando me dispus a revê-lo com calma e voluntariamente comecei a apreciá-lo.
De um modo geral, a criança não toma contacto com a pessoas se excluirmos o escasso contacto na escola. Ou então - e pior ainda - é domesticada por adultos «ambiciosos» como recitadora «profissional». Ouvi um menino de cinco anos recitar durante uma reunião de adultos. Agitava os braços, cruzava-os sobre o peito, movia as mãos em gestos bruscos e suaves, falava em voz fúnebre, comovida, e rematava com um grito final cheio de efeito. E quando disse «A menina gorda», soube muito bem ressaltar o ingrediente malicioso.
Ouvi também uma rapariguinha declamar sinistramente:
«Morreu. Deitadas no caixão estreito,
Pálida e loira, muito loira e fria...»
Perante estes Eusebiozinhos dos nossos dias apetece-me gritar: Não! Deus nos livre, assim não!
Para a criança, o poema pode significar alguma coisa como uma melodia, se lho apresentarmos como deve ser. Leiamo-lo, ou dêmo-lo a ler (isso depende da idade) e não façamos pressão sobre ela para gostar ou decorar. Talvez não compreenda, nos primeiros contactos, todo o sentido dos versos e se deixe apenas encantar pelo ritmo e pela cor. (Digo cor, porque não posso abstrair a cor da poesia, e a criança experimenta o mesmo.)
Proporcionemos-emos assim uma entrada voluntária no reino dos poetas, orientando-a apenas na escolha. Ela, depois, decorará os poemas de que mais goste.
Naturalmente, a criança em idade pré-escolar preferirá o poema adaptado ao seu mundo restrito.
Cabra-cega!
Cabra-cega!
Tudo ri
Mãos no ar
A apanhar
[de Afonso Lopes Vieira]
Bichinho-de-contaConta...
E o bichinho-de-conta
Contou
[de Sidónio Muralha]
Cavalinho, cavalinho
Que baloiça e nunca tomba:
Ao montar o meu cavalinho
Voo mais do que uma pomba!
[de Matilde Rosa Araújo]
Gosta de ouvir repetidas vezes e, quase sem dar por isso, decora-o. Contudo, não me parece condenável ler mesmo a esta criança de idade pré-escolar um poema feito para «gente grande», logo que não seja complicado. Há poesia simples e clara, perfeitamente acessível como:
Tinha um cravo no meu balcão;
Veio um rapaz pedir-mo,
- mãe, dou-lho ou não?
[de Eugénio de Andrade]
Pescador da barca bela
Onde vais pescar com ela
Que é tão bela,ó pescador?
[de Almeida Garrett]
A criança escuta, talvez, como escuta o murmúrio dum ribeiro, ou o canto dos pássaros, ou um techo de música. E um ou outro poema ficará registado na sua memória e se, mais tarde, deparar com ele, isso será um grande regresso ao lar.
O lápis as tintas são um meio de expressão mais fácil; mas há crianças que se exprimem «em versos». Assim, uma rapariga de onze anos escreveu:
Chegou a Primavera
Chegou a Primavera
Já não é como era
Chegou a Primavera.
Chegou a alegria
A pombinha voltou
O rouxinol cantou.
As nuvens fugira
O Sol brilha mais
Eu também sou da natrureza
Agora canto mais.
(...)A Primavera voltou
Chegou a Primavera.
Chegou!
"O eu digital"
No passado dia 12 de Junho a Fundação Francisco Manuel dos Santos promoveu uma conferência internacional sobre o impacto social das novas tecnologias.
O seu título, com nítida inspiração em Aldous Huxley e Albert Einstein, não pode deixar de nos interrogar a todos e a cada um: Admirável mundo novo: o futuro chegou cedo demais?
De entre as diversas palestras que concretizaram a mencionada conferência destaco a que foi designada por O eu digital, pelo facto de nela se terem abordado questões que me são particularmente caras, com destaque para a das fronteiras e da relação entre os espaços "intímo", "privado" e "público".
Nessa palestra participou Evgueni Morozov, cuja intervenção, para a questão, é de um enorme interesse (aqui.). Faço a mesma consideração para a entrevista que deu (aqui).
O seu título, com nítida inspiração em Aldous Huxley e Albert Einstein, não pode deixar de nos interrogar a todos e a cada um: Admirável mundo novo: o futuro chegou cedo demais?
De entre as diversas palestras que concretizaram a mencionada conferência destaco a que foi designada por O eu digital, pelo facto de nela se terem abordado questões que me são particularmente caras, com destaque para a das fronteiras e da relação entre os espaços "intímo", "privado" e "público".
Nessa palestra participou Evgueni Morozov, cuja intervenção, para a questão, é de um enorme interesse (aqui.). Faço a mesma consideração para a entrevista que deu (aqui).
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
MATEMÁTICA LUSA
Informação recebida do Museu da Ciência de Coimbra:
CIEMELP 2015 - CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DO ESPAÇO MATEMÁTICO EM LÍNGUA PORTUGUESA
AS MÚLTIPLAS FORMAS DE FAZER E COMUNICAR A CULTURA MATEMÁTICA EM LÍNGUA PORTUGUESA
A I Conferência Internacional do Espaço Matemático em Língua Portuguesa – I CiEMeLP realizar-se-á no Departamento de Matemática da Universidade de Coimbra e no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, de 28 a 31 de outubro de 2015.
O Espaço Matemático em Língua Portuguesa – EMeLP é uma organização internacional, filiada à International Commission on Mathematical Instruction – ICMI, que congrega os países e comunidades de língua portuguesa, e visa ao intercambio de projetos, ações e iniciativas em ensino de matemática, matemática interdisciplinar, divulgação da matemática e manifestações culturais matemáticas.
O Espaço Matemático em Língua Portuguesa – EMeLP é uma organização internacional, filiada à International Commission on Mathematical Instruction – ICMI, que congrega os países e comunidades de língua portuguesa, e visa ao intercambio de projetos, ações e iniciativas em ensino de matemática, matemática interdisciplinar, divulgação da matemática e manifestações culturais matemáticas.
NOVIDADES DE AGOSTO DA GRADIVA
Livros de Agosto da Gradiva (informação recebida da editora):
Quinto Túlio Cícero
Como Ganhar Eleições
Um Guia Clássico para Líderes Actuais
No espírito de O Príncipe, de Maquiavel, esta obra é um guia descaradamente pragmático sobre a arte da política pessoal . Em 64 a. C., quando Marco Cícero se candidatou ao cargo de cônsul, o seu irmão Quinto decidiu que ele precisava de conselhos práticos sobre a forma de conduzir uma campanha eleitoral bem‑sucedida. Marco ganhou. Um livro tão relevante e actual hoje como quando foi escrito!
«Gradiva Breve», n.º 4, 112 pp., €8,50
Glenn Murphy
Evolução - Toda a História da Vida na Terra
O que é a vida? Esta é uma pergunta difícil, à qual muitos teriam dificuldade em responder. Para Glenn Murphy é o ponto de partida neste livro focado na evolução, que prova que traçar a história da vida desde os tempos ancestrais pode dar resultados surpreendentes. Esta obra, do mesmo autor de Porque É Que o Ranho É Verde?, apresenta perguntas e respostas, num estilo rigoroso e simples, capaz de conquistar qualquer jovem leitor.
«Gradiva Júnior», n.º 149, 172 pp., €10,00
A ERA DO DESLUMBRAMENTO
Como a geração romântica descobriu a beleza e o temor da Ciência
A Gradiva comemora a publicação do número 100 da colecção «Trajectos» com a edição especial de uma obra singular.
A Era do Deslumbramento é um livro único, de história e de história da ciência, que venceu o Prémio da Royal Society. Segundo o próprio autor, o reputadíssimo Richard Holmes, «é uma corrida de estafetas de histórias científicas, que se interligam para explorar a narrativa histórica mais abrangente» de uma época. Incide sobre a revolução científica que teve início na Grã-Bretanha no final do século XVIII e produziu uma nova visão da ciência e do mundo.
Esse período romântico é, de uma forma simbólica, balizado por duas célebres viagens de exploração: a expedição de circum‑navegação do capitão James Cook a bordo do Endeavour, em 1768, e a viagem de Charles Darwin às ilhas Galápagos, a bordo do Beagle, em 1831. Essa é a A Era do Deslumbramento, que trouxe intensidade imaginativa e carácter empolgante ao trabalho científico. Esta manifestou-se, entre outros aspectos, pela ligação das descobertas a personalidades individuais.
Richard Holmes é um excelente contador de histórias e, por isso, trata as teorias focando-se nas pessoas. Apresenta e reflecte sobre as várias questões da ciência, mas tudo se traduz no fim, afinal, numa narrativa admirável de histórias humanas empolgantes e factos históricos decisivos. Richard Holmes capta o pulsar das descobertas científicas e o sentimento dos homens que as realizaram, reconstituindo o contexto dessa época tão marcante no percurso da aventura humana.
Considerado o Melhor Livro do Ano para o New York Times Book Review, A Era do Deslumbramento é uma obra de grande fôlego, informativa e de leitura compulsiva, acessível e cativante.
A Era do Deslumbramento é um livro único, de história e de história da ciência, que venceu o Prémio da Royal Society. Segundo o próprio autor, o reputadíssimo Richard Holmes, «é uma corrida de estafetas de histórias científicas, que se interligam para explorar a narrativa histórica mais abrangente» de uma época. Incide sobre a revolução científica que teve início na Grã-Bretanha no final do século XVIII e produziu uma nova visão da ciência e do mundo.
Esse período romântico é, de uma forma simbólica, balizado por duas célebres viagens de exploração: a expedição de circum‑navegação do capitão James Cook a bordo do Endeavour, em 1768, e a viagem de Charles Darwin às ilhas Galápagos, a bordo do Beagle, em 1831. Essa é a A Era do Deslumbramento, que trouxe intensidade imaginativa e carácter empolgante ao trabalho científico. Esta manifestou-se, entre outros aspectos, pela ligação das descobertas a personalidades individuais.
Richard Holmes é um excelente contador de histórias e, por isso, trata as teorias focando-se nas pessoas. Apresenta e reflecte sobre as várias questões da ciência, mas tudo se traduz no fim, afinal, numa narrativa admirável de histórias humanas empolgantes e factos históricos decisivos. Richard Holmes capta o pulsar das descobertas científicas e o sentimento dos homens que as realizaram, reconstituindo o contexto dessa época tão marcante no percurso da aventura humana.
Considerado o Melhor Livro do Ano para o New York Times Book Review, A Era do Deslumbramento é uma obra de grande fôlego, informativa e de leitura compulsiva, acessível e cativante.
«Trajectos», n.º 100, 706 pp., €25,00
O regresso de Philip Marlowe, o detective lendário de Raymond Chandler.
Benjamin Black
A Loura de Olhos Negros
Ela
não é uma loura qualquer: é Clare Cavendish, herdeira de uma fortuna
construída no mundo dos perfumes. Ele não é um detective qualquer: é
Philip Marlowe. Sim, o lendário personagem de Raymond Chandler. O
resultado é uma narrativa recheada de mistério que oferece uma leitura
imparável, ou não fosse Black um talentoso escritor, capaz de recriar
Marlowe de modo soberbo.
«Entre Crimes», n.º 3, 356 pp., €144,50
Fred Waitzkin
O Mercador de Sonhos
Realista
e intensa, esta é uma obra de leitura vívida. Tendo uma escrita
detalhada, cada história é um passo para compreender os personagens. No
centro está Jim, um vendedor incomparável. Nasceu pobre, tornou‑se
fabulosamente rico, até ser revisitado pela pobreza perto do fim da
vida. Já gasto pela idade e pelo passado, conhece Mara, uma bela jovem
israelita com pretensões próprias. Ambição, erotismo, decadência, morte e
esperança estão aqui reunidos.
«Gradiva», n.º 157, 380 pp., €14,90
Os "clássicos" devem ser para todos
Referência aqui |
In my personal utopia, all citizens could study Ancient Greek,
Latin and every other subject, free of charge, at any time.
But in 21st-century Britain, Ancient Greek ‘A’-Level, available
at hardly any state-sector schools, marks money and privilege.
It also, embarrassingly, gives the few hundred privately educated
teenagers who take it a queue-jumping ticket to the ruling class.
Greek (and/or Latin) ‘A’ Level, solicitously taught, gives them
a better chance of getting into Oxbridge than any other subject.
(Edith Hall)
Edith Hall, classicista inglesa, defense convicta e empenhadamente que a cultura e línguas clássicas têm de ser ensinadas na escola pública. Ao longo do percurso académico, todos devem ter acesso a elas. Reconhece, porém, que não é isto que acontece, pois estão, efectivamente, reservadas a uns poucos privilegiados.
Esta situação constitui um verdadeiro "apartheid", que impedir "transcender" as classes sociais e económicas.
Esta situação constitui um verdadeiro "apartheid", que impedir "transcender" as classes sociais e económicas.
Nota, além disso, que a exclusão dos currículos escolares de matérias que revelam a civilização ocidental, dificulta a compreensão de ideias preciosas (como a liberdade, a democracia ou a cidadania) que fazem parte da nossa identidade e assim devem continuar. Trata-se de ideias que não se reduzem a palavras ligeiras e recorrentes nos discursos quotidianos; pelo contrário têm uma longa história, há pensamento e coragem que lhe estão associados.
A sua "utopia pessoal" é levar o sistema educativo britânico a fazer mudanças no ensino da cultura e as línguas clássicas. Mas como? Hall avança algumas propostas:
1) Em primeiro lugar, é preciso reconhecer o valor educativo desse ensino, no que se prende com a preparação intelectual para a universidade ou "simplesmente" para a vida interior de cada um, e para a vida em comum. Em paralelo, fazer "campanha" em favor da sua introdução no currículo escolar;
2) Apurar os melhor métodos de ensino. Os mitos, a gramatica, a arte, a filosofia, a leitura... tudo pode ser ensinado com os métodos, divertidos ou não, que hoje se consideram adequados;
3) Fazer pressão junto dos poderes políticos e académicos para que se mantenham (e se recuperem) cursos superiores dedicados ao conhecimento clássico e para que outros cursos integrem esse conhecimento;
4) Aumentar o reduzido número de professores de cultura e línguas clássica através de uma formação de qualidade. Encorajar, também, os que já se encontram no sistema para que persistam no ensino para o qual foram formados. Levar, além disso, levar os professores de outras disciplinas - inglês, história, línguas modernas - a adicionar o saber clássico ao seu repertório profissional.
Sobre este assunto, poderá ler:
Blog "The Edithorial": Classics and Educational Apartheid
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