domingo, 30 de novembro de 2008

Liberdade e ambiente de confiança favorecem a criatividade



Crónica de Norberto Pires de hoje (30 de Novembro) no Jornal de Notícias:

Esta semana assisti a uma conferência interessante sobre empreendedorismo e inovação. Em Portugal esse tipo de assunto acaba geralmente na discussão de aspectos culturais e organizacionais da sociedade portuguesa, nomeadamente em contraponto com sociedades consideradas mais evoluídas (geralmente da América do norte e Europa do norte), tentando com isso explicar os nossos fracos resultados em termos de iniciativa e risco.

Um dos tópicos de discussão é geralmente o da segurança do emprego, considerado como um aspecto negativo da nossa legislação e uma das razões do nosso crónico problema de competitividade. A lógica baseia-se no seguinte raciocínio simples: o excesso de segurança significa acomodação, menor empenho e iniciativa pessoal, ausência de proactividade, baixa procura de formação complementar o que tem em conjunto um efeito muito significativo no desempenho global e numa certa aversão à mudança.

É preciso algum cuidado com este raciocínio, porque se o excesso de segurança do emprego é prejudicial e tem efeitos óbvios na capacidade das organizações, a ausência de segurança é ainda muito pior. A ausência de segurança tem efeitos negativos, podendo ser um factor muito limitativo da capacidade de inovar e de empreender nas empresas. O que esperamos das pessoas é que pensem naquilo que fazem, que estejam prontas a criticar de forma construtiva e a discernir sobre as melhores opções e propostas: esta é uma forma de confronto que tem de ser bem gerida. A liberdade e o ambiente de confiança são fundamentais para os espíritos criativos, os quais constituem os principais agentes da inovação. E isso não é essencialmente um risco, mas antes uma mais-valia muito importante que as empresas devem proteger e gerir.

No entanto, é óbvio que existe em Portugal excesso de segurança do emprego sendo absolutamente urgente introduzir mecanismos que instabilizem e diferenciem de forma positiva, isto é, fazendo com que cada pessoa perceba que o seu desempenho, a forma como contribui para o sucesso da sua organização tem impacto no seu salário e na posição que ocupa na organização.

Em termos gerais, tenho para mim que são necessárias quatro condições para promover e incentivar o empreendedorismo, todas elas de alguma forma relacionadas com segurança: uma segurança social forte, que dê garantia ao empreendedor de não estar a arriscar de forma decisiva o futuro da sua família; um sistema de justiça célere e eficaz, que seja o garante das liberdades e garantias dos cidadãos; um sistema de saúde com as coberturas necessárias, para que o empreendedor perceba que não está a colocar em causa a saúde e bem-estar da sua família; um sistema de educação pública competitiva, tendencialmente gratuita, que seja uma garantia de uma educação eficaz. Não é por acaso que os países mais empreendedores, também são aqueles que têm estes sectores bem organizados e a funcionar eficientemente.

Os empreendedores são pessoas que gostam do risco, percebem que há oportunidades na boa gestão do risco, que vivem como pensam sem pensar como viverão. Mas para isso precisam de saber que não estão a colocar em causa o essencial, que a educação e saúde dos seus não estão em risco, e que existe um sistema de justiça que lhe dá garantias de celeridade e resolução de conflitos. São pessoas livres, disruptivas, dinâmicas e que tendem a estudar até à exaustão as coisas ou as actividades em que se envolvem. Precisam de ambientes mais flexíveis, livres, que incentivam a discussão, a crítica, o confronto de ideias, e que diferenciam pelo desempenho. Precisamos desta forma de instabilidade, mas sem exageros, e muito menos importando modelos do exterior.

J. Norberto Pires

Empresas com a marca “Universidade de Coimbra”



Post de Norberto Pires sobre empresas criadas pela Universidade de Coimbra:

Alguns dados:

1. Período: 5 anos
2. Número de empresas criadas: 107 (104 incubadas no Instituto Pedro Nunes)
3. Postos de trabalho qualificado: 1100
4. Facturação anual: 55 milhões de euros (2007)
5. Patentes: média de 5 patentes anuais

A Universidade de Coimbra ganhou os dois últimos prémios inovação BES (2007 e 2008): em 2007 com a Infogene, e em 2008 com uma nova técnica para administração de medicamentos desenvolvida na Faculdade de Ciencias e Tecnologia por uma equipa liderada por Luís Arnaut (e que já foi protocolada com a Bluepharma para desenvolvimento do produto).

Esta é uma sessão interessante sobre empreendedorismo:
http://www.uc.pt/gats/noticias/news_20

J. Norberto Pires

A PEDRA FILOSOFAL


Minha crónica no "Sol" de sabado (na foto uma imagem do novo Centro):

Está a terminar a Semana da Cultura Científica, que incluiu o dia 24 de Novembro, Dia Nacional da Cultura Científica. A data assinala o aniversário do nascimento de Rómulo de Carvalho, o professor, divulgador e historiador de ciência, que é talvez mais conhecido do grande público como poeta, sob o pseudónimo de António Gedeão (o autor de “Pedra Filosofal”).

Pois foi precisamente nesse dia que abriu no edifício da Física da Universidade de Coimbra um novo Centro Ciência Viva com o nome de Rómulo de Carvalho. Em contraste com a maioria dos outros Centros Ciência Viva, que são sítios de descoberta científica através da experimentação, o novo Centro pretende fomentar a descoberta através da informação, sob as mais diversas formas: livros, revistas, filmes, programas de computador, páginas da Internet, etc. O Centro, que é a maior infoteca de divulgação científica em Portugal, irá colaborar com os demais Centros, com as escolas de vários níveis e com o público em geral na promoção da cultura científica. Vai crescer e aparecer.

Ideias não faltam, algumas bem originais: as colecções serão enriquecidas através de doações de amigos da ciência, à semelhança do que acontece nos países mais desenvolvidos (um editor quis ser o primeiro mecenas); numerosos livros e filmes poderão ser fornecidos por via postal para qualquer sítio do país; um programa de sessões presenciais, com transmissão na Web, mostrará escolhas comentadas dos melhores recursos para ensinar e aprender ciência (género “As Escolhas do Prof. Marcelo”); serão disponibilizados, também na Web, os resultados de concursos, nomeadamente os melhores registos vídeo de experiências caseiras e escolares, que todos os interessados poderão carregar e ver nos seus computadores, telemóveis ou Ipods; etc.

Num gesto simbólico, a família de Rómulo de Carvalho quis entregar um conjunto de livros que lhe pertenceram. Aquele núcleo de livros será a “pedra filosofal” do novo Centro, a pedra que vai permitir transformar metal em ouro, isto é, curiosidade em conhecimento.

Conhecimento primitivo e inferencial


Eis uma confusão que confunde quando se tenta conhecer os fundamentos do conhecimento: a distinção entre os pares conhecimento primitivo / derivado e conhecimento ininferencial / inferencial. É comum confundir as coisas e pensar que todo o conhecimento primitivo é ininferencial, mas há razões para pensar que isto é um erro. Uma parte importante do nosso conhecimento primitivo é inferencial.

A diferença entre conhecimento primitivo e derivado é a seguinte. O conhecimento primitivo é o que se conhece por um dado meio, sem que seja possível conhecer por outro meio mais directo. Por exemplo, a única maneira que temos hoje de saber qual é a composição química da atmosfera de Marte é mandar sondas que façam lá análises ou inferir a composição química da atmosfera através da análise de espectro. Mas se pudermos ir a Marte pessoalmente podemos saber de um modo mais directo a mesma coisa. Analogamente, a única maneira que temos de saber que houve segunda guerra mundial é através da consulta de dados históricos, mas quem vivia em 1943 podia saber que havia tal coisa vendo-a directamente ao viajar pela Europa.

A diferença entre conhecimento ininferencial e inferencial é a seguinte. O conhecimento ininferencial é o que se conhece sem activar a faculdade do raciocínio explícito, ao passo que o conhecimento inferencial é precisamente o que se conhece por meio de uma inferência ou raciocínio. Por exemplo, uma pessoa olha e vê que está a chover — este conhecimento não é inferencial, apesar de o sistema de processamento visual e cognitivo ser extremamente complexo; mas as faculdades de raciocínio explícito não são activadas. Ao invés, para saber que vai ocorrer um eclipse num dado momento, temos de raciocinar explicitamente, fazendo cálculos.

É uma tentação pensar que todo o conhecimento primitivo tem de ser ininferencial. É essa tentação que nos faz pensar que todos os argumentos de autoridade são espúrios: a ideia é que posso sempre ver directamente, de modo não inferencial, se algo é verdade ou não, em vez de me basear no testemunho dos outros. Só que isto é uma ilusão. Se fôssemos ver tudo aquilo em que acreditamos por testemunho, teríamos de ver as coisas mais básicas, e não teríamos tempo para nada mais. O conhecimento funciona numa rede social na qual diferentes agentes cognitivos vêem diferentes aspectos da realidade e depois confiam uns nos outros. Isto falha? Sim. Falha porque os agentes cognitivos mentem, além de não serem omniscientes, e falham, porque não são omniscientes, e são tendenciosos, porque têm preconceitos. Mas qualquer outra alternativa seria ainda pior, pois deixar-nos-ia num solipsismo metodológico que pouco mais nos permitiria saber além de que eu existo agora e estou agora a ter a experiência de ver algo a que chamo “árvore”.

sábado, 29 de novembro de 2008

Preconceito, distanciamento e política


Na sequência do meu post “Discussão de Ideias e Boas Maneiras”, o Pedro refutou-me. Mostrou-me que, como é meu costume, exagerei. E eu aprendi algo importante: que o problema não é apenas as pessoas terem ou não preconceitos, mas o apego emocional que têm aos lugares-comuns, a favor dos quais até podem ter “justificações fraquinhas”.

Um apego emocional a ideias é uma má ideia. Uma das coisas que se devia ensinar na escola é precisamente a olhar com distanciamento para todas as nossas ideias, incluindo as nossas ideias mais queridas. Infelizmente, tanto na escola como nos meios de comunicação, a ênfase é toda posta na ideia de “identidade de grupo” — daí a minha polémica crítica ao multiculturalismo. O multiculturalismo tem outras intenções, louváveis, mas é uma psicofoda porque sanciona o apego emocional às ideias que queremos classificar como elementos da nossa identidade. Não nota isto quando nos limitamos a pressupor que as pessoas realmente querem e devem identificar-se com as ideias e práticas dos seus grupos étnicos -- o que teria o resultado absurdo de eu ter o dever de me identificar com o racismo e com o colonialismo dos meus antepassados, para não falar no machismo dos meus contemporâneos.

Quando não há distanciamento perante as nossas ideias mais queridas, gera-se o dogmatismo e a guerra política. Veja-se o que acontece neste blog com os comentários criacionistas: a vontade de debater ideias, por parte do criacionista que aqui comenta, é nula. Tudo o que está em causa para o criacionista é fazer guerra política. Não há o mínimo interesse no debate intelectual porque sem distanciamento perante as nossas ideias mais queridas não pode haver debate: há apenas guerra política. Uma sociedade em que os seus membros não têm distanciamento perante as suas próprias ideias — agarrando-se dogmaticamente a elas por constituírem elementos de identidade cultural, religiosa ou política — é uma sociedade que só pode estar em guerra constante (verbal ou pior). Na guerra ideológica o objectivo não é descobrir a verdade, mas antes aniquilar as vozes dissidentes e empurrar o mundo numa dada direcção, que exclui a existência dos dissidentes, ou lhes retira poder político.

Discutir ideias não devia ser entendido como o aniquilamento de ideias que põem em causa o nosso apego emocional aos nossos lugares-comuns preferidos, mas antes como a abertura para discutir pormenorizadamente esses lugares-comuns. Olhe-se criticamente para os supostos debates na televisão e nas escolas: geralmente, ninguém nesses pseudodebates tem o mínimo interesse em discutir ideias; trata-se apenas de voltar a dizer os mesmos lugares-comuns ecológicos, ou igualitários, ou multiculturalistas, ou seja o que for. O papel crucial do ensino de excelência devia ser preparar o cidadão para resistir a esta psicofoda, e perguntar descaradamente a um ecologista: “Mas afinal qual é o problema de lixar o planeta, se quem paga a factura não somos nós mas os nossos descendentes? Que fizeram os meus descendentes por mim? Nada. Por isso, por que hei-de eu fazer algo por eles?” Se o ecologista gaguejar, já sabemos do que se trata: mero lugar-comum, como no passado era um lugar-comum dizer que os índios ou os negros não tinham alma e por isso podiam ser escravizados, como no passado era um lugar-comum que as mulheres não deviam ter igualdade política porque... bem, porque dava jeito às bestas da altura.

Museu da Ciência da Universidade de Coimbra faz dois anos








Recebemos esta informação do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra.

O Museu da Ciência da Universidade de Coimbra faz dois anos no próximo dia 5 de Dezembro. O Museu estará em festa todo o dia, funcionando em regime de entrada livre.

Foram dois anos muito activos e recheados de iniciativas. O reconhecimento nacional e internacional desta actividade e da qualidade do projecto desenvolvido surgiu através de prémios como o Micheletti Award 2008 para o melhor a mais inovador museu europeu de ciência, técnica e indústria. Mas, a nossa satisfação provém, em primeiro lugar, do acolhimento fantástico que o Museu tem recebido das cerca de 40 000 pessoas que já nos visitaram.

O trabalho desenvolvido no Museu é o produto de um grande número de pessoas, que está muito para lá da pequena equipa, que diariamente trabalha para prestar um melhor serviço de divulgação da ciência. Tratam-se dos colaboradores e amigos do Museu que, com enorme disponibilidade e entusiasmo têm ajudado, de forma decisiva, a construir este projecto e a dar-lhe qualidade.

É com eles que gostaríamos de comemorar este segundo aniversário.

Haverá uma confraternização a partir das 17 horas, onde estarão presentes o Sr. Reitor da Universidade de Coimbra, o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Coimbra e o Sr. Presidente do Conselho Directivo da FCTUC, membros do Conselho de Administração da Fundação Museu da Ciência.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Alterações climáticas: a visão de um especialista

J. J. Delgado Domingos, professor catedrático jubilado do Instituto Superior Técnico, é um dos cientistas portugueses mais respeitados nas áreas da Energia e do Ambiente. Ao longo de mais de três décadas realizou contribuições científicas notáveis nas áreas da Energia e desenvolvimento sustentável; no estabelecimento dos primeiros sistemas nacionais de Cálculo científico; da previsão meteorológica e modelação climática, em que é responsável por um dos sistemas de previsão mais avançados de Portugal. Liderou ainda, durante mais de uma década, uma das primeiras e mais influentes Licenciaturas em Engenharia do Ambiente de Portugal.

Sendo um cientista de calibre mundial, o Prof. Delgado Domingos é acima de tudo um cidadão, nunca se furtando a uma participação cívica e social activas, sobretudo quando as suas qualificações lhe dão uma perspectiva privilegiada sobre os problemas.

O DRN tem o prazer de apresentar em pré-publicação, com a gentil permissão do autor e do Reitor da UTL, a quem agradece, o seu magistral texto "Alterações climáticas", que constitui um capítulo do livro "A Energia da Razão" a publicar brevemente pela Gradiva.

Discussão de ideias e boas maneiras


Um preconceito é uma ideia feita, uma bengala mental, algo em que se acredita sem que se tenha realmente pensado nisso seriamente. Todos temos preconceitos. Eu não sei realmente justificar cabalmente a minha crença de que a Terra não está imóvel, nem a minha crença de que a água é H2O; apenas acredito nisso porque acredito no modo como os cientistas trabalham. Também não sei realmente justificar cabalmente o que há de errado com a escravatura. No entanto, tudo isto é presumivelmente verdade: a Terra realmente não está imóvel, a água realmente é H2O e a escravatura realmente é imoral. Mas para mim estas ideias são preconceitos porque não sei justificá-las cabalmente, nunca tentei fazê-lo sequer: apenas acredito que é possível fazê-lo bem. Um preconceito, ao contrário de um preconceito comum relativamente aos preconceitos, não é uma ideia falsa em que acreditamos firme e dogmaticamente: é apenas uma ideia em que acreditamos firmemente mas na qual nunca pensámos seriamente e que por isso somos incapazes de justificar cabalmente.

Pôr preconceitos em causa é muito importante. Porque se o preconceito em causa for insustentável e não resistir à discussão, está na hora de o abandonar. E se o preconceito for sustentável, está na hora de saber o que fundamenta a ideia em causa. Se não o soubermos, ficamos vulneráveis a qualquer besta que apareça a atacar o preconceito, e corremos o risco de trocar uma ideia verdadeira mas que não sabemos justificar por uma ideia falsa que um falsário defende com sofismas de mestre-escola. (Daí que eu defenda que o criacionismo deve mesmo ser ensinado nas escolas, em biologia: para todo o cidadão ver a idiotia da coisa e saber refutar tal ideia: ao passo que hoje em dia só os biólogos sabem refutar os sofismas criacionistas.)

Um dos aspectos mais interessantes do controlo de mentalidades ocorre em reacções infelizmente comuns quando alguém argumenta contra um preconceito. A reacção consiste em cometer -- involuntariamente, talvez -- a falácia da irrelevância. Esta falácia assume várias formas, mas o que tem em comum é mudar subtilmente o assunto em discussão. Por exemplo, imagine-se que eu afirmo que as mulheres negras são muitíssimo mais inteligentes, em média, do que qualquer outra população humana, e que se uma parte significativa delas estudasse medicina de investigação há muito que o problema do cancro estaria resolvido. Uma pessoa pode concordar ou discordar disto, mas a falácia consiste em desviar o assunto e começar por dizer que eu estou a fazer uma afirmação “grave”, que não deve ser proferida, que é ofensiva para os albinos do sexo masculino, por exemplo. Acontece que nada disto é relevante. Se a minha afirmação é falsa, mostre-se que é falsa, com argumentos; refute-se os meus argumentos um a um. Se não há realmente maneira de refutar a minha afirmação mas mesmo assim ela parece inacreditável, diga-se isso mesmo: podemos exprimir a nossa perplexidade por contactarmos com uma ideia que intuitivamente nos parece falsa, apesar de não termos realmente bons argumentos para mostrar que é falsa. Ao menos esta reacção é honesta e não tenta mudar o assunto.

Uma variante da reacção curiosa é acusar quem faz uma afirmação que contraria os nossos preconceitos de ser ditatorial, ou impositivo, ou até de não exibir as boas maneiras próprias de virgens recatadas. Como devia ser evidente, isto é mais uma forma falaciosa de procurar desviar o assunto, que se torna agora a questão de saber se eu sou uma besta mal-educada porque defendo o que defendo, evitando-se assim o assunto incómodo de discutir o que eu estava realmente a dizer.

A minha sugestão é esta: sempre que nos deparamos com ideias que nos ofendem, o melhor é pensar outra vez, antes de tentar desviar o assunto. Perguntemo-nos se realmente conseguimos refutar cabalmente aquelas ideias que nos irritam, ou se é precisamente porque não sabemos fazer tal coisa que ficámos irritados. Esta prática de análise tranquila e cuidadosa de ideias escabrosas devia ser feita nas escolas. Mas infelizmente as escolas são cada vez mais encaradas como veículos da propaganda do governo ou dos responsáveis educativos que decidiram há muito que sabem em que devem acreditar piamente as crianças e jovens. Portanto, desculpem-me os leitores e amigos que se irritam com as tolices que escrevo, mas escrevo-as por acreditar que as ideias mais básicas devem mesmo ser postas em causa e essa é um dos meus deveres, já que infelizmente a escola e os meios de comunicação estão cada vez mais apostados no pensamento único.

AULA DA ESFERA

Informação recebida do Centro de História das Ciências de Lisboa:

Catálogo Sphæra Mundi disponibilizado online

Dado se ter esgotado poucas semanas após a publicação e continuar a ser muito procurado, a BNP disponibilizou na íntegra o ficheiro PDF do Catálogo de manuscritos da «Aula da Esfera» do colégio jesuíta de Santo Antão:

Henrique Leitão (comissário científico), Lígia Martins (coordenação técnica e catalográfica), Sphæra Mundi: A Ciência na Aula da Esfera. Manuscritos científicos do Colégio de Santo Antão nas colecções da BNP (Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2008), 247 p.

Trata-se da mais famosa colecção de manuscritos científicos do nosso país já que a «Aula da Esfera» foi a mais importante instituição de ensino e prática científica em Portugal no período entre 1590 e 1759. A «Aula da Esfera» distinguiu-se não apenas pelo ensino de náutica e ciências afins, tendo sido sobretudo a porta de entrada no nosso país de alguns dos mais significativos avanços científicos do tempo: as teorias astronómicas de Galileu e o debate cosmológico, o telescópio e outra instrumentação óptica, o uso de logaritmos e outras técnicas matemáticas, o ensino da cartografia científica, estudos de máquinas simples, o debate acerca do estatuto científico da matemática, etc. Os manuscritos (quase todos notas de aulas) cobrem assuntos muito diversos: matemática, astronomia, astrologia, cosmografia, geografia, engenharia, estática, náutica e navegação, arte militar, instrumentos científicos, máquinas e artefactos tecnológicos, óptica, perspectiva, etc.

Ver aqui:
http://chcul.fc.ul.pt/

Mais informações sobre o catálogo aqui:
http://chcul.fc.ul.pt/livros/Sphaera_mundi-2008.htm

O catálogo pode ser descarregado aqui [pdf - 7.6MB]:
http://chcul.fc.ul.pt/textos/BNP_Sphaera_mundi-2008.pdf

HEMEROTECA DIGITAL

A Hemeroteca de Lisboa está a efectuar um excelente trabalho, ao disponibilizar na sua Hemeroteca Digital (aqui) jornais e revistas antigas. As novidades são a revista "Portugal-Brasil" e as "Notícias Ilustradas".

A MEIA HORA DE CHÁVEZ

A habitual crónica de J. L. Pio de Abreu no "Destak" pode ser ser lida aqui. Desta vez é sobre o país para onde vão os Magalhães, um país que está errado no tempo.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

ASTRO.PT

O blogue Astro.pt sobre Astronomia publicou uma lista do seus posts mais populares: o top40. Vale a pena ler...

O REGRESSO DE "HYSTERIA"


Informação recebida da produtora Margarida Mendes Silva:

"HYSTERIA"

Projecto apoiado no âmbito do Programa de Apoio a Projectos Pontuais 2008 (Teatro) promovido pelo Ministério da Cultura e Direcção-Geral das Artes

Co-Produção Teatro Académico de Gil Vicente

Parceria Camaleão Associação Cultural


ESPECTÁCULOS DIAS 20, 21, 22, 27, 28 e 29 de Novembro

4, 5 e 6 de Dezembro

às 21h30, INSTITUTO PORTUGUÊS DA JUVENTUDE, COIMBRA

Informações e Reservas 91 604 32 48/ 96 860 89 29

Espectáculo para maiores de 16 anos


"Hysteria" é uma comédia cuja acção dramática se passa em Londres em Setembro de 1939, ano em que principia a II Guerra Mundial, coloca em cena Sigmund Freud doente com um cancro no palato (após ter escapado de Viena para fugir às perseguições nazis aos judeus — Freud tinha ascendência judia) e três outras personagens: Jessica, filha de uma antiga paciente de Freud, que o vem confrontar com o seu passado; Yahuda, o amigo e médico pessoal de Freud, judeu conservador que tenta impedir o velho professor de publicar a sua derradeira obra, "Moisés e o Monoteísmo", devido à heresia nela expressa; e Salvador Dali, o pintor catalão, que visita o seu ídolo e mestre (a visita de Dali a Freud é histórica).

Estas personagens, cada uma a seu modo, são fantasmas que assombram os últimos momentos da vida de Freud. {Na última cena entre Freud e Dali, o catalão diz: "Dali? Verdadeiro. Fez visita a usted. Há dois meses. E mirou a morte no rosto de Freud […]".} Porque FREUD ESTÁ A MORRER. {Mesmo no final da peça, quando Yahuda se prepara para se afastar do amigo, uma didascália diz: "E o rosto de Freud descomprime-se à medida que vai mergulhando num sono que será o último."}


Autor Terry Johnson Tradução João Paulo Moreira Encenação José Geraldo Elenco Fernando Taborda, Helena Faria, Ricardo Correia, Rui Damasceno . Produção Margarida Mendes Silva

Contacto: 239 781 462 TM 91 604 32 48 / 96 860 89 29

ORIGEM DA VIDA


Informação recebida da Escolar Editora:
“Origem da Vida: Recentes Contribuições para um Modelo Científico”, de Ilda Dias e Hernâni Maia, Escolar Editora, Lisboa, 2008.

Das teorias criacionistas da Antiguidade e do evolucionismo pós-renascentista do século XIX às explorações interplanetárias e cósmicas do século XXI. Publicada no limiar do "Ano de Darwin", em que se celebram os 200 anos do nascimento do cientista a quem se deve a primeira proposta de uma origem química para a Vida, e também no limiar do "Ano Internacional da Astronomia", a ciência a que se devem as mais recentes contribuições para a consolidação de um modelo científico para a origem da Vida, esta obra prefigura-se como um contributo para as celebrações que terão lugar no ano de 2009, que se aproxima.

Lançamento em Lisboa: Novembro 18 (18:00 horas), na Livraria Escolar Editora, Edifício C5 da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL). Apresentação por Doutor Filipe Duarte Santos, professor catedrático de Departamento de Física da FCUL, e Doutor Joaquim Moura Ramos, professor associado de Departamento de Engenharia Química e Bioquímica do IST.

Apresentação em Braga: Novembro 25 (18:00 horas), no auditório do Museu de Arqueologia D. Diogo de Sousa. Apresentação por Doutora Graciete Tavares Dias, professora catedrática de Ciências da Terra e presidente da Escola de Ciências da Universidade do Minho, e Mestre Arq. João Carvalho Vieira, administrador da ORION — Associação Científica de Astronomia do Minho.

Apresentação no Porto: Novembro 27 (18:00 horas), no Salão Nobre da Reitoria da Universidade do Porto (UP). Apresentação por Doutora Teresa Lago, professora catedrática de Matemática Aplicada (Astronomia) da Faculdade de Ciências da UP, e Doutor Alexandre Quintanilha, professor catedrático do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da UP.

Apresentação em Coimbra: Dezembro 4 (18:00 horas), Museu de Ciência (Laboratorio Chimico) da Universidade de Coimbra (UC), Largo Marquês de Pombal, Coimbra. Apresentação por Doutor Sebastião Formosinho, professor catedrático do Departamento de Química da UC, e Doutor Milton Costa, professor catedrático do Departamento de Bioquímica da UC.

Não há mérito sem quotas?

«Não há mérito sem quotas»: ouviu-se defender no último debate televisivo sobre a avaliação do desempenho docente.

Esta é uma afirmação que revela a confusão existente entre avaliação do desempenho profissional e progressão na carreira. Ora, a avaliação do desempenho profissional dos professores tem um carácter científico e pedagógico-didáctico, enquanto a progressão na carreira tem um carácter burocrático, administrativo e remuneratório.

Os objectivos da avaliação de desempenho docente, que estão consignados no artigo 40.º do Estatuto da Carreira Docente (Decreto-Lei n.º 15/2007, de 19 de Janeiro), são os seguintes:
– Melhorar a qualidade das aprendizagens e dos resultados escolares dos alunos;
– Favorecer o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores;
– Inventariar as necessidades de formação;
– Diferenciar e premiar os melhores profissionais;
– Promover o trabalho colegial.

Como se pode observar, nos próprios objectivos definidos pela tutela não consta a progressão na carreira e muito menos a progressão na carreira sujeita a quotas. Nem mesmo o penúltimo objectivo («Diferenciar e premiar os melhores profissionais») remete directamente para tal.
Os objectivos acima referidos (consignados no Estatuto da Carreira Docente e que, não tendo sido revistos, se mantêm, portanto) remetem, pois, directamente para a análise da componente científica e pedagógico-didáctica do ensino, e não para a progressão na carreira.

A progressão na carreira surge, no Estatuto da Carreira Docente, como uma consequência, e não como um objectivo, o que é totalmente diferente, como se pode ver no artigo 41.º, em que se consigna a relevância (e não o objectivo) da avaliação do desempenho: esta é considerada «para efeitos de progressão e acesso na carreira». Como é consabido, o efeito decorre da causa, e não o contrário. Tal significa que, em primeiro lugar, os profissionais são avaliados e vêem reconhecido o seu mérito segundo critérios definidos pela tutela. A tutela só tem de definir os critérios do mérito, nomeadamente os de Bom, de Excelente e de Muito Bom. E, se os profissionais corresponderem a esse critérios, o mérito tem de ser reconhecido.

Depois, depois surge o efeito do reconhecimento desse mérito: o professor progride de uma determinada forma na carreira. As quotas são um número artificial, que nada tem que ver com o mérito, mas, apenas, com uma determinada política salarial.

Assim, não se deve deixar confundir mérito com quotas. Há, sim, mérito, independentemente de quotas, como há quotas, independentemente do mérito.

Para uma melhor compreensão, só uma simples analogia com a avaliação dos alunos: um aluno que num 12.º ano obtém uma média de classificação de 18 valores tem mérito, muito mérito. No entanto, se pretender entrar num curso em que o numerus clausus seja de 100 vagas e houver 100 candidatos a essas vagas com a classificação de 18,1 valores ou superior, o aluno de 18 valores não entra, mas não deixa de ter mérito! Ao invés, poderá ocorrer que num curso com o mesmo numerus clausus, mas que não tenha tanta procura, haja alunos de 10 valores que entrem (sem grande mérito) e até que fiquem vagas por preencher.

Quotas não são mais do que um numerus clausus artificial, que não tem nada que ver com o mérito!

Se o Ministério da Educação pretende realmente o mérito no desempenho docente, e não, apenas, pagar menos aos professores em salários, deverá demonstrá-lo suprimindo as quotas, substituindo-as pela definição de um perfil de Excelente, de Muito Bom e de Bom e atribuindo as referidas menções a quem corresponder aos perfis definidos. E assim estará, com seriedade, a diferenciar e a premiar os melhores professores.

Maria Regina Rocha e Maria Helena Damião

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Certeira

Mais uma crónica certeira de Vítor Guerreiro. Aqui.

EINSTEIN SOBRE OS PROFESSORES (1936)


"Há que conceder aos professores a maior das liberdades no que respeita aos conteúdos a ensinar, assim como aos métodos a utilizar. Pois é verdade que também para estes o prazer na execução do seu trabalho pode ser aniquilado pela força ou pela pressão exterior”.

Albert Einstein

Povos ou populações?

Vale a pena ler.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Docentes à beira de um ataque de nervos

Não, não estou a falar da questão que tem acendido ao rubro o país. Os professores de que falo são os professores do ensino superior que, enquanto esperam pela prometida avaliação, estão à beira de um ataque de nervos com a paralisação da sua actividade científica imposta pela esquizofrenia burocrática decorrente de legislação recente e de uma interpretação deveras bizarra (pelo menos para mim) do Tribunal de Contas.

No caso do Técnico, na auditoria a que fomos submetidos pelo TC, este resolveu proibir uma prática corrente, o reembolso de despesa realizada pelos investigadores no âmbito dos seus projectos de investigação - ou seja, dinheiro de receitas próprias e não de orçamento de estado. Segundo o TC, não importa que esse reembolso só seja feito se forem seguidas as normas da despesa pública porque, embora não exista nada na lei que proíba o reembolso, segundo eles só é possível fazer o que está estritamente previsto na lei e não há nenhuma disposição legal que preveja que eu seja reeembolsada do dinheiro que gastei para pagar, por exemplo, a inscrição numa conferência ou as pilhas para o aparelho que usamos no alinhamento do laser.

Mas o que nos está a deixar em estado de choque é o Código dos Contratos Públicos (CCP), que me parece algo muito interessante quando aplicado ao sector público administrativo tradicional para que foi desenhado mas que resulta no caos numa escola de ciência e investigação como o Técnico onde cerca de 60% do orçamento resulta de receitas próprias, na sua maioria proveniente de projectos de investigação neste momento muito complicados de executar dadas as restrições impostas pelo CCP.

De facto, até agora os responsáveis de cada projecto - e temos em média mais de mil projectos em curso - geriam autonomamente os seus projectos tendo a responsabilidade da sua execução. Isto é, cada responsável tratava de todos os trâmites associados à aquisição de reagentes, equipamentos, manutenção, etc., em suma, tratava de toda a execução material necessária à execução científica dos seus projectos. As facturas e restante documentação eram entregues nas unidades de gestão respectivas e os serviços centrais tratavam o digest dos cerca de 50 000 documentos de despesa/ano gerados pelas diferentes unidades.

Agora, todo o trabalho anteriormente distribuído por uns milhares de pessoas tem de ser dirigido para uma central de compras com meia dúzia de funcionários porque o CPP só nos deixa comprar por adjudicação directa 75.000€ em três anos por fornecedor. Numa escola que movimenta cerca de 50 milhões de euros de projectos por ano, este montante (quando conseguirmos finalmente comprar qualquer coisa) será seguramente ultrapassado para alguns fornecedores, por exemplo os poucos que vendem reagentes químicos ou componentes electrónicos, para aí em 2 meses! Assim, todas as compras têm de ser centralizadas e controladas para garantir que o Técnico cumpre o CCP, garantindo igualmente que a investigação fica paralisada ou pelo menos adiada.

Isto é, eu não posso comprar um litro de um solvente directamente, tenho de ir para a (longa) fila do economato dar início a um processo burocrático interminável. Assim, em vez de estar daqui a dias a fazer uma experiência necessária, com sorte conseguirei fazê-la daqui a três meses - isto se o heróico pessoal do economato não transitar para uma ala do Júlio de Matos quando começar a tratar de aquisições complicadas ou tiver de convencer os muitos fornecedores estrangeiros de que nos têm de mandar provas de que nenhum dos titulares dos seus órgãos sociais de direcção, administração ou gerência foi condenado por um de uma longa lista de crimes que o CCP elenca na alínea i do seu artigo 55º...

Branquear o “eduquês”



O meu post ""Eduquês": O Inimigo Errado?" deu origem a respostas muito interessantes e construtivas de alguns leitores, que agradeço. Penso ser necessário, todavia, esclarecer alguns aspectos. Um leitor afirma notar da minha parte "uma falta de vontade de olhar com olhos de ver para as ideias educativas "novas" (dos últimos 100 a 120 anos)."

Não tenho essa falta de vontade que me é atribuída. O que penso é isto:
  1. Haverá teorias boas e más em ciências da educação, como em tudo;
  2. Parece-me que os professores do ensino secundário com que contacto conhecem, na sua maior parte, apenas versões degradadas de teorias educativas cientificamente ultrapassadas (assim como versões degradadas das disciplinas que ministram);
  3. O discurso, programas e legislação ministerial caracteriza-se pela incompetência, apesar de se disfarçar de discurso científico sobre educação — e é a isso que se chama habitualmente “eduquês”;
  4. A mesma incompetência generalizada que encontramos em matemática, física, biologia, filosofia ou português encontramos em ciências da educação e este é que é o nosso problema fundamental: incompetência científica. Não adianta tentar tapar com a peneira de teorias educativas mal compreendidas e pior expressas o Sol glorioso da incompetência em matemática, filosofia e noutras áreas centrais da vida escolar.
Referir o “eduquês” pode ser uma má ideia caso se interprete isso como um ataque às ciências da educação. Mas não é disso que se trata: trata-se de atacar a ideia de que os conteúdos académicos são de abandonar, que a escola deve ser uma brincadeira e que tudo o que conta é promover conversas vagas sobre contemporaneidade e cidadania. Parece-me inaceitável querer branquear o discurso pseudocientífico e pseudo-educativo emanado do Ministério da Educação, que além de nada contribuir para a excelência educativa, contribui para a sua degradação, ao colocar a ênfase no lugar errado. O país precisa de um esforço sincero e cooperativo entre pais, universidades, editores, escolas, professores e alunos. Esse esforço tem de se centrar na excelência educativa, na precisão científica de conteúdos, expressos em linguagem clara e despretensiosa, e em metodologias de ensino que funcionem realmente, sobretudo com os alunos culturalmente mais carenciados. O discurso educativo oficial não tem qualquer uma destas componentes.

E isso torna-se mais claro quando se fala directamente com os responsáveis: tudo o que parecem ter em mente são tolices políticas sem qualquer relevância seja para quem for excepto para a sua própria carreira pessoal. Um interesse genuíno por geografia, história, filosofia, biologia ou literatura — ou artes — é coisa que não se vê em qualquer documento educativo emanado do Ministério da Educação. Tudo o que se vê é a instrumentalização política da escola, discursos vagos sobre a construção da cidadania e outras mentiras políticas, ao mesmo tempo que não se exprime com clareza uma ideia decisiva sobre como ensinar eficazmente história, literatura, física, matemática ou qualquer outro conteúdo. E é a isto que críticos como Carlos Fiolhais, Helena Damião, Jorge Buescu ou Nuno Crato — e eu próprio — se referem ao usar o refrão (já gasto, concordo — está na hora de o abandonar) do “eduquês”. Não se trata de modo algum de rechaçar o estudo científico da educação ou a aplicação de teorias da educação. Na verdade, alguns dos melhores especialistas nacionais em ciências da educação são os primeiros críticos das políticas educativas nacionais, supostamente feitas de acordo com as ciências da educação. Uma hipótese de trabalho plausível é que não são as pessoas mais competentes em ciências da educação que determinam as políticas do ministério, mas antes as que melhor se movem nos tristes corredores do poder político.

DOIS MIL POSTS

Depois de ter ultrapassado, o milhão de visitas, o "De Rerum Natura" acaba de ultrapassar 2000 posts. Faremos mais!

POEMA PARA GALILEU (A MUITAS VOZES)

O "Poema para Galileu" de António Gedeão, lido por vários cientistas portugueses, encontra-se aqui. Uma excelente ideia e um excelente trabalho do jornalista do "Público" António Granado.

Vale a pena reler o texto do poema:

Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.

Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileu! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios).

Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria...
Eu sei... Eu sei...
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileu Galilei!

Olha. Sabes? Lá na Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.

Eu queria agradecer-te, Galileu,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar - que disparate, Galileu!
- e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação -
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.

Pois não é evidente, Galileu?
Quem acredita que um penedo caia
com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia?
Esta era a inteligência que Deus nos deu.

Estava agora a lembrar-me, Galileu,
daquela cena em que tu estavas centado num escabelo
e tinhas à tua frente
um guiso de homens doutos, hirtos, de toga e de capelo
a olharem-te severamente.

Estavam todos a ralhar contigo,
que parecia impossível que um homem da tua idade
e da tua condição,
se estivesse tornando um perigo
para a Humanidade
e para a civilização.

Tu, embaraçado e comprometido, em silêncio mordiscava os lábios,
e percorrias, cheio de piedade,
os rostos impenetráveis daquela fila de sábios.
Teus olhos habituados à observação dos satélites e das estrelas,
desceram lá das suas alturas
e poisaram, como aves aturdidas - parece-me que estou a vê-las -,
nas faces grávidas daquelas reverendíssimas criaturas.

E tu foste dizendo a tudo que sim, que sim senhor, que era tudo tal qual
conforme suas eminências desejavam,
e dirias que o Sol era quadrado e a Lua pentagonal
e que os astros bailavam e entoavam
à meia-noite louvores à harmonia universal.

E juraste que nunca mais repetirias
nem a ti mesmo, na própria intimidade do teu pensamento, livre e calma,
aquelas abomináveis heresias
que ensinavas e escrevias
para eterna perdição da tua alma

Ai, Galileu!
Mal sabiam os teus doutos juízes, grandes senhores deste pequeno mundo,
que assim mesmo, empertigados nos seus cadeirões de braços,
andava a correr e a rolar pelos espaços
à razão de trinta quilômetros por segundo.

Tu é que sabias, Galileu Galilei.
Por isso eram teus olhos misericordiosos,
por isso era teu coração cheio de piedade,
piedade pelos homens que não precisam de sofrer, homens ditosos
a quem Deus dispensou de buscar a verdade.

Por isso, estoicamente, mansamente,
resististe a todas as torturas,
a todas as angústias, a todos os contratempos,
enquanto eles, do alto enacessível das suas alturas,
foram caindo,
caindo,
caindo,
caindo,
caindo sempre,
e sempre,
ininterruptamente,
na razão direta dos quadrados dos tempos.

Antônio Gedeão

Esteticamente

Para assinalar o lançamento em Portugal de Introdução à Estética, de George Dickie, a Bizâncio resolveu oferecer três livros a três leitores, aqui.

A Filosoficamente é a nova aposta da Bizâncio na filosofia. A colecção publica obras de carácter introdutório e avançado sobre todas as áreas da filosofia. Inaugurada em 2007, publicou já livros de McGinn, Warburton, Pojman e Dickie.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

MUNDO FANTÁSTICO AO DOBRAR O COTOVELO DE UMA ESTRADA

O sítio Casa da Leitura, da Fundação Gulbenkian, para promoção da leitura junto dos jovens pediu-me um texto sobre leituras de infância e juventude. Está aqui.

A proposta de avaliação da Fenprof

Novo texto de opinião de Rui Baptista:

Foi publicada no “Diário de Notícias” (DN), de 23/11/2008, uma notícia intitulada “Sindicatos já têm proposta de avaliação para este ano” que me colheu de surpresa e julgo que a todos os interessados profissionalmente no assunto ou mesmo meros cidadãos que têm seguido com atenção uma avaliação dos professores transformada num braço-de-ferro entre o Ministério da Educação e a Fenprof e que parece não ter fim à vista que salve a face de ambos servindo simultaneamente os interesses do sistema educativo nacional. Infelizmente, esse pessimismo veio a verificar-se como prova a notícia de que dei conta acima. Transcrevo-a no essencial:


“Na sexta-feira, para o encontro com a ministra da Educação, a Plataforma Sindical levará já uma proposta de avaliação para ‘salvar o ano lectivo’. Será uma solução simples, sem questões burocráticas, transitória, focada na vertente científico-pedagógica e para aplicar aos professores em vias de progredir na carreira. Proposta que não acolherá nenhuma das medidas de simplificação apresentadas pela ministra esta semana, garante ao DN Mário Nogueira. Até porque, sublinha o porta-voz sindical, o modelo de que o Governo não desiste continua a ser para ‘rasgar’”.


Desta forma, a solução apresentada assume-se como prepotente e transitória num país que deve estar farto de salvadores da pátria em proveito sindical com prejuízo dos verdadeiros interesses de um sistema educativo ao serviço do desenvolvimento social e económico. Mas não passará pela cabeça da Fenprof que o respectivo modelo possa ter como destino provável o cesto dos papéis por se apresentar como uma solução que deveria ter sido apresentada há muito tempo para merecer o crédito da boa-fé em se querer sair de um longo e desgastante impasse?


Acresce que, nesta proposta de avaliação, não foram auscultadas as opiniões generalizadas dos professores sindicalizados ou não. E o que é também grave é a própria Fenprof confessar no texto completo da referida notícia não ter sido a proposta aprovada “por todos os sindicatos da Plataforma”. Daqui se infere estarmos em presença de uma manobra de bastidores de sindicatos da Plataforma em que os professores, foram afastados ou tidos como meros espectadores de um espectáculo antidemocrático em que a vontade da Fenprof e dos sindicatos que giram à sua volta se querem acima de quaisquer outros interesses por mais justos que sejam.


Bem sei que este “statu quo” transcendeu, de há muito e em muito, fronteiras estritamente pedagógicas para se tornar, nas próprias palavras de Mário Nogueira, num processo político-partidário. Ora, como escreveu Paul Valèry, “a política é a arte de impedir as pessoas de meterem o nariz em coisas que lhes dizem realmente respeito”. Só assim se compreende, embora não seja desculpável, que o processo de avaliação docente possa deixar de ser uma questão que diz essencialmente respeito aos professores que dele tomaram conhecimento, tão-só, através de uma notícia publicada nas colunas de um jornal diário.


O que se irá passar, na próxima sexta-feira, dia 28, com a proposta da Fenprof é bem demonstrativo da ausência de lisura de uma processo avaliativo em que os professores, nunca é de mais repeti-lo, não foram, mais uma vez, nem ouvidos nem achados. O desejo de protagonismo público por parte dos sindicatos e dos seus dirigentes tem limites que foram mais uma vez ultrapassados sem qualquer espécie de pudor!

DIA NACIONAL DA CULTURA CIENTÍFICA



Hoje, 24 de Novembro, dia de aniversário de Rómulo de Carvalho, celebra-se o Dia Nacional da Cultura Científica. Para o assinalar mostramos Rómulo de Carvalho/António Gedeão a ler o seu "Poema para Galileu".

domingo, 23 de novembro de 2008

Abre o Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho


Informação fornecida pela Reitoria da Universidade de Coimbra (na imagem, auto-retrato de António Gedeão, pseudónimo artístico de Rómulo de Carvalho):

O Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho é um novo Centro Ciência Viva que vai funcionar na Universidade de Coimbra (no rés-do-chão do edifício do Departamento de Física) com características de centro de recursos para o ensino e aprendizagem das ciências e difusão da cultura científica. Incorpora a actual Biblioteca Rómulo de Carvalho, do Departamento de Física daquela Universidade, com uma forte componente multimédia em todas as áreas da ciência, e o portal na Internet “Mocho” (http://www.mocho.pt) . O Centro Rómulo de Carvalho dará apoio, como moderno centro de recursos, à rede de centros Ciência Viva do país, às escolas de vários níveis e ao público em geral. Os objectivos do Centro são, como os dos outros centros, contribuir para o alargamento da cultura científica e tecnológica nacional, incluindo em particular a atracção de mais jovens para a ciência e a tecnologia.

O nome Rómulo de Carvalho justifica-se plenamente: Rómulo de Carvalho (1906-1997) foi professor de Ciências Físico-Químicas (para muita gente mais conhecido por António Gedeão, o poeta de “Pedra Filosofal” e de outros grandes poemas de inspiração científica) e é um símbolo da cultura científica em Portugal. Além de professor de ciências e de poeta, juntando na mesma pessoa de forma única duas sensibilidades que parecem distintas, foi também um notável divulgador científico e um historiador da ciência, da pedagogia e, em geral, da cultura portuguesa. A sua ligação a Coimbra é bem conhecida pois foi nessa cidade que ensinou durante alguns anos, que iniciou a sua carreira literária nos anos 50 e que estudou as colecções de instrumentos históricos da Universidade.

A abertura pública do Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho terá lugar no dia 24 de Novembro, nas instalações do Centro, no Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (na Rua Larga, em Coimbra) e acontecerá em plena Semana Nacional da Ciência e Tecnologia. Recorde-se que o dia 24 de Novembro, o aniversário de Rómulo de Carvalho, é o Dia Nacional da Cultura Científica. A sessão, que tem início às 17h30, terá a presença do Reitor da Universidade de Coimbra.

O Centro conta actualmente com cerca de 3000 livros e milhares de revistas na área da ciência, cultura e sociedade (em parte resultado de generosas doações), dez modernos computadores que permitem acesso a uma colecção de centenas de CDs e DVDs com software e filmes. Existe um sistema de empréstimo a distância, que permitirá o acesso aos livros e filmes de divulgação da ciência a sítios mais periféricos do nosso país. Além do acesso local no próprio Centro, serão progressivamente proporcionados, via Internet, a Portugal e não só, numerosos recursos digitais, que permitirão uma melhor compreensão da ciência pelo público. Um dos responsáveis pelo novo Centro, Carlos Fiolhais, declarou: “O nome de Rómulo de Carvalho é para nós muito inspirador e vamos procurar seguir o seu exemplo. Vamos mostrar que os jovens que descobrem a ciência estão com isso a descobrir o mundo.”

O novo Centro, além do apoio da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica e do programa POCI 2010, já beneficiou de apoios da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Fundação Calouste Gulbenkian, do Ministério da Educação, da Porto Editora e das Publicações Gradiva.

Contactos:

Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho
Dto. de Física da Universidade de Coimbra
Rua Larga, 3004-516 Coimbra, PORTUGAL

Telef: 351-239410694, Fax: 351-239829158

Email: rc@teor.fis.uc.pt
Internet: www.rc.mocho.pt

A escola pública está ameaçada?

Depoimento meu sobre a qualidade das escolas públicas que foi publicado no último "Jornal de Leiria":

Temos algumas boas escolas públicas, com bons professores. Mas, hoje, há razões para estar preocupado com o futuro dessas escolas, dado o ambiente geral de facilitismo nas escolas e a sobrecarga burocrática que pende sobre os professores, com manifesto prejuízo do bom ensino que eles podem fazer. Olhando para os “rankings” de escolas verifica-se que o ensino público está a perder para o privado e as pessoas, como eu, empenhadas na defesa do ensino público, devem reflectir sobre isso e procurar actuar. Nomeadamente apoiando a posição dos professores e dos pais da escola pública mais bem classificada, a Infanta D. Maria de Coimbra, contra uma avaliação que não é séria nem competente. Seria muito mau se os pobres estivessem condenados à pobreza por a escola pública se degradar.

A empresa é intrinsecamente amoral?

O assunto da ética nos negócios está em Portugal na ordem do dia. O nosso leitor Filipe J. Sousa, Professor do Departamento de Gestão e Economia da Universidade da Madeira, enviou-nos, com uma introdução, um excerto de uma tradução sua do livro "The Concept of Corporate Strategy" de Kenneth Andrews, famoso professor de Economia de Harvard (na foto), sobre a necessidade de incorporar a ética na estratégia empresarial:

A propósito da recente mediatização de
recorrentes comportamentos éticos impróprios e reprováveis no mundo empresarial, penso ser conveniente revisitar os ensinamentos de Kenneth Andrews (1926-2005) - professor emérito da Harvard Business School e um dos precursores académicos da área da Gestão Estratégica - no seu livro seminal de 1971 sobre a estratégia da empresa, nomeadamente no que concerne ao que a empresa deve fazer (ao invés do que faz de facto).

"O comportamento ético, à semelhança do exercício da preferência [individual], pode ser considerado um produto de valores. (...)

A definição legal e económica do propósito da empresa como a maximização da riqueza do accionista [ou proprietário] leva, todavia de forma indirecta, a conclusões de que o comportamento [humano] que não seja claramente ilegal ou imoral é aceitável - aliás indispensável ao sucesso na competição [inter-empresa]. (...)

A definição da empresa como [entidade] servindo unicamente os interesses financeiros dos accionistas
[ou proprietários] conduz naturalmente à subordinação da preocupação ética ao resultado financeiro. Mas aparte desta histórica má concepção, outras condições da vida empresarial, reprovadas por qualquer estratégia apropriada, tendem a tornar a empresa intrinsecamente amoral. Estas [condições] incluem a necessidade de sucesso sentida por indivíduos ambiciosos e energéticos, o desejo de 'ganhar' que é integral à competição, a tentação de renunciar à 'auto-estrada' em favor dos 'atalhos' [sinuosos], e a pressão das pessoas para atingirem o seu plano [pré-estabelecido] - uma pressão conducente a penalizações no que diz respeito à responsabilidade [da empresa] para com a comunidade envolvente e à sua conduta ética. (...)

Os estrategas [da empresa] necessitam de possuir motivações morais e económicas e competência [funcional]. A estratégia empresarial que governa a postura competitiva desses estrategas inclui a combinação de aspirações pessoais e morais com a escolha de bens e serviços a serem disponibilizados nos mercados em níveis apropriados de qualidade e valor que reflictam o intento ético e moral da empresa.

Por todas estas razões, não é mais possível evitar a discussão em torno das questões éticas. O desconforto e o desentendimento que complicam as conversações [dentro de e entre empresas acerca da ética nos negócios] são apenas um pequeno investimento na capacidade valiosa de reconhecer atempadamente a existência de dilemas éticos [com potenciais consequências nefastas] e de evitar o tipo de escândalo que arruina carreiras profissionais e exacerba a [massiva] crítica pública do mundo empresarial. (...)

Procurar encontrar a moralidade na escolha pode ser o mais extenuante empreendimento no âmbito da decisão estratégica." (Andrews, 1971, pp. 65, 68-9).

VERSOS QUASE MATEMÁTICOS

Informação recebida da editora Pé de Página:

Será que a poesia rima com a matemática? Dirão os menos atentos que escrever e calcular são coisas muito diferentes. Mas talvez assim não seja. No livro "Versos Quase Matemáticos", João Pedro Mésseder entrelaça o contar das letras com o contar dos números, mostrando como os números e as letras se articulam no bailado ritmado das pequenas grandes coisas da vida. É que adicionar pode querer dizer juntar, subtrair pode querer dizer tirar, multiplicar pode querer dizer aumentar e dividir pode querer dizer repartir. E depois estamos sempre a contar coisas a que damos nomes com que explicamos muitas coisas.Quatro são as estações, dois são os pedais de uma bicicleta e cantar pode ser feito em dueto, terceto, quarteto, quinteto...

Num livro de extrema sensibilidade, o autor faz dançar as letras com os números, proporcionando uma aproximação envolvente a estes domínios que devem permanecer unos no desenvolvimento da sensibilidade e da inteligência.

Título: Versos quase matemáticos
Autor: João Pedro Mésseder
Ilustração: Catarina Fernandes
N.º de páginas: 24
Classificação: infanto-juvenil
www.pedepagina.pt

Repensar o Nuclear


Eis um novo texto de opinião de Armando Vieira:

Quem visite o nosso país, e ouça alguns políticos, vai achar que vivemos um período de grande prosperidade. Desde um novo mega-aeroporto, várias linhas de TGV, auto-estradas mesmo ao lado de vias rápidas, há projectos para todos os gostos. Certamente que somos um país rico, dirá um irlandês, um país com apenas algumas dezenas de quilómetros de auto-estradas mas um rendimento per-capita duplo do nosso.

À questão de “serão estes investimentos produtivos?”, o governo responde com a tradicional fuga para a frente. Faz-se e depois logo se vê. No período actual de grande endividamento e proximidade de recessão económica, todos parecem ter dúvidas menos o Primeiro-Ministro. Também, ao contrário dos analistas económicos, parece que raramente ele tem dúvidas e nunca se engana. Sorte a nossa ter chefes de governos tão esclarecidos.

Na verdade existem muitas incertezas sobre o futuro, mas de uma coisa podemos estar certos. O consumo de energia irá aumentar inexoravelmente. Outra coisa que também podemos estar certos é que a actual fonte primordial de energia irá desaparecer dentro de duas ou três décadas. O nosso Primeiro-Ministro irá explicar-nos, com a sua inefável postura de líder omnisciente, que isso está pensado. As energias renováveis serão a nossa resposta ao problema energético.

Seria bom se fosse verdade, mas não é. Para o insaciável apetite por energia do homem, as energias renováveis (solar, eólica, biomassa ou ondas) não passam de meros aperitivos. Hoje representam alguns pontos percentuais do consumo total de energia eléctrica, no futuro poderão chegar a uns meros 10%. Não chega.

Mais grave que isso. As energias renováveis, lamento informá-lo, são caras. Mais caras que as energias convencionais e nalguns casos muito mais caras. O preço do kWh da energia eólica, preço esse subsidiado pelo Estado, é cerca de 20 cêntimos, no caso da energia solar é perto de 50 cêntimos. Enquanto isso a energia paga pelo consumidor é cerca de 10 cêntimos. Não estou a dizer que não se deva investir nas energias renováveis, mas a verdade é que elas são caras e não vão resolver o problema da energia.

Já que o governo parece ter entrado num afã de realizar grandes projectos, existe um que ele poderia de facto realizar e com resultados bem reais na economia. A construção de uma central nuclear para produção de energia eléctrica.

De todas as energias, a nuclear é das que apresenta um menor custo por kWh e que tem maior durabilidade. Os EUA planeiam construir 14 nos próximos anos e a China nada menos de 100. Até a Finlândia, um dos países mais ecológicos do mundo, tem uma central já em construção.

A expressão nuclear faz qualquer ambientalista contorcer-se de inquietude. Eles, e todos os que se opõem a esta forma de energia, deviam rever os seus pressupostos. Os tempos mudaram. Hoje os reactores nucleares são uma forma comprovada de produção de grandes quantidades de energia, livre de dióxido de carbono, mais fiável e independente dos ditames da geografia ou do tempo. Patrick Moore, um dos fundadores do Greenpeace, acabou por se converter à causa nuclear.

Contabilizando todos os encargos, custos de combustível, de capital, de manutenção, e de desmantelamento, o nuclear tem o preço mais baixo de todas as outras formas de produção de energia eléctrica, praticamente igual ao preço do carvão. Porém o carvão é extremamente poluente e, se contabilizarmos os custos devidos à emissão de gases de efeito estufa, o preço da energia nuclear é claramente o mais baixo, menos de metade do preço da energia eólica e 2/3 do preço das centrais de gás natural a ciclo combinado, isto contando que o preço do gás natural não aumente.

Aqueles que argumentam que é muito perigoso podem consultar as estatísticas. O número de vítimas provocadas pela energia nuclear é claramente inferior às infligidas, directamente ou indirectamente, por qualquer outra forma de produção de energia. As centrais nucleares de quarta geração são muito mais seguras e virtualmente à prova de acidentes como o de Tchernobyl. O perigo que corremos por termos duas centrais nucleares em Espanha perto da fronteira, com uma tecnologia já obsoleta, é bem maior que o de construirmos uma nossa.

De uma vez por todas, deixemo-nos de hipocrisias e fobias atávicas quanto à energia nuclear. Se o governo quer fazer um grande investimento, da ordem dos 1500 milhões de euros, ou seja um terço do preço do novo aeroporto, tem aqui um excelente projecto.

Armando Vieira
Professor Coordenador no ISEP

sábado, 22 de novembro de 2008

“Eduquês”: o inimigo errado?


Reagindo a um artigo meu, um leitor põe em causa a ideia muito difundida de que seja o chamado “eduquês” a causa dos males do nosso ensino, sugerindo duas coisas. Primeiro, que os professores não adoptam na sua maior parte os princípios do “eduquês” nas suas aulas; segundo, que estes princípios estão correctos e que a sua aplicação seria vantajosa.

Vale a pena discutir estas ideias. Não tenho quaisquer estudos empíricos que me indiquem quantos professores adoptam ou não adoptam os princípios do “eduquês” nas suas aulas. Mas tenho um conhecimento por observação directa — assistemático, pois, e incientífico — do que se passa no caso do ensino da filosofia no secundário, conhecimento que adquiri ao longo de anos, como formador de professores de filosofia, em visitas às escolas e contactos com professores, lendo os manuais que os meus colegas escrevem (eu próprio sou também autor de manuais), e trocando ideias com os professores em fóruns online.

Reflectindo na realidade que conheço, não me parece que se possa dizer que foi o “eduquês” que causou a falta de qualidade do ensino da filosofia que detecto. E reflectindo no ensino que recebi quando era estudante, vejo que a falta de qualidade era já nessa altura gritante — e nessa altura (sim, já não sou um jovenzinho, daí a minha gloriosa careca) ainda o “eduquês” não tinha tido tempo de fazer estragos. Portanto, não me parece avisado pensar, sem mais estudos, que o “eduquês” seja responsável pela falta de qualidade do ensino da filosofia, em particular. Talvez o ensino da matemática fosse glorioso noutros tempos, mas duvido muito, nomeadamente reflectindo sobre a minha experiência como estudante: tive professores tolos que liam os manuais na aula, ou mandavam os alunos lê-los, e tive professores excelentes, que ensinavam muito e bem, com entusiasmo e eficazmente.

A ideia dos que atacam o “eduquês”, contudo, não é a de que o conjunto algo assistemático que caracteriza esta ideologia é a causa da falta de qualidade do ensino, mas antes 1) que estas ideias estão pura e simplesmente erradas; e 2) que não permitem melhorar um ensino que já era mau.

Estas ideias parecem-me plausíveis, dado o conhecimento que tenho do caso da filosofia. Tomemos o exemplo dos programas de filosofia. Estes sempre foram maus, de tal modo maus que qualquer semelhança entre o que se dava nas aulas e a filosofia propriamente dita era mera coincidência. Ao longo dos anos, os programas oscilaram entre a história da filosofia e programas temáticos. Quando os programas eram de história da filosofia, não só as ideias dos filósofos apareciam distorcidas, como eram agrupadas e sistematizadas de maneiras absurdas, como se se tratasse de uma longa corrida em direcção a um dado fim — os autores desses programas eram pura e simplesmente incapazes de compreender que a história da filosofia não é como a história da biologia, que é uma história de sucessos acumulados em direcção a teorias mais perfeitas, mas antes uma história de tentativas de resolver problemas reais que ainda hoje ninguém sabe resolver. Quando os problemas eram temáticos, como o actual, nenhuma filosofia praticamente incluíam nas suas páginas. Hoje em dia é perfeitamente possível um professor de filosofia não leccionar um só conteúdo filosófico e cumprir integralmente o programa, pois este não exige a leccionação de um só problema, teoria ou argumento filosóficos; mas tem muita conversa fiada sobre o mundo contemporâneo e a cidadania.

O que é interessante é reflectir sobre a razão de ser desta falta de qualidade, pois é isso que nos permitirá compreender o que se passa com o chamado “eduquês”. Numa só palavra, a razão de ser desta falta de qualidade é a falta de domínio da área em causa — neste caso, a filosofia. Se um professor tiver uma formação sólida em filosofia, ou história ou matemática, nenhum método, por mais errado que esteja, poderá ter grandes efeitos negativos na qualidade do seu ensino, porque esse professor não irá esquecer os conteúdos e competências da sua área, e tudo fará para os transmitir aos estudantes. Mas se o professor não tem essa formação — porque não lhe foi dada nas universidades — então qualquer tolice será absorvida acriticamente como uma ideia educativa salvadora da pátria.

Vejamos um exemplo simples, uma vez mais da área da filosofia, pois é a que conheço. Em quase todos os manuais do passado, e em alguns actuais, há uma cantiga tola sobre a maior e menor extensão e intensão (com “s”) dos termos gerais, no capítulo de lógica aristotélica. Muitos professores, mesmo que o manual que hoje adoptaram não tenha essa cantiga, sentem falta dela e leccionam-na à mesma. Esta cantiga está errada, e nem sei qual é a sua origem. A ideia seria a seguinte: um termo geral qualquer, como “portugueses” tem uma dada extensão, que neste caso é as pessoas portuguesas. E tem uma dada intensão (com “s”) ou “compreensão”, que é a propriedade ou propriedades que determinam a extensão: neste caso, a propriedade de ser português. Por alguma razão, inventou-se a tolice de que, dado um qualquer termo, a uma maior intensão corresponderia uma menor extensão e vice-versa. Isto é obviamente falso porque a extensão de “portugueses” é muitíssimo mais pequena do que a extensão de “brasileiros”, mas seja qual for a intensão dos dois termos, não será com certeza tal que a intensão de um seja maior do que a de outro. (Além disso, não faz sentido logicamente medir o tamanho das intensões, mas não vale a pena explicar isso agora.)

Ora bem, o que faz um professor mal formado, que interiorizou esta tolice sem pensar muito bem (pois se pensasse, veria que é uma tolice), é inventar exercícios criativos sem se dar conta de que nem sequer está a avaliar nem a leccionar qualquer conteúdo lógico ou filosófico. Esse professor dá ao aluno listas de palavras (do género: “portugueses”, “europeus”, “seres humanos”), pedindo que o aluno as ordene em termos da maior ou menor intensão ou extensão. Mas o que está realmente a ser avaliado, a competência que está a ser invocada, é puramente geográfica: nada tem a ver com a lógica nem com a filosofia. Isto seria óbvio se o professor tivesse duas coisas centrais que infelizmente não adquiriu na universidade: 1) formação sólida na sua área de actuação, neste caso a filosofia, e 2) uma atitude crítica relativamente ao que vê escrito algures. Estes são os dois factores que explicam o disparate. E que explicam também o desinteresse do aluno, evidentemente, pelas aulas de filosofia. Não sei até que ponto este exemplo é ilustrativo do que acontece noutras disciplinas, no ensino secundário, mas é pelo menos plausível que o seja.

Se a falta de conhecimentos e competências fundamentais que detecto nos colegas da filosofia for transversal — se existe também nos colegas da matemática, português, etc. —, então as próprias ideias das ciências da educação serão deturpadas, vilipendiadas, aplicadas às cegas e transformadas em mais um conjunto de tolices sem sentido. Poderão não ser elas a causa da falta de qualidade do ensino — mas reforçam essa falta de qualidade porque não colocam a ênfase onde ela deve ser colocada: na formação intelectual do professor, que é muitíssimo deficiente.

A formação intelectual integral dos nossos professores é o problema mais grave do ensino e que está na origem dos problemas que temos, na minha opinião. Por “formação intelectual integral” entendo 1) um domínio sólido das matérias (filosofia, matemática, etc.), 2) autonomia intelectual e 3) sensibilidade didáctica e social. Quando o professor foi deformado nas universidades, decorando tolices e perdendo o sentido crítico normal que qualquer ser humano tem, quando o professor não adquiriu uma sensibilidade didáctica e social que lhe permita por si mesmo conceber estratégias de ensino que cativem os alunos mais carenciados, está nas mãos de toda a tolice emanada do Ministério da Educação — que, por sua vez, é constituído por pessoas que padecem exactamente da mesma falta de formação intelectual integral.

O que se pode então fazer?

Em primeiro lugar, cooperar. Parar de fazer guerras e compreender que temos de estudar, aprender, ler, discutir matérias, conteúdos e métodos. Temos de ter uma atitude cooperativa, cabendo aos que tiveram a sorte de ter uma formação melhor, saindo do circuito bolorento da universidade nacional, ajudar os outros. Cabendo a quem pode ler livros directamente noutras línguas disponibilizar esses conhecimentos e metodologias aos outros. Cabendo a quem tem um maior conhecimento das coisas partilhar isso com os outros.

Em segundo lugar, parar de encarar o conhecimento como um instrumento de opressão. É esta mentalidade que provoca guerras e animosidades. Se eu disser a um colega de filosofia que escreveu um manual com erros científicos elementares, ele fica zangado comigo porque pensa que o meu objectivo é vilipendiá-lo e não apenas melhorar o ensino no meu país (que é cada vez menos meu, claro, dado que agora tenho a obrigação de melhorar a realidade brasileira, que tem os seus problemas próprios, que ainda não conheço bem). Se eu lhe mostrar bibliografias actualizadas, de qualidade óbvia e de profunda sensibilidade didáctica, ele vai procurar esconder a sua ignorância dizendo que é “anglo-saxónico”, como se a matemática, a filosofia, as artes — os seres humanos, enfim — pudessem ser adequadamente classificados como insectos, preferindo-se então uns insectos a outros.

Procurar activamente as bibliografias com as exposições mais claras e didacticamente adequadas dos conteúdos das disciplinas só pode ocorrer quando admitirmos que fomos mal formados pelas universidades. A cooperação só pode ocorrer quando pararmos de prostituir o conhecimento, encarando a partilha como uma coisa perfeitamente normal. E sem essas duas condições, nada do que se fizer no ensino poderá ter grandes efeitos causais na direcção desejada da excelência.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

O MONSTRO DA 5 DE OUTUBRO


Minha crónica no "Público" de hoje:

A palavra “monstro” para designar o Ministério da Educação é muito anterior ao mandato dos actuais ocupantes da Avenida 5 de Outubro. Numa entrevista ao “Expresso” o Eng.º Belmiro de Azevedo usou-a há anos sem papas na língua: “O Ministério da Educação sempre foi um monstro dentro de outro monstro que é a administração pública. Esse Ministério é o maior empregador nacional e deve possuir o maior teor de burocratas no sistema. Continua a gerir numa lógica de continuidade aquilo que existe, em vez de gerir numa lógica de base zero, por reformular o sistema por completo. Não têm existido verdadeiras reformas educativas.” Inquirido sobre a solução, respondeu: “Devia haver uma reforma que abrisse e descentralizasse o sistema de ensino. O Ministério devia ser um regulador, validador de currículos, da qualidade do exame e deixar o sistema funcionar, descentralizado.”

Mas o problema é que pouco mudou nos últimos tempos: o monstro continua monstruoso, com DREs, despachos, circulares, grelhas, etc. A pseudo-avaliação burocrática de professores que ele pretende impor a todo o país provém de uma velha e enorme máquina, que já devia ter sido esboroada. Parafraseando Kafka, burocrata é alguém “que escreve um documento de dez mil palavras e lhe chama sumário”. E os “sumários” não cessam de jorrar...

Os professores, que, na sua esmagadora maioria, marcharam em protesto em dois fins de semana sucessivos (num com e no outro sem sindicatos) pelas ruas de Lisboa, vieram dizer uma coisa muito simples: querem ensinar sem o monstruoso sufoco de que são vítimas. De facto, ensinar é o que sabem e gostam de fazer e é, aliás, o que é preciso que eles façam. O Ministério devia querer isso deles, mas a palavra parece banida do seu vocabulário. Se ele quisesse ensino, então precisaria mesmo deles, pois não há, obviamente, ensino sem professores.

Entre os professores, os melhores são os mais precisos. Para o seu apuramento é mister um processo de destrinça e de recompensa. Quero crer que a maioria dos docentes aceita um método de avaliação sério e competente, mas esse método terá pouco a ver com o caos que, burocraticamente, o monstro está a instalar nas escolas. Por outro lado, parece-me claro que os sindicatos não querem avaliação nenhuma, quanto mais não seja porque muitos dos seus dirigentes já não ensinam há muito tempo, e ficariam decerto chumbados se a qualidade do ensino fosse o factor decisivo na avaliação. O governo tem todo o direito de combater os sindicatos, cujos desígnios políticos estão bem à vista. Mas já não tem o direito de confundir reiteradamente os sindicatos com os professores e de agredir indiscriminadamente os segundos descarregando a sua raiva aos primeiros. Governo e sindicatos são dois monstros em luta pelo poder e nem professores nem alunos deviam ser vítimas dessa luta.

Certo é que muitos dos nossos melhores professores, para preservar a sua saúde mental, estão a abandonar a profissão, com manifesto prejuízo da qualidade do ensino público. O Ministério, ao deixar que os melhores mestres se afastem, comete um erro que irá custar caro ao nosso ensino, que irá custar caro a todos nós. Permite que o privado se distancie mais do público. Que os alunos mais desfavorecidos fiquem ainda mais desfavorecidos.

A Escola Infanta D. Maria, em Coimbra, que é a melhor escola pública de acordo com os "rankings" dos exames do 12.º ano, já decidiu suspender o processo de avaliação para não se degradar. Se todas as escolas seguissem esse exemplo, o actual impasse poderia cessar com a vitória das escolas e do ensino, e não dos sindicatos. O monstro da 5 de Outubro, por muitos tentáculos que estendesse, não conseguiria chegar a todo o lado e punir a esmo. De realçar que, ao arrepio de falsas divisões que foram cultivadas, os pais confiam nos professores e estão com eles. A Associação de Pais do D. Maria foi bastante clara: “Não queremos que esta escola perca a qualidade que tem”. Seria trágico se um processo que pretende assegurar a qualidade acabasse afinal com ela.

A Educação e o seu Mi(ni)stério

Post convidado de Armando Vieira, Professor Coordenador do Instituto Superior de Engenharia do Porto:

O tema da educação é recorrente na comunicação social: baixos salários dos professores, violência, "rankings" de escolas. Acho justificável que se fale de um tema tão importante. Mas o que me preocupa é que se discutam problemas relacionados com a educação sem nunca se falar de educação.

Gostaria que se falasse da qualidade dos manuais escolares, da relevância dos programas escolares arcaicos, mais adaptados à realidade do século XIX do que aos alunos do século XXI. Seria interessante perceber porque se ensinam tantas horas de matemática e os alunos chegam ao ensino superior quase sem saber fazer uma conta de dividir. Poderia ainda ser esclarecedor saber porque não se ensina mais informática nas escolas ou não se realizam trabalhos laboratoriais, essenciais ao desenvolvimento do espírito crítico e de reflexão. Perceber, enfim, porque continuamos na cauda da Europa no que respeita ao desempenho dos alunos em várias matérias e que, por mais invenções que se criem para iludir as estatísticas, o nosso sistema de ensino falha redondamente.

Mas já que estes temas parecem despertar pouco interesse, falemos então do que tem estado na ordem do dia. As escolas estão novamente em guerra, desta vez por causa do processo de avaliação dos professores. Embora partilhe alguma da antipatia dos professores por esta ministra, acho, que desta vez, o problema não é dela. É importante separar o trigo do joio, incentivar os melhores professores e penalizar os piores. É um princípio elementar de justiça.

O problema é quando o Ministério da Educação (ME) tenta passar da teoria à acção. Não é preciso ser muito sábio para avaliar a qualidade de uma padaria, de um banco ou de um hotel, e das pessoas que lá trabalham. Escolhe-se simplesmente aquele que prestar o melhor serviço. Mas parece que o ME tem uma resposta mais completa a este problema. Segundo o ME, estas entidades deviam ser avaliadas preenchendo toneladas de formulários com todo o tipo de questões, desde a pontualidade dos funcionários à cor do seu uniforme. Formulários esses, preenchidos por outros funcionários, que se revezam entre si. Os clientes, esses, não são tidos nem achados no processo. Neste caso, quem decidiria sobre o melhor restaurante do seu bairro seria um imaginário Ministério da Restauração. Talvez a criação desse Ministério fosse uma boa ideia para acabar com uma das poucas coisas boas que ainda nos resta: a comida.

Maria de Lurdes Rodrigues é uma excelente profissional mas uma péssima ministra. Acho que qualquer pessoa, por mais sensata e inteligente que seja, seria sempre um péssimo ministro da educação. Isto porque o maior problema da educação em Portugal é o próprio ME. A educação não se decreta por leis ou regulamentos mas faz-se com empenho e dedicação. É uma tarefa árdua que cabe a todos e que de todos merece um sentimento hoje totalmente alienado do ensino: reconhecimento. Educar constrói-se também de baixo para cima e não só de cima para baixo.

Senhora ministra, deixe os professores fazer o que eles sabem, e querem, fazer: ensinar. Deixe de os tratar como se fossem meninos irresponsáveis e indisciplinados. Em vez de transformar os professores em obedientes funcionários públicos, que passam o dia a preencher papeis, dê-lhes autonomia e espaço para a criatividade. Dê autonomia às escolas e deixe que sejam elas a recrutar e gerir o seu corpo docente. A questão da avaliação do desempenho dos professores fica naturalmente resolvida.

Ao transferir responsabilidades para as escolas e para os pais, conseguiria reduzir para uma décima parte os funcionários da 5 de Outubro e para uma milésima parte as suas dores de cabeça.

Já agora, senhora ministra, em vez de criar guerras desnecessárias canalize as suas energias para fazer uma coisa importantíssima: definir uma estratégia de educação nacional com pés e cabeça, não para um, mas para dez anos.

Armando Vieira
Armando.vieira@kanguru.pt
Professor Coordenador do ISEP