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domingo, 8 de julho de 2012

…pedagogos tão mansinhos, tão inteligentes, com aqueles olhos vivos, a perceber tudo… parecem pessoas: só lhes falta falar

ou

Monotrémato II: o regresso das Metas Curriculares de EV

Um recente texto de José Batista da Ascenção, no De Rerum Natura, veio instalar-se à minha frente um dia depois de uma conversa telefónica com uma colega que, como eu, acabara de classificar exames onde predominam as negativas.

O que é que se passou, de há uns anos para cá? Porque é que gente do mesmo país, com matérias semelhantes, na mesma idade e grau de ensino—deixou de perceber? Deixou de aprender?

O colega Batista da Ascenção avança com umas quantas razões que, no seu entender—em Biologia e Geologia—, explicam o descalabro.

Pode bem ter razão.

Eu, que não sou da mesma área, também ouço explicações equivalentes dos professores de Geometria Descritiva. Há uma em comum: a falta de domínio da Língua Portuguesa.

Mas revolvo-me sempre com uma ideia que não se afasta do meu caminho: que era que os alunos de Geometria Descritiva sabiam nos anos 1980-2000 (digamos), que agora já não sabem? E o que foi que veio, progressivamente, a perder-se?

Porque as razões externas terão uma quota-parte da responsabilidade, e peso nas explicações. Mas entendo que são um conjunto muito complexo para uma coisa muito simples, fazendo lembrar aquelas pessoas que, apanhadas numa falta qualquer, juntam três ou quatro justificações, num conjunto suspeito, de preferência à revelação, direta e cândida, do motivo da falta.

Sei, de Biologia e Geologia, o suficiente para distinguir entre um pedagogo e a limonite: os pedagogos facilmente cristalizam; a limonite é amorfa. Mas muito mais não sei.

Vou, com a devida vénia ao colega Batista da Ascenção, falar de Educação Visual, de Geometria Descritiva, e de coisas afins.

A Geometria Descritiva é uma disciplina atualmente ministrada entre o 10.º e o 11.º ano. É alimentada por uma dieta de contornos difusos que tem dado (principalmente) pelo nome de Educação Visual, mais ou menos Tecnológica, de critério pouco variado entre o 5.º e o 9.º ano.

Vamos ver: a predominância das práticas curriculares é a das piores casas de pasto: a quantidade substitui a qualidade. O termo é «farta-brutos». A ignorância do que são miúdos entre os 10 e os 15 anos acompanha, sublinhando o potencial de indigestão: gestalt de coentrada, como oferta (uma gentileza da casa), sopinha semiológica, espessa e condimentada com exagero de indecisão paradigmática, caldeirada taxinómica de áreas de exploração, à discrição, e conteúdos refritos em óleo rançoso de integração das aprendizagens. Tudo regado com uma pinga lá da terra (qual terra?!), de experiências diversificadas, feita a martelo na mesma cave que fez esta ementa e o dossier de turma e, provavelmente, o projeto educativo do estabelecimento. Como sobremesa, à beira da náusea generalizada, um molotoff de tarefa facultativa. Bagaço e bicas para todos.

Vou dar dois ou três exemplos de conteúdos (facultativos) e sugestões (ad libitum). Um: a estruturação do saber pressupõe, em cada professor, o conhecimento dos programas das outras disciplinas; para quê? para estruturar o saber num todo coerente; coerente com quê, já que ficamos com conselhos de turma de generalistas? Deus sabe. Outro, só por piada: compreender que a forma, o peso, o material, das coisas que cria ou escolhe para o servir, deve adequar-se à medida e à forma do corpo e à maneira de as utilizar (aqui se explica uma geração de calças descaídas: é por opção de rebelião antigravítica; a forma serve a função da revolta—opção pós-moderna, ora bem!). Mais um: utilização de instrumentos de medida como o dinamómetro ou o pirómetro; aqui? aqui!: parece que é assim. O delírio é total, mas não vou entrar em pormenores: os textos dos programas estão aí.

As crianças embucham com tanta comunicação, energia, espaço, estrutura, forma, geometria, luz/cor, material, medida, movimento, trabalho, em tanta área de exploração como alimentação, animação, construções, desenho (ah, pois: também!), fotografia, horto-fruticultura (juro!), impressão, modelação/moldagem, pintura, recuperação/manutenção de equipamentos, tecelagens e tapeçarias, vestuário.

Pasme-se: e isto é só o 2.º ciclo. Claro que o 3.º ciclo repete o dislate, e amplia-o.

O que é que fica de fora? Pfff!: só nicas sem interesse de maior: os alunos chegam ao 10.º ano de Geometria Descritiva (ou Geometria Descritiva mais o Desenho, se forem para Artes), sem saberem nada de desenho geométrico básico—ou de desenho. Mas com uma educação.

Segundo um grupo de trabalho de projeto de que é responsável a professora Margarida Afonso (Instituto de Educação da Universidade de Lisboa), não se percebe o que está o 2.º ciclo a fazer no ensino das Ciências. Eu acrescento, da minha experiência de anos recentes de professor de turmas do 10.º ano: também não entendo o que estará fazendo o 3.º ciclo… E junto as Artes às Ciências. Sugiro ao Leitor que consulte KLAHR, David [et al.]—O Valor do Ensino Experimental. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011: é aí que encontra o texto da equipa da professora Margarida Afonso.

Passo a explicar a minha observação azeda sobre o 3.º ciclo: é de toda a conveniência que alunos que vão frequentar a disciplina de Geometria Descritiva saibam dividir um ângulo em 2 partes iguais; ou uma circunferência em 5; saibam que os ângulos inscritos numa circunferência medem metade da amplitude do arco compreendido entre os lados; ou que a altura de um sólido é medida na perpendicular do plano da base; o que é concordância; e uma tangente, é o quê?; e curvas cónicas? Santo Deus, bom, bom, era que soubessem tirar paralelas com régua e esquadro!

Ora: isso, em geral, não acontece.

É de igual conveniência que os que vão frequentar Desenho tenham ideia de como proporcionar um desenho à vista dentro do retângulo da folha de papel; ou lançar as linhas gerais desse desenho à vista, registando convenientemente as perceções. Ou que vão mais longe, em composição, do que enfiar um boneco em cada canto e mais outro no centro da folha. Que tenham alguma experiência da manipulação fina dos meios riscadores. Que conheçam rudimentos de composição cromática.

E, novamente: isso não acontece.

Então, que acontece? Que os pré-requisitos da Geometria, do traçado, do Desenho, não foram, se não mencionados, pelo menos treinados. Os alunos chegam ao secundário, depois de todo aquele forrobodó gastronómico, sem saber desenhar da forma mais básica.

Saberão outras coisas? Não: tudo o resto, aquele programa ambicioso que pretende (desde a unificação dos anos 1970) transformar meninos em sociólogos, antropólogos, críticos de arte, designers, ambientalistas, modistas, arquitetos, filósofos e mais meia dúzia de coisas indispensáveis—logo a partir dos 10 aninhos—, aquele programa é, como muitas outras jogadas das «novas pedagogias», idiota!

Então que se passa com os meus alunos de GD que já não é o que se passava há 30, ou há 10 anos? Passa-se que não aprenderam muito que lhes seria útil. E os de Desenho? A mesma coisa. É por isso que baqueiam: chegam em estado de tábua rasa ao 10.º ano, e têm, num tempo recorde, de aprender—e treinar—tudo aquilo que ninguém lhes ensinou, nem praticaram; desenhar e ver no espaço requerem muita—mas muita—prática, e perderam os 5 anos precedentes em ociosidades.

Sou professor do ensino secundário há imenso tempo: isto significa que dei aulas, com regularidade, a turmas de 7.º, 8.º e 9.º, quando as escolas tinham os ciclos juntos. Sei, portanto, precisamente do que estou a falar: vi substituir um bom programa de Betâmio de Almeida, de cerca de 1970, pelas patetices todas que, entretanto, frutificaram.

O que se prepara de novo, então, com estas Metas Curriculares que o Ministério da Educação e Ciência pôs em discussão pública?

Nada!

Fiquei desesperado com o que li das de Educação Visual, na página respetiva do site do MEC.

Aqui acrescento um breve comentário:

O texto está estruturado por anos (do 5.º ao 9.º); tem 4 domínios principais, de contornos nem sempre claros: Técnica, Representação, Discurso e Projeto. Enfim, é típico: quem não sabe muito bem porque faz aquilo que faz, junta-lhe um título vago. É o pedagogês visto do ângulo que mais o favorece. Mas isso é o menos. O que é grave é a incompetência etária, e a trapalhada de conteúdos. Nem o final, que acrescenta exemplos de exercícios, salva o ensaio.

O impulso é irremediavelmente bissexto. Vasculhemos o que se prevê de linguagem básica da Geometria, já que isso foi mencionado lá atrás: começa-se com um módulo de desenho básico no 5.º ano (paralelas e perpendiculares, polígonos, divisões de linhas); pausa; volta-se à ação no 7.º (retas complanares, bissetriz, tangentes e concordâncias sortidas—incluindo ovais, arcos, etc., e planificação de sólidos); pausa; e, novamente no 9.º, volta-se a pegar no material de desenho rigoroso para brincar às axonometrias e à perspetiva cónica. O 6.º e o 8.º tiram-se para descansar, e não chatear. Fim.

A elipse, nem no país das maravilhas; das curvas afins, resultantes de secções da superfície cónica, nada. São complicadas. Tem de perder-se muito tempo, e não dá: no 9.º ano há que estudar—imagine-se!—o mecanismo da visão; já que, nas Ciências Naturais, estarão, muito naturalmente, a estudar Francisco Rodrigues Lobo, por causa da questão do lobo ibérico; e têm de ser abordados princípios básicos da engenharia e da sua metodologia (inclui a distinção e análise dos vários tipos: a química não é a civil; a aeronáutica não é a eletrotécnica…), para logo «desenvolver soluções criativas no âmbito das casas portáteis, aplicando princípios básicos de engenharia (habitações nómadas; sistemas construtivos flexíveis e mutáveis; eficiência energética; tecnologia; etc.)».

Desenvolver soluções criativas no âmbito das casas portáteis? E não se mencionam as curvas cónicas? Um aluno de 13 anos ainda não consegue desenhar decentemente uma cadeira (nem falemos num rosto!), mas analisa e interpreta «a importância da imagem publicitária no quotidiano»?

Mas, meus senhores: qualquer faculdade de arquitetura que se preze não fará esse golpe tacanho das casas portáteis a alunos seus do 1.º ano!—e aqui estamos no ensino básico…

Se queremos ensinar algo valioso a estes alunos, ensinemos a registar perceções (também dá pelo nome de desenho à vista, e é insuperavelmente formativo); ensinemos regras e traçados geométricos de base, fazendo e refazendo; ensinemos a compor com elementos formais e cromáticos, e a manipular qualidades formais, interações complexas e processos narrativos com esses elementos, utilizando com critério uma pequena variedade de materiais; visitemos Arte, e comparemos, sem privilegiar épocas, nem destruir cronologias. Ano após ano, progressivamente, introduzindo primeiro o mais fácil, depois o mais difícil, sem hiatos, não deixando nada para trás. Nada abandonando. Há que conquistar tudo isto, com aplicação, com trabalho.

A análise e a síntese, a visão integradora da ossatura da forma a estruturar o conhecimento, as relações profundas entre essa forma e a função, a alimentação do sentido crítico, a germinação de uma cidadania interventiva e duma mundivisão redentora—sem saber desenhar a cadeira?

Sem saber nada de jeito?

Os visionários que congeminaram estas orientações tiveram, possivelmente, a fortuna de aprender a desenhar a cadeira na altura certa. Agora, puxem pela memória, recordem qual era a infinita superioridade, quando tinham 11 anos, do seu «sentido crítico no âmbito da comunicação, através do reconhecimento dos elementos do discurso e do seu enquadramento na mensagem». Ou qual era a profunda avidez por estes luxos que lhes tornou a infância árida, e frustrante a progressão.

O sentido crítico que se quer injetar, à força, nos alunos destas idades, vem aos poucos, com os conhecimentos, com as aptidões que forem praticadas e integrarem esses conhecimentos, com o métier. Não surge do nada, aos 11 anos, no 6.º ano de escolaridade, a acompanhar o estudo de elementos da teoria da Gestalt (o que quer que ela valha). Ou aos 13, no 8.º, a acompanhar o cursinho de Semiologia para totós. Estas Metas Curriculares nada acrescentam: permanece o caos.

Haja bom senso, e poderá haver ensino!

E sucesso, por acréscimo.

António Mouzinho

P.S.: contas são contas: não julgue que sou ingrato, ó José Batista da Ascenção; não fazia ideia da aplicação do termo «pensar» à alimentação de cavalgaduras e agradeço, divertidíssimo, a informação. Começo a meditar nisso seriamente: o que será que comem os ornitorrincos?

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Biologia e geologia: os programas, o ensino e os exames transformados num problema

Texto que recebemos há quase um ano do nosso leitor José Batista da Ascenção e que muito agradecemos. Publicamo-lo sem alterações porque (infelizmente) permanece actual.

Desde a época de 2005-2006, os exames de biologia e geologia tornaram-se um quebra-cabeças para alunos e professores, com resultados muito abaixo do que era comum antes disso. O que se terá passado? Os professores são praticamente os mesmos, e com eles aprenderam muitos médicos, bioquímicos, farmacêuticos, analistas, investigadores, etc, que são hoje profissionais competentes ou mesmo brilhantes. Por outro lado, os alunos não ficaram repentinamente diminuídos de então para cá. Se os professores não se tornaram subitamente incompetentes nem os alunos ficaram estúpidos, o que mudou então? E as coisas até se agravam se se pensar que se tornou habitual, a meio do ano, o ministério disponibilizar testes intermédios, da mesma tipologia dos exames, numa acção que bem pode dar razão aos que entendem ser criticável um certo adestramento com vista à realização de provas.

Ora, não havendo efeitos sem causas, razões há-de haver para explicar tais resultados. Razões que não têm sido discutidas, salvo a repetida necessidade de formação de professores. Formação a que os docentes se sujeitam, mas que, pelos vistos, está longe de corresponder aos objectivos. Este ano, por exemplo, houve formação específica para professores classificadores, em que formadores e formandos honestamente se aplicaram, mas que não resolvem os problemas a montante.

Em meu entender, as razões são muitas. Entre elas:

A nível do ensino secundário, a disciplina de biologia e geologia devia ser desdobrada em duas. E competiria aos alunos e seus encarregados de educação escolher uma ou ambas consoante os seus planos futuros. Naturalmente, qualquer aluno, no final do secundário poderia autopropor-se a exame, independentemente de estar matriculado ou não. Como as coisas estão apouca-se a geologia, que parece andar a reboque da biologia, e limita-se a biologia, que não pode estudar-se como devia, por condicionalismos de tempo e horário. Hoje, muitos alunos odeiam a geologia, porque a vêm como obstáculo a que possam entrar em medicina. É triste, e era escusado. Em contrapartida, há, embora menos, alunos que gostam de geologia (por exemplo filhos de geólogos) que passam dois anos pouco entusiasmantes, a abordá-la pela rama. O que é pena.

Os programas. Dominados por teorias diversas, os programas são uma dor de cabeça para os professores, porque fazem doutrina e não especificam o que deve ser ensinado. De modo muito resumido, costumo dizer que o programa da parte de biologia do ano I (normalmente o décimo ano) mais parece ter sido feito para impedir que os alunos aprendam e que os professores consigam ensiná-los. Tal é a profusão de temas, sem sequência lógica, relação ou articulação, abordados a correr e simplificados de modo por vezes caricatural. E dói, dói muito a um professor ter que “ensinar” aquilo que sabe que os alunos não podem, mesmo que queiram - e alguns querem muito - aprender.

O domínio da língua portuguesa. Como se sabe, os alunos revelam cada vez mais dificuldades no uso da língua. Claro que há uma fracção deles (20-30%?) que não sofrem desse mal, mas grande parte, se não a maioria, não entendem bem o que lêem e alguns, cada vez mais, não compreendem mesmo o discurso dos professores nas aulas. É um problema terrível…

Os exames têm sido concebidos dentro de um certo padrão, com algumas variações. Devemos questionar-nos sobre se este tipo de exames é o mais adequado para testar os conhecimentos dos alunos. A começar… pela linguagem. Na realidade, os exames apresentam quatro grupos de questões que se iniciam por um texto longo, deliberadamente críptico, nem sempre bem redigido. Por exemplo, no texto do grupo I, do exame mais recente, em três parágrafos diferentes, ao correr do texto, escreve-se “obter Li”, “tratamento do Li”, “fornecedor de Li”, quando se devia ter escrito “obter lítio (Li)”, “tratamento do lítio (Li)”, “fornecedor de lítio (Li)”. Parecem pormenores, mas são o suficiente para alguns alunos passarem a escrever “li”, agora com minúscula, referindo-se-lhe como “o li”… Outro exemplo, no exame da 1.ª fase deste ano, na introdução à última pergunta do grupo IV, bastaria ter-se começado pela segunda parte e passando a primeira para o fim, e, estou em crer, muito mais alunos teriam dado uma explicação completamente correcta à questão.

A extensão. O último e o penúltimo exames estendem-se por dezasseis (!) páginas. Isto permite um bom espaçamento entre as questões. Mas há páginas em branco (duas em cada) que são um desperdício acrescido. Nas escolas, por razões de economia, não podemos usar mais de cinco ou seis páginas em cada teste. E, para saber se um aluno sabe, não se justifica tamanho esbanjamento. Para além da carteira, o ambiente agradecia.

Erros não assumidos nem corrigidos. Exemplos:

- A pergunta 2 do Grupo II do exame da 1.ª fase deste ano propõe a escolha de uma opção correcta de entre quatro, em que três estariam, obviamente, erradas. Porém, e considerando a versão 1 da prova, se se atendesse ao que está escrito no texto, a resposta a escolher seria a (C), como estipulavam os critérios. Mas, se os alunos tomassem como referência o símbolo da legenda da figura 4 referente às “sequências [que incluem exões e intrões, parêntesis meu] que se tornam intrões”, então, (considerando a mesma versão) já fazia sentido escolher a opção (B), mais de acordo com o que é dito nas aulas, que vem nos manuais e que o programa não discrimina. Como alguns alunos fizeram, ingloriamente;

- Na prova da 1.ª fase, de 2010, a pergunta 2 do grupo III, exigia como certa, de quatro opções, relativas a métodos de datação radioactiva, uma das três que estavam erradas! Foi feito um alerta para este erro, que, não obstante, se manteve até final. Quem se chegou a pronunciar sobre essa situação específica, na sequência da intervenção de uma professora do ensino secundário, foi o Professor Carlos Fiolhais, neste mesmo blogue..
 

Perguntas em que se exige o contrário do que se recomenda no programa. Por exemplo, em matéria de ciclos de vida, no programa do ano II (normalmente o 11.º ano), página 10, “sugere-se, na medida do possível, a selecção de ciclos de vida simples, de seres conhecidos dos alunos (já estudados ou de habitats característicos da zona onde a escola se insere). Será fundamental que o professor seleccione construa e/ou adapte documentos apropriados aos seus alunos, nos quais os ciclos de vida se apresentem de modo simplificado no que respeita à identificação de estruturas morfológicas” (sic.), mas nos exames saem normalmente ciclos incomuns, com referência a estruturas muito específicas, de nomes particularmente esquisitos, e às vezes suportados em esquemas que deviam ter sido melhor adaptados, como aconteceu com o ciclo de vida do nemátodo do pinheiro (grupo III, da prova da 1.ª fase, em 2009), em que, em minha opinião, o esquema original, mesmo em inglês, era preferível, porque... mais claro e mais fácil de entender.

Perguntas que não fazem parte dos programas. Na pergunta 7 do grupo II, do exame da 2.ª fase de 2010, pede-se ao aluno que "explique em que medida as micorrizas contribuem para a prática de uma agricultura sustentável", sendo que há vários anos que as micorrizas deixaram de ser abordadas em qualquer programa de biologia do ensino secundário!

Os critérios de “correcção” são, por vezes, abstrusos, correspondendo mais à intenção ou imaginação(?) dos fazedores das provas do que a aspectos da resposta que os professores “correctores” julguem pertinentes, e com que, em certos casos, manifestamente discordam. Este facto é comum nas conversas entre professores classificadores, embora menos assumido do que o desejável em "letra de forma". Porém, quando o é, cai em saco roto, por imposição (e/ou indiferença) de quem manda.

Quem ganha o quê, com isto? Não havia necessidade…

José Batista da Ascenção

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

No caminho do çuçeço: 1.º episódio — os izames


Post convidado de António Mouzinho, professor do ensino secundário:

Num programa muito engraçado da TV-Globo que se chamava «Sai de baixo» a atriz Marisa Orth disse um dia uma frase que me ficou na memória: «Cê cêdilha u, cê cêdilha é, cê cêdilha ô: çu—çé—çô!». Penso que podemos aplicar ao ensino público nacional este tipo de meditação. Comecemos pelos exames:

A maior parte das críticas levantadas aos exames diz algo de parecido com: «os exames só avaliam um tipo de coisa; um aluno é mais do que isso» (com variantes: «o ensino não é só isso»; ou: «pretende-se formar cidadãos, e não máquinas de fazer exames»; ou...; ou...).

Bem, de facto, os exames têm limitações: são constituídos, tradicionalmente, por provas escritas programadas com muita antecedência, de âmbito frequentemente nacional, e de «lápis e papel». A imagem mais divulgada é que os alunos são sujeitos a um conjunto de perguntas impertinentes, de dificuldade variável de ano para ano, erros difíceis de prever e esquivar, arbitrariedades, pequenas traições, intervenções em graus imprevisíveis do fado, da sorte... dos «nervos».

O País espera, salivando, o jornal do dia seguinte, para poder aprovar ou desaprovar o teste... julgando-o com um sorriso sabedor.

Fala-se de exames como da pêra Rocha: bons e maus anos, boas e más colheitas.

Muitas das tendências dos últimos tempos vão no sentido de pensar que as escolas têm mais, é que fintar os efeitos dos exames através de certas práticas possíveis: criticá-los, oralmente e por escrito, junto da opinião pública, diminuindo o seu prestígio como ferramenta de avaliação; desvalorizar-lhes o impacto no confronto com as classificações internas da frequência (30% para os exames, 70% para a frequência); reduzir-lhes o âmbito pela diminuição das matérias que são objecto de avaliação (predominância do último ano de estudo); minar a importância dos chamados «rankings» das escolas, isto é, dos termos de comparação entre diferentes práticas de ensino em meios dissemelhantes.

Vejamos, então:

A crítica aos exames apoia-se em argumentos variados: a rematar um percurso escolar em que os alunos tomam contacto com uma grande variedade de matérias e situações, de fontes de conhecimento e de práticas de atuação, de geometrias de aprendizagem e de avaliação, o exame escrito, atuando sobre um aluno isolado — e quase só dependente da memória —, é insuficiente para poder julgar competências de forma equânime. A incidência em «conteúdos», após ciclos de trabalho centrados nas «competências», dá uma ideia falsa do estado real da evolução dos alunos. A situação excecional é, por si só, provocadora de tensões que podem anular o resultado do trabalho de vários anos em examinandos mais sensíveis. O ato único e decisivo é o contrário de uma vida escolar — mais tarde, também profissional — de experimentação, de tentativa e erro.

Soit... mas é igualmente verdade que um exame escrito nacional permite colocar milhares de pessoas em igualdade de circunstâncias. Depois, também é verdade que o esquema de pergunta-resposta permite aferir, indiferentemente das circunstâncias locais, se determinada mensagem passou — para, então, inquirir por que motivos isso aconteceu... ou não. Abre uma porta, portanto, para ajuizar, e comparar. As competências devem emergir de conhecimentos (a expressão inglesa, sistematicamente deformada em Português, é knowledge and skills); ou seja: o bom ensino não presume criar competências abstractas, pela simples razão de que isso não existe. Por outro lado, tensões não surgem, normalmente, em cabeças sabedoras, habituadas ao escrutínio. Os «nervos» são, na realidade, habituais companheiros da ignorância e da surpresa... coisas que o sistema tem a obrigação de obviar, prevenindo, preparando. Os atletas, os músicos, os médicos, os aviadores — muitos profissionais, ao fim e ao cabo — enfrentam pela vida fora atos únicos. Ninguém trepa a um andaime munido de uma profunda tolerância para com os rapazes da construção civil que montaram a jigajoga («se eles se enganaram, paciência... coitados, da próxima vez farão melhor...»). A vida não é assim.

A aritmética de que as notas de exame são já objecto (30% do valor da classificação final de um curso secundário) não necessita de mais desvalorizações. Todos os anos vemos alunos, em determinadas disciplinas, com 16 valores na classificação interna da escola, acabarem por sair aprovados com uma nota de 6 no exame: a «média» final dá 13. As escolas têm, de facto, toda a liberdade para fazer este tipo de contas, embora os alunos não possam usar a nota desta disciplina como específica no acesso a uma faculdade. Mas de facto, afinal, parece que os exames nem sequer são um teste de efeitos muito agressivos...

Depois, uma disposição com alguns anos empurra para a prateleira parte das matérias lecionadas. Alguns exames (os de disciplinas trianuais) apenas incidem sobre o último ano da matéria. Por exemplo, um aluno de História A (dos cursos científico-humanísticos de Línguas e Humanidades) pode ir a exame descansado, ignorante de tudo o que alguma vez soube sobre civilização greco-romana, ou sobre a génese da arquitetura gótica, ou as consequências do Século das Luzes. Essa matéria não vem para exame.

Por fim, quanto aos denominados «rankings» das escolas: admito que muito boa gente não sabe lidar com eles; admito que os critérios jornalísticos que os rodeiam nem sempre são muito esclarecidos — e, por consequência, esclarecedores. Os professores, no entanto, sabem bem o que fazer para os lerem sem equívocos, e só isso já é uma vantagem.

Ora se nos entretivermos a ler projetos educativos das escolas públicas colocadas, digamos, nos 50 ou 60 primeiros lugares, vamos contemplar um panorama comum a muitos deles: a tónica do ensino nessas escolas é posta na promoção do sucesso educativo, na valorização do saber, na cultura do esforço. Isto é dito sem rebuços em documentos pouco extensos, e claros.

Façamos as contas: se não restarem os exames nacionais, o que é que nos garante que alguma destas coisas é levada a sério?

(Não perca o próximo episódio do folhetim «No caminho do çuçeço», sobre responsabilidade pedagógica).

António Mouzinho

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Contra estes exames

O texto que se segue foi-nos enviado pela leitora Maria Paula Lago, professora e também investigadora nas áreas da Teoria da Literatura e da Língua e Literatura Portuguesas. Agradecemos a sua contribuição na análise de uma temática que urge ser repensada a nível nacional.

Sempre fui a favor do rigor no sistema de ensino; o contrário apenas leva, como aliás acontece nos dias de hoje, a que a escola reproduza os mecanismos de selecção social: quem pode, pode, e sabe, seja qual for a escola em que esteja matriculado; quem vem de baixo não tem qualquer hipótese de aceder, pela via do conhecimento, a um patamar superior. No entanto, face à súbita maré de rigor que mediaticamente se abate sobre o nosso sistema de ensino, face a afirmações e coincidências que, embora estranhas, não são de todo surpreendentes, sou, abertamente, contra os exames.

No que toca às afirmações, sou contra os exames que, mais do aferir transversalmente conhecimentos, servem como veículo mediático de proposições insondáveis – ou demasiado transparentes, se tomadas por um outro prisma. Ao afirmar que “as escolas prepararam mal os alunos” (Público, 24 de Julho de 2011), Hélder de Sousa, director do Gave, organismo responsável pela elaboração e critérios de correcção dos exames, está uma vez mais e como é habitual, a apontar o dedo aos professores, tentando contornar uma incontornável realidade: a de que os exames não foram bem preparados face aos alunos e ao que deles é expectável no âmbito da disciplina. Disso são prova as hesitações e imprecisões na definição dos critérios, os critérios confidenciais e a ameaça velada do dever de sigilo, elementos que são, uma vez mais, factores de pressão sobre os professores face às metas de sucesso desejadas – mas também marca de uma indesejável cumplicidade – e alguns diriam mesmo promiscuidade – entre quem avalia os saberes e quem produz, distribui e vende os saberes que irão ser avaliados.

Face a essa e a outras pressões centralistas, os professores são alvo fácil de modas e orientações científicas, didácticas e pedagógicas; a chancela do poder político e de uma pseudo-cientificidade, ainda que não validada – ou mesmo contestada – pela comunidade científica, impede a autonomia dos professores na construção de um saber sólido e consequente. Que tais modas e orientações sejam introduzidas nas provas de exame é um factor de peso nesse impedimento, e a sua inclusão nos exames é meio caminho andado para que elas sejam forçosamente geradoras de capital, seguramente não apenas simbólico. Por isso e assumidamente, sou contra os exames, ou melhor, sou contra estes exames.

Quanto às coincidências, elas existem apesar da habitual operação retórica da sua negação. Existem, pelo menos, na disciplina que lecciono, a de Língua Portuguesa, e, pelo menos, nos exames de 12.º ano. Para além de questões improcedentes e vagas que foram já assinaladas noutros lugares por vozes dificilmente contestáveis, de assinalar a espantosa coincidência de os dois textos seleccionados para análise dos exames de Português de 2011 constarem de um livrinho de preparação para os exames, versão 2011; de assinalar também a forma como, nos exames como no livrinho de preparação, o esoterismo da Nova Terminologia Gramatical se instala cada vez mais em exercícios de gramática pela gramática, a coberto de opções terminológicas cientificamente contestáveis e, num grande número dos casos, completamente inúteis para o desenvolvimento das competências de compreensão dos alunos.

Não cabe aqui retirar ilações ou conclusões sobre estas coincidências, mas o rigor está ausente dos aspectos assinalados, como parece também arredado da afirmação, em destaque na caixa “Em resumo” do artigo do Público mencionado, de que «sete dos catorze pontos que a média do exame de Português do 12.º ano perdeu por comparação a (sic) 2011 tiveram origem na troca, no grupo que testa os conhecimentos de gramática, de uma questão de associação por três questões de resposta curta»; não sendo especialista em ciências esotéricas como a da estatística (bem) aplicada, tal afirmação parece-me, no entanto, de difícil sustentabilidade.

De mais difícil sustentação é, no entanto, uma outra afirmação da peça jornalística, desta vez a coberto de voz anónima: «confirmou-se que os alunos de 12.º ano, a partir de um poema de Álvaro de Campos, voltaram a confundir ‘sentimentos’ com ‘sensações’». Não sei quem terá decidido, nos meandros do saber como os que dominam o nosso ensino, que, numa teoria sensacionista com a densidade da exposta e praticada por Pessoa – e sobretudo num poema de Campos – aquilo a que chamamos sensação só pode corresponder a uma sensação predominantemente física; no entanto, tal asserção é manifestamente errada – ou, pelo menos, de uma enorme falta de rigor.

Feita a prova dos factos, como sugere retoricamente o artigo do Público em destaque transversal e subliminar, sou contra os exames, ou melhor, contra estes exames marcados pela falta de rigor científico e pedagógico, pela indefinição e imprecisão face ao que com eles se pretende aferir e, sobretudo pela facilidade com se usam como instrumentos de desígnios misteriosos, nos quais é no entanto fácil perceber que não consta o que deveria ser o principal: o serviço público de avaliar aprendizagens essenciais para melhorar o ensino e beneficiar as gerações futuras.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Resultados dos Exames Nacionais de Português do 12.º Ano: Porquê tais resultados (1)?

Regina Rocha, professora de Português da Escola José Falcão de Coimbra, teve a amabilidade de partilhar a reflexão que fez acerca dos mais recentes exames nacionais de Português do 12.º ano.

O texto que escreveu é composto por duas partes - (1) Porquê tais resultados? (2) O que fazer para alterar a situação? -, que publicamos em sequência.

Os resultados da 1.ª Fase dos exames de Português de 12.º Ano foram preocupantes: 8,9 valores de média nacional; 55% de classificações negativas, em 68409 examinandos.

Dizer, como defendem alguns, que a média negativa dos exames nacionais de Português se deve ao facto de os alunos, na sua maioria, seguirem a via científica é incorrecto. A capacidade de interpretar um texto, de responder objectivamente sobre questões de natureza gramatical e de escrever sobe um tema, defendendo uma ideia, não tem que ver com o facto de os alunos seguirem uma ou outra via de ensino. Acresce que, na generalidade, os melhores alunos das escolas portuguesas têm vindo, desde há muitos anos, a optar pelo ramo científico.

As razões dos resultados deste exame de Português do 12.º Ano da 1.ª Fase de 2011 são óbvias. Basta observarem-se quatro aspectos:
(1) a prova de exame propriamente dita e as competências aí exigidas, que os examinandos não dominam;
(2) o programa da disciplina de Português do Ensino Secundário e o que a prova testa;
(3) o ensino que se faz;
(4) a falta de trabalho, de estudo, dos alunos.

Analisemos, então, uma a uma, estas quatro variáveis.

PORQUÊ TAIS RESULTADOS?

(1) A prova de exame e as competências que os examinandos revelaram não dominar

Grupo I A
Uma esmagadora maioria dos alunos obteve zero pontos na resposta ao item 1 do Grupo I, pois, em vez de identificar sensações (visuais e auditivas), identificou emoções ou sentimentos.
No item 2 deste grupo, pedia-se a caracterização do tempo de infância tal como era apresentado na terceira estrofe do poema, que era constituída apenas por três versos. Ora, muitos examinados responderam de forma incompleta, seleccionando apenas uma parte da informação contida na estrofe, a que aparecia em primeiro lugar e a mais óbvia. Tal é revelador de falta de rigor (não se preocuparam em analisar bem toda a estrofe, mas, apenas, o seu início), ou de falta de capacidade de análise e de dedução[1].
Nos itens 3 e 4, exigia-se que os examinandos soubessem relacionar («Explique a relação que o sujeito poético estabelece com ‘os outros’ nas seis primeiras estrofes do poema…»; «Relacione o conteúdo da última estrofe com as reflexões apresentadas nas duas estrofes anteriores.»). Ora, em muitos casos, os examinandos não foram capazes de referir a relação, limitando-se a tentar apresentar, por palavras suas ou pelas do texto, o conteúdo das estrofes indicadas. Em suma, os examinandos não revelaram saber que tipos de relação se podem estabelecer entre sujeitos ou entre partes de texto.

Grupo I B
Na resposta a este item, os examinandos perderam pontuação por não mostrarem conhecimento dos poemas de Ricardo Reis, um dos autores de leitura obrigatória, limitando-se a afirmações genéricas sobre esta poesia, mas sem se referirem ao conteúdo de poemas, à leitura que deveriam ter feito. Nota-se aqui falta de estudo, falta de leituras, ou falta de orientação precisa de como se responde a este tipo de item.

Grupo II
Os itens deste grupo eram claros: quem soubesse gramática, responderia correctamente.
A perda de pontuação neste grupo ocorreu essencialmente em três situações: a) na identificação de um sujeito colocado depois do predicado (item 2.2); b) na referência adequada a um antecedente (item 2.1); c) na classificação de uma oração (item 2.3). Tal é revelador ou de falta de conhecimento ou de falta de atenção, de leitura atenta e de rigor não só na análise das frases do texto como na redacção de respostas objectivas e completas.

Grupo III
A perda de pontuação neste item (em que se exigia a produção de um texto de reflexão) deveu-se essencialmente a cinco motivos: a) pedia-se que os examinandos focassem a importância da literatura, mas uma grande parte referiu-se à leitura, e não à literatura; b) muitos examinandos não consideraram a perspectiva exposta num excerto fornecido, de que teriam de partir para redigir o seu texto, isto é, não respeitaram uma das indicações dadas, limitando-se a referir o que pensavam sobre o assunto; c) acresce não ter sido feliz a escolha desse excerto[2], eventualmente descontextualizado, visto conter uma construção sintáctica defeituosa (falta um complemento ao termo «organizador fundamental»: organizador de quê?), de conteúdo complexo e francamente discutível (a rotina é uma tragédia?; a rotina ameaça a afectividade e as relações?); d) muitos examinados limitaram-se a discorrer sobre o tema, sem o recurso objectivo a dois argumentos e respectivos exemplos, como era exigido; e) as incorrecções linguísticas (de pontuação, de ortografia, de acentuação, de construção frásica) foram em número muito elevado, fazendo com que facilmente muitos examinandos obtivessem a pontuação zero na parte respeitante aos aspectos formais da resposta (que valiam 20 pontos).

Este texto tem continuação aqui.

Regina Rocha
____________________

[1] Era necessário que os examinandos interpretassem que a estrofe «As crianças, que brincam às sacadas altas, / Vivem entre vasos de flores, /sem dúvida, eternamente» continha a ideia de que o tempo de infância se caracterizava «pela não consciência da passagem do tempo» (Critérios de Classificação, pág. 7), o que não era óbvio (tratava-se de uma inferência). Acresce que na pergunta não se indicava que a resposta devia focar dois tópicos, pelo que muitos examinandos se ficaram pela referência ao ambiente de despreocupação feliz sugerido no início da estrofe: resposta incompleta.

[2] O excerto de que os examinandos deveriam ter partido para a reflexão proposta (sobre «a importância da literatura para o ser humano») era o seguinte: «A importância da literatura para a criança, como para o adulto, é que ela é um “organizador fundamental”, que protege a vida contra a automatização e contra a “tragédia da rotina” que ameaça a afectividade e as relações.»
Manuel António Pina, «A Língua que os livros “para” crianças falam», in Palavra de Trapos. A Língua Que os Livros Falam, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2010

terça-feira, 24 de maio de 2011

AINDA OS OITO PLANETAS

Hoje, o "Correio da Manhã" publica uma declaração minha sobre o teste nacional de Física e Química que inquiria os jovens do 9.º ano sobre o número de planetas depois de indicar os respectivos nomes. Bastava contar, o que qualquer criança do início do 1.º ciclo do básico deve ser capaz de fazer, quanto mais não seja pelos dedos da mão. Disse àquele periódico que temos assistido em Portugal nos últimos anos a um "processo de estupidicação geral". E acrescentei: "No fundo, isto é um ataque à escola pública e um convite às pessoas para porem os filhos no privado". Os ricos têm alternativa, mas os pobres, para quem a escola pública é a única possibilidade de preparação para a vida e ascensão social, estão, de facto, a ser tratados como estúpidos. Até quando?

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

O ENSINO DAS CIÊNCIAS: DE MAL A PIOR


Minha crónica no "Sol" de hoje, sobre um assunto que já abodei neste blogue:

O Gabinete de Avaliação Educacional do Ministério da Educação, que já tem deixado passar erros em várias provas nacionais, não pára de nos espantar. Agora resolveu, num teste intermédio do 11.º ano da disciplina de Física e Química A, repito do 11.º ano, fazer uma transcrição de um livro meu (“Física Divertida”, Gradiva, 1991), com apenas quatro linhas mas adaptada (adaptada?), e pedir aos alunos para "transcrever" (sic) uma informação trivial que se encontra no texto. Queria tão só que os alunos fizessem uma transcrição a partir da transcrição que o Gabinete tinha feito, como se apenas estivesse interessado saber, num teste de Física do secundário, se os jovens sabiam o que significa aquela palavra. Talvez o Ministério venha um dia a pedir, para poupar esforço e tinta, que os alunos sublinhem uma frase a fim de obterem toda a pontuação. E talvez inclua nos testes de Física um glossário com o significado das palavras usadas nos enunciados.

A Divisão Técnica de Educação da Sociedade Portuguesa de Física ficou justamente indignada com aquela prova:

"A questão 1 do Grupo I na qual o aluno deve transcrever a parte de um texto, de apenas 4 linhas, que refere o que Oersted observou, não é admissível neste ano de escolaridade. Esta questão pode ser respondida por um aluno do 2º ciclo do ensino básico que nunca tenha estudado o assunto abordado (...) Este teste intermédio dá indicações erradas aos alunos sobre as suas aprendizagens e não os estimula ao esforço que é necessário para que sejam atingidos os objectivos de aprendizagem da disciplina.”

Não posso estar mais de acordo. Para que o leitor julgue por si próprio, com este exemplo singelo, o estado do nosso ensino das ciências, deixo o pedaço do meu texto que foi usado pelo Ministério da Educação:

"Durante algum tempo o magnetismo e a electricidade ignoraram-se mutuamente. Foi só no início do século XIX que um dinamarquês, Hans Christian Oersted, reparou que uma agulha magnética sofria um desvio quando colocada perto de um circuito eléctrico, à semelhança do que acontecia quando estava perto de um íman. Existia pois uma relação entre electricidade e magnetismo.”

E deixo a pergunta que o Ministério colocou aos alunos: “Transcreva a parte do texto que refere o que Oersted observou."

Podia ter-lhes, ao menos, pedido para usarem palavras suas. Ou para interpretarem o que Oersted observou, tal como o próprio fez. Mas não. Escolheu o mais fácil. Claramente, está a preparar o alargamento da escolaridade obrigatória para doze anos através do lamentável caminho que vem sendo seguido até aqui: o caminho da facilidade progressiva.

sábado, 19 de junho de 2010

Melhores resultados?

"Provas de aferição: Mais alunos com ‘Muito Bom’ a Matemática e Português no 1.º ciclo."

A notícia é de Margarida Davim e está publicada no Jornal Sol, que acrescenta "enquanto no 1.º ciclo os alunos conseguiram melhores resultados nas provas de aferição Português e Matemática do que no ano passado, caiu a percentagem de ‘Muito Bons’ a Português no 2.º ciclo". Mais precisamente, nesta área curricular, como agora se designa, "caiu para metade o número de alunos que no 2.º ciclo conseguiu ter ‘A’ (‘Muito Bom’) (...), passando de 8 para 4% aqueles que conseguiram chegar à nota mais alta da escala". Neste ciclo, há também um pequeno aumento de ‘Muito Bons’ a Matemática, com mais 1,5% dos alunos a conseguir essa classificação.

Os resultados das Provas de Aferição chegam às escolas anteontem, estão disponíveis no sítio do GAVE e circulam na comunicação social; irão surgir análises e opiniões do mais variado teor, a que o De Rerum Natura dará atenção...

Mas nenhuma consulta a esses resultados, análises e opiniões, por mais eruditas que se afigurem, apaga da minha memória o depoimento de uma mãe, que vi passar na televisão: na pauta, constava que o seu filho tinha obtido "A" a Língua Portuguesa e a Matemática, mas ela, calma sorridente, permitia-se duvidar da veracidade daquelas classificações que envaideceriam qualquer mãe digna desse nome.

A dúvida acerca do valor dos exames está instalada, não só entre os académicos, mas na opinião pública. E isto ao ponto de os próprios pais terem reservas em ficar felizes perante os (aparentemente bons) resultados escolares dos seus filhos.

Ora bolas!

Novo texto de Filipe Oliveira, Vice-Presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, onde, entre outros aspectos, se destaca uma análise da evolução da dificuldade dos exames nacionais de Matemática.

Nos últimos anos temos assistido a uma quebra significativa do nível de exigência do Exame Nacional de Matemática 12.º-A. Uma prova equilibrada deve naturalmente conter questões mais fáceis e questões mais difíceis. No entanto, aquilo que se tem verificado é a existência de um número exagerado de questões demasiado elementares, que em muitos casos se resolvem por simples bom senso ou recorrendo a técnicas muito rudimentares para este nível de ensino. Esta situação desautoriza o trabalho dos professores, que, nas escolas, procuram preparar os seus alunos para os desafios que irão encontrar no Ensino Superior. Por outro lado, induz em erro os alunos quanto aos objectivos que devem ser atingidos no final do Ensino Secundário.

Contrariamente ao que sucede no caso das Provas de Aferição do 4.º e do 6.º ano, quando analisamos a Matemática do 12.º ano é difícil para o grande público constatar por si próprio este baixo nível de exigência.

Deste ponto de vista, as questões relativas à Teoria das Probabilidades são particularmente interessantes: muitas vezes, esses enunciados reflectem situações que podem ser descritas sem recurso a jargão técnico, ficando assim ao alcance de qualquer pessoa - mesmo que apenas possua escassos conhecimentos de Matemática - formar uma opinião quanto ao grau de dificuldade dos problemas propostos. Antes de exibirmos alguns exemplos, gostaríamos de salientar o seguinte:

No 12.º ano, existem vários exames nacionais de Matemática. O exame “Matemática-A” destina-se aos alunos que após 9 anos de estudos no Ensino Básico optaram por um ensino diferenciado e especializado em ciências. Em particular, terão recebido três anos de formação específica em Matemática com vista a ingressarem no Ensino Superior em cursos de Ciências, Engenharia ou Economia. São estes alunos que dentro de poucos anos terão à sua responsabilidade o desenvolvimento científico, tecnológico e económico do país.

2007: Exame Nacional de Matemática A, 1.ª fase
Num saco, encontram-se cinco bolas, cada uma com uma letra da palavra TIMOR. Extraem-se as cinco bolas sequencialmente, dispondo-as da esquerda para a direita. À terceira extracção, as três bolas sorteadas formavam a palavra T IM_ _.
Sabendo este facto, qual a probabilidade de no fim deste sorteio se vir a obter a palavra TIMOR?

Resposta: Nesta situação, a palavra final será TIMOR se se obtiver a letra O na próxima extracção, o que tem probabilidade ½ (ou seja, 50%) de acontecer. Bastava pois perguntar: qual é a probabilidade de sair uma determinada bola, havendo duas à escolha?

2008: Exame Nacional de Matemática A, 1.ª fase
Numa caixa encontram-se 3 bolas verdes e 4 bolas azuis.
Introduziu-se uma nova bola, de cor verde ou azul. Após esta operação, sabe-se que a probabilidade de uma bola extraída aleatoriamente da caixa ser azul é de 50%. “Prove” que a bola introduzida na caixa era de cor verde.
Resposta: Existem oito bolas na caixa. Como a probabilidade de se extrair uma bola azul é de 50%, metade das bolas são azuis (e a outra metade são verdes). Logo a bola introduzida é de cor verde.

2008: Exame Nacional de Matemática A, 2 ª fase
A caixa A contém 2 bolas verdes e 1 bola vermelha. A caixa B contém 1 bola verde e 3 bolas vermelhas. Lança-se um dado com seis faces. Se sair “5”, retira-se uma bola aleatoriamente da caixa A. Caso contrário retira-se uma bola aleatoriamente da caixa B.

Sabemos que saiu “5” no dado . Qual é a probabilidade de a bola retirada ser verde?

Resposta: Tendo saído “5” no dado, retira-se aleatoriamente uma bola da caixa A. Como esta caixa contém 3 bolas, duas das quais verdes, a probabilidade é de 2/3.

E para este ano? No passado dia 15 de Março, o GAVE emitiu o Teste Intermédio 12º – Matemática -A. Segundo informação disponibilizada no sítio do G.A.V.E., "... no que se refere à tipologia dos itens e aos respectivos critérios de classificação, os testes intermédios ilustram, com elevado grau de fidelidade, o modelo de prova de exame a apresentar no corrente ano lectivo."

Estamos pois perante uma antevisão fidedigna daquilo que será o próximo Exame Nacional do 12º ano de Matemática A. Nesta prova, podemos encontrar a seguinte questão:

2010: Teste intermédio 12.º – Matemática A
Numa caixa encontram-se três bolas com o número 0, duas bolas com o número 1 e uma bola com o número 2.

Desta caixa extraíram-se duas bolas. Sabendo que a soma dos valores nelas inscritos é 1, qual a probabilidade de se terem extraído bolas com o mesmo número?

Resposta: É impossível, pelo que a probabilidade é nula. A pergunta é tão simples, que a única dificuldade está em crer que o examinador seja tão condescendente.

Serão estas questões adequadas, ou sequer razoáveis, tendo em conta a idade, o percurso e as aspirações dos alunos a que se destinam?

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Para evitar tentações...

Noticia o jornal i que a Ministra da Educação justificou, perante a Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, a polémica medida que permite a alunos com quinze anos passar do 8.º para o 10.º ano com os seguintes argumentos:

- a medida tem um carácter transitório, sendo válido apenas para este ano.

Legitimamente, podemos perguntar se não será introduzir mais uma injustiça, neste caso em relação aos alunos que estarão nas mesmas condições nos próximos anos?

- a medida destina-se a evitar esses alunos "sejam tentados pelo abandono escolar", quando o que se pretende é que continuem a escolaridade obrigatória, agora até ao 12.º ano.

Legitimamente, podemos perguntar: os alunos que não "sofrem dessa tentação" não deveriam beneficiar das mesmas possibilidades?

- a medida não é facilitista pois os alunos têm de fazer ONZE exames.

Legitimamente, podemos perguntar: não será um pouco irrealista pedir aos alunos com um percurso académico problemático para se prepararem para tantos exames, em dois meses, vá lá... três?

Mais terá dito que será "quase impossível" os referidos alunos ultrapassarem esses exames de carácter nacional e de escola...

Legitimamente, podemos perguntar: não haverá aqui uma contradição evidente!? Ou seja, procura-se evitar a tentação de certos alunos abandonarem a escola, mas se é quase impossível superarem a provação, então, o mais certo é que a abandonem. Logo, a medida é ineficaz.

sábado, 12 de junho de 2010

Nem é pela idade...

Imagem chegada ao De Rerum Natura.

Quando nem a racionalidade nem o conhecimento estão presentes, o humor ajuda a conviver com a realidade.

Para o leitor que não está (ainda) a par da medida do Ministério da Educação a que imagem refere, aqui deixamos a indicação de dois textos que a abordam:

- O triunfo do eduquês – 3
- É inconstitucional em dois aspectos

Nota: Por cortesia do leitor Fernando Martins, podemos identificar o autor da tira: o seu nome é Antero e publica os seus desenhos aqui.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

E se...

Revendo um certo grupo de pessoas ligadas à educação o processo que constitui as Provas de Aferição e detendo-se nos seus muitos itens de dificuldade mínina, alguém fez a pergunta que incomoda: e se, mesmo assim, os resultados forem baixos?

Se isso acontecer, significa tão-somente que não conseguimos melhorar as aprendizagens básicas, mesmo com todas as medidas e planos nacionais a decorrer.

Aguardemos...

domingo, 16 de maio de 2010

Para que servem, afinal, as Provas de Aferição – 4

Peço desculpa por voltar às Provas de Aferição, tanto mais que já quase as esquecemos, só voltaremos a falar delas quando forem publicados os seus resultados. Há, porém, mais uma nota que gostava de deixar relativamente à sua validade e que se prende com o facto de elas, pela sua natureza, não terem efeitos na classificação dos alunos nem na sua progressão escolar.

A investigação docimológica - docimologia significa estudo dos exames - informa-nos que nas situações de avaliação interferem inúmeros factores, sendo a percepção que se tem delas um dos mais relevantes. Sabendo os alunos e as suas famílias que as Provas de Aferição não têm consequências em termos de percurso na escolaridade, é mais do que compreensível que tanto uns como outros se sintam desobrigados de estudar e de incentivar o estudo, sobretudo em sociedades como a nossa ou a americana pouco preocupadas com a aquisição de conhecimento e em que ter uma negativa a Matemática é uma espécie de medalha, como lembrou, por várias vezes, Kevin Miller quando esteve em Portugal.

Assim, os resultados destas Provas não serão exactamente os que seriam se o seu objectivo fosse distindo do que é apresentado no Despacho n.º 5208/2005: “fornecer informação relevante ao professores, às escolas e à administração educativa sobre os níveis de desempenho dos alunos”.

Esta circunstância é tanto mais grave se pensarmos que, desde os primeiros níveis de ensino, o desempenho académico dos alunos melhora se tiverem oportunidade de realizarem testes, cujos resultados se traduzem em classificações que lhes são efectivamente atribuídas. Pois é, aprendem mais e melhor se lhe for solicitado, com regularidade, um esforço intensivo de preparação para exames, e se estes tiverem consequências em termos da sua distribuição numa escala.

Os técnicos do Ministério da Educação provavelmente saberão que assim é, pois em 2005 estabeleceu-se, no Decreto-lei acima citado, que para "promover a participação responsável dos alunos introduz-se (...) a obrigatoriedade de identificação individual das provas". Medida insuficiente, porém, se quisermos o envolvimento empenhado dos alunos.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Para que servem, afinal, as Provas de Aferição? - 3

Considerando os gastos de toda a ordem que as Provas de Aferição do Ensino Básico envolvem (ver, por exemplo, aqui e aqui) e os propósitos que lhe são atribuídos pela tutela (ver aqui), seria de esperar que elas permitissem medir o que efectivamente se propõem, ou deveriam propôr, medir: a aquisição de conhecimentos e competências definidas no Currículo Nacional (2001) e nos Programas (de Matemática e de Língua Portuguesa).

Ora, fazendo um paralelismo entre a complexidade desses dois documentos e o sobejamente denunciado (por entidades credenciadas) baixo nível de dificuldade das Provas, percebe-se que estas estão longe de traduzir o que está definido naqueles, não permitindo, portanto, informarem, com a clareza que o Ministério da Educação insinua, acerca da qualidade do currículo nacional.

Por outro lado, e na sequência do parágrafo anterior, afirma-se na lei que, com as ditas Provas, pretende-se perceber a conformidade das práticas lectivas e pedagógicas de escolas e, obviamente, do desempenho dos professores. Além de se recordar que os resultados escolares não dependem apenas dessas práticas, é de se ficar deveras preocupado se essa “conformidade” se vier a verificar, ou seja se se apurar que as escolas e os professores do nosso país trabalham com os alunos no patamar de dificuldade patente nas Provas.

Não se me afigurando, então, que as Provas de Aferição sirvam para aquilo que a tutela afirma que servem, para que servem elas, então?

Procurando encontrar uma resposta e não me afastando da lei, devo confessar que há passagens nela que considero verdadeiramente inquietantes. De facto, aí afirma-se que se espera:

- que a reflexão “colectiva e individual” a empreender em meio escolar, decorrente do processo de avaliação “contribua para alterar práticas em sala de aula, que assim podem e devem ser ajustadas de modo sustentado". Tendo em conta o acima referido baixo nível de dificuldade em que muitos parecem estar de acordo, incluindo os alunos, devemos, pois, como sociedade, temer que os professores, afiram as suas práticas de sala de aula a partir dos enunciados das Provas e dos seus resultados;

- que as Provas permitam “melhorias significativas nos resultados dos alunos”. Curiosamente, não se usa aqui a palavra “aprendizagens”, mas sim “resultados”. Dirão alguns que se trata de um preciosismo, mas, acontece, que em certas matérias, o seu esclarecimento pode fazer toda a diferença. É o caso. Na verdade, o que um sistema educativo se deve propor melhorar são as aprendizagens que se traduzem em resultados e não os resultados em si.

Se a estas considerações se acrescentar o enigmático e sempre presente slogan da tutela - "Os alunos têm direito ao sucesso" -, que uma Directora Regional da Educação repetiu a propósito das Provas de Aferição de 2008, a dúvida explorada neste texto não pode deixar de persistir.

(Continua)

Para que servem, afinal, as Provas de Aferição - 2


(Texto na continuação de outro antes publicado aqui)

Para que as Provas de Aferição permitam “melhorias significativas nos resultados dos alunos”, a lei - Despacho n.º 2351/2007 - é bem clara:

"Torna-se assim indispensável que conselhos executivos, professores e alunos se empenhem neste processo de avaliação e que aos serviços centrais envolvidos seja exigida uma rigorosa análise dos resultados com a consequente produção de indicadores devidamente interpretados - a devolver às escolas". Nesse sentido, determinou, entre outras coisas, Valter Lemos que:

- Compete ao Gabinete de Avaliação Educacional a elaboração das ditas Provas;

- As Provas, depois de classificadas, são devolvidas às escolas, para que sejam afixados os resultados nelas obtidas dos seus alunos. Também lhes será fornecida informação sobre o resultados obtidos a nível nacional e regional.

- Essa devolução implica, a realização, por parte de cada escola de um relatório a enviar "obrigatoriamente" à Direcção Regional de Educação a que está afecta, do qual deve constar:
a) a análise do desempenho dos seus alunos;
b) um plano de acção que devrá incluir: as medidas a adoptar e respectiva calendarização; os resultados a alcançar por disciplina (Língua Portuguesa e Matemática); a indicação dos alunos que devem ser objecto de medidas especiais; os recursos a mobilizar.

- Por seu lado, cada Direcção Regional de Educação terá de elaborar, anualmente, um relatório síntese sobre o cumprimento das escolas que lhe estão adstritas, o qual será enviado para a Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, permitindo os vários relatórios elaborar "um documento geral com incidência na avaliação dos currículos".
.
(Continua)

Para que servem, afinal, as Provas de Aferição? - 1

Vários leitores do De Rerum Natura têm perguntado: para que servem, afinal, as Provas de Aferição?

É uma pergunta mais do que pertinente, tendo em conta que elas envolvem um enorme dispêndio económico, de recursos, e de energia das escolas e dos professores.

Centrando-nos no Ensino Básico – essas Provas também estão previstas para o Ensino Secundário – a resposta que o Ministério da Educação dá é a seguinte:

No Despacho Normativo n.º 98-A/92, relativo à Avaliação das aprendizagens dos Alunos do Ensino Básico, além da avaliação diagnóstica, formativa, sumativa e especializada, é contemplada a avaliação aferida. Enquanto aquelas quatro modalidades têm por objectivo a verificação das aprendizagem individuais com vista à tomada de decisões sobre as mesmas, esta última tem como objectivo avaliar o sistema educativo, não tendo efeitos sobre a progressão escolar dos alunos.

No Decreto-Lei n.º 6/2001, de 18 de Janeiro (artigo 17.º), que formaliza a Reorganização Curricular no Ensino Básico, além das modalidades diagnostica, formativa e sumativa, sublinha-se a necessidade de verificação do desenvolvimento do Currículo, referindo-se as Provas de Aferição como um dos instrumentos necessários a esse propósito.

No Despacho n.º 2351/2007, de de 14 de Fevereiro, assinado pelo ex-Secretário de Estado da Educação Valter Lemos, refere-se que, além de (1) informarem acerca da qualidade do currículo nacional, as Provas de Aferição (2) indicam a conformidade das práticas lectivas e pedagógicas e (3) revelam a prestação das escolas. Nas palavras da lei: “constituem instrumentos de diagnóstico postos à disposição das escolas e dos professores pelo Ministério da Educação, no sentido de possibilitarem uma reflexão colectiva e individual sobre a adequação das práticas lectivas, ajustando-as - se for caso disso - para a obtenção de uma progressiva melhoria dos resultados escolares”. Ou, como se diz mais adiante, para “melhorias significativas nos resultados dos alunos”.

Se o leitor ficar com dúvidas, pode ler na página do Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE), que:

"As Provas de Aferição de Língua Portuguesa e de Matemática dos 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico visam avaliar o modo como os objectivos e as competências essenciais de cada ciclo estão a ser alcançados pelo sistema de ensino. A informação que os resultados destas provas fornecem mostra-se relevante para todos os intervenientes no sistema educativo, alunos, pais, encarregados de educação, professores, administração e para os cidadãos em geral. Estes resultados permitem uma monitorização da eficácia do sistema de ensino, devendo ser objecto de uma reflexão ao nível de escola que contribua para alterar práticas em sala de aula, que assim podem e devem ser ajustadas de modo sustentado."

(Continua)

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Provas de Aferição por competências e/ou por conteúdos - 2

.Sobre a estruturação das Provas de Aferição do Ensino Básico, realizadas na passada semana, acrescento o seguinte ao que escrevi neste blogue em 2007.

No mesmo documento - Informação sobre as Provas: aqui e aqui -, presumivelmente redigido por uma equipa, que terá trabalhado de modo colaborativo, e revisto pelo Director do GAVE, que o assina, a estruturação das duas Provas continua a não seguir um critério uniforme:

- A de Língua Portuguesa é estruturada por competências, encontrando-se na formulação destas uma referência implícita aos conteúdos. O mesmo acontecia em 2007.
- Por seu lado, a de Matemática é estruturada por competências e por conteúdos, de modo semelhante às opções do Pisa. Em 2007, as competências estavam implícitas.

Ora, provas, exames ou testes têm de ser sempre estruturadas explicitamente em função de conteúdos e de objectivos (ou, se se preferir, competências). São estes dois aspectos, em conjunto, que dão substância a qualquer prova, exame ou teste.

domingo, 9 de maio de 2010

Uma página

A imagem e as duas frases que se seguem ocupa uma página em todas as quatro Provas de Aferição. O desperdício de papel não fica, no entanto, por aqui, como o leitor poderá perceber se passar os olhos pelas ditas Provas. A tão marcada preocupação ecológica que consta no planos da educação para a cidadania é desmentida, na prática, pelo próprio Ministério da Educação!
.
Agora, pára aqui.
Se acabaste antes do tempo previsto,
revê a tua prova.

Façamos contas...

.
Por estes dias, alguém denunciou na comunicação social o desperdício de papel que as Provas de Aferição do 1.º e 2.º Ciclos do Ensino Básico implicam. Resolvi fazer a contabilidade, tendo em conta os documentos que constam do processo de avaliação disponibilizado pelo Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE). Deixo, no entanto, essa contabilidade incompleta (falta fazer a múltiplicação do número de páginas pelo número de alunos de cada ciclo, pelo número de escolas, de "aplicadores"...) mas, recorrendo às palavras de um ex-primeiro ministro, digo ao leitor que "basta fazer as contas..."

Enunciado das Provas
4.º ano
- Prova de Língua Portuguesa – 16 páginas
- Prova de Matemática - 23 páginas
Por aluno –
39 páginas
6.º ano
- Prova de Língua Portuguesa – 16 páginas

- Prova de Matemática - 24 páginas
Por aluno –
40 páginas

Informação sobre as Provas de Língua Portuguesa e de Matemática
4.º ano – 7 páginas
6.º ano - 7 páginas

Manual do Aplicador (Provas de Língua Portuguesa e de Matemática)
4.º ano – 22 páginas
6.º ano - 22 páginas

Critérios de Classificação
4.º ano
- Prova de Língua Portuguesa – 9 páginas
- Prova de Matemática - 23 páginas
6.º ano
- Prova de Língua Portuguesa – 11 páginas
- Prova de Matemática - 23 páginas


Para verificar esta informação, clicar
aqui e aqui.

sábado, 8 de maio de 2010

Atenção: não procure interpretar


ATENÇÃO
A partir daqui, siga cuidadosamente os procedimentos descritos no
Guião de Aplicação de cada prova.
Não procure decorar as instruções ou interpretá-las, mas antes lê-las
exactamente como lhe são apresentadas ao longo deste Manual.


À semelhança de outros anos, esta é a advertência feita aos Aplicadores da Provas de Aferição de Língua Portuguesa e de Matemática para os 4.º e 6.º ano de escolaridade. São 22 páginas de instruções. Se retirarmos a capa e o índice são vinte. Vinte páginas de instruções!

Vale a pena lê-las
aqui e aqui.

Nota: Depreende-se que os "aplicadores" sejam os professores, mas a palavra professor é omissa... como acontece em muitos documentos provenientes da tutela!

SOBRE O GRANITO E A SUA ORIGEM, NUMA CONVERSA TERRA-A-TERRA.

Por A. Galopim de Carvalho Paisagem granítica na Serra da Gardunha. Já dissemos que não há um, mas sim, vários tipos de rochas a que o vulgo...