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quarta-feira, 3 de novembro de 2021

IHC - Novo Podcast de História

 O IHC - Instituto de História Contemporânea, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, lançou esta semana um novo podcast sobre História, intitulado By the book. A produção é da comunicadora de ciência Diana Barbosa e a coordenação científica é do historiador Steven Forti.

Podem visualizar o primeiro episódio aqui:


 


segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Uma coleção zoológica (re)encontrada numa antiga escola

Esta é uma história de acasos que levou à recente publicação de um artigo em história da ciência, intitulado Between republicans and freemasons: a lost zoological collection found in a very particular school, na revista Endeavour

Abreviando uma história longa: estava eu no início do programa doutoral, quando me pediram ajuda para classificar umas conchas encontradas numa antiga escola do Bairro da Graça (a Escola-Oficina nº1), em Lisboa, que se preparava para ter umas necessárias obras - alguns anos antes tinha trabalhado no Instituto Português de Malacologia onde dei início à catalogação da coleção do fundador, Ilídio Félix Alves, onde me tinha debruçado não só, mas principalmente, sobre conchas do género Conus e Oliva. Quando cheguei à tal escola, percebi que a grande maioria das conchas eram fósseis, o que escapava ao meu conhecimento. Mas antes de ir embora, explorei a sala, juntamente com os membros da Direção do espaço, e fomos gradualmente encontrando uma diversidade de espécimenes zoológicos. À medida que íamos tirando material para fora da sala onde tudo estava guardado há longos anos, entre material de laboratório e de ensino, fomos encontrando animais taxidermizados, esqueletos de animais e uma  rica coleção húmida dos mais variados grupos taxonómicos.

Coincidiu nesse mês que, para a cadeira de Património Científico, me fosse pedido que estudasse uma coleção de alguma instituição, pelo que me debrucei automaticamente sobre este espólio. Para esse estudo, tentei perceber que coleção era aquela, de que é que era constituída, como foi reunida, para que efeitos, e em que contexto. E esse resultado é o que agora foi publicado pela revista Endeavour

Escola-Oficina nº1, em Lisboa. Fonte: Filorbis

A Escola-Oficina nº1, pertence à Sociedade Promotora de Escolas, e foi criada por Republicanos e Maçons nos inícios do século XX para dar formação gratuita às crianças pobres, filhas dos operários, do Bairro da Graça, num período em que ainda não havia Estado-Social, pelo que iniciativas filantrópicas deste tipo eram essenciais. Era uma Escola-Oficina porque para além das disciplinas comuns, aprendia-se também um ofício para que as crianças pudessem quebrar o ciclo de pobreza: assim, aprenderiam a ler, a escrever e a contar, e, simultaneamente, aprenderiam um ofício que lhes permitisse ingressar no mercado de trabalho quando crescessem. O modelo de ensino era libertário e tinha várias particularidades, entre elas o ensino era centrado no aluno, os quadros estavam ao nível das crianças,  os professores não leccionavam em estrados mas sentados em cadeiras próximos dos alunos, o ensino era misto e os castigos corporais tinham sido abolidos.

Fonte: João Lourenço Monteiro, Between republicans and freemasons: a lost zoological collection found in a very particular school, Endeavour, 42 (4), 2018: 196-199  

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

ComceptCon 2017

De tempos a tempos surgem notícias da descoberta de novas provas de que Cristóvão Colombo era português. Mas será mesmo assim? Será este um debate real no meio académico, ou já existirá consenso, e, se sim, em que sentido? E como se relaciona tudo isso com os Descobrimentos portugueses?

Que imagens nos acompanham do nosso património português e das nossas tradições? E serão essas tradições assim tão antigas como pensamos?

Estando nós no ano de 2017, celebramos o centenário do fenómeno de Fátima, a que alguns chamam milagre. Mas sabemos mesmo o que aconteceu naquele dia? Terá o sol mesmo bailado? Haverá alguma explicação natural? Ou será apenas espiritual? Ou terá havido algum contacto alienígena, como alguns propõe?

Estas são apenas alguns dos temas que estarão em debate na "ComceptCon 2017", que este ano será dedicada aos Mitos da História, que terá lugar este sábado, dia 11 de Novembro, no Museu de Leiria, a partir das 10h até às 19h. A entrada é gratuita. Mais informações, aqui.


quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Investigação em História da Medicina Tropical

Um grupo de investigadores de vários países reuniu-se em Lisboa, entre 14 e 16 de Outubro de 2015, para apresentar e debater os resultados das suas pesquisas no âmbito da História da Medicina Tropical. O objetivo foi promover uma “reflexão histórico-social obre o papel da medicina tropical no âmbito da saúde pública global, nos séculos XIX e XX” [1]. Os três dias de evento deram lugar a 17 sessões temáticas, 66 comunicações, 3 conferências plenárias, uma mesa redonda, 2 exposições e uma visita ao Museu da Associação Nacional de Farmácias [2].

Estas apresentações levaram à publicação de artigos nos Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, num volume especial dedicado a este encontro. Na impossibilidade de referir todos os artigos, irei debruçar-me apenas sobre aqueles que foram escritos pelos investigadores do Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), por ser o centro de investigação ao qual pertenço. O total dos artigos pode ser consultado aqui.


A professora Isabel Amaral analisou o impacto da II Guerra Mundial na obra de Aldo Castellani (1877-1971) e a influência do médico na escola portuguesa de medicina tropical (1946-1971), partindo do estudo do espólio legado ao Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT).

O italiano Aldo Castellani foi investigador na London School of Tropical Medicine e na Ceylon Medical College, onde estudou a doença do sono e a framboesia, respetivamente. Ensinou micologia, medicina tropical e foi médico pessoal da Família de Savóia, que acompanhou no seu exílio para Portugal, após a II Guerra Mundial. Quando chegou a Portugal já era conhecido dos médicos tropicalistas, pois, no início do século XX, vira-se envolvido numa disputa internacional com os médicos portugueses sobre quem tinha descoberto o agente etiológico responsável pela Doença do Sono. A prioridade da descoberta seria dada à equipa inglesa, da qual Castellani fazia parte. A sua carreira foi pautada pela identificação de microrganismos responsáveis pela causa de doenças tropicais. Autor prolífico, publicou mais de 500 artigos científicos. Apesar de estar inserido na comunidade médica portuguesa, optou por movimentar-se por outros circuitos, buscando reconhecimento internacional. [3]

O trajeto de Francisco de Cambournac na OMS (1952-1964) foi estudado pela Rita Lobo e por mim, cujos resultados apresentámos em co-autoria. Tendo encontrado novos documentos em arquivo, conseguimos complementar uma lacuna existente na historiografia da medicina tropical, discutindo os meandros da escolha de Cambournac para o Bureau Regional Africano da OMS [4]. Os resultados do nosso trabalho já mereceram destaque na Imprensa.

Sendo a literatura farmacêutica no século XVIII relevante para a história da farmácia e da medicina portuguesa, Wellington Filho apresentou o estudo das obras de Frei Jesus Maria (1716-1795), monge-boticário e administrador da botica do Mosteiro de Santo Tirso, influenciado pela classificação de Lineu e pela ilustração do naturalista Domenico Vandelli - duas figuras históricas importantes para a Botânica. As obras de Jesus Maria revelavam a preocupação em melhor utilizar as riquezas coloniais e em conciliar os conhecimentos populares do uso das plantas com o conhecimento médico-farmacêutico do Iluminismo [5].

Ana Paula Silva, num artigo exploratório, recorrendo a análise de documentos, procura argumentar que o trabalho de técnicos e cientistas portugueses, nos anos 1960-1970, envolvidos na construção do lago artificial de Cahora Bassa, terá aberto o caminho para a Medicina Ambiental em Portugal e para a atual linha de investigação transversal do IHMT, as “Doenças Emergentes e Alterações Ambientais”. Este trabalho deixou-lhe em aberto uma questão que procurará responder no futuro, se a Medicina Ambiental foi introduzida em Portugal através da Medicina Tropical [6].

Na organização do evento, estiveram envolvidos o Centro Interuniversitário de História das Ciências e Tecnologia (CIUHCT), a Faculdade de Ciências e Tecnologia da Univ. Nova de Lisboa (FCT-UNL), o Instituto de Higiene e Medicina Tropical (IHMT), a Casa de Oswaldo Cruz, a Universidade de York e a Fundação Friedrich Ebert.

Notas:
[1] Isabel Amaral (2016), in Anais do Instituto de Higiene e Medicina Tropical, p.7
[2] Maria Paula Diogo (2016), idem, p.17
[3] Isabel Amaral (2016), idem, pp.119-124
[4] Rita Lobo & João Lourenço Monteiro (2016), idem, pp.133-140
[5] Wellington Filho (2016), idem, pp.161-166
[6] Ana Paula Silva (2016), idem, pp.175-182

domingo, 29 de setembro de 2013

Grandes conflitos da história da Europa

Um pouco por todo o mundo, os sistemas educativos, preocupados em demonstrar a sua eficácia em programas de avaliação internacional, reforçam progressivamente o ensino de disciplinas que dizem ser fundamentais, estruturantes, tendendo a relegar para segundo plano as áreas de saber que não são objecto dessa a avaliação.

A História está entre estas últimas. Sem relação directa com as preocupações sócio-económicas dominantes, sem parecer contribuir para a aquisição de competências úteis, como sejam, por exemplo, as de empreendedorismo, vê reduzir-se a sua importância educativa, bem patente na restrição de conteúdo e de tempo curricular.

João Gouveia Monteiro, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, consciente desta circunstância, explica, em entrevista, o papel que o saber histórico tem na compreensão do presente e na construção do futuro:


Conforme o leitor percebeu, esta entrevista foi feita, no passado ano, na sequência da apresentação da obra: "Grandes Conflitos da História da Europa, de Alexandre Magno a Guilherme, O Conquistador", editada pela Imprensa da Universidade de Coimbra.

Trata-se de uma "obra que nos propõe uma viagem por cinco momentos decisivos da história do Velho Continente, ao longo de catorze séculos. A batalha de Gaugamela, travada entre Alexandre Magno (o mais brilhante general do Ocidente antigo) e Dario III (“Grande Rei” da Pérsia), em 331 a. C. A batalha de Canas, a mais pesada derrota da história do Império Romano, ferida em 216 a. C., no sul de Itália, no âmbito da guerra pelo domínio do Mediterrâneo que opunha Roma a Cartago (liderada pelo lendário comandante Aníbal Barca). A batalha de Adrianopla, que teve lugar na atual Turquia, em 378 d. C., entre o imperador romano do Oriente e uma coligação de povos bárbaros, anunciando o inevitável advento de uma nova Europa. A batalha de Poitiers, ocorrida na Gália, em 732 d. C., e em que Carlos Martel (avô de Carlos Magno) venceu o exército do governador árabe do al-Andalus e frustrou as ambições muçulmanas de domínio da Gália. E a batalha de Hastings, travada em 1066, no sul de Inglaterra, o combate mais espetacular da Idade Média e em que o duque da Normandia, Guilherme, matou o rei anglo-saxónico, Haroldo II Godwinson, provocando uma viragem no destino das duas maiores potências europeias de então. Trata-se de um livro cuidadosamente ilustrado, que se dirige a um público muito amplo e onde a história política e a história militar se iluminam mutuamente. A obra, evocativa de grandes figuras da história antiga e medieval europeias, é sustentada por uma leitura cuidadosa das melhores fontes escritas e iconográficas à disposição do historiador (como Arriano, Políbio, Marcelino, a Crónica de 754, Guilherme de Poitiers ou a fabulosa Tapeçaria de Bayeux, entre outras)."

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

CONTRIBUTOS DOS TRÊS LIBERAIS, G. CENTAZZI, COR. AMORÓS, E D. PEDRO IV PARA A GINÁSTICA NA CASA PIA - 3

Terceira parte do texto do Professor João Boaventura. As anteriores podem ser acedidas aqui.

Com efeito Francisco Amorós, durante o reinado Carlos IV, e como deputado nas Cortes de Bayona, tomou o partido francês, ao votar a favor de Joseph, irmão de Napoleão, contra as pretensões de Fernando VII.

Logo que entronizado, em 1808, Joseph, que reinaria até 1813, nomeou Amorós Intendente Geral da Polícia [16], Ministro do Interior e Comissário Real do Exército em Portugal. Assim que as rédeas do poder voltaram para as mãos do Fernando VII, filho de Carlos IV, o Coronel Amorós, conotado como colaborador dos franceses, donde a designação de “afrancesado” [17] teve de emigrar para França, nos finais de 1813, onde acabou por se naturalizar em 1816, e implantar o Sistema Francês de Ginástica. 

Como pedagogo de invulgares qualidades, criou em Madrid o 1.º ginásio no Instituto Pedagógico segundo as orientações do seu autor, o suíço Pestalozzi, de que resultou ter sido nomeado, director do Real Instituto Pestalozziano de Madrid, criado por Carlos IV, em 07.08.1807, com a participação de alguns pestalozzianos vindos expressamente da Suíça. Amorós mudou o nome para Real Instituto Militar Pestalozziano, porque se destinava aos filhos dos oficiais do exército e às pessoas de distinção.

A sede da Suíça discordou totalmente do cunho castrense e elitista. Esta alteração aos preceitos pedagógicos de Pestalozzi que ptopugnava por uma educação popular destinada aos mais desfavorecidos, provocou uma longa troca de correspondência entre a sede helvética e Amorós, sem qualquer acordo possível. Porém, o descontentamento do sector da Igreja que via as suas funções educativas em outras mãos, da nobreza, e dos políticos, pelo total desacordo da mudança do Instituto, fez com que o governo ordenasse o imediato encerramento do Instituto.

Amorós, ciente de que ganharia a causa, apresentara entretanto o Escudo de Armas do Instituto Pestalozziano, pintado por Goya, introduzindo: na parte inferior direita os filhos de Amorós, Manuel a segurar a tábua das unidades, e António a apontar uma parte dela como se estivesse a utilizá-la, os primeiros inscritos do Instituto; e à esquerda, em primeiro plano, uma criança de 10 anos militarmente fardada, com um sabre na mão esquerda, e uma tábua pestalozziana na mão direita. Um raio de luz ilumina as três figuras.


(Fonte: Doctrina de la visión de las relaciones de los números, Madrid de la Imprenta Real, 1807)

Na parte inferior pode ler-se:

REAL INSTITUTO MILITAR PESTALOZZIANO
ESTABLECIDO POR S. M. 
BAXO LA PROTECCION DEL S.MO S.OR 
PRINCIPE GENERALISIMO
ALMIRANTE

Quando Napoleão desistiu de Madrid, depois da derrota das suas tropas na Batalha de Vitória, em Junho de 1913, abandonando a Espanha, Amorós juntou-se às tropas francesas de Massena que perdiam e estavam a ser empurradas para a França, acabando por seguir o mesmo caminho, e chegar a Paris em Dezembro.

Amorós, cujo carácter transparece no lema que abraçou vitam impendere vero (Juvenal, 4.91), ou seja, arriscar a vida pela verdade, foi o de conseguir a todo o custo construir um gigantesco ginásio e adoptar um método de Ginástica para a França, e nisso se empenhou até à exaustão. Não que ainda pensasse na sua génese, mas porque já tinha tudo preparado, explicado, e escrito meticulosamente, quando, ainda antes de saber o local onde haveria de implantá-lo, conseguiu de um particular a manufactura dos aparelhos que iriam povoar o Ginásio, para o que lhe forneceu o plano, com desenhos e medidas.

Neste entretanto, sem perca de tempo, vasculhou Paris, recanto a recanto, rua a rua, à procura do espaço necessário, enquanto simultaneamente sondava as autoridades locais e governamentais, mostrando os planos e as ideias concretizadas no papel, para um apoio, mas a inviabilidade de obter qualquer resposta das entidades públicas à sua exposição não o desanimou.

É certo que também imbuído das mesmas ideias de Pestalozzi, Clias introduziria, em 1815, o ensino da ginástica nas escolas de Paris, até 1833, sem o aparato do sistema amorosiano. Mas é historicamente referido ter havido sempre, entre os dois criadores de ginástica, uma grande rivalidade, desde a chegada de Amorós nos finais de 1813, até à saída de Clias em 1833, para Inglaterra, de onde regressou em 1843, convidado pelo governo francês para organizar e dirigir o ensino da ginástica nas escolas do ensino primário. A revolução de Fevereiro de 1848 obrigou Clias a voltar à Suíça, terra da sua naturalidade.

Nas andanças por Paris descobriu, nos confins do Quartier Latin [18], princípios da rue d’Orleans (hoje, rue Daubenton), o orfanato Institut Durdan, perto do Jardin des Plantes, e encontrou no responsável da instituição a melhor adesão e colaboração, e cujo total apoio e entusiasmo permitiu obter um bom subsídio da municipalidade, pelo que a construção do Ginásio se iniciou em 01.01.1818, tendo sido considerado o primeiro de Paris, e utilizado de imediato pelos “órfãos” de todos os escalões etários. Os resultados do trabalho desenvolvido por Amorós não se fizeram esperar: tanto pela manifesta alegria transbordante dos jovens ginastas como pela habilidade e destreza de todos os alunos na execução, e à vontade demonstradas na utilização dos aparelhos e instrumentos.

Os ecos deste acontecimento chegaram aos gabinetes dos ministros da guerra e do interior, que logo se apressaram a tomar medidas de apoio. Amorós argumentava, quando insistia na ideia de que, se a Prússia, a Suécia e a Suíça tinham grandes ginásios ao ar livre, também a França os poderia ter, e isto, independentemente dos ginásios fechados que se espalhavam na Europa, sinal inequívoco da tendência ginasista, como constituíam os exemplos existentes no seu tempo:

1. O do alemão Friedrich-Ludwig Jahn (1778-1852), considerado o pai da ginástica alemã, com a sua ginástica militar para vingar a afronta de Napoleão, de ter derrotado o seu regimento em Iena, em 1806. Para o efeito começa por suprimir o signo gymnastik, substituindo-o pelo germânico Turnkuns [19], acentuando o carácter nacional, e dando-lhe um cunho militar. No final do Império napoleónico, organizou uma associação de ginástica, e criou um ginásio em 1810, apetrechado de cavalo de madeira para volteio e saltos, barra fixa, paralelas, argolas. Devido ao pendor político orientado para a unificação da Alemanha, criou conflitos de tal ordem que levou o governo a prendê-lo, e a proibir a ginástica entre 1820 e 1840, e até proibir o signo Turnkunst, reintroduzindo a gymnastik. Conseguiu no entanto que, em 1816, se construísse, em toda a Prússia, 116 ginásios.

2. O do sueco Henrik Ling (1776-1839), considerado o pai da ginástica educativa pedagógica, médica e militar, com o seu sistema de ginástica sueca que, apesar de nunca ter publicado nada sobre a matéria, apenas algumas ideias e alguns preceitos verbais transmitidos aos seus discípulos, gerou diversas querelas entre os intérpretes franceses e entre os portugueses, e até entre franceses e portugueses. Criou igualmente o sistema de massagem sueca, apreendido de um chinês que conheceu nas suas viagens ao estrangeiro, aperfeiçoando-o e divulgando-o. Em 1813 criou o Instituto Central de Ginástica de Estocolmo, com alguns aparelhos (quadros, espaldares, trave, banco sueco) que a maioria dos países europeus adoptaria. Em 1816 editou-se A Arte de Fazer Ginástica, elaborado a partir das notas dos alunos e apoiantes do sistema sueco.

Daqui resultou o ministro da guerra ter ordenado a construção do Ginásio Normal Militar, em Paris, e, nomeado Amorós, em 04.11.1819, como director do mesmo, e escolhido o local da sua instalação: a zona do antigo Château de Grenelle, na actual Place Dupleix, entre as barreiras de Grenelle e o Champs de Mars (ver planta do local, abaixo), numa área de 50.000 m², cujo custo ascendeu a mais de um milhão de francos, embora tenham sido os serviços militares a construírem todos os aparelhos concebidos por Amorós, incluindo os utilizados por Clias (o triângulo), Ling (traves, quadros e banco sueco) ou Jahn (paralelas, cavalo de arção, argolas), não porque os dele não fossem suficientes – já excediam o que era possível – mas porque permitia aos alunos disporem de uma grande variedade para evitar a monotonia, e que os motivasse a conhecer e utilizar cada aparelho.

O triângulo de Clias


Trave de Ling e paralelas de Jahn



Cavalo de Jahn

E para que as escolas não fossem esquecidas, o ministro do interior comunica, em carta dirigida à Sociedade para a Instrução Elementar, datada de 15.03.1821, que o governo tinha ordenado também a criação de um Ginásio Civil Normal, no mesmo local do Ginásio Militar. Pelo trabalho desenvolvido por Amorós o ministro da guerra nomeou-o, em 1831, Inspector dos Ginásios Regimentais para orientar as respectivas instalações, pelo país. Além do seu ginásio particular, Amorós já tinha montado 7 ginásios em Paris.



Planta do local onde foi construído o Gymnase Normal Militaire et Civil, 
entre as barreiras de Grenelle e o Champs de Mars 
 Legendas: ▼ local onde foi construída, 70 anos depois, a Torre Eiffel, 
 entre o Champs de Mars e o rio Sena, e inaugurada em 1889; 
Traços a encarnado localizam as barreiras de Grenelle 

Ali se formariam, “no primeiro verdadeiro ginásio de França”, composto de três partes, Gymnase Normal Militaire, Gymnase Civil Normal, e Gymnase Spécial des Sapeurs-Pompiers, acrescentado este posteriormente, com o fim de formar educadores civis e instrutores e monitores militares, destinados a ministrarem os respectivos conhecimentos, respectivamente, nas escolas, nos quartéis militares e dos bombeiros. Para efeitos administrativos, o primeiro ficaria na dependência do ministro da guerra, e os dois restantes na dependência do ministro do interior.

NOTAS:
[16] In Gaceta de Madrid n.º 51, 20.02.1809. O Decreto é de 18.02.1809.
[17] A este propósito Miguel Artola, na sua obra, com prefácio de Gregório Marañon, aborda o problema de Los Afrancesados, Ediciones Turner, Madrid, 1987, de onde saíram os liberais “afrancesados” das Cortes de Cádiz que consideraram a intervenção francesa como o fim das revoluções internas e certa regulação na sociedade, para acabar com a anomia, e haveria apenas uma integração cultural dos espanhóis na soberania galesa, e nunca uma integração política. No consenso dos liberais, mesmo “afrancesados”, consideraram que lutar contra as armas napoleónicas só traria a ruína para o país. Para comemorar o Bicentenário da Guerra da Independência de Espanha (1808-1914), a Editorial Alianza reeditou, em 2008, a 2.ª edição da obra de Miguel Artola. Entretanto, a revista El Argonauta Español, no n.º 2, publicou um artigo de Gérard Dufour, Une ephemere revue afrancesada: El Imparcial de Pedro Escala (Mars-août 1809), explicando o fracasso dos afrancesados que utilizaram a imprensa para convencer os compatriotas a aderirem à nova dinastia. Em Portugal, o procedimento nesta matéria foi diferente. Na “Setembrizada” (por se ter realizado em Setembro de 1809) foram presos ou exilados cerca de 50 cidadãos, magistrados, comércio, militares, clero, profissões liberais, acusadas pelas forças britânicas de colaborarem com os franceses. Reacções de acordo com o ambiente político desenhado em Madrid e em Lisboa.
[18] Considerado o “Sinai do ensino universitário” por cauda da implantação das universidades dos jesuítas na margem esquerda do Sena, mesmo em frente das Île de la Cite e Île de Saint-Louis, na zona compreendida entre a Tour d’Argent, Bd. Saint-Germain e Bd du Palais.
[19] Turnkunst, deriva do francês “tournoi”, o que lhe enfraqueceu o nacionalismo. Há um caso semelhante com o Comissário da Saúde Pública, Semaschko, da então União Soviética que, em 1918, tomou decisão idêntica ao suprimir os signos capitalistas (ginástica, educação física, desporto), substituindo-os por Fiskultura (cultura física) para também lhe dar um cunho nacionalista russo.


João Boaventura

(Continua)

quarta-feira, 25 de julho de 2012

História


Novo post de Ângelo Alves (na imagem a Biblioteca Municipal de Cantanhede)

«Neste país sem olhos e sem boca/ hábito dos rios castanheiros acostumados»

Ruy Belo

«A bicicleta foi o foguetão que permitiu a minha entrada no espaço»
François Mitterrand

Desço a ladeira da fonte, no sentido de Cantanhede, com a sensação de que percorro este caminho pela primeira vez; o baldio ontem inculto e hoje lavrado, o adventício das pegas e dos corvos, que crocitam nos teixos e nos ciprestes; cada dia é um dia novo. Vou aos esses pela fímbria da estrada, sempre encostado à direita. Uma vertigem… Caio no pretérito, nos tempos da monarquia. A monarquia absoluta e a constitucional: atravesso séculos de injustiça, vejo o povo miserável, esfomeado, doente, escravo, e o rei e seus acólitos que jogam xadrez, valsam, comem com as suas mãos untuosas, entre outros prazeres apetitosos. O povoléu cobarde. Vai de praia a praia a matar, espoliar, e roubar em nome de sua majestade. Continuo pela orla da estrada. Estou no fim da monarquia com as algibeiras vazias. Depois de tanta epopeia e ventura, o governo faz orçamentos falsos, pede empréstimos e o Banco de Portugal está falido. Deixo D. Carlos e D. Luís Filipe, esticados, a meio da viagem. E deixo o último rei. Na Primeira República vejo a mesmíssima coisa: o primeiro presidente eleito por sufrágio universal é assassinado, sucedem-se crises económicas, instabilidade, e desemprego. Dobro alguns anos. Passo pelo Estado Novo e encontro Salazar a preparar endechas para as mulheres católicas e a ler Mussolini: «é necessário existir pobres a trabalhar para os ricos». Enquanto nas colónias se derrama sangue, no Continente o povo morre tuberculoso. As eleições são fraudulentas e Humberto Delgado jaz morto. Estado ético? Neste caso eu sou um anjo. Quantos relatórios sobre o caso? Nenhum. Atravesso lânguido a rua 25 de Abril, em Cantanhede, sentindo no ar o odor dos cravos. Chego à democracia ou ao neo-liberalismo - a máscara de nova ditadura. Ainda ontem 70 por cento das pessoas era fascista, hoje 70 por cento é democrata. A marcha, liderada pelo trio PS, PSD e CDS, conduz o povo à ruína, à falência, à ajuda externa sem que ninguém antes tenha dado por isso. José Miguel Júdice, um neoliberal, define assim democracia: «é, etimologicamente, o governo do povo, e afinal o sistema em que a sociedade gera em si mesma, intrinsecamente, os mecanismos políticos de expressão da sua vontade». O povo está viciado em crédito, vive obcecado por dinheiro e pela promoção própria e dos seus familiares, e os políticos limitam-se pura e simplesmente a segui-lo. Povo sem cultura, sem coragem e sem coração. A cultura per se é estéril – vejam-se os casos de Richard Strauss e a sua ligação ao nazismo, de Céline, de Hamsun…

Desemboco no átrio da Biblioteca, a copa da palmeira rebenta no céu, as folhas glaucas morrem de velhas, reparo nelas pela primeira vez, ao fim de anos. Dois homens altos saem da Biblioteca:

- Isto é um país de ladrões! Andamos a roubar-nos uns aos outros.

Caio no presente. Entro na biblioteca. Sinto que piso a Lua. Deixei Molière, Tchekhov, Shakespeare e Brecht à entrada. Não há palco para eles. Sinto que piso a Lua. O cérebro, o progresso e a vaidade. Sento-me no sofá vermelho. Abro um jornal diário: o Jean Valjean, de Os Miseráveis, de volta! Alguém roubou um pão num supermercado e foi condenado com celeridade. Um ministro, simultaneamente cristão e maçónico, doutor sem estudos, regozija-se com o feito: «Há justiça, hoje.». Mas será que Vítor Hugo não escreveu Os Miseráveis? Os processos de quem desbarata e forra milhões andam em bolandas. Ingénuo Jean Valjean! Não tens a astúcia dos políticos. Estes, quando confrontados com as dívidas, respondem: “Abaixo de...” Porque sabem que o povo não sabe, porque é uma bagatela, porque hoje é “abaixo de” e amanhã será “abaixo de”. Leio que as bibliotecas públicas portuguesas estão 86% abaixo do valor corrente na Europa no que toca a aquisições de livros. Leio que os pobres vão pagando as dívidas dos ricos. Esta troika em nada fica atrás da outra (Estaline, Zinoviev, Kamenev), em medidas draconianas. Os chefes dos municípios abismados com a crise, mas neles há dirigentes a pontapé, alguns deles recebendo dois salários mensais. Já agora não terão um gabinete para mim, eu, que sou iletrado, filho de iletrado e cavador? Não, porque não sou astuto. O caminho é o do passado.

Eu sou mais pequeno do que o Sol. Emudecer? – Nunca. A gota mais pequena tem voz na vaga do destino. A poesia, sempre a poesia. Eles preferem falar no milhão. Expoente seis na base dez, qualquer coisa desse tipo. Mas nós perdemos a noção de ordem de grandeza, já não sabemos sequer fazer contas. Eles lá saberão as linhas com que se cozem e nos cozem. É o fim. Bicicleta e Biblioteca abandonadas, dois atavismos. Meio e fim. Tremo com a ideia do eterno retorno.

Leio, neste blogue, António José Saraiva - “Este mundo é duro: haverá sempre inquisidores e fogueiras”- e não posso estar mais de acordo, no que se refere à história de Portugal. O que não posso também é negar a barbárie e apagar da memória os autores das fogueiras. A justiça está, para mim, acima do talento e da sabedoria. Ezra Pound foi um grande poeta, mas não posso ignorar o seu apoio a Mussolini, assim como o apoio de Céline ao nazismo. Não posso ignorar que o fascismo, no meu país, foi o responsável pela divisão da sociedade em Intelligentsia e o resto. Desta Intelligentsia, uma minoria, não saiu ninguém que acrescentasse valor ao país (António José Saraiva foi uma das poucas excepções). Um país que não lê é um país criminoso, escreveu Joseph Brodsky. O fascismo, durante décadas, foi responsável pela iliteracia. Porquê? Porque o povo tinha de alimentar os ditadores (o meu pai teve muitas refeições de uma só sardinha).

Contudo, há, hoje, oportunidades. Alguns meninos apoderaram-se da frase do papagaio de Raymond Queneau «Eles falam, falam, mas não fazem nada» - leiam “Zazie dans le métro” – e são, hoje, jornalistas, cronistas, humoristas, enfim… Por vezes dá-me ganas de arranhar o rosto como Juliette Gréco quando grita J’Arrive, tantas e tão grandes são hoje as injustiças.

Ângelo Alves

sexta-feira, 20 de julho de 2012

A APOSTASIA DO LATIM EM CENTAZZI


Novo post de João Boaventura:

Guilherme Centazzi, algarvio de nascença, mas transportando consigo sangue paterno italiano e sangue materno lusitano, e do qual se deu aqui conhecimento ao estampar-se, neste blogue, a capa da tese com que concluiu o curso de Medicina, em 1834, em Paris, último refúgio resultante das muitas peripécias e dificuldades vividas na Universidade de Coimbra e nas lutas liberais contra D. Miguel.

Como qualquer emigrante, cujos recursos são por norma escassos, teve no início a ajuda do irmão até que a morte o chamou nas lutas liberais, e pelas dedicatórias ocupando integralmente a terceira página da tese, revelando na primeira a motivação do amor filial para a luta na vida, e na segunda, a evocação e o registo da gratidão em momentos difíceis:

À ma mère, como uma evocação mística, a que acresce uma quadra em língua lusa:

Se um amigo se perde, outro se encontra Pode, perdida a esposa, outra encontrar-se, Mas a mãe carinhosa, oh lei severa; Se se perde uma vez não pode achar-se.

À mon ami et protecteur Monsieur Bernardo José Fernandes (vide Apêndice, no final do post), a merecer este terceto:

Chamar-te é pouco protector, e amigo, O teu valor para mim, é incomparável, Podes crer bom sincero o que te digo.

Numa tese redigida em francês, não se entende a lusofonia das dedicatórias que se afigura talvez como uma forma de esclarecer que é português, e que o nome italiano que o acompanha é um mero acaso, se é que outras motivações se podem evocar.

Os seus recursos musicais e poéticos, novelas, romances, não terão sido os mais eficazes, mas a necessidade, como é mestra de engenhos, permitiu-lhe ainda publicar, em 1833, dois anos antes da sua licenciatura, o


Onde se regista a apelativa motivação aos estudantes liberais para a sua aquisição, com a indicação, sob o nome do autor, de réfugié portugais pour la cause de la liberté, o que assinalava os escassos recursos do autor.

Em 1840 publicou a referência O Estudante de Coimbra, ou Relâmpago da História Portuguesa, desde 1826 até 1838, em três tomos, a cargo da Tipografia de António José da Rocha, aos Mártires, Lisboa, 1840, e considerada como a primeira obra romancista portuguesa, longe de pensar que seria traduzida na Alemanha, antes de Alexandre Herculano.

Por mera curiosidade, e embora tardiamente, já que por aqui se tem abordado o problema do latim, sua utilidade ou inutilidade, dá-se a conhecer o que o médico Centazzi opina no referido romance:
"Na instrução relativa aos Liceus achei coisas mais espantosas do que o gigante Polifemo! Não me quis entrar nos miolos, que um rapaz até aos seus dezassete, ou vinte anos possa ficar sabendo ler, escrever, e contar, Doutrina Cristã, Língua Portuguesa; Francesa, Inglesa, Italiana, Alemã, e Grega, Geografia, Cronologia, História, Retórica, Lógica, Metafísica, Ética, Economia Politica, Aritmética, Álgebra, Geometria, Trigonometria, Desenho, e Latim... Latim... Não posso ainda hoje proferir este nome sem que se me arrepiem os cabelos ! [*]"
_________
[*] Não sei para que serve hoje, o Latim aos que se dedicam às Ciências Naturais? ; se é para estudarem os Autores antigos, os que valem a pena se acham actualmente em Francês, e outras Línguas vivas; se é por causa das Etimologias , não creio razoável que Se perca tanto tempo, com estudo tão espinhoso, a troco de meia dúzia de palavras; se é para desenvoltura do entendimento, muitas coisas mais proveitosas conseguiriam esse fim : devemos confessar, ainda que nos chamem ímpio, que tal ou qual fanatismo nos leva, mais do que a utilidade real, ao estudo da tal Madre Língua, e que nem por isso vejo que se entendem melhor o» que a sabem.

Guilherme Centazzi
O Estudante de Coimbra
Tomo III, Cap. XXXI, pp 31/32"
Apêndice:

Segundo foi possível apurar Bernardo José Fernandes viveu no tempo do vintismo, era proprietário de um bergantim, e a meias com outro de uma escuna portuguesa, meios de que se servia para viagens aos Açores e ao Brasil, destinadas à importação de cereais, havendo pedidos às Cortes para as realizar. (Vide Ordens das Cortes, de 12.02.1822”, in Diário das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, 2.º ano da Legislatura, Imprensa Nacional, Lisboa, 1822, p. 166).

Pela Crónica Constitucional de Lisboa, n.º 44, de 14.09.1833, a p. 834, o dito protector era tesoureiro da Câmara Municipal de Lisboa, com a função de acudir aos pobres refugiados com os socorros possíveis, ou sopa económica.
João Boaventura

José Hermano Saraiva (1919 - 2012)



A nossa homenagem a José Hermano Saraiva, o Carl Sagan da História de Portugal, aqui a falar sobre o Infante D. Henriques e Sagres.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Literatura, Ciência e Barbárie


Novo artigo convidado de Ângelo Alves (na imagem Lise Meitner):
 
O trauma da segunda guerra mundial foi inultrapassável para alguns dos grandes escritores judaicos do século vinte: Primo Levi, Jean Améry, Stefan Zweig, Paul Celan, etc. Para o homem justo a iniquidade e a barbárie são carcinomas, na maioria dos casos, fatais.

Quando Hitler chegou ao poder, em 1933, Stefan Zweig, que convivera com grandes pacifistas e filantropos - Romain Rolland, James Joyce, Thomas Mann, Paul Valéry - exilara-se no Reino Unido e, posteriormente, no Brasil, onde se suicidaria em 1942. No seu livro de contos “Confusão de Sentimentos”, soberbamente traduzido para português, há uma tendência para o destino guiar os homens para a paz, mesmo quando esta advém da morte e da separação. Porém, o destino de Zweig acabará de forma trágica, a única saída que encontrou para o desassossego que o invadira após a ascensão do nacional-socialismo. Para ele a paz e a liberdade são valores que o homem jamais pode abdicar.

Paul Celan - que, na minha opinião, influenciou indelevelmente a poesia do último quartel do século vinte e a hodierna, com o uso abusivo de metáforas e uma escrita hermética -, depois de perder os pais num campo de concentração alemão -  acontecimento que perpassa em toda a sua poesia, mormente no poema belíssimo “Sete Rosas Mais Tarde” – acabou, também ele, por se suicidar em 1970 no rio Sena. Para  Celan a morte é a vida do Nada que somos, visão trágica e pessimista da natureza humana, que se subentende em versos como “...morro e apago-me/ na grande monção – é então que verdadeiramente vivo…”, “confia no rasto das lágrimas/ e aprende a viver,” “o grito de uma flor/ anseia por uma existência” – o nada anseia pela vida, sofrer é ser nada, mas só pelo sofrimento o nada viverá. Como? Pela arte. É uma visão oposta ao existencialismo de Albert Camus. Para Camus a vida é um absurdo porque nada sabemos sobre a morte. Assim só temos uma saída: sermos felizes e justos…Hoje, Celan está bem vivo, felizmente, porque seguiu o caminho da dor – da arte.

Um desfecho completamente diferente teve a física Lise Meitner: viveu noventa anos. Judaica, como os anteriores, refugiou-se em Estocolmo, enquanto, na Alemanha, Otto Hahn bombardeava urânio com neutrões. Da reacção obteve, como fragmentos, o rádio e o bário – o último não o identificou de imediato. Foi Lise Meitner que, correspondendo-se com ele, explicou todo o processo da fissão nuclear. O Nobel da Química acabou por ser entregue somente a Otto Hahn. No caso do efeito fotoeléctrico, tanto Philip Lenard como Einstein receberam o Nobel; ainda que Lenard - nacional–socialista - reclamasse a explicação do efeito fotoelétrico, Einstein é que deu o último e decisivo passo para a sua compreensão: o quantum de luz.

Os cientistas, geralmente, conseguem suster a dor, ao contrário dos escritores. Nestes a dor sobe até transbordar. Ambos têm ambições mas, para o escritor, a dor corre mesclada com as letras. No fim, quer um quer outro, sobrevivem à morte.

A ascensão da extrema-direita na Europa é, para mim, de todo incompreensível, uma regressão. Não se repita o passado. Os “assassinos escrevem poemas”, é verdade senhor Celan, os assassinos escreveram poemas, assim como a injustiça, no meu país, continua a escrever poemas.

Ângelo Alves

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Os Bicentenários das Cortes de Cádiz e da Constituição de 1812


Novo texto de João Boaventura:

« [les lois]…elles sont justes, puisqu’elles font le bonheur de ceux qui les adoptent. »
Platon, Les lois. Paris: Gallimard (1997: 106)

« À ce train, on admettra que le Droit, dont on nous a enseigné qu’il est constitué d’un ensemble de règles confinant au juste, et qui, par leur constance, assureraient la sécurité et le salut des individus, n’est en réalité, jamais acquis. »
A.-J. Arnaud, Le Droit trahi par la Sociologie. Paris: L.G.D.J. (1998: 247)

“A Constituição é um texto puramente proclamatório, cujo destino só pode residir no incumprimento da maior parte das suas disposições.”
Manuel Queiró, Público, de 16.7.2003

O presente tema foi sugerido pelas várias notícias publicadas na imprensa diária sobre a persistência e convicção do Primeiro Ministro, de que inscrever “os limites ao défice” na Constituição, constituiria uma “regra de ouro”, e motivando o PS a aderir à medida para os procedimentos legísticos, mas o entusiasmo de um tem reflectido o desinteresse da oposição socialista, e a indiferença dos restantes partidos.

Bem se entende que a proposta não resolveria nada a não ser a de transmitir ao FMI a boa vontade política de prometer segurar os gastos públicos futuros, inúteis e sumptuosos. Primeiro porque a Constituição está recheada de “regras de ouro”, e sabe-se como tem sido difícil ao Tribunal Constitucional, constantemente assediado para manter as 296 “regras de ouro” vigentes incólumes, encontrar a unanimidade nos acórdãos. Veja-se o mais recente exemplo de outra “regra de ouro”, configurada no projecto de criminalização do enriquecimento ilícito, e chumbada pelo Tribunal Constitucional porque violava o princípio da presunção de inocência. Acrescendo ainda a asserção do sociólogo catalão Castells, ao considerar que o FMI não passa de um “fetiche” porque, em vez de dar dinheiro, se limita a oferecer ideologicamente uma linha de crédito como forma de o país recuperar a confiança dos investidores.

Esta leitura acidental de Passos Coelho ocorrida no momento em que se comemoram os dois bicentenários, o das Cortes de Cádiz (1810-1812) e o da promulgação da Constituição espanhola de 1812 – que inspirou a Constituição portuguesa de 1822 – questiona a credibilidade das Constituições criadas, ainda que representem o fim do Antigo Regime e a adesão ao liberalismo cujos princípios radicavam no combate ao intervencionismo do Estado.

A Constituição de Cádiz importa aqui assinalá-la como a grande inspiradora da Constituição de 1822, e quase aprovada como nacional, no momento histórico marcado pelo fim das invasões francesas, exílio do Rei no Brasil, e submissão ao jugo político e militar britânico, que redundou em manifestações de soberania popular no Porto e em Lisboa, com aclamações ao Rei e desejos do seu retorno. Opinava-se que a soberania, a representação nacional, só seria exequível pelo sistema eleitoral inscrito na Constituição de Cádiz, pelo que seria oportuno jurá-la, no que alguns constituintes, entre eles Fernandes Tomás e outros vintistas se demitiram. O Soberano Congresso, apoiando-se na de Cádiz, resolveu elaborar a Constituição (entre 1820-1822), marcando a transição da monarquia absoluta para a monarquia liberal, com a aquiescência de D. João VI que, no regresso do exílio, foi o primeiro a jurar a Constituição de 1822.

A este propósito, o jornal O Atleta n.º 6, de 5.5.1838, a páginas 42, tem este desabafo:

”Além da espanhola que adoptámos como nossa no começo da revolução de 1820, contamos com a de 1822, a de 1826, e actualmente com a do ano presente (1838) tantos Códigos, e tantas vicissitudes máximas, temos experimentado no espaço de 18 anos.”

Mas este reparo à adopção da Constituição de Cádis não parece correcto. Na 15.ª sessão do Congresso, de 13.2.1820, o deputado Fernandes Thomaz observara que: "A constituição espanhola não é um evangelho. Eu sou português e estou aqui para fazer uma constituição portuguesa e não espanhola”. E o deputado Loureiro diria mais tarde que “a constituição portuguesa não era a espanhola, promotora de anarquias”.

No dia 19 de Março de 1812, Cádiz proclamou a Constituição com muitos festejos e previstas iluminações nocturnas nas fachadas das Embaixadas Portuguesa e Britânica, e da Câmara Municipal, mas as chuvas torrenciais tiveram que as adiar para o dia seguinte. E no dia 29 de Março foi publicada a Constituição, observando judiciosamente um escritor espanhol que “Cádiz tinha sido a parteira da Nação, e o berço da Constituição”, considerando que esta inscrevia e consagrava a palavra Nação.

A Ilustração Portuguesa, n.º 345, de 30.09.1912, anunciava os festejos do Primeiro Centenário das Cortes de Cádiz, com a indicação das pessoas convidadas a participar, não apenas nacionais também dos países iebroamericanos (imagem em cima).

Presentemente existe o Museu Municipal das Cortes de Cádiz, que se convida a visitar, a quem de tempo e disposição disponha, considerando as ligações umbilicais da Constituição de Cádiz com a nossa Constituição de 1822, e que as comemorações, iniciadas em 15 de Março, terminam em 31 de Maio de 2012.

João Boaventura

quarta-feira, 21 de março de 2012

O OCIDENTE E A CHINA


Minha crónica no "Público" hoje (no gráfico, aumento da produção científica chinesa, medida pelo número de artigos; neste momento a China só é passada pelos Estados Unidos, não representado aqui, e provavelmente ultrapassará já em 2013 este país):

No próximo ano, comemorar-se-ão os cinco séculos da chegada dos Portugueses à China. Com efeito, foi em 1513 que o explorador português Jorge Álvares chegou, vindo de Malaca, ao Rio das Pérolas. Foi não só o primeiro português, mas também o primeiro europeu a aportar ao “Império do Meio”. Encontrou, talvez para sua surpresa, uma extraordinária civilização milenar. Algumas décadas volvidas, em 1557, a península de Macau era entregue pelos chineses aos portugueses, através de uma licença de estabelecimento que reconhecia uma ocupação anterior e que haveria de valer até ao fim do século passado.

A Ásia não conheceu nada parecido com a explosão do conhecimento que foi, nos séculos XVI e XVII, a Revolução Científica na Europa, um movimento que transformou completamente o mundo. Mas essa Revolução chegou lá. A ciência moderna, uma “invenção” ocidental, chegou ao Oriente pela mão dos portugueses e só por isso Portugal merece umas linhas, senão mesmo uma página inteira, num breve livro da história do mundo. De facto, foram jesuítas portugueses ou formados em Portugal que introduziram na China conhecimentos de astronomia bem mais exactos do que aqueles que dispunham os imperadores chineses, o que passou pela utilização de instrumentos como os telescópios e relógios mecânicos (que se tornaram populares na corte imperial).

A China, desconhecedora da ciência, conhecia, porém, a tecnologia: tinha desenvolvido artefactos avançadíssimos. Que ciência e tecnologia, apesar de hoje estarem intimamente relacionadas, se distinguiram no passado fica claro se pensarmos que, muito tempo antes dos portugueses lá chegarem, tinham sido criadas na China fantásticas tecnologias - a bússola, a pólvora, o papel, a imprensa, etc. Mas, em vez do “saber fazer” da técnica, a ciência caracteriza-se pelo “saber”. A ciência distingue-se pela curiosidade, pela interrogação, pela ultrapassagem dos limites do conhecido. Foi, embora misturada com outras (como a religião e o negócio), uma atitude de curiosidade a que impeliu os navegadores mais ocidentais da Europa a ir mais para ocidente e para sul, e depois, uma vez dobrado o Cabo da Boa Esperança, para oriente, até Macau. Os chineses, pelo contrário, que se colocavam a si próprios no centro do mundo, não tiveram a mesma atitude. Foram os portugueses que foram à China e não os chineses que vieram a Portugal. Mas a pergunta é legítima: Por que razão foi Jorge Álvares a descobrir a China em vez de ser um navegador chinês a desembarcar em Lisboa? De facto, os chineses dispunham na época de meios formidáveis de navegação (alguns dos seus navios “metiam no bolso” as frágeis caravelas lusitanas) e os seus almirantes só não vieram mais para ocidente por manifesta falta de interesse. Houve um, Zheng He, que, logo no início do século XV, chegou com portentosa frota à costa oriental de África, mas voltou para trás, não passando o cabo em rota inversa à de Vasco da Gama.

Como é sabido, a ciência chegou ao Oriente para ficar: deixou há muito de ser um património ocidental para se tornar num bem universal, partilhado por Ocidente e Oriente. Se houve há cinco séculos uma passagem do testemunho científico de Ocidente para Oriente, hoje há uma passagem de testemunho em sentido inverso quando cada vez mais ciência e tecnologia e cada vez mais produtos de base científico-tecnológica vêm da China. Hoje, os chineses são dos povos que mais participam no esforço científico global de descoberta do conhecimento em todas as áreas. O lucro começa por ser local. O impressionante crescimento económico chinês nos últimos anos tem um forte contributo da ciência e da tecnologia. O previsto crescimento do PIB chinês de oito por cento este ano dá-se ao mesmo tempo que cresce o apoio do governo central à investigação, que vai subir este ano de doze por cento para 36 milhares de milhões de dólares. E, se a relação entre ciência, tecnologia e economia já é grande, o objectivo governamental é que seja maior. O primeiro-ministro Wen Jiabao solicitou no seu recente discurso no Congresso do Povo uma “integração ainda maior da ciência com a economia”. Estava, por exemplo, a pensar na investigação em agricultura, necessária para alimentar uma classe média emergente.

Estará hoje em declínio a civilização ocidental enquanto o Oriente ascende? O historiador britânico Niall Ferguson, autor do livro saído há pouco entre nós “Civilização: o Ocidente e os outros” (Civilização) discute precisamente esta questão. Mas, quando aí lemos os factores que determinaram o domínio do Ocidente – por ordem alfabética, a ciência, a competição, os direitos patrimoniais, a ética do trabalho, a medicina e a sociedade de consumo -, não podemos deixar de reconhecer que a actual emergência da China é, afinal, o triunfo da civilização ocidental.

quarta-feira, 7 de março de 2012

FONTES PARA A HISTÓRIA DA CHINA E DE MACAU


Informação recebida da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra:

A Biblioteca Geral, no âmbito da XIV Semana Cultural da Universidade de Coimbra, associa-se às comemorações do Dia da China “A Lusofonia e a China: Navegar o Passado, Viver o Presente e Precisar o Futuro”, organizando uma exposição documental e bibliográfica em que se pretende ilustrar a história da China e de Macau nos séculos XVI-XVIII.

Organizada em torno das origens das relações entre Portugal e a China, presentes nas primeiras obras escritas na Europa sobre a China, compreende o Tratado de Gaspar da Cruz, as Décadas de João de Barros, a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto e a Asia Portuguesa de Manuel de Faria e Sousa. Através das Cartas enviadas da Missão da China entre 1549-1584 e 1604-1607 pretendemos mostrar a ação preponderante que os missionários desempenharam na fundação, crescimento e conservação de Macau bem como os progressos alcançados na expansão do cristianismo na China nos séculos XVI e XVII. Entre os inúmeros missionários, que fruto da longa e continuada permanência escreveram sobre a China, privilegiámos as obras dos Padres Nicolas Trigault, Manuel Dias, Álvaro Semedo, François de Rougemont, Phillipe Couplet e Gabriel de Magalhães consideradas entre as mais estimadas, pelo conjunto de informações exatas e completas dando uma perspetiva política, cultural e espiritual do Império da China.

As viagens de exploração às Índias Orientais estão representadas na Histoire de la navigation e no Grand Routier de Mer de Jan Huygen van Linschoten, dois dos livros de viagens do século XVII que descrevem o Oriente; a cartografia está representada no primeiro mapa da China impresso por Ortelius, do cartógrafo Luís Jorge de Barbuda - Chinae olim Sinarum regionis nova descriptio – considerado durante mais de sessenta anos mapa padrão e o primeiro a mostrar a Grande Muralha e, no Novus Atlas Sinensis de Martino Martini, naquela que é a mais completa descrição geográfica da China. As dificuldades colocadas ao Padroado Português no Oriente e em particular à Missão de Macau a partir de 1683, em consequência das rivalidades entre a Missão da China e as Missões Estrangeiras de Paris, terão estado na origem de uma das mais importantes missões diplomáticas enviadas por D. João V (1725-1728), para o ilustrar, a Carta do Embaixador Alexandre Metelo de Sousa Meneses escrita de Macau em 1726 e a Relação da embaixada de D. João V de Portugal ao imperador Yongzheng, que conta a história da embaixada e o modo como foi recebido o embaixador.

Sala do Catálogo, de 7 de Março a 6 de Abril, no horário de funcionamento da biblioteca.

sábado, 3 de março de 2012

A DECADÊNCIA DOS IMPÉRIOS

Empires decline – revisited from Pedro Miguel Cruz on Vimeo.



Um trabalho gráfico de Pedro Miguel Cruz.

"The decline of the largest maritime empires of the 19 and 20th centuries. A more sober and formal approach. The physics engine was tweaked in order to attain fluid interactions and a mitosis like split. Added the original 13 colonies (USA). Added Ireland. Cuba maintains its perceived independence date for the consistency of the chosen dates for the other territories. There is more information displayed, as the former colonies persist on the map and head to their current geographical positions. Therefore it is possible to visualize in the end of the narrative how much of the world was once part of an Empire. The timeline is no longer linear as it speeds up if there is nothing going on. The music was kindly composed for the purpose of this narrative by CHOP WOOD – chopwood.eu pmcruz.com ".

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Apresentação do livro Membros Portugueses da Royal Society



Comunicado de imprensa da Agência Ciência Viva e da Academia das Ciências de Lisboa:

2012 traz-nos mais um dia em Fevereiro. O último dia do mês será uma oportunidade única para conhecer os 25 magníficos portugueses que entre 1668 e 1819 foram acolhidos na Royal Society de Londres.

A apresentação do livro Membros Portugueses da Royal Society, publicado pela Universidade de Coimbra com o apoio da Ciência Viva - Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, com coordenação de Carlos Fiolhais, terá lugar na próxima quarta-feira, 29 de Fevereiro, às 18h00, na Academia das Ciências de Lisboa (R da Academia das Ciências, 19).

A obra reúne as biografias dos 12 cientistas e 13 diplomatas que pertenceram à mais prestigiada academia do Reino Unido, que é a mais antiga do mundo em funcionamento, além de imagens e documentos com a maior relevância histórica e científica.

Os 12 cientistas portugueses admitidos na Royal Society foram astrónomos, físicos e matemáticos, médicos, naturalistas e pedagogos que se notabilizaram em Portugal e no estrangeiro. Da mesma academia, fundada em 1660 por ordem do Rei Carlos II, marido de Catarina de Bragança, fizeram parte figuras como Isaac Newton, Charles Darwin e Albert Einstein, perfazendo mais de 70 laureados com o Prémio Nobel.

A Academia das Ciências de Lisboa foi criada a 24 de Dezembro de 1779 por dois sócios da Royal Society - o Duque de Lafões e o Abade Correia da Serra - cujas contribuições para a ciência e para a sociedade são valorizadas na obra.

Mais informações
Unidade de Comunicação e Imagem
Catarina Figueira: 96 156 09 26, Ciência VIva

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O Segundo Século Vinte

Informação chegada ao De Rerum Natura:

O Segundo Século Vinte é um ciclo de debates e exposições relacionado com temas da História recente de Portugal, a partir da década de 60, organizado pelo Centro de Documentação 25 de Abril (CD25A).

As sessões, de entrada livre, têm periodicidade bimensal é são sempre uma quinta-feira, às 18 horas, no Café do Teatro Académico Gil Vicente..

A primeira sessão, marcada para 23 de fevereiro e intitulada Pára-arranca. História e amnésia no movimento estudantil, é uma conversa com os investigadores Guya Accornero e Miguel Cardina, moderada por Rui Bebiano.

A história do movimento estudantil vive ciclicamente de experiências, esquecimentos e recomeços. A memória e a atitude de cada geração raramente passa de forma incólume para a seguinte. O objetivo desta sessão é analisar as condições e os motivos que fazem com que esta situação se repita constantemente, prejudicando muitas vezes a eficácia reivindicativa.

Guya Accornero é doutorada em Sociologia Histórica pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa com uma tese titulada Efervescência Estudantil. Estudantes, acção contenciosa e processo político no final do Estado Novo, atualmente em processo de publicação. É investigadora de pós-doutoramento em Ciência Política no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) e no Centre de Recherche sur l'Action Politique da Universidade de Lausana. A sua investigação incide sobretudo nos movimentos sociais, carreiras militantes, mobilização e desmobilização política, repressão em vários regimes políticos e em processos de transição. Tem artigos e capítulos de livros publicados ou no prelo sobre estas temáticas e é co-editora, com Alfonso Botti, da obra monográfica Il Portogallo e la transizione alla democrazia (número especial de Storia e Problemi Contemporanei Clueb, 2010).

Miguel Cardina é doutorado em História pela Universidade de Coimbra, investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e pós-doutorando do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Trabalha sobre o radicalismo político nas décadas de 1960 e 1970 e as dinâmicas entre História, memória e testemunho oral. Publicou Margem de Certa Maneira. O maoismo em Portugal (2011, Tinta-da-China, vencedor em 2011 do Prémio Vitor de Sá em História Contemporânea), A Esquerda Radical (2010, Angelus Novus) e A Tradição da Contestação. Resistência Estudantil em Coimbra no Marcelismo (2008, Angelus Novus).

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Marshalsea


Destacamos, com a devida vénia, a crónica de J.L. Pio Abreu no "Destak":

Marshalsea foi dada a conhecer por Charles Dickens e encerrada ainda durante a sua vida. Foi a mais conhecida das prisões inglesas para devedores, onde o pai do escritor esteve preso por uma pequena dívida. As prisões eram privadas e pagas pelos prisioneiros. Se não pagassem, eram relegados para pequenos quartos partilhados por mais de 20 presos, onde morriam à fome se ninguém os acudisse.

Pagando as despesas, os familiares dos prisioneiros podiam viver com eles e saíam para obter dinheiro. Os presos não podiam trabalhar, mas tinham de pagar o aluguer do quarto, a comida, a roupa, as despesas de tribunal e às vezes a libertação das grilhetas. A isso se juntavam os juros das dívidas, que iam subindo enquanto estivessem presos. De facto, o tempo de prisão dependia muito do capricho dos credores.

Charles Dickens trabalhou numa fábrica desde os 12 anos para sustentar a família prisioneira, até que uma herança a libertou da dívida. A mesma sorte não tiveram os dez presos que chegavam a morrer num só dia por não poderem pagar a comida. Em 1641 existiam em Inglaterra dez mil prisioneiros por dívidas, gerando à sua volta um florescente negocio. O negócio consistia em impedir que os devedores ganhassem dinheiro, de modo a ficarem mais endividados até serem espoliados e escravizados pelos credores e redes envolventes. Dickens ajudou a acabar com ele.

Mas não imaginava que o negócio da dívida renascesse, 200 anos depois, ao nível das nações.

José Luís Pio de Abreu.

sábado, 28 de janeiro de 2012

“In memoriam” de Aristides de Sousa Mendes


Ontem, “Dia do Holocausto”, uma efeméride a não esquecer pelo mundo civilizado e, como tal, para ficar gravada na memória da actual e vindouras gerações de Portugueses, em herança de uma história trágica sobre a bestialidade nazi, foi publicado no Público um artigo de opinião de Maria do Carmo Vieira, uma distinta professora do ensino secundário, autora de extensa e valiosa obra publicada por uma estrénua e corajosa lutadora para que o ensino da Língua Pátria não deslustre páginas deobras de autores com Camões, Eça, Pessoa, e tantos outros, que, não poucas vezes, têm, com revolta sua, minha boa Amiga, caído no limbo dos programas escolares.

Transcrevendo o referido artigo e o respectivo título, associo-me, com muito gosto, a esta sua causa em reabilitação do nome de Aristides de Sousa Mendes e da reconstrução da Casa do Passal, onde este cônsul nacional viveu os últimos anos de uma vida amargurada e de extrema carência económica de uma numerosa e sacrificada família:

«É preciso salvar a Casa do Passal

“Era realmente meu objectivo salvar toda aquela gente, cuja aflição era indescritível”. (Aristides de Sousa Mendes)

Hoje em dia, providencia-se o culto do esquecimento e o que não pode deixar de ser lembrado despacha-se, muitas vezes, com um discurso evocativo, adequado à efeméride, em que o elogio superlativo abunda, no desfile rápido de palavras, concluindo-se o festejo com a encenação de uma «romaria» ao lugar de memória, caso exista.

De inúmeras promessas vãs e de muitos discursos se tem alimentado a decadência da "Casa do Passal" de Aristides de Sousa Mendes, em Cabanas de Viriato, e o certo é que os anos vão passando,o tempo vai esculpindo a destruição, perante o olhar de todos, e continuamos, de certo modo passivos,a ouvir falar e elogiar, e um dia destes a casa ruirá e lamentaremos o sucedido, acusando-nos mutuamente.

Já houve quem viesse de longe, consternado pelo abandono desta Casa, cuja história atravessando fronteiras se tornou pertença de toda a Humanidade, e se entregasse generosamente ao trabalho de limpeza e de reparação do telhado, tendo interrompido provisoriamente o evoluir da degradação do Passal. Aconteceu em 2004, com João Crisóstomo (emigrante nos EUA) e António Rodrigues, os quais,juntamente com outras pessoas, empresas locais e o Centro Social Prof.ª Elisa Barros Silva, testemunharam, como escreveu João Crisóstomo,«a cena dantesca e apavorante de barrotes ameaçadores, dependurados do telhado ao rés-do-chão, de camadas de terra, de telhas partidas, caliça, pedras,tijolos e dejectos de animais cobrindo o chão, onde se encontravam dispersas várias cartas, umas de Aristides de Sousa Mendes dirigidas a sua esposa Angelina, outras escritas entre os próprios filhos, a par de outros documentos que, neste caos de imundície, foram salvos e entregues ao Dr. Luís Fidalgo», que presidia ao Centro acima referido, e que posteriormente entregou essa documentação à Fundação Aristides de Sousa Mendes
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Num gesto também solidário com esta causa, o GECoRPA-Grémiodo Património promoveu e custeou «a realização e aprovação dos projectos das intervenções urgentes – cobertura provisória e trabalhos de consolidação provisória – necessários para evitar a derrocada do edifício». E foi ainda o seu presidente, Eng. Vítor Cóias que, numa imagem assaz sugestiva, me referiu há dias que a Casa do Passal é como alguém que se encontra gravemente doente e cuja cura exige uma primeira intervenção que estabilize minimamente o organismo. Nesse sentido, considera de uma irresponsabilidade imperdoável o «protelar das obras provisórias, urgentemente necessárias», acrescentando ainda que «o custod os trabalhos é da ordem dos 150 mil euros, verba pouco relevante quando comparada com o custo da intervenção definitiva, que orçará em cerca de 2 a 3milhões de euros». Com efeito, «uma intervenção definitiva é precedida por um conjunto de fases, a começar pela selecção de uma equipa tecnicamente competente para lançar e dirigir o processo, a definição de uma estratégia de valorização do monumento, a escolha de uma utilização financeiramente sustentável, a selecção de uma equipa projectista, envolvendo depois a elaboração de um projecto geral, a elaboração de projectos de especialidades, a mobilização dos necessários recursos financeiros, o lançamento do concurso, a selecção da empresa executante. Tudo isto consome tempo, um ou dois anos, o que não é compatível com o estado de derrocada iminente do edifício».É também certo que só com um trabalho de qualidade, tanto mais que se trata de um Património Nacional, conseguiremos juntar as verbas suficientes, essencialmente vindas do estrangeiro.

A bo anotícia que agora podemos divulgar começa assim: "A Sousa Mendes Foundation (SMF) está pronta a disponibilizar meios para participar financeiramente em parceria com a Fundação Aristides de Sousa Mendes, proprietária da Casa do Passal, e com a Câmara Municipal de Carregal do Sal, na restauração da antiga casa que não só albergou a família Sousa Mendes como alojou refugiados que procuravam a sua liberdade. O conselho de administração da SMF é composto por netos de Aristides de Sousa Mendes, refugiados, filhos e netos de refugiados salvos pelo Cônsul e por apoiantes da causa, que, unidos, acreditam que acções valem mais que palavras.

Os Estados Unidos estão ligados à história de Aristides de Sousa Mendes: foi Cônsul Geral de Portugal em San Francisco, Califórnia, entre 1921 e 1924; os seus nono e décimo filhos, Carlos e Sebastião, lá nasceram e depois vieram a alistar-se no exército norte-americano durante a II Guerra Mundial; sem apoio em Portugal, para lá emigraram os seus filhos Carlos, Sebastião, Joana, Teresinha, José, e João Paulo. Foi também através das acções dos seus filhos e outros apoiantes residentes nos EUA que o Cônsul injustiçado foi reconhecido pelo Estado de Israel em 1966 como 'Justo entre as Nações' e finalmente pelas entidades portuguesas em 1987. Uma grande parte dos refugiados salvos pelo Cônsul português emigraram para os EUA e muitos só agora estão a ter conhecimento do homem que lhes salvou a vida. Recentemente, a SMF lançou um projecto da criação de uma base de dados para identificar os detentores de vistos atribuídos por Sousa Mendes." (Miguel Valle Ávila, Presidente da SMF).

A 5 de Novembro de 2011, publicou este jornal o texto «Em defesa da Casa do Passal», subscrito por um grupo significativo de pessoas, a que se juntaram posteriormente os nomes de Anselmo Borges, José Gil, Hélia Correia, Esther Mucznik e João Mário Mascarenhas. Agora que somos testemunhas de que o Major Álvaro de Sousa Mendes,presidente da Sociedade Anónima que detém a Casa do Passal e que é pertença da Fundação ASM, autoriza o início das obras, a que se junta a Câmara Municipal de Carregal do Sal, cujo Presidente e Vice-Presidente têm vindo a defender esta causa, e que a verba necessária está garantida, não se criem mais razões para adiar as obras preparatórias dos trabalhos de recuperação, que impedirão a Casa de ruir.

Se o cônsul Aristides de Sousa Mendes tivesse adiado a sua consciência não teria sido punido nem humilhado, a sua família não teria sido obrigada a dispersar-se, ter-se-ia interrompido a vida de milhares de pessoas que receberam o seu visto, e cujos descendentes estão entre nós, e eu não teria escrito este texto».

Maria do Carmo Vieira

Na fotografia: Ruínas da Casa do Passal.

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