sábado, 31 de julho de 2010
Três comentários
No que diz respeito a este último aspecto, apesar de algumas frases dessa entrevista serem pouco explícitas e outras equívocas, do seu conjunto ressalta a ideia, nada inovadora, de que os alunos devem transitar sempre de ano de escolaridade, visto que daí resultam mais benefícios para eles próprios do que a retenção. Este foi, aliás, o entendimento dos jornalistas que se debruçaram sobre a dita entrevista e dos políticos, da esquerda à direita, que em declarações, a jornais e canais de televisão, se mostraram frontalmente contra a possibilidade de concretização dessa ideia.
Entendo que se trata duma ideia com um forte pendor político e económico, mas não é por essas vertentes que pretendo comentá-la, mas sim pela vertente pedagógica.
Um primeiro comentário que teço incide na comparação que a ministra fez entre a avaliação que tem lugar nos sistemas educativos do sul e do norte da Europa. Ora, apesar de se aplaudir a contextualização das decisões educativas, neste assunto tal exercício falha redondamente. E falha porque a importância que se atribui à escola e ao conhecimento que ela veicula é muito diferente nestes dois contextos, em desfavor dos países do sul, com destaque para o nosso. Quando a sociedade, as famílias, os professores valorizam a escola e o conhecimento que ela veicula, é “natural” que transmitam essa atitude às suas crianças e jovens e que os incentivem a aprender, sendo que este incentivo faz toda a diferença.
Por outro lado, não é verdade que nos países nórdicos não exista retenção. A taxa de retenção é muito baixa mas, como a ministra referiu, ela existe. E ainda bem que o referiu, porque a verdade é só uma: ainda que tenhamos como objectivo - um objectivo louvável, aliás - de ter as crianças e jovens na escola, não sabemos, ou não sabemos ainda, como “ensinar tudo a todos”. Esta expressão de Coménio (1592-1670) tem sido, efectivamente, a grande ambição dos pedagogos, ambição que, apesar do conhecimento de que hoje dispomos, ainda não conseguimos concretizar.
Um segundo comentário prende-se com as extrapolações que se fazem dos dados de estudos científicos. Vejamos: no caso, estamos a falar daquilo que se se designa por "avaliação sumativa", a qual serve para classificar as prestações académicas dos alunos e, assim, diferenciá-las numa escala, o que permite, em certas circunstâncias, decidir a sua passagem ou reprovação e/ou atribuir-lhe um certificado.
Ora, é esta avaliação que está em causa, ou melhor, as decisões que dela decorrem. Nesse sentido, invocam-se estudos que indicam que a retenção dos alunos não melhora o seu rendimento escolar. Dados que, numa leitura apressada, nos levariam a pensar que é preferível não os reter, deixá-los progredir, para que o seu rendimento escolar melhore. Porém, não é isso o que acontece, pois, se deixarmos avançar os alunos que segundo critérios de ciclo ou de ano ficariam retidos, verificaremos que eles não progridem nas aprendizagens escolares como os seus pares que transitariam sem problemas, acentuando-se as diferenças à medida que avançam, uns e outros, na escolaridade.
Além disso, há estudos que indicam que os exames mais do que importantes, são fundamentais para as próprias aprendizagens: quando se fazem exames que são vistos como sérios, os alunos aprendem mais e as suas aprendizagens revelam-se mais consolidadas. Isto acontece porque, nesta circunstância, muitos, ainda que não todos, percebem que têm de estudar, de fazer um esforço que depende em grande medida deles para se apropriarem dos conhecimentos, para os integrarem na sua estrutura cognitiva.
Um terceiro comentário prende-se com o facto de a ministra ter referido que se devem assegurar apoios vários aos alunos que não aprendem como é desejável. Concordando, evidentemente, com esta estratégia, que se afigura incontornável na escola do presente, na medida em que todos têm o direito de aprender, considero, no entanto, que aqui há um duplo problema que é o seguinte: em geral, o apoio, no caso de acontecer, acontece muito tempo após os primeiros sinais preocupantes revelandos pelo(s) aluno(s) ou pela turma, e dispensa profissionais especializados no apoio a alunos e a professores.
Assim, os problemas de aprendizagem (alguns dos quais são de ensino) que as crianças e jovens revelam vão-se arrastando e, obviamente, agravando até se tornarem problemas sem solução, sendo certo que muitos deles se resolveriam se a intervenção fosse atempada e adequada.
Em suma, e tendo em conta as palavras da ministra, não posso deixar de perguntar: o que fazer com os alunos que não adquirem os conhecimentos nem desenvolveram as capacidades cognitivas, relacionais, motoras, consideradas como fundamentais para um determinado ano lectivo e ciclo? Transitam para o(s) próximo(s)? E se não fizerem as aquisições neste, transitam para o próximo? Até onde?
(Próximas) medidas para a avaliação da aprendizagem
Países nórdicos não chumbam. É possível reter um aluno, mas acontece muito raramente. Na Finlândia, Suécia, Noruega e Dinamarca, a retenção atinge 1%. Quando acontece deve-se habitualmente a ausências prolongadas por doença, por exemplo. Em vez de chumbar, os alunos com mais dificuldade têm apoio extra.
França recordista de chumbos. No países da OCDE com mais repetência, 25% dos alunos de 15 anos já chumbaram pelo menos uma vez no 3.º Ciclo. Seguem-se Luxemburgo, Espanha e Portugal.
Medida ineficaz. Vários estudos demonstram a ineficácia dos chumbos. Na Finlândia, um dos países onde há menos repetência, só 1% dos alunos de 15 anos não têm competências básicas de leitura, o valor mais baixo da OCDE. Já em França em estudo de 2004 revelou que metade dos que chumbam no 1.º Ciclo abandona a escola sem nenhuma qualificação ou só com o básico concluído. A OCDE recomenda, por isso, aos países que reduzam o insucesso e adotem o exemplo nórdico.
Chumbos custam 600 milhões de euros. Não existem números oficiais, mas as contas ao custo dos chumbos, a partir da despesa anual por aluno, apontam para um gasto em Portugal de cerca de 600 milhões de euros por ano a essa questão: se os resultados não são consentâneos com as nossas expectativas, vamos focalizar a nossa atenção no que é essencial. Nesses países deu resultado.
(...)Também vai definir metas qualitativas de sucesso a atingir os alunos? O que é importante é termos os instrumentos que permitam às escolas e aos professores perceber se estão a melhorar. Temos uma monitorização externa, com os exames e as provas de aferição, e temos a repetência, que é a fórmula aplicada sobretudo nos países do Sul da Europa e que não tem contribuído para a qualidade dos sistema. As crianças repetem o ano e essa repetição quase nunca é benéfica em termos de evolução da aprendizagem.
Qual é a alternativa? O que todos os países do Norte da Europa fazem. Se disser a um inglês que o seu filho passou, ele nem percebe do que está a falar. A alternativa é ter outras formas de apoio, que devem ser potencializadas para ajudar os que têm um ritmo diferenciado. E nós já temos muitas: temos aulas de apoio aos alunos, estudo acompanhado, projectos especiais com mais professores e técnicos.
Pondera então alterar as regras de avaliação durante o seu mandato? Pondero. Mas ainda não chegámos a um consenso. Deve haver uma audição dos parceiros, das escolas e dos docentes para encontrar uma alternativa em que aspessoas se reconheçam.E está disposta a lançar esse debate para acabar com os chumbos? Sem dúvida. As reformas impostas, concebidas por um grupo de pessoas que propõem uma alternativa radical e em que as pessoas não se revêem, não são compreendidas.
Muitos dificilmente concordarão com o fim da retenção. Por uma questão de tradição. Porque é muito difícil que as pessoas mudarem e acreditarem que há uma alternativa muito diferente e melhor. Quem esteve noutros países apercebe-se facilmente do que estou a dizer. Mas quem conheceu sempre um modelo só vê essa alternativa. Nos últimos 30 anos, houve uma alteração radical da educação e na frequência da escola. Uma educação que não se transforma não está a melhorar. Mas às vezes as pessoas agarram-se a uma ideia romântica, de que o que havia antes continua a servir bem.
Novas edições da Classica Digitalia
O Conselho Editorial da biblioteca Classica Digitalia tem o gosto de anunciar 3 novos livros, um dos quais em co-edição com o Centro de Estudos Clássicos e o Centro de História da Universidade de Lisboa.
Conforme é prática dos Classica Digitalia, todos os volumes são editados em formato tradicional de papel e também na biblioteca digital de acesso livre.
Colecção Autores Gregos e Latinos – Série Textos Gregos
- José Luís Lopes Brandão: Plutarco. Vidas de Galba e Otão. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2010). 128 p. Hiperligação: PVP: 9 €
- Marta Várzeas: Plutarco. Vidas Paralelas – Demóstenes e Cícero. Tradução do grego, introdução e notas (Coimbra, Classica Digitalia/CECH, 2010). 199 p.Hiperligação: PVP: 12 €
Colecção Humanitas Supplementum (Estudos)
- Maria Cristina de Sousa Pimentel e Nuno Simões Rodrigues (Coords.): Sociedade, Poder e Cultura no Tempo de Ovídio (Coimbra, Classica Digitalia/CECH/CEC/CH, 2010). 288 p.Hiperligação: PVP: 29 € [capas duras]
CAMINHOS NEURONAIS
Nova crónica de António Piedade saída no "Diário de Coimbra":
Caminho adentro um trilho florestal debruado por pinheiros e eucaliptos. As folhas acompanham-me com os versos do poeta andaluz, Manuel Machado: “…caminante no hay camino, se hace el camino al andar”. De facto, só ao caminhar desvendo o fluir do caminho, os seus trilhos efluentes, as suas sendas que ficam inexoráveis para trás.
Caminho à beira-mar com a água salina a ondular a areia em vagas pulsantes. A cada onda, desaparecem os rastos dos meus passos. É como se a água levasse o caminho feito. A cada onda, renova-se o areal horizonte de meus passos futuros, como se uma nova folha se esbranquiçasse para receber, novamente virgem, o traço seguinte.
Caminho ao longo de um axónio imaginário, prolongamento celular nervoso que nasce do corpo neuronal e se espraia até à enseada da sua ligação, ou sinapse, com o neurónio a quem passa o testemunho de uma mensagem que flui. Flui como uma onda salina de potássio e sódio, propulsionada por uma acção potencial de natureza electroquímica. A passagem de testemunho tem cambiantes químicos que modelam a mensagem com neurotransmissores específicos: serotonina e noradrenalina associadas ao “humor”; dopamina ao controlo motor; acetilcolina à aprendizagem e memória; ácido gama-aminobutírico à inibição; glutamato e aspartato à estimulação; et cetera.
A vaga neurotransmissora banha o neurónio pós-sináptico, passo seguinte, e uma nova onda se espoleta e conflui com milhares de outras vindas de tantos outros neurónios, numa raiz dendrítica que encorpa no integrante corpo celular.
E assim, de sinapse em sinapse, passo a passo, a mensagem faz o seu caminho e a via neuronal se estabelece, consequente, numa acção causal de efeitos complexos ainda pouco estabelecidos, porque muitos são os caminhos e muitas as suas intercomunicações em rede.
Constelações neuronais em estruturas cerebrais específicas, delineiam caminhos e destinos ainda por identificar e relacionar com acções e sensações, com pensamentos e palavras.
Alguns peregrinos, como Xim Jin e Rui M. Costa, encontraram em faróis banhados por vagas dopaminérgicas, os contornos iniciais e finais de gestos sequenciais (aqui).
Outros peregrinos, como Vivien Chevaleyre e Steven A. Siegelbaum, percorreram os caminhos definidos por diferentes tipos de neurónios piramidais que se alinham no hipocampo e que se sabiam estarem envolvidos, de alguma forma, no estabelecimento de uma memória espacial essencial à repetição do gesto (aqui). Especificamente, identificaram que neurónios piramidais, do tipo CA2, desempenham um papel que inverte a força das vagas no palco sináptico: “dão” mais ímpeto às mensagens longínquas vindas do córtex e “abafam” as dos seus vizinhos piramidais do tipo CA3, neurónios também do hipocampo.
Um dia, se o sonho tiver natureza neuronal, peço emprestado o verso ao poeta luso António Gedeão e digo que “Eles nem sabem nem sonham, que o sonho comanda à vida” e que é pelo sonho que caminhamos!
Chumbar não ajuda em nada os alunos, Alçada dixit
Link aqui.
Claro, é isso mesmo que se deve fazer. Não chumbar. Porque isso é uma chatice e estraga as férias. E já agora, porque não acabar com os exames, e as aulas (que são uma seca com o bom tempo que está), e a obrigatoriedade de fazer os trabalhos de casa, e qualquer tipo de trabalho ou obrigação que os alunos tenham. Não. Acabemos com isso tudo, porque em nada os ajuda.
É claro que depois há a correlação com o mundo real. Mas talvez a ministra esteja a pensar colocar Portugal num mundo virtual 3D (estilo Second Life), onde não se chumbe, toda a gente tenha muito dinheiro, um desses empregos onde não se trabalha e não se é avaliado (só mesmo num mundo virtual), carreira, sucesso, montes de férias, bens materiais, etc., onde sejam "felizes".
Porque no mundo real, aquele que a ministra Alçada não faz a mínima ideia como funciona, as pessoas chumbam, perdem concursos, são avaliadas diariamente, têm de ser competitivas, têm de desenvolver capacidades e colocá-las à prova, passam por momentos difíceis (e têm de passar por eles para se prepararem), têm de ser criativas, têm de ser empreendedoras, têm de aprender a ser persistentes, caem e têm de aprender a levantar-se e a prosseguir. No mundo real existem insucessos, o dinheiro é difícil de obter, é preciso trabalhar arduamente e as coisas são obtidas com esforço e dedicação. E ainda bem que existem insucessos, porque se aprende muito com isso. Aliás, aprendemos mais com o insucesso do que com o sucesso. Querer decretar o fim do insucesso, escondendo aos alunos que há tempo para tudo mas que é necessário trabalhar, ser responsável, gerir o tempo, ter objectivos e persegui-los, é verdadeiramente irresponsável e assustador.
Isto é a materialização de "Uma Aventura no Governo de Portugal", por Isabel Alçada.
:-(
Nomes próprios e apelidos
Uma Sofia ignorante? É uma questão de antonímia!
Ana é um doce nome de mulher. Perde a musicalidade com o casamento: senhora D. Ana. É uma questão de estado civil!
Uma feia Anabela, não se livra do comentário. “Anabela? Hum! Ana…feia! É uma questão de genética!
Minha Mãe teve uma amiga, de sua graça Felisbela que, de quando em quando, pondo os olhos em alvo, em longo e inconformado suspiro, dizia: “Bela não direi que não, agora feliz?!” Em boa verdade, era muito, mas mesmo muito, infeliz. Tanto como uma desgraçada nubente a quem o noivo foge, com a sua melhor e bela amiga, na véspera da boda. Mas essa não a sua desdita maior: era bem mais feia do que infeliz! Feia como as coisas feias. Apesar de tudo, tivera sorte. Ninguém se chama Infelizfeia! É uma questão de bom senso!
O FIM DA FIESTA
Minha crónica no "Público" de hoje:
A última corrida em Barcelona será neste ano ou no próximo. A partir de Janeiro de 2012, poderá haver sol, mas não haverá mais touros, não só na Monumental de Barcelona como em toda a região catalã, por decisão tomada pelo Parlamento da Catalunha na passada quarta-feira por 68 votos a favor, 55 contra e 9 abstenções. A votação ocorreu na sequência de uma petição dirigida ao Parlamento por 180 000 cidadãos e de um debate público, com posições muito marcadas dos dois lados. O resultado foi visto, politicamente, como uma vingança regional depois de o Tribunal Constitucional em Madrid, no início de Julho, não ter aceite alguns pontos do novo Estatuto da Catalunha. O fim das corridas seria, nessa perspectiva, um pronunciamento anti-espanhol.
Eu, que não sou anti-espanhol, sinto-me nesta altura catalão. Sempre admirei Barcelona, em particular o seu ambiente cosmopolita e a sua vontade empreendedora. Estive na festa das ruas, há muitos anos, quando foi anunciada a vitória da candidatura barcelonense à organização dos Jogos Olímpicos. Depois, quando decorriam esse Jogos, estava a dar aulas nos Estados Unidos, e, para explicar aos alunos de onde é que eu era, ajudou dizer que a minha terra era perto de Barcelona, indicação que me pareceu encaixar bem no sentido vago de geografia europeia que tem um jovem estadounidense. Hoje, quando falo com colegas de Barcelona, fico sempre com a ideia que eles nos estão, ainda que subliminarmente, a propor uma aliança contra a Espanha representada por Madrid. De facto, a nossa independência ficou a dever-se precisamente à Catalunha, pois Madrid, perante duas revoltas quase simultâneas, decidiu enfrentar a que lhe parecia mais importante... Em 7 de Junho de 1640 irrompia na Catalunha uma revolta contra o centralismo do Conde-Duque de Olivares, o primeiro-ministro do rei Filipe IV (III de Portugal). O rei ordenou então ao Duque de Bragança que comparecesse em Madrid para ir com ele a Barcelona colaborar no movimento de repressão, mas o duque recusou-se a obedecer. O resto da história é conhecido: a Espanha ficou com a Catalunha, mas sem Portugal.
Não tenho ilusões: este movimento catalão contra os touros é um movimento contra o centralismo madrileno. O touro é o símbolo de Espanha, em boa parte devido à marca de brandy de xerez que ergueu touros gigantes ao longo da paisagem espanhola. Pela parte que me toca declaro-me, porém, contra a “festa brava”, sem com isso me sentir inimigo de Madrid. Simplesmente acho que o espectáculo de touros é bárbaro. Revejo-me nos argumentos que Jorge Wagensberg, director do Museu de Ciência de Barcelona, e Jesús Mosterín, professor de Filosofia na Universidade de Barcelona, sustentaram no debate. Wagenberg apareceu no Parlamento de bandarilha na mão, como um físico que faz uma experiência, para mostrar que o touro sofre mesmo. E Mosterín foi ainda mais longe, ao comparar o castigo infligido aos touros com a remoção do clitóris em certas sociedades africanas: ao fim e ao cabo eram ambas práticas tradicionais.
José Saramago, apesar de ser ribatejano, também não simpatizava muito com as corridas de touros, nisso contrastando com outro laureado Nobel, Ernest Hemingway, autor de Fiesta. Escreveu Saramago num dos seus Cadernos de Lanzarote: “O touro vai morrer. Dele se espera que tenha força suficiente, brandura, suavidade, para merecer o título de nobre. Que invista com lealdade, que obedeça ao jogo do matador, que renuncie à brutalidade, que saia da vida tão puro como nela entrou, tão puro como viveu, casto de espírito como o está de corpo, pois virgem irá morrer (...) Só mais tarde perceberei que o touro, a partir de um certo momento, embora continue vivo, já não existe, entrou num sonho que é só seu, entre a vida e a morte”.
A sua mulher Pilar del Rio, a andaluza que agora quer ser portuguesa, retorquiu: “Tu não podes compreender”. E o escritor não se ficou: “Tens razão, não compreendo, não posso compreender”. Por uma vez estou de acordo com Saramago: eu também não compreendo.
sexta-feira, 30 de julho de 2010
A MAFIA INVENTA O BARÓMETRO 2
Também tinha amigos. Do tipo certo. Estes incluíam Raffaello Magiotti, Evangelista Torricelli, Emmanuel Maignan, Athanasius Kircher, Niccolò Zucchi e, evidentemente, Gasparo Berti. Tratava-se da máfia romana. Algures entre 1639 e 1641 — as datas foram eliminadas —, Berti realizou uma experiência na sua casa de Roma. Os mafiosos Kircher, Magiotti e Zucchi estavam lá; Maignan não estava presente e o paradeiro de Torricelli é desconhecido. Existem quatro relatos da experiência, três elaborados pelas testemunhas oculares e um por Maignan, que foi informado dos acontecimentos por Berti, uma semana mais tarde. Os relatos diferem nos pormenores e as interpretações dos resultados chocam violentamente.
De acordo com Maignan, «uma das mentes mais brilhantes do século XVII», a experiência estava montada aproximadamente da seguinte forma. Berti prendeu com um grampo um longo tubo de chumbo, pelo menos com «quarenta palmos» de altura, ao exterior da sua casa. O fundo do tubo, que terminava num barril de água, foi equipado com uma válvula. Por cima da extremidade superior estava selado um balão de vidro, o qual estava também equipado com uma torneira de passagem. Os autores da experiência fecharam a torneira de passagem inferior e depois, de uma janela de uma torre, encheram todo o tubo, incluindo o balão de vidro, através da válvula superior. A torneira de passagem superior foi fechada e a inferior foi aberta. Tensão. Suspense. O nível de água cai — mas não por completo.
Os autores da experiência baixam uma sonda pelo tubo, para determinar a altura da água. Chegam os dados: dezoito cúbitos. Trata-se da altura a que Galileu afirma que uma bomba pode elevar a água. O nível de água mantém-se durante um dia. A experiência é repetida com algumas variações. Os dados são sólidos. Mas o que é o espaço por cima da água? Quando os filósofos abriram pela primeira vez a torneira de passagem superior, para baixar a sonda, ouviram um som muito alto, quando o ar se precipitou no interior. Ar a precipitar-se para o interior — é essa a perspectiva de Maignan. A queda do nível de água no tubo, portanto, deverá ter deixado um vazio. Os outros mafiosos não estão convencidos. Os plenistas argumentam que o ar penetrou pelos poros do chumbo ou do vidro para preencher o espaço deixado pela água em queda. Kircher, segundo parece, sugere colocar um pequeno sino na ampola de vidro e atrair o badalo para um lado com um íman. Se existir vazio no interior do balão, nenhum som será audível. Maignan objecta que o próprio vidro conduzirá o som e nenhum documento do Panóptico esclarece se a experiência chegou a ser realizada.
Hoje a revelação teria conquistado um Prémio Nobel. Na altura as notícias eram mantidas dentro da família. Tratava-se de um grupo muito chegado, a julgar pelas cartas que trocavam, deleitando-se nas perspectivas da idade de ouro que se abria perante eles. Também poderiam arvorar dúvidas quanto à inquisição. É o vazio, sabe. Em 1648, alguns anos após a experiência de Berti, Raffaello Magiotti, que lá esteve, escreveu uma carta ao padre Mersenne, de Paris, mencionando que tinha falado a Torricelli do tubo de Berti e que «eles» tinham desde então realizado muitas demonstrações com mercúrio. Eles.
A ligação do mercúrio. Torricelli, nascido a 15 de Outubro de 1608, tinha frequentado a Universidade de Roma e tornara-se um matemático de renome. Diz-se que era uma pessoa encantadora. No final de 1641 estava a trabalhar como assistente de Galileu, mas Galileu morreu três meses depois, sendo seguido pelo próprio Torricelli em 1647. Entretanto, o grão-duque Fernando II nomeou Torricelli filósofo e matemático em Florença, uma combinação de nomeações rara nos dias que correm. Permaneceu em Florença, publicando até à sua morte, que esperamos tenha ocorrido em melhores circunstâncias que a de Galileu.
A ideia de usar mercúrio num dispositivo semelhante ao de Berti poderá ter vindo desse arqui-inimigo da pressão do ar, Galileu (talvez se tivesse arrependido). Numa cópia da edição original dos Discursos de Galileu, de 1638, aparece uma nota marginal escrita pela mão do seu assistente da altura, Vincenzio Viviani, «com a aprovação do próprio Galileu». A nota refere: «Acredito
que o mesmo resultado ocorrerá noutros líquidos, como o mercúrio, o vinho, o óleo, etc., nos quais a ruptura ocorrerá a uma altura inferior ou superior às 18 braças, de acordo com a maior ou menor gravidade específica [densidade] desses líquidos em relação à água.» Viviani é um grande amigo de Torricelli. Pois. Os acontecimentos tornam-se obscuros. O primeiro relato integral da famosa experiência de Torricelli, descrita por Asimov e Bolle com pormenores hiper-realistas, surge dezanove anos depois dos factos. Em 1663, um tal Calo Dati, discípulo de Torricelli, publicou sob pseudónimo cartas de Torricelli ao seu melhor amigo, Michelangelo Ricci, que também poderá ter estado presente na experiência de Berti. Essas cartas relatam as primeiras experiências com mercúrio, ou seja, o barómetro.
A 11 de Junho de 1644, Ricci escreveu a Torricelli:«Sinto uma grande ânsia de conhecer o resultado dessas experiências que me indicaste.» Torricelli pôs no papel a sua famosa resposta no mesmo dia:
Já te dei a entender que estavam a ser realizadas algumas experiências filosóficas relativas ao vazio, para produzir não apenas o vazio mas também um instrumento que poderia evidenciar as alterações do ar, ora mais pesado e grosseiro, ora mais leve e mais subtil. Muitos afirmaram que [o vazio] não pode ocorrer; outros dizem que ocorre, mas com a repugnância da natureza.
A seguir Torricelli defende o seu próprio ponto de vista, segundo o qual a questão não é o vazio e este poder ser produzido. Depois a frase imortal: «Noiviviamo sommersi nel fondo d’un pelago d’aria elementare»:
Vivemos no fundo de um oceano de ar elementar, o qual se sabe, por experiências incontestáveis, que tem peso, e tanto peso que a parte mais pesada, perto da superfície da Terra, pesa aproximadamente um 400 avos do peso da água.
Depois diz: «Nós construímos muitos vasos de vidro [...] com aberturas de duas varas de comprimento.» Nós. Os tubos, fechados numa das extremidades, eram preenchidos com mercúrio, de modo que não restasse nenhum ar na extremidade encerrada, sendo depois invertidos numa bacia de mercúrio: conforme Asimov descreve, o mercúrio cai, mas não completamente. Torricelli compreende claramente que não é o vazio a exercer uma força insuficiente sobre o mercúrio:
Afirmo [...] que a força provém do exterior. Sobre a superfície do líquido, na bacia, é pressionada uma altura de cinquenta milhas de ar; porém, que maravilha, se o mercúrio entra no [tubo de] vidro [...] ascende até ao ponto em que se encontra em equilíbrio com o peso do ar exterior que o empurra! A água, então [...] irá ascender a cerca de 18 varas, o que quer dizer que vai muito mais alto do que o mercúrio, dado que o mercúrio é muito mais pesado do que a água, a fim de entrar em equilíbrio com a mesma causa, que empurra um e a outra.
Assim, temos uma compreensão absolutamente moderna da pressão do ar e da invenção do barómetro, que mede essa pressão. Uma compreensão mais moderna do que a expressão moderna indicaria: não chupamos o sumo pela palhinha; a pressão do ar é que o empurra para a nossa boca.
Mas repare-se: «Nós construímos muitos vasos de vidro.» Nós. De acordo com Dati, que, como sabemos, foi o primeiro a relatar a experiência, dezanove anos após a ocorrência dos factos, Torricelli não a realizou. Previu o resultado, a Viviani, que arranjou o mercúrio, mandou construir o aparelho e verificou a previsão do seu amigo. Temos, assim, uma divisão familiar do trabalho: um teórico e o autor da experiência.
E que dizer das actividades de Torricelli junto às docas, prendendo tubos de vidro preenchidos com água e vinho aos mastros dos grande navios? Parece tratar-se de uma confusão com Blaise Pascal, que levou a cabo essas demonstrações em 1647, para deleite do público francês — na fábrica de vidro de Rouen. Assim ficaram para sempre ligadas as três delícias sensuais: vinho, água e barómetros.
Pascal, consta, escreveu ao seu cunhado, Florin Perier, sugerindo que levasse um barómetro pelo Puy-de-Dôme acima, para verificar se o peso do ar variava com a altitude. Descartes também reclama prioridade pela ideia, e na verdade a análise de textos indica que a carta de Pascal ao cunhado poderá ser forjada. Vá-se lá saber. A 19 de Setembro de 1648, Perier escalou realmente o vulcão. A altura do mercúrio no barómetro caiu. Já não havia qualquer dúvida: a pressão do ar variava com a altitude. O vazio foi abandonado, com horror. É verdade: vivemos no fundo de um oceano de ar elementar, do qual se sabe, por experiências incontestáveis, que tem peso.
Na imagem: Evangelista Torricelli.
A MÁFIA INVENTA O TERMÓMETRO 1
Os compêndios contam metade: «Entre outras unidades [de pressão] de uso corrente encontram-se a atmosfera, o milímetro de mercúrio — ou torr — e o milibar.» Bolas. É uma maldição do maior calibre: foi promovido de pessoa a unidade e perdeu o nome. Truncado e posto em letra minúscula, a prova provada de que se desvaneceu no pano de fundo cultural, à semelhança da sua invenção, que se encontra pendurada sem qualquer fim nas paredes dos restaurantes de portos. Por vezes um autor lá deixa cair o seu nome completo. A referência é invariavelmente lacónica: «Um outro instrumento usado para medir a pressão é o barómetro comum, inventado por Evangelista Torricelli (1608-1647).» Pressão do ar, barómetro. Ah. Uma vez por outra, quando um autor perde a cabeça, Torricelli tremeluz momentaneamente em forma humana.
Berte Bolle, na sua história do barómetro, diz corajosamente:
Torricelli montou o tubo com mais de dez metros de comprimento na sua casa, com o topo a sair pelo telhado. Pôs um pequeno boneco de madeira a flutuar na água no topo do tubo; com mau tempo, a altura da coluna baixava de tal forma que o boneco já não podia ser visto da estrada, enquanto com o tempo bonito flutuava, alto e distinto, onde todos o podiam ver. Em breve correu o boato de que mestre Torricelli tinha um pacto com o Diabo e o barómetro de água foi rapidamente retirado!
Estamos convencidos. Mas espere aí. No relato de Sheldon Glashow, Torricelli leva a cabo o seu trabalho herético precipitando-se numa correria ao longo do cais para gáudio dos espectadores. Os boatos, evidentemente — e a Inquisição — não o conseguiram impedir: «Torricelli enchia longos tubos, selados numa das extremidades, com líquidos como mel, vinho e água do mar, e amarrava-os com firmeza na posição vertical ao mastro dos navios. Constatou que a altura da coluna dependia apenas do peso total do líquido contido no seu interior.»
Isaac Asimov, evitando o drama em favor do conhecimento, apresenta uma história completa para edificação dos seus leitores. O imortal Galileu, patrão de Torricelli, sugeriu ao seu assistente que investigasse o motivo pelo qual as bombas de água eram incapazes de elevar o líquido a mais de dez metros acima do seu nível natural. Isso é que eram bons tempos. A ciência chamava-se filosofia, Aristóteles imperava e a natureza tinha horror ao vazio. A posição de Galileu era puramente aristotélica: as bombas criam um vazio parcial acima da água e a água precipita-se para o preencher.
O vazio suga. Evidentemente, porém, a capacidade de sugar do vazio tinha limites — cerca de dez metros. Asimov transmite os pensamentos de Torricelli:
Ocorreu a Torricelli que a água era elevada não porque fosse puxada pelo vazio, mas porque era empurrada pela pressão normal do ar. Ao fim e ao cabo, o vazio na bomba produzia uma baixa pressão do ar e o ar normal no exterior da bomba empurrava com mais força.
Em 1643, para pôr à prova essa teoria, Torricelli recorreu ao mercúrio. Dado que a densidade do mercúrio é 13,5 vezes superior à da água, o ar só o deveria elevar a 1/13,5 vezes a altura a que elevava a água, ou seja 76 cm. Torricelli encheu um tubo de vidro com 1,80 m de comprimento de mercúrio, tapou a extremidade aberta, colocou-o verticalmente numa taça de mercúrio, destapou-o e viu o mercúrio a sair pelo tubo, mas não na totalidade: 76 cm de mercúrio mantiveram-se, conforme seria de esperar.
Um pormenor admirável. É como se estivéssemos ali com Torricelli. «Passa-me o mercúrio», diz ele. Totalmente inconciliável, então, com este comentário retirado do ciberespaço: «Em 1643, Torricelli propôs a sua experiência, que foi realizada pelo seu colega Viviani.»
Um pormenor. Pois...
A verdade é que ninguém tem bem a certeza do que se passou. Sabemos que eram ambos italianos e que eram amigos. Hoje formariam um grupo de investigação. Quando um grupo de investigação monopoliza uma área chamamos-lhe uma máfia. Na altura, tal como agora, o cientista mais antigo fica com os louros. Para compreender aquilo de que ninguém tem a certeza, regressamos ao despontar do século XVII. A contra-reforma na Europa está em curso, a inquisição está a aquecer, Galileu condescendentemente ignora a descoberta de Kepler de que as órbitas planetárias são elipses e não círculos. Newton ainda não nasceu. Em terra, a questão filosófica na ordem do dia é a possibilidade do vazio.
Não é possível. A resposta é óbvia; vamos andando para o julgamento de bruxas de hoje. Essa é pelo menos a opinião universal corrente, já com 900 anos. Qualquer objecção terá de se confrontar com uma citação da autoridade suprema: Aristóteles. Aristóteles, na sua frase tantas vezes citada, declarou: «A natureza tem horror ao vazio» (o que quer que Aristóteles tenha declarado, declarou-o em grego antigo, mas esta é a tradução habitual e ele acreditava nisto). Aristóteles apresentou alguns argumentos contra o vazio, tanto físicos como lógicos. Primeiro é necessário compreender que no mundo de Aristóteles — e no mundo do século XVI — não existem átomos. A água é uma substância contínua.
Dividir a água em pedaços cada vez mais pequenos conduz apenas a pedaços cada vez mais pequenos, até ao infinito. Não há motivo para supor que a divisão conduzirá a um estado composto por partículas últimas entre as quais não existe nada. Não, o universo está cheio; é um espaço pleno cheio de matéria (por oposição a um vazio). Mais do que isso, no mundo pré-Galileu não existe o conceito de inércia, a ideia de que, sem interferência, um objecto se desloca a uma velocidade constante. Pelo contrário, a velocidade de um objecto depende da resistência do meio no qual se desloca. Um vazio — o vácuo — não oferece resistência. Desse modo, a velocidade de um objecto que se deslocasse através do vazio seria infinita. É claramente um absurdo.
Trata-se de argumentos físicos que Aristóteles levantou contra o vazio. O seu argumento lógico principal é que a posição de um objecto — o seu lugar — é sempre entendida enquadrada nos limites interiores de um corpo que o rodeia. Os não-filósofos designam-no por contentor. No entanto, o vazio não tem propriedades.
De um objecto no seu seio não se pode dizer que se encontra em nenhum tipo de lugar. Nem se poderia dizer que um objecto se desloca no interior de um vazio (dado que não possui propriedades para distinguir os locais). Assim sendo, um objecto não pode ter um lugar a menos que se encontre no seio de alguma substância. O vazio é impossível, com base em argumentos lógicos.
Se o vazio é impossível com base em argumentos lógicos, isso significa que Deus não o poderia produzir mesmo que quisesse. Essa questão perturbou os teólogos do século XIII. Por esse motivo, no século XVII as pessoas estavam dispostas a discutir a questão. Porém, a opinião dominante era que o vazio era pelo menos uma impossibilidade física, ainda que não fosse uma impossibilidade lógica.
No Panóptico Contemporâneo de Conceitos Passados e Presentes, as exposições sobre vazio e pressão estão dispostas lado a lado. Por aqui, por favor. Da nossa perspectiva, é difícil ver como um conceito razoável de vazio poderia emergir sem um conceito razoável de pressão. Um discípulo anónimo do século XIII do filósofo Jean de Némore compreendeu que a pressão num líquido aumentava com a profundidade, mas a publicação do livro de Némore em que a discussão aparece foi atrasada três séculos. Isaac Beeckam (1588-1637) parece ter aceitado a ideia de um vazio e em 1614 escreveu no seu diário que o ar tem peso e exerce pressão sobre os corpos que se encontrem por baixo, pressão que aumenta com a profundidade do ar. Apesar destes faróis isolados de discernimento, não surgia um entendimento claro do conceito de pressão. O ar não tem peso.
Dois anos antes de Beeckam compreender os aspectos essenciais do problema, Galileu, num acesso de rancor, exprimiu a sua sabedoria universal: «Ainda que então adicionemos uma quantidade muito grande de água por cima [do sólido], não iremos por esse motivo aumentar a pressão ou o peso das partes que cercam o referido sólido.» Um ano depois de Beeckam, em 1615, Galileu prosseguiu as suas negações: «É de notar que todo o ar em si mesmo e por cima da água não pesa nada [...]. E que ninguém fique surpreendido por o ar não pesar nada, pois é como a água.»
Sobre este pano de fundo, Giovanni Batista Baliani (1582-1666), de Génova, escreveu a Galileu em 1630 para relatar os resultados de uma experiência. Tinha tentado transvasar com sifão a água de um reservatório sobre uma colina com cerca de 21 m de altura e o sifão não funcionou. O sifão, num procedimento conhecido dos ladrões de gasolina da actualidade, foi inicialmente preenchido com água e colocado sobre a colina. Mas quando o tubo foi destapado o nível de água do lado do reservatório voltou a cair para cerca de dez metros. Mistério? Não para Galileu. Condescendeu em responder a Baliani que a resposta era óbvia: a força do vazio elevava a água, mas estava limitada a dez metros. Baliani esteve mais perto da verdade: achava que o vazio era possível e que a água e o ar tinham peso.
(continua)
quinta-feira, 29 de julho de 2010
Universidade, Opiniões e Bom Senso
“Uma boa linguagem é a própria essência do pensamento” (Charles Peirce, 1839-1914).
Se as coisas fossem simples, a ponto de não haver “uma necessidade premente de mostrar a sua complexidade” (Marcel Proust), não seria obrigado a preocupar-me com simples opiniões que por aqui aparecem sob vestes sagradas em que cada palavra me obriga a procurar o seu significado lexical. Esta situação muito se agrava porque “tão pobres somos que as mesmas palavras servem para exprimir a mentira e a verdade”, na opinião de Florbela Espanca.
Vem agora à baila o conceito de Universidade e seus objectivos. E cá me acho eu novamente a procurar referências num dicionário. Universidade: “Instituição de ensino e pesquisa constituída por um conjunto de faculdades e escolas destinadas a promover a formação profissional e científica de pessoal de nível superior, e a realizar pesquisa teórica e prática nas principais áreas do saber humanístico, tecnológico e artístico e a divulgação dos seus resultados à comunidade científica mais ampla”(Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, tomo XVIII, p. 8.025).
Em comentários ao meu post ,“Ainda a Polémica sobre o Historiador José Hermano Saraiva” (26/07/2010), são feitos o ataque e a defesa do papel da Universidade em Portugal. A sua defesa começa, começa bem, em minha opinião, pela crítica a raciocínios simplistas sem destaque para o balanço positivo do que de bom, ou mesmo de muito bom, tem sido feito pela universidade portuguesa, com reconhecimento em fronteiras exteriores “sobretudo na biotecnologia, genética e engenharia”. Balanço que me parece pecar em não anunciar outras áreas do conhecimento científico.
Mas ataques à instituição universitária nada me espantam depois de, numa carta ao director, um leitor do “Diário de Coimbra” (1996), com uma licenciatura universitária, segundo ele próprio, se ter lamentado em não ter obtido a sua licenciatura numa escola superior de educação por os seus pares “terem deixado, lamentavelmente, morrer muito do bom que a Reforma do Sistema Educativo aportava”. Apesar de eu desconhecer a que "muito de bom", ele se refere, sublinho, apenas, a carga que o advérbio [lamentavelmente] trouxe ao texto, numa atitude de perverso orgulho de quem se passa para o lado de lá, e de que a história é pródiga em exemplos.
Concordo que a Universidade não deve ser uma instituição do tipo napoleónico, anquilosada por ataques de artrite por imobilismo de adaptação ao seu tempo. Tempo, por vezes, convulsivo surgido, de supetão, logo sem a necessária reflexão, como o Processo de Bolonha, a confusão que se tem gerado entre graus académicos e a mediocratização do ensino superior que tem empurrado o ensino universitário para guetos de indignidade por alguns claustros universitários terem deixado de ser os guardiões da cultura humanística, do conhecimento científico e da investigação pura e aplicada. Confusão agravada pelo facto de não haver uma doutrina (e, pior do que isso, uma legislação que “não chumbasse na 4.ª classe”, para utilizar uma expressão do jurista Almeida Santos) sobre as fronteiras entre o ensino universitário e o ensino politécnico.
Seja a que título for, o ensino universitário português não dever ser uma espécie de vaca sagrada dos hindus ao abrigo de críticas , como a de Maria Filomena Mónica, catedrática das Ciências Sociais. Escreveu ela, sem papas na língua, como sói dizer-se: ”Devido à irresponsabilidade dos governos, ao populismo dos parlamentares e à cobardia dos docentes, a universidade degradou-se para além do razoável”.
Idêntica preocupação demonstrou Aníbal Pinto dc Castro, catedrático jubilado de Letras da Universidade de Coimbra, quando exigiu numa cerimónia oficial: “Não destruam. Não cedam. Não tenham medo porque a Universidade não pode ser uma instituição de caridade. Para isso há os asilos e a Mitra. Não pode ser um hospital de alienados".
A estas críticas não deverá ser estranho o fantasma de uma licenciatura, desvalorizada por universidades de vão de escada, que desacredita “o prestígio da Universidade que lhe deu a primeira credencial de título académico nobilitante”, nas palavras de Adriano Moreira. Daí a tremenda injustiça de generalizações que desvirtuam o papel da Universidade portuguesa no campo da investigação onde ela se tem havido, a mor parte das vezes, com um brilhantismo que atravessa as fronteiras geográficas do país.
Mas será isto o bastante para o orgulho de uma nação? Segundo Einstein, “é fundamental que o estudante adquira uma compreensão e uma percepção nítida dos valores”. Nesta perspectiva, a maior parte das vezes por cumprir, será que o simples diploma nos garante que a cultura e o conhecimento científico, quando os há, tragam juros compensatórios para a sociedade e para os seus bons costumes? Não garante! Gustave Le Bon diz-nos que “grande número de políticos ou universitários, carregados de diplomas, possuem uma mentalidade de bárbaros e não podem, portanto, ter por guia na vida senão uma alma de bárbaros”. Este o drama social de tantos diplomas de pechisbeque que se passeiam nos boulevards da nossa vida política, do nosso ensino ou do nosso próprio dia-a-dia.
Mas, numa atitude maniqueísta, o que é altamente reprovável é afirmar, como dogma, que a Universidade tudo vale, quando nos convém, e que nada vale, quando nos convém também. Razão tem a vox populi: “Não há bela sem senão!”
A LONGA MARCHA PARA O ESPAÇO
Outro texto meu de há alguns anos sobre a aventura espacial, este extraído de "Curiosidade Apaixonada" (Gradiva):
Segundo o historiador de ciência inglês Joseph Needham o foguete foi provavelmente (nestas coisas nunca pode haver certezas) a invenção mais importante da China e a sua contribuição tecnológica mais importante para a humanidade. Ele estaria talvez a pensar na possibilidade de um dia a humanidade poder deixar o seu “berço” e estabelecer-se noutros planetas ou mesmo em estações permanentes no espaço.
Needham é uma das maiores autoridades mundiais sobre a ciência e a tecnologia da China. Nascido em 1900, deu aos 37 anos uma grande volta na sua carreira de embriologista formado por Cambridge. Tendo encontrado e feito amizade com estudantes chineses, entusiasmou-se pela história da civilização chinesa. Para isso aprendeu a língua chinesa clássica. E, em 1942, em plena Segunda Guerra Mundial, foi nomeado Conselheiro Científico da Embaixada Britânica na China. Correu a China toda, reunindo informações e coleccionando, com a obsessão de um caçador de tesouros, muitos livros sobre a antiga ciência chinesa. Essa biblioteca constitui hoje em Cambridge a maior biblioteca sobre a história da ciência e da técnica chinesa fora da China, tendo justamente o nome do seu fundador. Depois da Guerra, Needham tornou-se subdirector geral da UNESCO para a área das Ciências Naturais, tendo sido ele o responsável pelo S da sigla entre o E e o C (originalmente, a UNESCO tinha a intenção de se dedicar apenas à ciência e à cultura, mas a ciência, de “Science” fica muitíssimo bem entre as duas). De volta à sua “alma mater” Needham começou a escrever um longo e erudito tratado intitulado “Science and Civilization in China”, que tem saído sob a chancela da Cambridge University Press em 25 volumes (já saíram 17 volumes; o projecto continua depois da morte do autor em 1995). É praticamente impossível a um leitor ler por completo essa verdadeira obra prima da história da ciência, mas há resumos, um dos quais bastante acessível e ilustrado (que tem a vantagem de ter sido não só sancionado como prefaciado pelo próprio Needham): Robert Temple, “The Genius of China: 3000 Years of Science, Discovery and Invention”, Prion, Londres, 1986.
É lá que podemos encontrar uma breve história do foguete chinês. Ficamos a saber que o foguete nasceu na China em 1150 (no calendário cristão, largamente ignorado pelos chineses). Foi usado em fogos de artifício e na guerra. É significativo que o árabe Hasdan al-Rammah tenha chamado em 1280 aos foguetes “setas chinesas”. Os foguetes foram rapidamente importados pelos ocidentais, na esteira das viagens de Marco Pólo ao Extremo Oriente. Assim, em 1380 foram usados numa batalha no norte de Itália, entre genoveses e venezianos. Temple (quer dizer, Needham) assinala que se tratou de uma importação bastante rápida: escassos dois séculos. Outras invenções do Império do Meio chegaram ao Ocidente com maior atraso. Ao ler Temple, ficamos verdadeiramente impresionados e mesmo confundidos com o número e a qualidade das invenções chinesas: a bússola, a pólvora, o papel e, Gutenberg que não se sinta diminuído, até a imprensa! Para não falar já de descobertas científicas, como a da circulação do sangue, comandada pelo coração, que era conhecida dos chineses muito antes - dois mil anos antes - do britânico William Harvey a ter anunciado na Europa no início do século XVII.
Pois a invenção do foguete durante aquilo que no Ocidente se convencionou chamar Idade Média foi o primeiro passo para a longa marcha da humanidade para o espaço. O desenvolvimento rápido dos foguetes só se dá no século XX, sendo ele indissociável do nome do engenheiro alemão Wernher von Braun, pai não só dos dos foguetes V2 que semearam o pavor em Londres durante a Guerra, mas também do foguetão Saturno V, que foi utilizado para as viagens norte-americanas à Lua. Um foguetão é, evidentemente, um foguete grande e não deixa de ser curioso que os chineses, que tanta ciência e tecnologia desenvolveram nos tempos antigos, tenham perdido o “comboio do progresso” nos tempos mais modernos. O assunto daria muito pano para mangas, mas fica a importante nota que a actual civilização, muito ligada ao Ocidente mas partilhada cada vez mais pela China, assenta numa base científico-tecnológica que teve origem no método científico. Foi um italiano de Florença, contemporâneo de Harvey, que a desenvolveu e pôs em prática: Galileu Galilei. O problema do atraso da China é que Galileu não foi chinês, uma vez que, a partir dele, a evolução científico-técnica acelerada do Ocidente foi o que se sabe e o que se vê. Aos chineses nunca faltou o engenho, terá faltado a curiosidade e o método para a prosseguir de maneira sistemática.
Em 1998 assistiu-se ao que podemos chamar, sem qualquer carga pejorativa, a “vingança do chinês”. Um foguetão de concepção e fabrico chinês, denominado “Longa Marcha”, pôs em órbita terrestre o primeiro “taquinauta” (yuhangyuan) chinês. A palavra “taquinauta” tem a ver com o facto de os russos chamarem “cosmonauta” e os americanos “astronautas” aos seus viajantes do espaço: “taquinauta” significa “espaçonauta”, viajante no espaço. É claro que os chineses, que são agora mais claramente uma potência mundial no espaço, tinham de querer um nome próprio para os seus homens. A Europa continua “pendurada” nos norte-americanos e russos para as suas viagens espaciais tripuladas: por exemplo, a ex-ministra francesa para a Investigação Científica e as Novas Tecnologias, Claudie Aignerée, viajou na MIR e na Estação Espacial Internacional e o astronauta espanhol Pedro Duque partiu, a bordo de uma nave russa, para a Estação Espacial Internacional, onde realizou várias experiências científicas e didácticas. Mas não há um nome europeu para viajantes do espaço... O primeiro “taquinauta” chama-se Yang Liwei e faz parte de um grupo de “eleitos” que foram intensivamente treinados. A cápsula Shen Zhou-5 (“Nave Divina”, os nomes chineses são curiosos!) tripulada por esse digno sucessor do russo Yuri Gagarine e do norte-americano Alan Shapard regressou à Terra no dia 15 de Outubro, caindo em segurança nas planícies da Mongólia Interior depois de algumas voltas bem sucedidas ao nosso planeta. Foi um pequeno passo para ele, mas um grande passo para a China e, uma vez que os chineses são uma parte enorme da humanidade, para a humanidade.
Os aplausos foram unânimes. Norte-americanos, russos e europeus felicitaram os chineses pela proeza, que para a China constitui um marco do seu avanço científico-técnico. Esse aplauso geral significa que já não há utilização do espaço para efeitos de “guerra fria”, como aconteceu durante anos. Os norte-americanos, um pouco combalidos do desastre da “Columbia”, sabem bem o valor dos chineses, sabem bem por exemplo o que têm beneficiado com a presença de muitos e bons estudantes chineses nas suas universidades e institutos de investigação. A China de hoje é uma China que soube recuperar, usando o método científico e a tecnologia que lhe está a jusante (na antiga China a tecnologia estava a montante da ciência), do seu atraso.
Houve inegavelmente um aproveitamente político do voo espacial tripulado de Yang Liwei. O nome “Longa Marcha” do foguetão utilizado é sintomático ao evocar a herança maoísta. Na verdade, os chineses sempre cultivaram algum nacionalismo e não seria agora que iriam desdenhar a oportunidade de aumentar a auto-estima nacional. Há boas razões para isso uma vez que desenvolveram ciências e tecnologias próprias e fizeram um investimento enorme no seu programa espacial. O Instituto sobre História da Civilização Chinesa que Needham nos legou em Cambridge terá um dia de incorporar nas suas publicações a história deste feito chinês. Mas o importante é que a “longa marcha” para o espaço, que a humanidade começou a empreender a partir do primeiro foguete chinês, seja um empreendimento onde não caibam nacionalismos doentios nem rivalidades mesquinhas e inúteis. Deve ser um projecto de toda a humanidade!
Na foto: Yang Liwei, o primeiro "taquinauta".
A ORIGEM
Já está nos cinemas o último filme de Christopher Nolan, protagonizado por Leonardo DiCaprio, que é, ao mesmo tempo, ficção científica e thriller psicológico. Em cima um dos trailers, em formato gigante.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Cantigas de Amigo
“O homem que viaja em busca de um amigo, percorre o mais longo caminho possível” (Ali-Ibn-Abi-Tali).
"Na madrugada do dia 27 de Agosto de 2007, está agora a fazer três anos, faleceu, num hospital londrino, o poeta Alberto de Lacerda (AL) que, cinquenta e seis anos antes, para ali fora viver, ido de Lisboa, onde estivera sediado cinco anos, oriundo de Moçambique. Exílio se chamou, muito apropriadamente, um dos seus belos livros de poesia. Foi encontrado por um amigo inglês, caído no corredor do seu minúsculo e atravancado apartamento, em Battersea, frente ao parque com o mesmo nome, em coma, e rodeado de livros, jornais, papeis, discos, quadros, objectos, apagando-se, em suma, como sempre quisera viver: no meio das suas “coisas”, tão preciosas quão desarrumadas.
Já alguém disse que as velhas amizades se improvisam. Eu creio, antes, que se constroem, com lentidão, atenção, minúcia, devoção e continuada paciência. Mas, como esta, com esta dimensão e duração, não se constroem muitas vezes. De resto, basta lançar um breve olhar ao “manual de construção” que é o belo poema “Bellini e Pablo Também” , com que LAS quis “fechar” o seu livro acabado de publicar, "Às Sete no Sa Tortuga – um retrato de Alberto de Lacerda (2010)", para se ter uma vívida noção dos píncaros a que pode ascender o conceito de amizade. O poema, aliás, dera já o título a um belo livro de poesia que LAS não há muito publicou: servir de título a um livro e de fecho comovido às memórias de uma amizade sublinha bem o valor emotivo e simbólico que o autor lhe atribui – ao poema e ao que ele celebra.
Este livro singular vem à luz, simultaneamente com dois outros: "O Pajem Formidável dos Indícios (poemas inéditos de Alberto de Lacerda)" e "The Sea that Lies Beyond My Rocks – Alberto de Lacerda in London and the U.S.", um roteiro de amizades literárias internacionais, que LAS concebeu, escreveu e montou – um tesouro informativo - e sendo os três livros dados como parte da Colecção Alberto de Lacerda, dirigida pelo mesmo LAS, e em processo de construção. Ainda em Moçambique, LAS obtivera, de um velho professor do Liceu uma opinião sucinta e forte acerca de Lacerda: “Um homem singularíssimo.” Ao encontrá-lo, em Londres, irá confirmar, apreciativamente, o diagnóstico. Repositório riquíssimo e colorido, nele se refere, por exemplo, “o olhar vertiginoso” do grande poeta e genial conversador", ou se nos informa que “nada escapava ao seu olhar minucioso.” De encontro em encontro, de “parco jantar” em “parco jantar”, LAS foi descobrindo, com evidente fascínio, as vigorosas singularidades do poeta, os seus caprichos reveladores e também a sua amada “circunstância”, isto é, a cidade de Londres. Porque, bicho essencialmente urbano – “Sou pouco dado à contemplação hortícola” - , da Inglaterra, foi sobretudo Londres que lhe habitou o imaginário. Lacerda conhecia Londres como ninguém (o apartamento de onde Eliot tinha saído à surrelfa, para se ir casar e ser feliz com a Valerie, e coisas miudinhas, neste gosto): em suma, uma Londres muito sua. “Viajar por Londres na companhia do Alberto”, diz-nos o autor destas memórias, “era como entrar na gruta de Aladino. Só que de vaguear tinha, simultaneamente, tudo e nada. Qualquer simples imprevisto o podia facilmente fazer mudar de direcção ou levá-lo a procurar outros destinos.”
Londres será o seu grande amor urbano, a que dará impressionante voz, entre outros, num poema de 5 de Julho de 1963: “Exactamente em Chelsea / Exactamente em Londres / Exactamente / No centro / Da Liberdade.” “Os locais favoritos do Alberto”, nota LAS, saboreadamente, “situavam-se principalmente em Chelsea e no West End. Mas não só. [...] Em Camden Town, por exemplo, apontou-me a casa onde se acolheram Rimbaud e Verlaine, que, para sua irritação, não se encontrava sequer assinalada.”
Lacerda era um homem frequentemente revoltado, ou indignado, mas não sofria do “humor melancólico” que afecta tanto lusíada, de D. Duarte para cá. Gostava da vida, do seu esplendor, e gostava igualmente da arte, que fruía com farto e saudável apetite. LAS cita uma das crónicas que Alberto fez para a BBC, na qual, celebrando o pintor Hockney, se auto-retrata sem vergonha: “Hockney dá-me uma impressão de plenitude, de felicidade, de realização.” Lacerda, mesmo nos momentos mais duros de falta de dinheiro (“umas contas infernais a pagar”) e perante uma perspectiva profissional pouco auspiciosa, arranja maneira de achar que tem andado a ter muita sorte: Londres, os bons amigos, a música, a arte que frui com gosto inapagado, o reconhecimento internacional que a sua poesia, apesar de tudo, vai tendo... É certo que vai ruminando um catálogo de “horrores” (a televisão, os telemóveis, os computadores e até os automóveis _ “gabava-se”, diz o seu biógrafo, com alguma ironia, “de nunca ter sucumbido à tentação de ter um televisor”) e, contra eles, arremete com sanha igual à que D. Quixote punha no seu assalto aos moinhos. Nenhum “horror”, porém, lhe empanava o gosto de viver. A vida, mesmo madrasta, mesmo revestindo um arrastado estatuto de perpétuo estudante pelintra, foi-lhe, de certo modo, um gozado festim. Isto denuncia-se até no léxico que privilegiava: LAS sublinha, com pontaria certeira, as palavras que o Alberto patrocinava: “prodígio”, “assombro”, “espanto” e, sobretudo, “maravilha” Eu juntaria o adjectivo “óóóóptimo!” (com exclamação), que ele pronunciava com uma duração interminável e um meio sorriso cúmplice.
No centro de tudo isto, ficava a poesia, e a sua poesia. O Pajem Formidável, agora editado, não envergonha o melhor que o poeta produziu e tanto impressionou alguns dos seus pares, nos Estados Unidos, na Inglaterra, em França, no Brasil, etc. Rosanna Warren, sua colega na Universidade de Boston, afirma que os poemas de AL são “uma maravilhosa combinação de le grand chant e de claridade modernista.” A certo poema chama-lhe “uma peça verdadeiramente majestosa”, J. M. Cohen, crítico do Spectator, em carta a AL, refere-se à sua poesia “tão pura, tão despida de maneirismos.” Jorge Guillén acha-a “cada vez mais concentrada e essencial”.
Tudo isto e muito mais se encontra nos três livros, que são uma dádiva. LAS chamou ao seu poema “Bellini e Pablo Também” cantiga de amigo e ofereceu-o a Lacerda pelos seus 70 anos. Cantigas de Amigo são também estes livros, que se devem, não pouco, ao generoso apoio da Fundação Mário Soares, que acolheu o espólio e lhe tem estado a dar eficiente e carinhoso tratamento. Saudação especial a Alfredo Caldeira. Do seu trabalho, diria o Alberto que é um prodígio, um assombro, um espanto, uma maravilha!
Eugénio Lisboa
Flight Of The Conchords
2001 ODISSEIA NO ESPAÇO
Do meu livro (esgotado, ao que julgo saber) "A coisa mais preciosa que temos" (Gradiva) recupero o texto sobre "2001 Odisseia no espaço", escrito precisamente em 2001, vai fazer dez anos:
Foi em 1968 que se estreou o filme de Stanley Kubrick “2001 Odisseia no Espaço”. Passou muito tempo. Mas chegou, ao fim de 33 anos, o ano de 2001, aquele que decorre a acção escrita por Arthur Clarke e Stanley Kubrick. Já em 1984 tinha chegado o ano em que George Orwell colocou o seu romance com o mesmo título. O futuro, anunciado pelo cinema e pela literatura, continua pontualmente a chegar.
Que semelhanças há entre a ficção científica e a acção científica? Muitas. Não esqueçamos que o físico inglês Sir Arthur Clarke, residente desde há muito no Sri Lanka, participou na construção do primeiro radar, integrado numa equipa da Royal Air Force, durante a Segunda Guerra Mundial. Na sua imensa produção bibliográfica equilibram-se as obras de ficção e as de ensaio. No filme “2001” uma nave com astronautas a bordo começa por se deslocar à Lua. A mesma viagem espacial não demorou praticamente nada depois da estreia do filme a acontecer na realidade. Os astronautas da “Apollo 8”, que foram os primeiros a efectuar uma viagem em órbita da Lua, em Dezembro de 1968, já tinham visto o filme quando partiram para o espaço. Disseram mais tarde que estiveram quase a anunciar para a Terra a descoberta de um monólito no solo lunar, numa brincadeira sugerida pelo filme... Em 1969, o norte-americano Neil Amstrong pisou o solo lunar sem ter encontrado nenhum monólito.
No filme, o monólito acaba por indicar o caminho para Júpiter (na novela de Clarke, para o outro gigante do sistema solar, Saturno). E, se o leitor se bem recorda -- se não se recorda, ponha a cassete vídeo ou o DVD no aparelho de leitura -, é nessa altura que o computador HAL (repare-se que as iniciais são as que antecedem alfabeticamente às de IBM), perante uma avaria na antena, procura tomar o comando da nave, revoltando-se contra os humanos. Diz o robô para um dos astronautas: “Sorry to interrupt the festivities, but we have a problem” (“Desculpem interromper a festa, mas temos um problema”). Em 1970, sabemos o que aconteceu com a “Apollo 13” (a falha deu, de resto, um outro filme). Um astronauta real transmitiu por rádio para a sala de controlo: “Houston, we have had a problem” (“Houston, tivemos um problema”). Coincidência ou não, o módulo de comando chamava-se “Odisseia” e, pouco tempo antes do acidente, a tripulação tinha estado a ouvir o famoso tema do filme, “Also Sprach Zarathustra”, de Richard Strauss. Clarke comenta no epílogo a uma reedição do livro “2001” que se sentiu quase co-responsável pela situação real de crise...
As luas de Júpiter e de Saturno seriam fotografadas pela sonda “Voyager 2”, lançada em 1977. Em 1979, essa sonda, não tripulada (como se o robô HAL tivesse razão ao querer tomar conta sozinho dos destinos da nave ficcional), passava pelas quatro luas mais próximas de Júpiter: Iô, Europa, Ganímedes e Calisto. Em 1981, a “Voyager 2” chegava a Saturno e às suas luas: Mimas, Iapetus, Titã, etc. (são muitas e parece que ainda não acabou a sua conta). Em 1995, a sonda “Galileo”, lançada em 1989, chegava a órbita de Júpiter, apesar de uma avaria numa das suas antenas. Hoje, a nave “Cassini”, lançada em 1997, vai a caminho de Saturno e das suas luas, onde chegará em 2004. Os sete longos anos da viagem, depois de usar a ajuda gravitacional de Vénus (um efeito que Clarke incluiu premonitoriamente nos seus escritos), indicam-nos que Clarke e Kubrick tinham razão quando colocaram os seus astronautas a hibernar enquanto não chegavam a Júpiter.
As missões de exploração do sistema solar exterior não são tripuladas. Só são tripuladas missões orbitais perto da Terra, como a estação espacial internacional, que está a ser construída num esforço conjunto de americanos, russos e europeus. Nos anos 80, a estação espacial norte-americana “Skylab” colocada em órbita da Terra, tinha uma forma circular que não era muito diferente da nave “Discovery”, inventada por Clarke para “2001”. Ao contrário desta, porém, não rodava constantemente para manter uma gravidade artificial. Mas isso não impediu os astronautas a bordo de filmarem uma sequência de corrida na “Skylab” bastante parecida com um “take” do filme 2001. As imagens foram, evidentemente, sonorizadas com a música retumbante de Richard Strauss.
O filme de Kubrick é praticamente perfeito. Há só um pequeno erro: um amigo físico e cinéfilo contou-me que o líquido no interior da palhinha de um dos astronautas cai no filme, apesar de as condições serem supostamente de imponderabilidade... O rigor do guião de Clarke e da câmara de Kubrick encontra inspiração no rigor com que a NASA planeia e executa as suas missões. Ou não será antes ao contrário: que os engenheiros da NASA se inspiraram em Clarke e Kubrick?
Stanley Kubrick, entretanto falecido, habituou-nos a realizar uma e uma só obra-prima de um dado género cinematográfico e, depois da realização de “2001”, abandonou de vez o género de ficção científica. Mas Clarke insistiu no tema, e escreveu “2010 Odisseia 2”, que foi passado ao cinema pelo realizador norte americano Peter Hyams (a película estreou-se em 1984). A correspondência electrónica entre o escritor no Sri Lanka e o realizador em Los Angeles, feita em computadores pessoais primitivos, está registada em livro (“The Odyssey File”, Arthur Clarke e Peter Hyams, Panther Books, 1985). Em “2010” continua a acção de “2001”: tratava-se agora de colonizar Júpiter. Mas o tempo é de guerra fria. Os russos lançaram a nave “Leonov”, atrás da “Discovery” (há, na realidade, um marechal Alexei Leonov, cosmonauta e herói da ex-União Soviética). A “Leonov” chega à “Discovery” (o que faz lembrar os encontros entre a “Soyuz” e a “Apollo”, em que o astronauta Leonov participou). As duas expedições acabam, depois de várias peripécias, por cooperar. No final, Júpiter, por acção dos estranhos monólitos, acaba por se transformar numa estrela, um segundo sol (de facto, se Júpiter fosse bastante maior do que realmente é o sistema solar teria duas estrelas, o que não seria nada favorável para a estabilidade da órbita da Terra e, portanto, para o desenvolvimento de vida no nosso planeta). Uma enigmática mensagem chega entretanto aos russos e americanos: “Todos estes mundos serão vossos excepto Europa: usai-os em conjunto, usai-os em paz”. Os russos tinham recebido sinais da lua Europa que pareciam indicar a presença de vida e fica-se na dúvida sobre a existência ou não de vida nessa lua.
Vida numa lua de Júpiter? Nada mais actual, numa altura em que é anunciada, a partir de registos recolhidos e enviados pela sonda Galileo, a possibilidade de haver água líquida, e hipoteticamente vida, em Ganímedes, uma lua de Júpiter. A realidade é, por vezes, mais estranha do que a ficção. Claro que falta ainda um contacto com seres extraterrestres, construtores de monólitos ou não. Mas isso poderá acontecer em qualquer altura. Lembremos as palavras avisadas do padre, cientista e filósofo, Teilhard de Chardin: “À escala do cósmico, só o fantástico tem probabilidade de ser verdadeiro”.
FIM DA GRIPE A
Durante algum tempo acompanhámos aqui a pandemia de gripe A, reproduzindo os comentários do médico especialista nem microbiologia João Vasconcelos Costa. Ele escreveu há pouco a sua última crónica sobre essa gripe. Pode ser lida aqui.
terça-feira, 27 de julho de 2010
PAgagNINI
O quarteto PAgagNINI actua na France 2. Só o início é clássico...
segunda-feira, 26 de julho de 2010
NEURÓNIOS SINALEIROS
Está a ler um jornal. Queira por favor mover a sua mão até ao canto superior direito da folha e oprima o canto desta com o seu polegar e o seu indicador direito (no caso de estar a ler via internet, substitua o alvo pelo canto superior direito do monitor).
Tome agora consciência do gesto que acabou de fazer e que muito provavelmente acompanhou com o olhar (que certificou a exactidão da posição final) e recorde-o mentalmente (se ajudar, feche momentaneamente os seus olhos). Repita o gesto, mas agora certifique-se mesmo que não olha para a sua mão em nenhum momento do tempo que demora a levar os dedos até ao canto superior direito. Mesmo que não tenha seguido inicialmente o movimento com os seus olhos, é muito capaz de imaginar o gesto que fez da primeira vez e repeti-lo com uma precisão aceitável. Os olhos permitem que o cérebro veja, mas este também é capaz de gerar imagens de referência, a partir de padrões previamente adquiridos, que pode utilizar libertando assim os olhos para outros horizontes. Por exemplo, os pianistas conseguem estar a tocar, movimentando os dedos das duas mãos, sem o auxílio dos olhos, que poderão estar fixos na partitura musical. Impressionante não é?
Sinta de novo todo o movimento, desde o início até ao fim, e imagine a quantidade de músculos envolvidos neste gesto. São muitos, não são? Ombro, braço, mão e dedos…como é que esta quantidade de músculos é controlada, orquestrada, para efectuar aquele gesto?
Pense agora, só por um instante, que não conseguia de todo, ou com muita dificuldade, realizar aquele gesto. Sente a mão e o antebraço pesados, não é? E se não o conseguisse devido a um tremor redutor da sua motricidade fina?
Mas afinal de contas, o que é que estamos para aqui a experimentar? Estamos a dar enfoque à nossa capacidade de controlo motor, mais ou menos fino consoante a idade e o contexto de saúde da pessoa em causa.
Para quê? Para nos identificarmos e sintonizarmos melhor com o significado e importância da investigação que tem sido realizada por neurocientistas e que visa, primeiro identificar e compreender, para depois poder aplicar esse conhecimento em terapias dirigidas ou ajustadas a determinadas disfunções do sistema motor. Que disfunções? Por exemplo, as que estão associadas a doenças neurodegenerativas e que afectam o controlo motor, como são as de Parkinson e Huntington.
Recapitulemos o gesto inicial pondo em evidência as áreas cerebrais que se sabem estarem associadas ao simples gesto que acabou de realizar.
Não cabe nesta crónica detalhar como é que o cérebro “percebeu” que deveria “coordenar” o movimento da sua mão direita até ao canto superior direito (da folha, ou do monitor). Contudo, refira-se que um “frenesim” de circuitos neuronais em diferentes zonas do cérebro, como sejam o córtex visual, o córtex de associação visual, o cerebelo e o hipocampo, estão activos e a “trabalhar” em conjunto, para que possam identificar e dar significado aos caracteres gráficos que os seus olhos captam. Descodificada a informação lida, são activados os circuitos neuronais apropriados para executar o gesto sugerido. Identificado o alvo final do movimento, fruto do trabalho do córtex visual (lobo occipital) e/ou do córtex pré-motor (lobo frontal do cérebro), entram rapidamente em acção o córtex motor do hemisfério esquerdo (as vias de comunicação entre o cérebro e o corpo estão, em geral, cruzadas), o cerebelo (maestro da motricidade, equilíbrio e postura corporal) e os gânglios basais. De alguma forma, inúmeros circuitos neuronais estabelecem comunicação em rede entre estas estruturas cerebrais e o córtex motor que envia impulsos nervosos (eferentes) para os músculos necessários à execução do movimento sugerido. No reverso, impulsos nervosos (aferentes) retornam dos músculos activados, assim como dos órgãos visuais, para que as estruturas cerebrais nos lobos frontais e occipitais “monitorizem” a cada instante a boa prossecução e suavidade do gesto. Muitas centenas de trocas de informação entre circuitos neuronais e músculos de forma a assegurar que a mão se dirige para o local pretendido. Mas, em que zona(s) do cérebro se encontram os circuitos neuronais responsáveis pelo envio das ordens: iniciar e terminar o movimento? Estarão situados em zonas diferentes?
Num artigo publicado por Xin Jin e Rui M. Costa (investigador principal do Programa Champalimaud de Neurociências no Instituto Gulbenkian de Ciência), na passada quinta-feira na revista Nature (aqui), são apresentados os resultados de investigações por eles efectuadas, nos últimos três anos, e que visam identificar e entender os circuitos neuronais envolvidos na aprendizagem do “iniciar” e do “terminar” um movimento ou tarefa. Para isso utilizaram ratinhos que, a troco de guloseimas (açúcar) “aprenderam” a tocar oito vezes (e não sete ou nove) numa mesma tecla de um piano.
Já se sabia que um grupo de neurónios, activados pelo neurotransmissor dopamina (neurónios dopaminérgicos) e situados no corpo estriado nos gânglios basais, que delineiam uma das principais vias dopaminérgicas (a nigroestriatal), estavam, de alguma forma, envolvidos na aprendizagem de acções sequenciais e na execução de tarefas.
O que Rui M. Costa e Xin Jin identificaram é que há um grupo destes neurónios que se activa quando se inicia a tarefa e outro conjunto, distinto do primeiro, que é activado para a acção terminar. É como se fossem as letras capitais e os pontos finais no texto das instruções para um dado movimento ou tarefa. Uma espécie de neurónios sinaleiros que dirigem o início e o fim de tarefas sequenciais para além de estruturarem sintacticamente a aprendizagem de novos movimentos.
Para além do natural interesse para a compreensão de como o nosso cérebro funciona, a identificação destes interruptores neuronais tem interesse particular para a compreensão das desordens motoras associadas às doenças de Parkinson ou de Huntington, uma vez que se sabe estarem os neurónios dopaminérgicos dos gânglios basais afectados ou mortos nestas afecções neurodegenerativas.
Serão também estes os neurónios da tabuada, da recitação, das lengalengas?
António Piedade
GIRA-TOALHA!
Nova crónica de António Piedade saída n'"O Despertar":
Se observarmos, neste tempo balnear, as pessoas deitadas numa praia qualquer, constatamos que estão, quase sempre, a tentar obter a melhor orientação para uma maior exposição do seu corpo ao Sol. E fazem-no num sincronismo colectivo proporcional e modelado à preguiça de cada um. Verificamos que as pessoas tendem a manterem-se alinhadas com linhas imaginárias que convergem perpendicularmente ao plano do disco solar.
Que trabalheira estar sempre a rodar a toalha! Se tivéssemos um dispositivo que a sincronizasse com a velocidade angular média aparente do Sol no firmamento (aparente, porque, na realidade, é a Terra que está a rodar), não teríamos este desconforto todo do levantar, colocar a toalha na orientação seguinte do ponteiro solar, voltar a deitar, verificar que ainda não é essa a direcção que nos ilumina a maior parte da superfície corporal, voltar a levantar… enfim!
Com o conhecimento tecnológico que hoje possuímos não nos seria difícil construir uns suportes mecânicos, com areia por cima, que girassem de forma a garantir a exposição desejada por cada um. Uns sensores de intensidade luminosa, estrategicamente colocados, ligados a um pequeno computador, servo de meia dúzia de instruções contendo em base de dados a equação do tempo de modo a calcular a velocidade angular média aparente do Sol à latitude e dia do ano, comandariam alguns motores, silenciosos, que manteriam a plataforma de férias sempre direccionada para o astro-rei! Não seria necessária qualquer fonte de energia terrena, nem cabos, uma vez que discretos painéis solares (feitos com os polímeros de última geração impregnados com a melhor de sílica da areia local) bordariam a corola do “gira-toalha”. Nas intermitências, a energia radiante que sobejasse carregaria um conjunto de pequenas baterias. Estas, por sua vez, poderiam alimentar todo o sistema se porventura uma ousada nuvem cobrisse o Sol. Ou então, permitir uma versão de praia ao luar para os noctívagos balneares.
Também interessante, seria tecermos a própria toalha com essa tecnologia incorporada nanotecnologicamente em microfibras. “Cozido” a ela, um sistema de tracção mecânica à base de micro lagartas, ajustáveis à fineza do areal, encarregar-se-ia da movimentação.
“E porque é que não levamos uns girassóis e nos deitamos em cima deles”, diz-me um menino a brincar na areia, divertido com a sua genuína e genial simplicidade. Nem mais. Os girassóis já trazem tudo integrado e com um design ecológico! Além disso, como são naturais, são biodegradáveis. Mas, teriam de ser uns girassóis capazes de nos suportar e não sabemos se não seríamos tóxicos para eles uma vez deitados em cima deles!
Já agora e a propósito, como é que os girassóis seguem o movimento solar?
A foto-orientação de plantas como o girassol, em resposta à luz solar ou heliotropismo, é desencadeada pela desigual intensidade da radiação que incide em diferentes partes da planta. Em geral, as células da planta mais iluminadas sofrem uma alteração no seu conteúdo em água, resultado da activação/desactivação de um conjunto de vias de sinalização bioquímicas que envolvem uma hormona vegetal designada por auxina. Esta é responsável pelo crescimento e movimento diferenciais de partes diferentes da planta. Sabemos hoje que também ocorre uma movimentação dos cloroplastos (organelos responsáveis pela fotossíntese) nas células vegetais, em resposta à maior ou menor incidência da luz. No conjunto, verifica-se que as células mais expostas à luz reduzem o seu tamanho enquanto as que estão mais à sombra aumentam o seu volume interno. Isto ocorre reversivelmente e provoca uma rotação ou faz com que a haste ou caule se encurve.
Assim, do balanço luz/sombra – movimento aparente do Sol, a resposta das células vegetais é o de tirar o maior proveito da luz solar incidente… sem apanhar escaldões nem desenvolver cancro!
António Piedade
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