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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Nasceram há 100 anos e dizem-nos coisas em 2020

As estatístisticas mostram que em 1920 viviam neste planeta cerca de 1,91 milhares de milhões de pessoas (hoje vivem quase oito mil milhões) e que a população cresceu de 1920 para 1921 cerca de 17 milhões. Então, estimo que terão nascido nesse ano para aí uns 30 milhões de pessoas.

Na Grã-Bretanha, 1920 continua a ser o ano com a maior natalidade de sempre: quase 958 mil pessoas. Isso deve-se julgo eu, ao paradoxal aumento de natalidade que se seguiu à mortalidade devida à gripe de 1918-19 em conjunto com a desmobilização dos soldados participantes na primeira guerra. É preciso notar ainda que, em cerca de cem anos, a mortalidade infantil global desceu de cerca de 32% para menos de 4%.

É nesse contexto optimista, com aumento da população, diminuição lenta da mortalidade infantil e popularização (ainda que limitada) dos recursos disponíveis, como o automóvel, que nasceram as nossas heroínas centenárias. Já referi outros nomes, a propósito da literatura de ficção científica: Boris Vian, Isaac Asimov, Ray Bradbury e Frank Herbert. Têm também sido recordados outros nomes: Clarice Lispector, Mécia de Sena, Amália Rodrigues, Bernardo Santareno, Frederico Fellini, Cruzeiro Seixas e Rúben A., entre muitos outros.

Refiro-me a quatro mulheres cientistas: Rosalind Franklin (1920-1958), Elizabeth Cavert Miller (1920-1987), Marie Tharp (1920-2006) e Elaine Morgan (1920-2013). Acho relevante lembrá-las no ano em que o prémio Nobel da Química foi atríbuido a duas mulheres.

Duas foram casadas, duas nunca se casaram. Uma delas, Rosalind Franklin, morreu cedo e está envolvida em muitas histórias malcontadas, mal-entendidos e preconceitos. Poderia ter recebido o prémio Nobel pela descoberta da estrutura do DNA, mas morreu antes. Elisabeth, por outro lado, teve uma relação invulgarmente estável (ela e o marido são os únicos a ter uma biografia colectiva na National Academy dos Estados Unidos). Marie Tharp nunca se casou, mas teve uma relação intensa e conflituosa (dizem que platónica) com os seu chefe. Foi ela que fez o mapa do oceano que a tornou mais famosa do que o seu chefe. Elain foi casada e teve filhos ao mesmo tempo que desenvolveu teorias evolucionistas. Falar das suas vidas privadas será uma forma de machismo?

Julgo que talvez pudesse ser se falássemos das mulheres de hoje, mas tudo tem uma história. Falar da vida privada, dos casamentos e dos filhos das cientistas de hoje será com certeza, mas no tempo em que estas cientistas começaram a ser produtivas e relevante, talvez não seja. Todas, de uma maneira ou doutra sentiram ou referiram explicitamente os preconceitos de que as mulheres eram vítimas. Pelo menos Tharp encontrou um trabalho científico devido a boa parte dos homens ter ido para a guerra. Hoje não seria assim. Na minha opinião, o mais importante de 2020 não são as vacinas, porque isso já se sabia que iríamos conseguir. É sim, a ideia de igualdade e normalidade que conquistámos. Ainda há muito a fazer é certo (nas empresas químicas, por exemplo, os executivos de topo eram só 30% mulheres em 2018), mas vamos chegar lá. 

segunda-feira, 6 de março de 2017

OS FÓSSEIS MAIS ANTIGOS DA VIDA

Crónica publicada na imprensa regional.

Filamentos e tubos de microfósseis encontrados no Canadá - Matthew Dodd

É atribuída ao filósofo alemão Martin Heidegger a frase “as origens escondem-se sob os começos”! Esta citação adequa-se à questão de sabermos quando é que a vida terá surgido no nosso planeta. É uma questão ainda sem resposta definitiva e assim poderá continuar por muito tempo. É que para sabermos quando é que as primeiras formas de vida unicelulares surgiram, é preciso encontrar registos fósseis dessa ocorrência. E isso é muito pouco provável. É muito difícil identificar e encontrar em rochas, com milhares de milhões de anos, fósseis de células delimitadas só por uma membrana lipídica. A vida primordial dificilmente deixou assinaturas directas da sua existência. A procura tem, assim, de ser indirecta.

Apesar dessa dificuldade, têm vindo a ser descobertas estruturas minerais designadas por estromatólitos, encontradas na Austrália Ocidental, na África do Sul e na Gronelândia, em rochas muito antigas com idades estimadas entre 3500 milhões e 3700 milhões de anos. Os cientistas propõem que esses estromatólitos são o resultado da actividade microbiana que acumulou grãos de metais como o ferro. Diga-se, apropriadamente, que estas estruturas são actualmente também encontradas em fontes hidrotermais ricas naquele metal, no fundo dos oceanos, resultado da actividade de bactérias conhecidas que usam ferro no seu metabolismo energético.

Afinal, a vida microbiana deixa uma impressão mineral da sua existência. Eis um caminho para a descoberta das primeiras formas de vida unicelular!

Na revista Nature desta semana foi publicado um artigo cujo primeiro autor é o biogeoquímico Matthew Dodd, da University College de Londres, que apresenta a descoberta de microfósseis em rochas cuja idade é estimada entre 3770 milhões e 4280 milhões de anos! Estes microfósseis, só visíveis ao microscópio, que estavam aprisionados entre camadas de quartzo, são formados por pequenos filamentos e tubos compostos por óxidos de ferro. Os microfósseis foram encontrados em rochas que se encontram mais precisamente na costa da Baía de Hudson a Nordeste do Quebeque, no Canadá. Os autores do artigo propõem que terão sido formados por microorganismos, pois não encontraram alguma explicação geológica para a sua formação.

Assim sendo, estes microfósseis constituem a evidência mais antiga até agora descoberta da existência de vida na Terra. O espantoso, é que isto implica que a vida terá surgido no nosso planeta só algumas centenas de milhões de anos depois da sua formação, há cerca de 4500 milhões de anos!

Outro aspecto, muito interessante e surpreendente desta descoberta, é o de que a presença de óxidos de ferro implica que nessa época remota já existisse suficiente oxigénio molecular livre para reagir com o ferro. É tentadora a hipótese de a origem desse oxigénio molecular ser produto da actividade dessas formas primevas de vida.

Contudo, a associação descrita neste artigo de vida microbiana a estas estruturas minerais precisa de ser comprovada por outros cientistas, de forma independente. É assim que a ciência funciona. E opiniões contrárias já foram emitidas por alguns cientistas que não participaram na descoberta. Por exemplo, Nicola McLoughlin, uma especialista em paleontobiologia da Universidade Rhodes, na África do Sul, que não participou do estudo, referiu à BBC News que "a morfologia desses supostos filamentos de ferro oxidado no norte do Canadá não é convincente” e não descarta propostas alternativas de origem geológica para a sua formação.

A ciência acende-se sob a luz da origem da vida!


António Piedade


sábado, 3 de setembro de 2016

Estudantes portugueses ganham medalhas nas Olimpíadas Internacionais de Ciências da Terra no Japão



Comunicado recebido da Direcção da Sociedade Geológica de Portugal.

"Mais uma vez a Geologia portuguesa está de parabéns! Duas medalhas de prata e uma de bronze em três medalhas possíveis nas olimpíadas Internacionais de Ciências da Terra.

Pelo segundo ano consecutivo Portugal participa nas Olimpíadas Internacionais de Ciências da Terra e, pelo segundo ano consecutivo a participação da equipa Nacional traduziu-se num enorme sucesso.
Entre 20 e 27 de Agosto realizaram-se em Mie no Japão as 10as Olimpíadas Internacionais de Ciências da Terra (International Earth Sciences Olympiads - IESO 2016; http://www. http://ieso2016.jp), na qual estiveram presentes delegações de 26 países.

A delegação de Portugal integrou os três estudantes portugueses, vencedores das 2as Olimpíadas Portuguesas de Geologia, organizadas durante o ano lectivo 2015-16 pela Sociedade Geológica de Portugal (SGP). É com enorme satisfação que a Direção da Sociedade Geológica de Portugal anuncia que Portugal acaba de obter duas medalhas de Prata e uma medalha de Bronze:
Diogo Nascimento (Prata), Escola Básica e Secundária de Murça
Marcos Freitas (Prata), Colégio da Rainha Santa Isabel de Coimbra
Alexandre Afonso (Bronze), Escola Secundária Adolfo Portela de Águeda

É a segunda vez que Portugal concorre nesta temática de Olimpíadas Internacionais educativas, tendo a representação portuguesa sido constituída pelos 3 alunos do Ensino Secundário que obtiveram as três primeiras posições nas 2as Olimpíadas Portuguesas de Geologia que decorreram no ano letivo 2015-16. A comitiva foi constituída, para além dos referidos alunos, pelos seus mentores, pertencentes à Comissão Nacional para as Olimpíadas de Geologia (CNOG), Prof. Jorge Relvas (Coordenador Nacional) e Dr. Álvaro Pinto, ambos da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.

Em paralelo, foram disputadas outras duas provas colectivas transnacionais denominadas Internacional Team Field Investigation (ITFI) e Earth Science Project (ESP); também aqui a equipa portuguesa se destacou tendo obtido mais uma medalha de Bronze na ITFI.

Um aspecto a realçar, e que valoriza ainda mais a prestação dos estudantes portugueses, é que as matérias avaliadas nas Olimpíadas Internacionais diferem significativamente dos programas nacionais da disciplina de Biologia e Geologia do 10ª e 11º ano, porque incorporam adicionalmente conteúdos de Ciências Planetárias, Geofísica, Oceanografia e Ciências da Atmosfera. Para valorizar ainda mais as competências da delegação portuguesa, designadamente nas matérias que não integram os seus programas escolares, foi feita uma preparação complementar dos estudantes que a integram. Esta preparação, bem como todo o processo de organização da selecção dos estudantes que representaram Portugal na IESO 2016, só foi possível, graças ao inestimável apoio dos Centros Ciência Viva do Lousal e de Estremoz, e de Professores da Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa a quem a Sociedade Geológica de Portugal agradece, reconhecida.

Evidentemente que esta missão ganhadora só foi possível graças ao envolvimento, dedicação e qualidade dos professores e estudantes portugueses envolvidos nas Olimpíadas Portuguesas de Geologia. No entanto, uma iniciativa com esta dimensão envolve o esforço de muitos colegas e instituições para além das que já foram nomeadas. Embora correndo o risco de omissão, a Direcção da Sociedade Geológica de Portugal não pode deixar de agradecer reconhecidamente em especial:
- ao Professor Jorge Relvas e a toda a equipa CNOG por ele coordenado, por todos os aspectos logísticos deste complexo processo;
- ao Professor Jorge Ferreira, Presidente do Júri de Especialistas e a toda a sua equipa, pela elaboração de todas as provas utilizadas nas 2as Olimpíadas Portuguesas de Geologia;

- os apoios do Ministério da Educação e Ciência e da Agência Nacional Ciência Viva, sem o qual tudo isso dificilmente teria sido possível."

Direcção da Sociedade Geológica de Portugal

sexta-feira, 27 de março de 2015

2015 – ANO INTERNACIONAL DOS SOLOS

Transcrevo, com a devida vénia, o seguinte texto da autoria da Direcção da Sociedade Portuguesa da Ciência do Solo que foi publicado primeiramente na imprensa regional através do projecto "Ciência na Imprensa Regional - Ciência Viva".



Para lembrar um recurso vital e frequentemente esquecido
A importância do solo para as sociedades humanas e para o nosso modo de vida levou as Nações Unidas a declararem 2015 – Ano Internacional dos Solos. A urbanização crescente e a evolução tecnológica tendem a fazer-nos esquecer deste recurso e das ameaças a que está sujeito. Segundo a FAO o solo fornece 99% de toda a biomassa produzida no mundo, para a alimentação humana e animal, para a produção de fibras vegetais com múltipla aplicações industriais, bioenergia, produtos bioquímicos, produtos farmacêuticos e outros. Este dado, só por si, revela bem a nossa dependência avassaladora deste recurso, praticamente tão vital como o ar e a água.

Mas o que é o solo? A palavra ‘solo’ é aplicada em muitas situações, por vezes só para referir o chão. Porém, o solo tem espessura, é uma cobertura de material solto (mineral e orgânico) existente à superfície da terra, que serve de meio natural para o crescimento das plantas e de muitos outros organismos.

A par da produção de biomassa, os solos desempenham outras funções (e serviços para a humanidade) que os tornam indissociáveis da evolução da vida terrestre e das sociedades humanas em particular: intervêm nos ciclos de renovação da vida, como os ciclos da água, do carbono e do azoto, para referir apenas os mais relevantes para o clima e as alterações climáticas; têm dos maiores níveis de biodiversidade da Terra – neles vivem inúmeras espécies de organismos, macro e microscópicos, na sua maioria ainda desconhecidos; guardam vestígios de enorme interesse científico, cultural, artístico e até religioso.

É comum desvalorizar a nossa dependência do solo, assumindo que é um recurso abundante e imutável. Todavia, o solo é um recurso finito. Aliás, é cada vez mais reduzida a parcela de solo arável (adequado para culturas anuais e prados temporários) por habitante. E prevê-se que continue a diminuir, dos quase 0,25 ha actuais, para menos de 0,2 ha em 2050 (a par do aumento da população de 7 para mais de 9 mil milhões de habitantes). Em Portugal já só temos 0,1 ha de solo arável por habitante, um dos valores mais baixos da Europa. O solo também não é imutável. Embora se forme muito lentamente – demora 1 000 a 2 000 anos para formar apenas 10 cm de solo – pode sofrer uma degradação muito rápida, por vezes em horas ou minutos, por deslizamentos e enxurradas associados a chuvas mais intensas.

Mas processos de degradação mais prolongados são igualmente graves porque, sem vigilância ou monitorização, podem ser evidentes tarde de mais. A União Europeia reconheceu as seguintes ameaças aos solos da Europa: selagem (impermeabilização ou pavimentação), erosão (pela água e pelo vento), perda de matéria orgânica, perda de biodiversidade, compactação, salinização, contaminação (por poluição concentrada e difusa), cheias e deslizamentos. Todas estas formas de degradação têm origem humana, associadas a muitos tipos de usos do solo.

Uma vez degradado, a recuperação de um solo pode demorar várias gerações, por isso tem de ser considerado um recurso natural não renovável. Também não é razoável admitir que a evolução tecnológica encontre outros recursos capazes de substituir as funções do solo. A ciência e a tecnologia são sim, indispensáveis para promover o uso e a gestão sustentável do solo e prevenir todas as formas de insegurança a médio-longo prazo, nomeadamente as decorrentes das alterações climáticas. Mas, para ser eficaz, é preciso que cada vez mais cidadãos adoptem uma atitude ética inspirada nos melhores agricultores do passado, que procuravam legar aos descendentes terras tão ou mais férteis do que as que tinham recebido dos seus antepassados.

Ao longo de 2015 a SPCS participa na promoção do Ano Internacional dos Solos com um conjunto de acções que vão sendo divulgadas em www.spcs.pt.


Direcção da Sociedade Portuguesa da Ciência do Solo (SPCS)

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Novo livro do Prof. Galopim de Carvalho
é lançado dia 25 na Reitoria da UL

O novo livro do prof. Galopim de Carvalho, Evolução do Pensamento Geológico (da Âncora Editora) vai ser lançado no próximo dia 25 (uma quarta-feira) na Reitoria da Universidade de Lisboa. A sessão terá lugar na Sala de Conferências, pelas 18.30 horas.

Nesta sessão o livro será apresentado pelo Prof. Doutor José Barata-Moura.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Terrae adquae Solis filiae


Se não erro, a expressão latina, Terrae adquae Solis filiae, ela quer dizer “as filhas da Terra e do Sol”, uma maneira alegórica de referir as rochas sedimentares, cujo estudo atingiu níveis de especialização que justificaram o aparecimento de uma nova disciplina a que, em 1932, o sueco Hakon Adolph Wadell (1895-1962), deu o nome de Sedimentologia, Nesta visão alegórica, pode dizer-se que, fecundada pela radição solar indutora dos processos geológicos e biológicos próprios da sua capa externa, a mãe Terra dá nascimento a esta outra categoria das suas criações. Estas rochas trazem consigo, não só as marcas dos seus progenitores, mas também as das condições ambientais em que foram geradas e, muitas delas, ainda, a data do seu nascimento. Armazéns ou arquivos de vultuosa informação, o seu estudo têm-nos permitido conhecer grande parte das histórias da Terra e da Vida.

A Sedimentologia, como a definiu o autor do termo, consiste no estudo científico dos sedimentos, quer dos que se mantêm em trânsito (arrastados pelas águas fluviais e marinhas, pelos glaciares ou pelo vento) quer dos que, ainda soltos ou incoesos, se encontram em deposição temporária, quer, ainda, dos litificados, ou seja, dos já transformados em pedra e, portanto, coesos. Rejeitada pela Comissão de Sedimentação dos Estados Unidos da América, por ser “an ugly hybrid innapropriate word”, a expressão Sedimentologia acabou por se impor a partir da década de 40 do século passado, afirmando-se como uma das mais importantes disciplinas das Ciências da Terra, desenvolvendo metodologias e tecnologias adequadas ao estudo das rochas sedimentares, desde a sua origem e eventuais transformações (diagénese), à respectiva localização no espaço e no tempo, em estreita associação com a Mineralogia, a Paleontologia, a Estratigrafia, a Geocronologia, a Química, a Física (em especial a Mecânica) e Estatística, sendo grande o seu interesse não só em Geologia, como ciência que investiga o nosso planeta, mas também na procura de um vasto conjunto de importantes georrecursos. “A Sedimentologia justifica-se pelo leque de aplicações práticas em que pode ser envolvida”, escreveu, em 2003, Gaspar Soares de Carvalho, sedimentólogo pioneiro, em Portugal, nos idos anos de 1940. Basta pensar, no interesse posto na prospecção, exploração e usos dos combustíveis-fósseis e das múltiplas matérias-primas minerais, para nos darmos conta da oportunidade da afirmação deste professor jubilado da Universidade do Minho. A estes motivos de importância da Sedimentologia, acrescem, ainda, as suas aplicações em Hidrogeologia, Geologia de Engenharia e Geologia do Ambiente.

Sedimentologia é o modo de dizer, numa só palavra, Petrologia Sedimentar, no sentido que lhe deu o petrólogo inglês, George Walter Tyrrell (1883-1961), no seu pioneiro Principles of Petrology (1926), expressão que se não deve confundir com Petrografia Sedimentar, uma vez que, como este autor bem lembrou, petrografia é o estudo das rochas, visando a sua descrição, identificação e classificação, e petrologia, mais abrangente, é a ciência das rochas, na sua globalidade, incluindo a pesquisa das respectivas géneses, idades, transformações e significado no estudo do nosso planeta.

O progresso e a expansão da Sedimentologia, à escala internacional, muito antes da sua inclusão nos curricula universitários , contou com a criação e regular manutenção de duas importantes revistas científicas: A primeira, surgida em 1931, Journal of Sedimentary Petrology, foi substituída, a partir de 1995, pelo Journal of Sedimentary Research, da Society for Sedimentary Geology (antiga Society of Economic Paleontologists and Mineralogists – SEPM). A outra, sua congénere, Sedimentology, iniciada em 1952, é a expressão escrita nascida da influência da International Association of Sedimentologists (IAS), promotora dos Congressos Internacionais de Sedimentologia, cuja última reunião, a 19ª, teve lugar em 2014, em Genebra. Esta mesma associação promove, ainda, entre congressos, os chamados IAS Meetings of Sedimentology, cujo último, o 30º, decorreu em 2013, em Manchester, no Reino Unido.

As rochas sedimentares no seu todo, desde as mais recentes, no geral, incoesas e móveis, como as areias, às mais antigas, compactadas e consolidadas, são consequência de um conjunto de condições próprias da superfície do nosso planeta:
- existência de uma atmosfera oxidante (a partir de há cerca de 2600 Ma) com algum dióxido de carbono e, em grande parte, húmida, particularmente agressiva para os minerais das rochas aflorantes;
- existência de uma hidrosfera promotora, não só de solubilização e hidrólise, mas também de erosão, transporte e sedimentação;
- existência de uma biosfera actuante nos mais variados ambientes da sua superfície, possibilitada pela distância a que se encontra do Sol;
- exposição ao Sol, imensa fonte de energia radiante.

Sem atmosfera, hidrosfera e biosfera e sem a luz e o calor que recebemos do Sol, não se teriam formado os sedimentos e as rochas sedimentares que, por todo o lado, nos rodeiam. Na ausência destas entidades, a superfície terrestre estaria, à semelhança da da Lua, reduzida a uma capa de rególito, isto é, de poeiras e fragmentos rochosos, resultante dos impactes meteoríticos ocorridos ao longo de milhares de milhões de anos.

As rochas sedimentares representam um conjunto particular de produtos litosféricos gerados na parte mais externa da crosta terrestre e, portanto, nas condições de pressão, temperatura e quimismo próprias da superfície, ocupando uma posição bem delimitada no ciclo petrogenético. Consumindo, sobretudo, energia solar, a sedimentogénese é aceite como uma das expressões da geodinâmica externa, a par da erosão do relevo, da formação dos solos e do aparecimento e manutenção da vida.

Geradas na interface da litosfera com as atmosfera, hidrosfera e biosfera, as rochas sedimentares são essencialmente constituídas por um, dois ou três dos seguintes componentes fundamentais:
- terrígenos , herdados por via detrítica de outras rochas preexistentes;
- quimiogénicos, resultantes da precipitação de substâncias dissolvidas nas águas;
- biogénicos, quer edificados por alguns organismos em vida, como, por exemplo, os corais, quer acumulados detriticamente a partir de restos esqueléticos (conchas, carapaças, ossos e outros), após a morte dos respectivos seres.

À semelhança de nós, humanos, e de toda a biodiversidade, estas rochas formam-se à superfície da Terra sob a acção da radiação que, ininterruptamente, recebem do Astro Rei, desde que a primeira crosta se formou e lhe ficou exposta, há mais de quatro mil milhões de anos, na perspectiva de alguns autores.

Em termos de volume, as rochas sedimentares representam apenas 5% da crosta terrestre (contra 95% das ígneas e metamórficas), tal é devido ao conceito implícito no respectivo qualificativo. Porém, tendo em conta que a grande maioria das rochas metamórficas (como xistos, grauvaques, gnaisses, mármores e quartzitos) são materiais litológicos transformados a partir de rochas sedimentares preexistentes, aquela cifra aumenta substancialmente. Aumenta ainda mais se nos lembrarmos que a maior parte dos granitos e rochas afins resultaram da fusão parcial (anatexia) de rochas sedimentares e metamórficas delas derivadas.

Em termos de área exposta, as rochas sedimentares perfazem cerca de 75% das terras emersas e cobrem a maior parte dos fundos marinhos, embora neste domínio a sua espessura seja pequena se comparada aos milhares de metros de algumas acumulações integradas na arquitectura da crosta continental, com particular evidência nas grandes cadeias de montanhas.

Em finais do século XIX, a expressão rocha sedimentar ainda não figurava no vocabulário de geólogos e petrógrafos. Em 1875, o alemão Arnold von Lasaulx (1839-1886) adjectivou-as de deuterogénicas , com base na secundariedade destas rochas relativamente às preexistentes, de onde provêm os seus constituintes. Ao propor, na sua classificação petrográfica, a classe “sedimentos puros”, na qual incluiu materiais não consolidados (cascalheiras, areias e Löss ), este professor de Petrografia da Universidade de Bona atribuiu ao termo sedimento o significado de elemento detrítico, clástico ou terrígeno. Foi nesta medida e tendo em conta a abundância relativa das rochas terrígenas (80 a 85%, contra 20 a 15% das rochas biogénicas e quimiogénicas), que surgiu, mais tarde, a designação de rocha sedimentar que, assim, acabou por abarcar, não só as terrígenas, como também as biogénicas e as quimiogénicas.

Em 1947, no Meeting da Geological Society of America, o geólogo inglês Herbert Harold Read (1889-1970), figura grada do Imperial College, propôs o nome de rochas neptúnicas (em alusão a Neptuno, deus do mar, na mitologia romana) para o conjunto das rochas sedimentares. Esta proposta, que não fez vencimento, assentava no facto de a grande maioria das rochas sedimentares terem génese no meio marinho.

A Sedimentologia abriu caminho à investigação, tão aprofundada (quanto quiseram os propósitos e puderam os meios) de aspectos importantes, como proveniência dos materiais, agentes que os transportaram e sedimentaram, ambientes de deposição final, transformações subsequentes (diagénese), posição estratigráfica, paleogeografia correlativa e, ainda, utilidade como importantes georrecursos económicos que são. Neste último aspecto vale a pena recordar os combustíveis fósseis (carvão, petróleo, asfalto, gás natural), os calcários e dolomitos como pedras industriais e ornamentais, as margas no fabrico do cimento, as areias nas indústrias do vidro, as argilas na cerâmica (barro vermelho, faiança e porcelana), o bauxito e os minérios de ferro sedimentares nas metalurgias, respectivamente, do alumínio e do ferro, o sal-gema e os fosforitos na indústria química, entre outros, numa gama muito mais abundante e diversificada do que a facultada pelas rochas ígneas e metamórficas.

A.M. Galopim de Carvalho

domingo, 9 de março de 2014

LEITEÍTE

Dimensões:3,0x2,4x1,2cm Imagem obtida em «commons.wikimedia.org»
LEITEÍTE é um arseniato de zinco, de fórmula ZnAs2O4, encontrado pelo português Luís António Bravo Teixeira Leite (1942-1999) na mina de Tsumcorp, na região de Tsumeb, na Namíbia. Mineral de intenso brilho nacarado, geralmente incolor a branco pérola, podendo exibir cor acastanhada muito pálida, é séctil, muito brando (dureza 1,5 a 2), laminável (clivável) e flexível. Espécie muitíssimo rara, ocorre associada a outros minerais de arsénio e de zinco, em jazidas hidrotermais de baixa temperatura, em zonas susceptíveis de sofrerem oxidação.

Descrita em 1977, por F. P. Cesbron, R. C. Erd, G. K. Czamanski, & H. Vachey, no Mineralogical Record, n.º 8, pp. 95-97, esta espécie foi oficialmente homologada pela International Mineralogical Association (IMA) como leiteíte, em homenagem ao seu descobridor. Exemplares de referência fazem parte das colecções da Universidade Pierre-et-Marie-Curie, de Paris, e dos Museus de História Natural de Washington, Londres, Toronto e Lisboa. Além da citada na mina da Namíbia, é apenas conhecida na Alemanha, na Áustria e em França.

Luís António Bravo Teixeira Leite (1942-1999)
Nascido em Lisboa, em 1942, Luís António Bravo Teixeira Leite foi um mineralogista amador, autodidacta de reconhecido mérito, coleccionador e comerciante de minerais, de prestígio internacional. Viajante incansável, percorreu os cinco continentes, visitando museus, universidades, minas e locais com ocorrências mineralógicas de interesse, participando em feiras internacionais e em encontros da especialidade. Em todas estas paragens, Luís Leite era respeitado pela sua invulgar sabedoria e recebido como amigo.

O relacionamento do Museu Nacional de História Natural com este que foi um seu grande amigo começou no rescaldo do grande incêndio de 1978 que o destruiu em grande parte. Nessa altura, Luís Leite, esplendidamente relacionado, na área da mineralogia a nível mundial, com os responsáveis dos grandes museus, das universidades, empresas privadas e os grandes coleccionadores individuais, obteve de uns e outros, para o nosso museu, a oferta de valiosas colecções, visando minimizar as grandes perdas sofridas nesse terrível sinistro.

Como colaborador desta instituição da Universidade de Lisboa, era eu o director, Luís Leite proporcionou-nos as condições que permitiram organizar, em 1989, a primeira Feira Internacional de Minerais, Gemas e Fósseis de Lisboa, evento que, em Dezembro de 2013, cumpriu a sua 27.ª edição e que, desde sempre, atrai milhares de visitantes. Este certame, que tem sido pólo de vocações profissionais em domínios da mineralogia e da paleontologia, repete-se, regularmente, em Coimbra e no Porto e, esporadicamente, noutras cidades do País.

Uma outra realização, fruto das potencialidades deste nosso amigo, foi o 1st International Symposium on Mineralogy, reunido entre 8-11 de Dezembro de 1994, com a participação, por convite, de dez conceituados especialistas (professores e conservadores de Museus) dos EUA, Suíça, Dinamarca, Canadá, África do Sul e Portugal.
A. Galopim de Carvalho

segunda-feira, 3 de março de 2014

UM CRISTAL DA ORIGEM DA TERRA

Crónica primeiramente publicada no Diário de Coimbra.

Com um cristal se escreve o amanhecer da Terra.

Foi descoberto um cristal com 4,4 mil milhões de anos, cuja composição e estrutura indicam que a crosta terrestre teria então água no estado líquido, mais cedo do que os cientistas julgavam. Esta nova descoberta vem ao encontro da hipótese de a vida poder ter surgido no nosso planeta antes do que os mais antigos registos fósseis indicam (3,4 mil milhões de anos). O cristal descoberto é um zircão e os resultados foram publicados no número actual da “Nature Geoscience”.

O cristal foi extraído de um afloramento rochoso na região montanhosa de Jack Hills, no Oeste da Austrália. O cristal examinado tem apenas 400 micrómetros de tamanho, cerca do dobro do diâmetro de um cabelo humano. Mas este minúsculo zircão abre mais uma janela sobre o início da história da Terra.

Geologicamente, o zircão é classificado no grupo dos nesossilicatos. Quimicamente, é um silicato de zircónio (Zr é o elemento químico com o número atómico 40, descoberto em 1789 por MartinKlaproth, e isolado impuro, em 1824, por Berzelius) que apresenta a fórmula química ZrSiO4. O seu nome deriva do termo “zargum”, que é palavra árabe para “vermelho” e também nome persa para “dourado”.

Dependendo das rochas onde é encontrado, o mineral zircão pode ser incolor ou ter matizes amarelo douradas, vermelhas, castanhas ou mesmo verdes! E este cristal, gema semi-preciosa, pode ser encontrado em quase todas as partes da crosta da Terra! A razão para esta ubiquidade advém da sua antiquíssima origem e formação. De facto, ele está presente nos três principais grupos de rochas: as ígneas, as metamórficas e as sedimentares.

Esta dispersão por todo o planeta torna-o um cristal modelo para estudar os estados iniciais da formação da Terra. Mas como é que a partir de um cristal é possível saber a idade das rochas onde ele é encontrado?

O zircão “aloja” duas “impurezas” cujas propriedades radioactivas permitem a datação de períodos de tempo muito longos. Essas impurezas são átomos de urânio e de tório (símbolos químicos U e Th, respectivamente), e a sua quantidade relativa fornece informação sobre há quanto tempo estão alojados no zircão, ou seja, quando é que ele foi formado.

Ao longo de milhares de milhões de anos, os átomos de urânio incluídos no zircão transformam-se por decaimento radioactivo em isótopos de chumbo (Pb), que são átomos mais estáveis. A partir da proporção de isótopos de Pb em relação aos de U, os cientistas conseguem calcular a data de formação dos minerais onde aqueles se encontram.

Mas no estudo agora publicado os cientistas usaram uma segunda técnica: fizeram uma tomografia ao mineral, na qual observaram não só a proporção mas também a distribuição espacial de átomos de U e de Pb. Esta técnica confirmou este cristal como sendo o mais antigo até agora descoberto na Terra. Segundos os cientistas, este zircão ter-se-á formado só 140 milhões de anos após a formação do nosso planeta! É pois um cristal com quase a idade da Terra.

António Piedade

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

O OXIGÉNIO E A EVOLUÇÃO DA VIDA

Crónica originalmente publicada na imprensa regional.
A evolução da vida na Terra foi marcada pelo aumento do oxigénio na atmosfera e nos oceanos.

No início da formação da Terra, há 4,6 mil milhões de anos, havia muito pouco oxigénio gasoso (oxigénio molecular, O2). O oxigénio então existente estava combinado com outros átomos, como seja o hidrogénio, formando a água que hidratou o planeta ao longo da sua evolução.

E foi em meio aquático, nas ondas dos oceanos primitivos, que as primeiras formas de vida surgiram. As evidências fósseis mais antigas de microrganismos têm 3,6 mil milhões de anos. Não quer dizer que a vida não existisse antes. Quer dizer que ou não deixou rastos, ou ainda não foram encontrados. Aquelas formas de vida unicelulares pertencem ao grupo designado por cianobactérias.

As cianobactérias primitivas possuíam a capacidade de usar a luz solar com fonte de energia para efectuarem a fotossíntese. Nesta, o oxigénio presente nas moléculas de água é combinado para dar origem à molécula de oxigénio que se difunde pelas águas dos oceanos e para a atmosfera. O aumento de oxigénio molecular, produzido pela acção da vida, marcou a evolução da própria vida e mudou a química do planeta.

Há evidências geológicas que mostram como foi a evolução da concentração de oxigénio na história da Terra. Sabemos que o nível de oxigénio na atmosfera não aumentou linearmente. Muito pelo contrário, durante os primeiros 3 mil milhões de anos depois do início da sua produção biogénica, a sua concentração na atmosfera permaneceu residual. Mas, há cerca de 2,4 mil milhões de anos ocorreu o que é designado por primeiro grande evento de oxigenação (GOE, na sigla inglesa), e que é caracterizado por um primeiro aumento, mas tímido, no oxigénio atmosférico.

O oxigénio, produto da vida, foi-se primeiramente combinando com outras substâncias, como a pirite (FeS2), presentes nos fundos oceânicos e na superfície dos solos terrestres. Ou seja, este sequestro do oxigénio por diversas substâncias, ao longo de milhares de milhões de anos, impediu que ele estivesse disponível para ser usado para a complexificação da vida.

E, de facto, verifica-se um longo jejum evolutivo durante cerca de 3 mil milhões de anos, com o surgimento de poucas novas formas de vida, que se mantinham principalmente unicelulares ou vivendo em colónias.

Contudo, há cerca de entre 850 a 550 milhões de anos algo mudou no planeta e a concentração de oxigénio disparou para cerca de 31% na atmosfera (10% a mais do nível actual). E essa mudança oxidativa foi acompanhada por uma explosão evolutiva no horizonte da vida. No que é conhecido por explosão câmbrica, verificamos o surgimento de uma miríade de novas expressões de formas vivas muito diversas. Todos os antepassados das plantas e animais actuais surgiram nessa explosão incendiada pelo aumento brusco de oxigénio livre.

Não sabemos o que é que originou este grande aumento de oxigénio num momento designado por segundo grande evento de oxigenação. Mas geólogos da Universidade da Tasmânia, Austrália, descobriram que esse momento foi também acompanhado pelo aumento da disponibilidade de outros elementos e materiais para a vida nos oceanos. Os resultados da equipa liderada por Ross Large vão ser publicados em março na revista “Earth and Planetary Science Letters”.

António Piedade

sábado, 18 de janeiro de 2014

PARA UMA HISTÓRIA DA PALEONTOLOGIA (1)

Restos de seres vivos do passado ou vestígios da sua actividade conservados no seio de algumas rochas, os fósseis são o objecto de estudo de uma disciplina científica a que foi dado o nome de paleontologia [do grego palaios (antigo), ontos (ser) e logos (estudo)]. São, ainda, tema fulcral em: paleobiologia, interessada na actividade dos antigos seres enquanto vivos; paleoecologia, focada na reconstituição de ecossistemas antigos; paleobiogeografia, que estuda a distribuição espacial de animais e plantas do passado.

No sentido mais antigo do termo, fóssil (do latim fossile) era todo o material que se desenterrava ou extraía de dentro da terra, abrangendo, portanto, os minerais, as rochas, os achados pré-históricos e arqueológicos e os fósseis, no sentido que hoje damos à palavra. As expressões carvão-fóssil e combustível-fóssil, ainda em uso, são reminiscências deste conceito antigo. Só no século XVIII o termo passou a ser usado no sentido que hoje tem em paleontologia, ou seja, no de um resto de ser vivo do passado ou num vestígio da sua actividade conservados no seio de uma rocha. Entendidos como as “letras” que nos permitem “ler” nas rochas, os fósseis têm-nos permitido conhecer uma parte importante da história da Terra e da vida.

Designados no passado por petrificados (termo usado como substantivo), dão suporte ao estabelecimento das sequências sedimentares estratificadas no âmbito da biostratigrafia e constituem um pilar fundamental no estudo da evolução das espécies, iniciado por Charles Darwin no século XIX. O homem pré-histórico já conhecia os fósseis, embora não tenhamos elementos que nos permitam saber, com rigor, que significado lhes atribuía. Provavelmente terão alimentado superstições ou sido usados como objectos de adorno. São conhecidas sepulturas do Paleolítico, do Neolítico e da Idade do Bronze, onde os corpos se encontram rodeados por vários fósseis. Em Portugal, numa necrópole neolítica de Aljezur, foram encontrados dentes fósseis de seláceo do Miocénico.

Da Antiguidade ao século XVI

Na antiguidade pré-socrática, alguns filósofos da Escola Pitagórica interpretaram correctamente o significado dos fósseis encontrados no terreno, explicando o processo da sua formação segundo um modelo muito próximo do actualmente aceite. O filósofo grego Xenófanes de Colophon (circa 570-460 a. C.), na região da Lídia, na Ásia Menor (actual Turquia), reconheceu a verdadeira natureza de impressões vegetais fósseis e, um século mais tarde, o geógrafo e historiador, Heródoto (circa 485-420 a. C.), aceitava, como restos de animais marinhos, os fósseis encontrados no vale do Nilo. Num retrocesso evidente, alguns seguidores de Aristóteles (384-322 a.C.) defendiam a intervenção de uma “virtude” que, através de uma semente, gerava e desenvolvia os fósseis na terra. Propuseram, ainda, a existência de um “suco lapidificante” (petrificante) ou de um “sopro oriundo do betume terrestre que, por acção dos raios solares, emergia da Terra e petrificava os organismos vivos”. Plínio, o Velho (23-79 d.C.) e outros autores latinos, sugeriam que estes achados caíam do céu ou da Lua.
Registo escrito, com cerca de 1700 anos, da ocorrência de ossos e dentes de
dinossáurios, ainda entendidos como sendo de dragões.

Na Antiguidade oriental, o dragão, figuração sempre associada à civilização chinesa, estava intimamente ligado aos achados de ossos fósseis, que hoje sabemos serem de dinossáurios (ainda desconhecidos nesse tempo). Então aceites como vestígios petrificados de dragões, o seu uso em terapia era conhecido e está descrito em textos de medicina chinesa dos séculos XVI a XI antes de Cristo. Esta crença manteve-se e, no século III da nossa era, ainda se acreditava que tais restos correspondiam a restos ósseos das ditas figurações míticas. No livro Hua Yang Guo Zhi, atribuído a Chang Qu, tido como o primeiro registo escrito da ocorrência de fósseis de dinossáurios, editado durante a dinastia Jin Ocidental (265-317 d.C.), fala-se de “ossos de dragões” provenientes de Wucheng, na província de Sichuan, região hoje bem conhecida dos paleontólogos pela abundância de esqueletos destes vertebrados da era mesozóica.

Nos primeiros séculos do cristianismo, alguns dos seus teólogos com obra escrita, como Tertuliano de Cartago (circa 160-220) e Aurélio Agostinho, (345-430), mais conhecido por Santo Agostinho, eclesiástico romano e doutor da Igreja Católica, acreditavam que os fósseis eram restos de seres da Criação, mortos e enterrados durante o Dilúvio, tal como a Bíblia o descrevia, uma convicção também divulgada por João Crisóstomo (349-407), bispo de Constantinopla. O romano Eusébio Pamphili (265-339), bispo de Cesareia (Israel), usava, como evidências do Dilúvio e com idêntico raciocínio, os fósseis de peixes do Cretácico superior encontrados no alto do Monte Líbano, a cerca de 3000 metros de altitude.

Coccodus insignis do Cretácico superior do Líbano
Pedreira de calcário  do Monte Líbano, uma das jazidas de peixes fósseis do Cretácico superior mais ricas do mundo.
A ocorrência de restos de animais marinhos, longe do mar, constituía, pois, uma clara demonstração de que esse acontecimento bíblico tinha invadido as terras, chegando a cobrir certas montanhas. Paulo Orósio (circa 383-420), natural da Hispânia e discípulo de Santo Agostinho, terá dado a mesma interpretação face aos fósseis de ostras existentes em serranias afastadas do mar. No século X, o médico árabe Abu ibn Sinna (980-1037), mais conhecido por Avicena, na sua obra “De Congelatione et Conglutinatione Lapidum”, retoma a ideia da escola aristotélica e explica a formação dos fósseis através de uma “virtude plástica”, que seria capaz de dar às pedras formas semelhantes a animais e plantas, sem, contudo, ter capacidade para lhes dar vida.

Para ele, os fósseis testemunhavam tentativas infrutíferas da natureza para criar seres vivos, limitando-se a imitar-lhes as formas. Na Europa do Renascimento e na sequência do pensamento de Agostinho e de João Crisóstomo, ainda dominava a crença no Dilúvio e, assim, para alguns naturalistas, os achados de fósseis marinhos em terras emersas testemunhavam esta inundação universal. Entre os defensores desta ideia destacava-se, na Alemanha, o sacerdote católico agostiniano Martin Lutero (1483-1546), professor de teologia na Universidade de Wittenberg, de grande projecção na Europa e figura central da Reforma Protestante. Para outros, ainda desconhecedores da evolução biológica, tais achados, que designavam por lapides sui generis (pedras únicas no seu género), tinham origem no seio das rochas e eram interpretados como “caprichos da natureza”, por efeito de causas que não sabiam explicar, e não como restos de animais ou plantas.

Amonite
Foi neste contexto que Leonardo da Vinci (1452-1519), italiano de nascimento e uma das figuras mais importantes e conhecidas deste período, retomando as ideias pitagóricas, ignorou os textos sagrados, considerando os fósseis como restos de seres vivos anteriormente depositados no fundo do mar, fundo esse posteriormente soerguido. Da Vinci defendeu o interesse dos fósseis no conhecimento da história da Terra e descreveu, em pormenor, a fossilização. Tudo isto num tempo em que se queimava quem ousasse questionar a ordem da Criação e que pretendesse ver nos fósseis vestígios de criaturas anteriores à Divina Génese.

Décadas mais tarde, o médico e alquimista alemão Georg Bauer (1494-1555), mais conhecido por Agricola, defendia que os fósseis resultavam de seres vivos e, recuando ao pensamento aristotélico, explicava que haviam petrificado por acção do então referido “suco lapidificante”. Na mesma época, o francês Bernard Palissy (circa 1510-1589)E, vendo que não tinham representação no presente, concluiu que os respectivos indivíduos haviam desaparecido, inovando, assim, o conceito de extinção das espécies. Ao observar os Cornus Ammonis (cornos de Ammon), nome que então se dava às amonites, verificou que estes fósseis eram aparentados com os actuais náutilos.


Esta designação, vinda da Antiguidade, fora inspirada na forma dos chifres enrolados do carneiro, visto como símbolo sagrado associado ao deus Ammon-Ra [1].

Precursor da paleontologia, Palissy ficou, porém, mais conhecido como ceramista e artesão, por ter procurado imitar a porcelana chinesa, e pelos seus conhecimentos, avançados para a época, sobre nascentes e aquíferos e sobre hidráulica, nomeadamente, no que respeita o abastecimento de água às cidades. Entretanto, na Suíça, o naturalista Konrad Gesner (1516-1565) coleccionou fósseis e, na obra escrita que nos deixou, "De Rerum Fossilium”, descreveu e figurou estes achados, apesar de não se ter manifestado de forma clara acerca da sua natureza.

Ilustração de Conrad Gesner (1565) de pedras de trovão ou Belemnites
Nota: A associação destes cefalópodes enrolados aos chifres também fora feita na China, onde os fósseis de amonites tinham o nome de chifres de pedra (Jiao-shih).

Continua aqui.
A. Galopim de Carvalho

sábado, 28 de setembro de 2013

PEDRAS-TALHAS

Texto que nos foi enviado pelo Professor Galopim de Carvalho.

Pedras-Talhas, topónimo de raiz popular por que era conhecido o Cromleque dos Almendres.
Com mais três anos do que eu, o Henrique Leonor Pina, aos dezassete anos, quando o conheci, a meados dos anos 40, era um jovem adulto, pleno de entusiasmo e energia, nos seus oitenta a noventa quilos de ossos e músculos. Meu condiscípulo no Liceu Nacional André de Gouveia, em Évora, viera de Montemor para continuar os estudos no antigo 6.º ano (actual 10.º), entrara eu no 4.º. Nesse tempo, o Latim, associado à disciplina de Português, tinha lugar de relevo no ensino ao longo de três anos lectivos, entre os 4.º e 6.º anos.

Foi no começo das aulas, em Outubro, que nos conhecemos e tornámo-nos amigos. Fazíamos o mesmo percurso, por São Mamede e Buraco dos Colegiais, a caminho do liceu, ele vindo das Portas de Alconchel, eu dos arredores da Porta Nova. Nos meus verdes anos de adolescente, eu ainda mantinha o ar de rapaz miúdo ao lado de um adulto que já fazia a barba. Nesse contraste, ele via-me como aquilo mesmo que eu era e eu olhava-o como um crescido capaz de me ensinar coisas e dar protecção. Foi nesta medida que, numa das caminhadas matinais em demanda das aulas, ele, já então detentor de uma cultura invulgar num jovem da sua idade, muito bom aluno em todas as disciplinas, sabedor de tudo e mais alguma coisa, me perguntou:
- E o latim? Estás a gostar?
- Sinceramente, não. – Respondi, meio envergonhado – A professora é uma chata e as aulas são uma seca. A partir de então, os minutos da nossa caminhada conjunta passaram a ser as minhas verdadeiras e mais interessantes lições de latim.

Nas aulas, ocupadas com doses maciças de nominativo, acusativo, genitivo, dativo, ablativo e vocativo e um conjunto de textos incapazes de despertar o interesse dos alunos, a língua de Virgílio tornava-se intragável. Quase meio século depois, corria o ano de 1994, juntámo-nos de novo em Évora.

Eu estava ali como geólogo, orientando um grupo de alunos finalistas de Geologia, empenhados no trabalho de campo conducente à execução da folha n.º 40-A (Évora), da Carta Geológica de Portugal, na escala de 1:50 000, numa frutuosa colaboração da Faculdade de Ciências de Lisboa com os Serviços Geológicos de Portugal e a Junta Distrital de Évora.

O Henrique, como arqueólogo, dirigia um trabalho de escavação na Anta Grande do Zambujeiro, na vizinhança da herdade da Mitra (Valverde, freguesia de Nossa Senhora da Tourega), onde funcionava Escola de Regentes Agrícolas. Como amador que era, o Henrique fazia as suas campanhas arqueológicas por conta própria com o suporte da referida Junta Distrital, que assumia o pagamento das jornas da meia dúzia de homens e mulheres que, anos a fio, integraram o seu grupo de trabalho.

Trabalhadores rurais, inteligentes e hábeis no terreno, eram particularmente cuidadosos e interessados no trabalho, alegres e brejeiros no convívio, eles e elas, resistentes ao cansaço, ao sol e ao calor do estio. Num belo dia de Agosto, um pastor, homem de meia idade, conhecedor de tudo o que era terras em redor, passando por ali, esteve que tempos a observar o trabalho dos camaradas na dita escavação e, de vez em quando, a dar a sua opinião. Dirigindo-se ao Henrique, perguntou-lhe se já tinha visto as pedras do Alto das Pedra Talhas, na Serra de Monfurado, a poucos quilómetros dali, explicando que as ditas pedras tinham o tamanho e a forma ovóide dos grandes recipientes de barro em que, no Alentejo, se fermentava o mosto e guardava o vinho. Ofereceu-se para o conduzir até lá.

Monólito com gravuras
Particularmente sensível à perfeita e sugestiva descrição feita pelo pastor, o Pina aceitou, de imediato, a oferta e lá foram no dia seguinte, a caminho do então ainda desconhecido (para a ciência) recinto megalítico dos Almendres. Foi o deslumbramento! O sítio arqueológico que se guindou à condição de maior conjunto de menhires da Península Ibérica e um dos mais importantes da Europa, estava à vista de quem o quisesse ver, na freguesia de Nossa Senhora de Guadalupe, com fácil acesso a partir da estrada nacional de Évora para para Lisboa, ao km 10. Deste monumento restam 92 monólitos (desde pequenos blocos, pouco ou quase nada afeiçoados, a outros maiores lembrando as ditas talhas), num estado de conservação ainda muito bom, uns com pequenas covas centimétricas e outros decorados com gravuras.

Numa história recente, este local foi usado como pedreira de onde se retiraram e destruíram vários destes grandes blocos, todos eles de granito (de várias proveniências, alguns transportados de distâncias superiores a 2 km).

 Têm sido muitos e importantes os estudos realizados por diversos autores sobre esta relíquia neolítica, testemunho de várias idades, ao longo dos V e IV milénios antes de Cristo, aceitando-se hoje que “formaram dois recintos erguidos em épocas distintas, geminados e orientados segundo as direcções equinociais”.
Cromleque dos Almendres. Vista aérea dos dois conjuntos geminados
No dia seguinte, o Henrique levou-me a admirar este magnífico património que pôs o Alentejo e Portugal na rota de especialistas e de cidadãos interessados neste domínio do saber. Vi no pormenor e ouvi as primeiras explicações de um estudioso que, sendo amador, ficou na história ligado à descoberta de um dos mais importantes achados arqueológicos de Portugal.

A.Galopim de Carvalho

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

O TEMPO EM GEOLOGIA - Nota complementar

Nota complementar ao texto O tempo em geologia, publicado no passado dia 21, que nos foi enviado pelo seu autor, o Professor Galopim de Carvalho.

Ao reler o texto acima identificado, pareceu-me dever completá-lo com os elementos que se seguem.

Os avanços da Física com reflexos na avaliação da idade dos minerais e das rochas foram objecto de continuidade e aperfeiçoamento a partir dos anos cinquenta do século XX, nomeadamente, a partir do conhecimento dos tempos de meia-vida (na ordem dos milhares de milhões de anos) de alguns isótopos radioactivos presentes em determinados minerais das rochas, como são, entre outros, o isótopo 40 do potássio (40K) e o 87 do rubídio (87Rb), nos feldspatos potássicos (ortoclase, microclina) e nas micas (moscovite e biotite), ou os isótopos 235 e 238 do urânio (235U e 238U), e o 232 do tório (232Th), em outros minerais. Passou, então a falar-se de geocronologia isotópica.

As datações dos minerais e das rochas por esta via têm vindo progressivamente a enquadrar as antigas escalas litostratigráficas e biostretigráficas, integrando-as numa outra, conhecida por escala cronostratigráfica, expressa em milhões de anos, constantemente actualizada e aperfeiçoada.

Passámos, assim, a poder escalonar no tempo e em termos absolutos, a história de Terra e da Vida.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

CATEDRAIS DA TERRA

Novo texto do Professor Galopim de Carvalho, que o De Rerum Natura tem muito gosto em publicar.

“Gradualmente, pico após pico, toda a cordilheira se embebia de luz, enquanto o Sol se espraiava e dourava as cúpulas e os pináculos desta catedral de terra”.
Foi assim que a geofísica Louise Young, da Universidade de Chicago, no livro de sua autoria, The Blue Planet, (editado em português pela Editora Presença, em 1986, sob o título O Planeta Azul) se referiu, em bom estilo literário, aos cumes aguçados dos Himalaias, comparando-os às magníficas expressões arquitectónicas da religiosidade humana.

Um dos problemas que, durante mais tempo, intrigou filósofos, naturalistas e, mais tarde, geólogos foi, sem dúvida, a formação das cadeias de montanhas, ou seja, a orogénese, no jargão usado entre pares.

Para Estrabão (63 a.C.-24 d.C.), a existência de “pedras semelhantes a conchas marinhas” no seio nas camadas rochosas das montanhas, eram prova da formação destas a partir da elevação de materiais acumulados no mar, elevação que atribuía ao mesmo fogo central que alimentava os vulcões.

Mil anos depois desta visão, o persa Abu Ali al-Hussein ibn Abd-Allah ibn Sina, mais conhecido por Avicena (980-1037), afirmava que um tremor de terra elevava o solo, podendo criar uma montanha e, dois séculos mais tarde, o alemão Albert von Bollstadt, ou Alberto Magno (1206-1280), de seu nome latino, ensinava, na linha de pensamento do ilustre geógrafo grego, que o calor libertado pelo interior da Terra erguia o relevo, fazendo nascer as montanhas.

Na mesma época, o filósofo italiano Ristoro d’Arezzo (sem qualquer fundamento científico) dizia que as estrelas, ao atraírem a Terra, “como o íman atrai o ferro”, elevavam as montanhas.

No século XV, Leonardo da Vinci (1452-1519) dava um novo salto em frente ao afirmar que as conchas encontradas nas montanhas eram restos de seres vivos depositados no fundo do mar, no que foi corroborado, dois séculos depois, pelo dinamarquês Nicolau Steno (1638-1696). Estes dois mestres do saber deram corpo e força científica a uma ideia vinda da Antiguidade e que se aproxima da visão que hoje de uma parte temos desta problema.

Mas que forças colossais poderiam ter edificado tão extensas e volumosas porções de crosta?

No século anterior René Descartes (1596-1650) explicava a formação das montanhas como uma consequência do arrefecimento da Terra, uma ideia retomada por Pierre Laplace (1740-1827) nos começos do século XIX e por Émile de Beaumont (1789-1874) a meados do mesmo século.

Nesta hipótese admitia-se que, inicialmente em fusão, a Terra, ao arrefecer, teria formado uma crosta sólida, rochosa. Na continuação do seu arrefecimento, o planeta teria reduzido o seu volume e, portanto, também a sua superfície. Tal diminuição implicaria que, por exemplo, dois ou mais pontos da superfície se aproximassem entre si, criando as forças tangenciais de compressão necessárias ao enrugamento.

Podemos ter uma imagem desta concepção, susceptível de a visualizar, numa maçã cuja pele engelha devido à redução de volume, em resultado da secagem do fruto. Em resultado deste tipo de enrugamento por contracção tangencial da crosta estimava-se que, por exemplo, a largura actual da cadeia alpina correspondia apenas a 25% do total da largura dos seus estratos, imaginando-os desdobrados. Tinha havido, portanto, uma contracção tangencial, de cerca de 75%, um valor que apontava para um arrefecimento demasiadamente acentuado para ser admissível.

Por outro lado, uma tal contracção exigiria uma redução de cerca de 2Km, no raio da Terra, o que, segundo os cálculos do geofísico alemão Beno Gutenberg (1889-1960), necessitaria de cerca de 200 milhões de anos, um valor incompatível com a modernidade, conhecida, desta cadeia de montanhas europeia.

Mais de dois séculos depois, a hipótese lançada por Descartes, era ainda aceite pela generalidade dos geólogos, entre os quais, o americano James Dwight Dana (1813-1895) e o austríaco Eduard Swess (1831-1914), dois nomes grandes na história da geologia.

Os primeiros trabalhos verdadeiramente geológicos e as correspondentes reflexões dos estudiosos interessados nesta temática incidiram sobre o estudo das rochas e dos fósseis recolhidos no terreno, relacionando-o com as estruturas particulares de algumas montanhas, tomadas isoladamente.

Uma tal abordagem permitiu conhecer partes das suas histórias, sem que delas constassem as forças, tidas por misteriosas, que as haviam elevado. Nesta perspectiva distinguiram-se, no século XVIII, os trabalhos dos suíços Peter Simon Pallas (1741-1814), nos Urais, e Horace Benedict de Saussure (1740-1799), nos Alpes, e do alemão Johann Gottlieb Lehmann (1719-1767) nas montanhas do Hartz, na Alemanha.

Uma outra grande interrogação, à época, era suscitada pela ocorrência de camadas de rochas, que sabiam ser rígidas, mas que se apresentavam intensamente dobradas, testemunhando uma plasticidade (ductilidade) que não têm nas condições de pressão e de temperatura da superfície a que estão expostas.

A meados do século XIX, o geólogo americano James Hall (1818.1898) explicava a génese de uma cadeia de montanhas como sendo o resultado do enrugamento das rochas sedimentares estratificadas (em sequências cujas espessuras ultrapassam frequentemente os 10 km), depositadas durante centenas de milhões de anos, em grandes bacias, à escala de um oceano, a que deu o nome de geossinclinais.

Na perspectiva do autor, estas bacias eram mais largas do que a cadeia a que deram origem por compressão lateral. Nesta concepção, o correspondente enrugamento chega a reduzir-lhes a largura a metade do seu valor inicial. Segundo Hall, a fase de elevação da cadeia (fase orogénica) que se segue à fase de afundamento e acumulação sedimentar (fase geossinclinal) é muito mais curta, não ultrapassando, em média, os 50 Ma.

A Teoria das Translações Continentais, apresentada em 1912 pelo meteorologista alemão Alfrfred Lothar Wegener (1880-1930), reuniu num todo o trabalho de alguns autores que, isoladamente e de modo incompleto abordaram este tema.

Com esta teoria surgiu uma nova explicação para a génese das montanhas. Segundo esta engenhosa concepção geodinâmica global, que mobilizou a comunidade científica com apoiantes e opositores, os actuais continentes são porções separadas de um supercontinente único (Pangeia) à escala do planeta e afastados entre si. Wegener acrescentava que, na sua deslocação, à superfície da Terra, estes blocos (os actuais continentes) iam empurrando e levando à sua frente os sedimentos depositados no mar, enrugando-os e edificando, assim, as montanhas.

A cordilheira dos Andes, que margina a oeste o continente sul-americano, parece coadunar-se a este modelo concebido para uma deriva de Este para Oeste. Um grave senão deste novo modelo era não ter explicação para as forças capazes de promover as referidas translações. Neste quadro e numa época em que as ideias fixistas estavam ainda muito presentes na comunidade dos geólogos, esta teoria, francamente mobilista, acabou por ser abandonado. Mas não morreu. Adormeceu para acordar meio século mais tarde.

Em 1939, David Tressel Griggs (1911–1974) explicou a formação das montanhas (orogénese) pela existência de correntes de convecção do manto. Este geofísico americano, certamente influenciado pelo conceito de geossinclinal do deu colega e conterrâneo, James Hall, admitia que, numa faixa de convergência, no lado descendente, deste tipo de correntes se formava uma depressão alongada que se enchia de sedimentos, constituindo uma massa de materiais erodidos a partir das terras emersas de ambos os lados e, portanto, menos densa (na ordem de 2,7) do que o substrato oceânico (com uma densidade na ordem de 2,9) em que se afundara.

Se o afundamento atingisse profundidade suficiente (alguns quilómetros) as temperaturas e as pressões tornariam plásticos (dúcteis) os materiais que à superfície são rígidos e, portanto, quebradiços. Terminada a convecção, esta massa tenderia a elevar-se para alcançar o inevitável equilíbrio isostático.

Segundo o autor, a convecção criava a bacia de sedimentação e a isóstase, ao elevar os sedimentos ali acumulados, gerava a correspondente cadeia montanhosa. As respostas às duas grandes interrogações dos geólogos dos séculos XVIII e XIX, estavam parcialmente dada.

Nos anos 60 do século XX, a Teoria da Tectónica de Placas foi um vento que revolucionou as ciências geológicas no seu todo (geologia, geofísica, petrologia e geoquímica, entre outras). Fruto do trabalho de um conjunto de geólogos, geofísicos e geoquímicos interessados nos fundos marinhos (destaque para H.H. Hess, D. H. Mathews; F. J. Vine, J. Tuzo Wilson), realizado nos anos que se seguiram à II Guerra Mundial, esta moderníssima concepção da tectónica global não só encontrou explicação para o alastramento dos oceanos e a deriva dos continentes, como também para a orogénese, relacionando-a com as faixas de aproximação ou de colisão de duas placas.

É o que se passa na cintura orogénica peripacífica, com relevância para os Andes e as Montanhas Rochosas, e na cintura mesogea a que pertencem os Alpes e os Himalaias.

Estas cinturas constituem zonas instáveis, essencialmente formadas por crosta jovem, de idade mesocenozóica. Inicialmente horizontais, como é regra da sedimentação, as camadas desta crosta jovem encontram-se intensamente pregueadas pela compressão tangencial actuante nessas faixas. O Mediterrâneo é exemplo do que resta de uma bacia oceânica residual entre dois continentes em colisão, a África e a Eurásia. O fecho desta bacia continua a elevar os Alpes e conduzirá a uma cadeia montanhosa como é a dos Himalaias.

São conhecidas várias cadeias orogénicas antigas, escalonadas no tempo e anteriores à formação da Pangea. Duas delas tiveram lugar ao longo dos trezentos milhões de anos de duração do Paleozóico e as restantes no decurso dos milhares de milhões de anos dos tempos pré-câmbricos. Das duas orogenias paleozóicas, a mais recente, referida entre os geólogos por orogenia hercínica (do nome de uma floresta, Hersynia silva, na Alemanha) teve lugar entre o Devónico e o Pérmico.

As cadeias correspondentes a esta orogenia tiveram extensão mundial, encontrando-se hoje fragmentadas e deslocadas, em consequência da deriva mesocenozóica (ainda actual).

Na Europa, a cadeia hercínica estende-se pela Alemanha, França, sul de Inglaterra, de onde inflecte para a Península Ibérica e Marrocos. Um ramo desta cadeia está hoje do outro lado do Atlântico, fazendo parte dos Montes Apalaches.

Todo o maciço antigo português, à semelhança do de Espanha, é formado por rochas sedimentares metamorfizadas e por rochas magmáticas, em especial, granitos, que integram essa cadeia, cujo relevo já está muito reduzido pela acção erosiva do tempo que se lhe seguiu (cerca de 280 Ma). Testemunhos ainda imponentes da orogenia hercínica são, entre outros, os Montes Urais, na Rússia.

Mais antiga, a orogenia caledónica (de Caledónia, antigo nome da Escócia) desenvolveu-se ao longo de cerca de cem milhões de anos, entre o final do Câmbrico e o Devónico. Na Europa está representada na Escandinávia, na Escócia e na Irlanda, territórios que são parte de uma cadeia mais longa que se continua na América do Norte, constituindo a outra parte dos Montes Apalaches.

De extensão igualmente global, a orogenia caledónica é testemunhada por cadeias montanhosas já muito degradadas pela erosão, na Ásia, na Austrália, nas Américas e na Antárctica. Ainda mais antigas, as cadeias orogénicas do Pré-câmbrico encontram-se totalmente arrasadas pela erosão, constituindo os escudos [1] e o substrato das plataformas [2].

São as cadeias antigas, anteriores à actual deriva, isto é, as paleozóicas e as pré-câmbricas, total ou parcialmente esventradas e, de há muito, estabilizadas (cratonizadas), que possibilitaram a exposição, à superfície, de rochas geradas em profundidade, no decurso dos respectivos processos orogénicos.

Foram estas antigas montanhas que permitiram aos geólogos compreender a transformação das rochas sedimentares em metamórficas, a deformação plástica de rochas que se comportam, à superfície, como materiais rígidos e quebradiços e, ainda, o magmatismo profundo (plutonismo) e a correspondente formação dos granitos.

Uma tal exposição à superfície dificilmente acontece nas montanhas alpinas, demasiado jovens para revelarem o que ainda guardam nas suas entranhas. Afloramentos de granitos com 10Ma, nos Andes, e 2Ma, no Japão, são ocorrências raras nas montanhas alpinas.

[1] Bloco crustal rígido, à escala de um continente, essencialmente formado por rochas ígneas e metamórficas de antiquíssimas cadeias totalmente arrasadas, que não sofreu deformações orogénicas no decurso dos tempos posteriores ao Pré-câmbrico.
[2] Grandes planuras no interior dos continentes, elevadas relativamente às áreas envolventes, fazendo parte dos escudos pré-câmbricos cobertos por uma sequência sedimentar horizontal, como é, por exemplo, a do Colorado.

Galopim de Carvalho

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