“Um dos maiores males de Portugal, e digamos, o maior, é a ignorância. A completa, a perfeita, a absoluta ignorância” (Eça de Queiroz, 1845-1900).
Por saber que a criação de uma Ordem dos Professores nunca deixou de estar na ordem do dia, colhendo exemplo em Eça não escrevo este texto “de pena ao vento” e, muito menos, em benefício profissional ou sindical da minha pessoa por me encontrar aposentado e ter a meu favor a isenção de, quando no desempenho de funções sindicais, quer como coordenador distrital de Coimbra da Associação Nacional dos Professores Licenciados, quer como presidente da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, nunca ter usufruído de uma hora sequer de desconto do meu horário docente. Esta última condição põe-me a coberto da duríssima crítica que a cronista do Público Helena Matos fez com o sugestivo título “Para que servem os sindicatos?”
Por saber que a criação de uma Ordem dos Professores nunca deixou de estar na ordem do dia, colhendo exemplo em Eça não escrevo este texto “de pena ao vento” e, muito menos, em benefício profissional ou sindical da minha pessoa por me encontrar aposentado e ter a meu favor a isenção de, quando no desempenho de funções sindicais, quer como coordenador distrital de Coimbra da Associação Nacional dos Professores Licenciados, quer como presidente da Assembleia Geral do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, nunca ter usufruído de uma hora sequer de desconto do meu horário docente. Esta última condição põe-me a coberto da duríssima crítica que a cronista do Público Helena Matos fez com o sugestivo título “Para que servem os sindicatos?”
Com elementos que não mereceram sombra de contestação pública, escreveu ela, com base em dados da Agência Lusa, referentes ao ano de 2006, o que aqui transcrevo, “ipsis verbis”: [Os sindicatos dos professores]”são uma extensão da administração pública e por ela sustentados. Os 450 professores que estão destacados nos sindicatos representam uma despesa anual superior a oito milhões de euros. No ano lectivo passado, estavam destacados 1.327 docentes (…) que custavam por ano 20 milhões de euros, segundo estimativas do governo” (Público, 21/10/2008).
Desde já, declaro que salvaguardo uns tantos dedicados sindicalistas que carregam o piano às costas, como soe dizer-se, com escassos descontos da componente lectiva que não cobrem o trabalho que lhes é exigido. Mais declaro que nunca pus em dúvida, e muito menos contestei, a necessidade dos sindicatos docentes. O que eu contesto é a existência de mais de uma dezena de sindicatos docentes cada um a puxar a brasa à sua sardinha para justificar uma existência que não encontra paralelo em nenhuma outra actividade profissional.
Há sindicatos docentes para todos os gostos e feitios: sindicatos de inspiração comunista – criticados por Mário Soares quando escreve termos voltado “à instrumentalização dos sindicatos como ‘correia de transmissão’ do PCP” (Diário de Notícias, 29/01/2008) -, sindicatos para defesa dos docentes de menor habilitação académica, sindicatos para licenciados por universidades, sindicatos para licenciados por universidades e escolas superiores de educação, etc., que reconhecem, pela própria existência, não serem os professores todos iguais embora defendem com unhas e dentes uma carreira docente única que iguala todos os professores e não encontra paralelo em nenhum outro país europeu.
De permeio, uma declaração pública de Braga da Cruz, reitor da Universidade Católica Portuguesa, que responsabilizou os efeitos perversos do sindicalismo docente pela perda de autoridade dos professores, facto que deve obrigar a uma reflexão sobre um sindicalismo que fez da rua palco ruidoso reivindicativo, a exemplo das grandes massas operárias de pendor revolucionário, em finais do século XIX.
Para complicar ainda mais as coisas, surgiram pactos ocasionais entre sindicatos (que correm o risco de se eternizarem) que fariam corar de vergonha o próprio Fausto de Goethe, subscritos por sindicalistas que diziam uns dos outros coisas que o próprio Maomé não se atreveu a dizer do toucinho. Refiro-me, concretamente, à criação de uma chamada “Plataforma Sindical” formada por catorze sindicatos docentes que viria a conduzir a desavenças e clivagens que a repulsão entre interesses divergentes sempre conduz.
Assumindo-se Mário Nogueira como seu porta-voz, de pedra e cal, não é de estranhar que Federação Nacional de Educação, pela voz do respectivo secretário-geral, João Dias da Silva, durante o seu 9.º Congresso (2008) reconhecesse publicamente que esta federação "tinha perdido visibilidade ao integrar-se na Plataforma Sindical”, acrescentando, numa espécie de aviso à navegação, que “no futuro serão necessários acordos para impedir que alguns sindicatos se sobreponham a outros injustamente”.
Em reminiscências do sonho de uma unicidade sindical de inspiração marxista, emergente logo a seguir a 25 de Abril, mas prontamente confrontada com o acordar do processo democrático, passou-se, do dia para a noite, do oito ao oitenta com a proliferação de sindicatos docentes, “não raro intervindo, com desenvoltura, em áreas que não são, nem da sua vocação nem da sua competência” (Eugénio Lisboa, Jornal de Letras, n.º 964, de 12 a 25/09/2007).
Em texto crítico de uma atroz e conveniente ignorância sobre o papel das ordens profissionais, defende publicamente o Secretariado Nacional da Fenprof o seguinte princípio “doutrinário”:
Em reminiscências do sonho de uma unicidade sindical de inspiração marxista, emergente logo a seguir a 25 de Abril, mas prontamente confrontada com o acordar do processo democrático, passou-se, do dia para a noite, do oito ao oitenta com a proliferação de sindicatos docentes, “não raro intervindo, com desenvoltura, em áreas que não são, nem da sua vocação nem da sua competência” (Eugénio Lisboa, Jornal de Letras, n.º 964, de 12 a 25/09/2007).
Em texto crítico de uma atroz e conveniente ignorância sobre o papel das ordens profissionais, defende publicamente o Secretariado Nacional da Fenprof o seguinte princípio “doutrinário”:
“Em momentos particularmente agudos de ataque à classe e à profissão, tem caminho fácil a ilusão de que uma ‘ordem’ contribuiria para unir a classe eventualmente dividida e, por essa via, aumentar a capacidade reivindicativa. É uma óbvia ilusão: a criação de uma ordem, no actual contexto, seria mais um factor de divisão. E é uma ilusão enganadora: o campo de intervenção de uma ordem restringe-se ao plano das questões éticas e deontológicas que não são, para já, as questões centrais das preocupações dos professores e das escolas - até porque há uma ética e uma deontologia historicamente construídas assumidas e respeitadas pela classe docente. Os Sindicatos de Professores têm sido e continuarão a ser espaços de análise e discussão das questões da Ética e Deontologia da profissão, conscientes que da sua clara assunção também beneficia a imagem social dos professores que só ilusoriamente seria melhorada pela criação de uma eventual ordem” (Junho de 2008).
Ou seja, uma só ordem para todos os professores promoveria a “divisão da classe”. Mais de uma dezena de sindicatos contribuem para a sua união! Uma ética e uma deontologia assumida e respeitada pela classe docente? Onde estão plasmados os seus princípios e a garantia do seu cumprimento? E mais não acrescento: os leitores que tirem as devidas e pertinentes ilações!
Seria talvez altura de os responsáveis por um sindicalismo arcaico se debruçarem sobre a tese de doutoramento em Sociologia, no ISCTE (2007), de Carvalho da Silva, secretário geral da CGTP, intitulada “Centralidade do Trabalho e Acção Colectiva – Sindicalismo em Tempo de Globalização”, em que ele adverte que “os sindicatos estão desafiados a ter futuro”. E esse futuro, segundo o seu autor, passa por um mundo mais exigente e ajustado aos novos tempos em que cada um deve ser mais qualificado, a excelência deve ser perseguida e os mais capazes devem der premiados em resultado do seu contributo para os resultados.
Em antítese, os sindicatos docentes parecem apostados em continuar num clima de conflito para a desestabilização da sociedade portuguesa em prejuízo de um sistema educativo cada vez menos qualificado, de menor exigência e contemplando escandalosamente o demérito. Como se fossem coisas de lana caprina, catorze sindicatos docentes, número que os sindicatos conjuntos das catorze ordens profissionais não devem alcançar, são prova evidente que grande maioria dos dirigentes sindicais estão contra a criação de uma Ordem dos Professores que se debruce e discuta os programas escolares, a elaboração dos manuais escolares, a necessidade de exames e sua exigência, que atribua o título profissional de professor, que regulamente o exercício da profissão e estabeleça os princípios deontológicos a que ela deva obedecer, etc. O que realmente compete aos dirigentes sindicais são questões meramente laborais: vencimentos e horários de trabalho. E não, de quando em vez, como acontece, meterem abusivamente o bedelho em questões que dizem respeito ao interesse público da profissão, como sejam, por exemplo, o nível e a qualidade de formação dos docentes para os diferentes graus de ensino.
Ora, na União Europeia, o comboio do desenvolvimento social e económico é posto em marcha pela locomotiva da Educação nele só viajando indivíduos devidamente preparados. Aqueles com o bilhete das Novas Oportunidades ou do Acesso ao Ensino Superior para Maiores de 23 anos (salvo raras excepções) ficarão na estação ou simples apeadeiros, com o diploma da sua ignorância responsabilizando, mais cedo ou mais tarde, os governos que encararam a sua formação como um palco de marionetas do reino da mediocridade com o apoio de um sindicalismo que promove uma luta sem quartel à criação de uma Ordem dos Professores. Isto é, uma associação pública - em que o Estado delegue algumas das suas competências – na defesa do “inegável prestígio social [das ordens profissionais] indissociável do poder que o Estado lhes atribui”, como escreve Nuno Estêvão Ferreira, autor do capítulo “Ordens Profissionais”, do “Dicionário Histórico das Ordens e Instituições Afins”, p. 949. Prestígio social, no caso dos docentes do então ensino liceal de antes de 25 de Abril, que nada ficava a dever a outras profissões de igual exigência académica, com a excepção, quiçá, dos médicos por lidarem com a doença e serem a esperança na sua cura.
“Last but not least”, sem peias sindicais que possam desabonar a qualidade do sistema educativo, os professores devem ser “claros no pensar, claros no sentir, claros no querer”, como diria Pessoa.
3 comentários:
A multiplicação (pulverização...) de organizações sindicais conduziu ao fracasso rotundo da condição de professor.
Hoje, os professores são farrapos.
Ora, mesmo andrajosos, precisamos de levantar-nos.
Assim erguidos, pelo menos têm que reparar em nós. E talvez se comecem a pedir responsabilidades. Pedidos que tardam.
Agora divididos e rastejantes é que não vamos longe. Nem ninguém nos respeita, se nós próprios nos não respeitarmos. E respeitarmo-nos é (também) tomar consciência de que a nossa profissão é tão nobre e tão antiga que muitas outras recentemente surgidas não têm história, nem substância nem interesse que justifique qualquer ascendência (a que eu chamo parasitismo) sobre a nobre missão de ensinar.
E era bom perguntar às pessoas se estão ou não interessadas em que os professores possam ensinar. Ou não é isso a democracia?
Na linha do anterior comentador, defendo a dignificação da profissão docente. Se isso tiver de passar pela criação de uma Ordem, como existe noutras carreiras de formação superior, que venha ela. Sem prejuízo da existência de sindicatos.
Enconto-me a ultimar um post em resposta aos dois comentários aqui feitos por me levarem a perspectivar a criação da Ordem dos Professores em aspectos que possam levantar, porventura, algumas dúvidas ou serem mesmo susceptíveis de de falácias que têm servido de argumento aos seus detractores.
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