Ver editorial recente da revista Eureka, à qual estou associado, sobre inclusão numa base de dados da Web of Science: aqui.
A revista pode ser consultada aqui.
domingo, 31 de janeiro de 2016
sábado, 30 de janeiro de 2016
A TERRA PLANA
V
Ver a polémica entre o rapper B.O.B. que defende a "flat earth" e o astrofísico Neil deGrasse Tyson, aqui:
http://www.dn.pt/sociedade/interior/discussao-a-terra-e-plana-tyson-responde-na-televisao-ao-rapper-bob-5006391.html
Ver a polémica entre o rapper B.O.B. que defende a "flat earth" e o astrofísico Neil deGrasse Tyson, aqui:
http://www.dn.pt/sociedade/interior/discussao-a-terra-e-plana-tyson-responde-na-televisao-ao-rapper-bob-5006391.html
PORTUGAL E O ESPAÇO
Já saiu o livro "Portugal e o Espaço" de Manuel Paiva, especialista em fisiologia no espaço e divulgador científico (laureado com o Grande Prémio Ciência Viva em Novembro de 2015). O editor foi a Fundação Francisco Manuel dos Santos. Para abrir o apetite para o livro, que é pequeno e muito barato, coloco aqui o seu início.
A exploração do espaço e, em particular, a investigação científica no domínio espacial têm uma característica a que um antigo diretor da Agência Espacial Japonesa chamou “triângulo infernal”: a necessária colaboração entre ciência, indústria e política. Portugal não escapa a esta regra e a designação citada pode ter alertado o leitor para um potencial desastre, conhecidas que são as derrapagens nas parcerias público-privadas e a má imagem que os portugueses têm, em geral, dos seus governantes. O referido triângulo não é equilátero, isto é, os lados não são iguais, se os considerarmos proporcionais à importância relativa de cada ator. A separação destes três poderes deveria ser sempre respeitada e o pior aconteceria se interesses políticos, industriais e científicos estivessem concentrados na mesma pessoa. Por outro lado, do carácter espetacular das missões espaciais resulta que os média tenham neste domínio um impacto maior do que em outras áreas da atividade humana.
Apesar dos progressos obtidos pelas Universidades portuguesas, as classificações destas nos rankings internacionais são modestas, as colaborações com a indústria são muito limitadas e o número de patentes registadas é também muito baixo. Felizmente, a contribuição portuguesa para a aventura espacial tem duas características que vão pesar no prato otimista da balança: a juventude da maioria dos cientistas envolvidos e a inevitável internacionalização da investigação no domínio espacial. Como veremos, a investigação espacial realizada em Portugal tem um nível muito aceitável, se levarmos em conta a dimensão do país. Compreender as razões deste sucesso talvez possa fornecer algumas indicações sobre a sua eventual transposição para outros sectores da economia. Uma caraterística interessante dos projetos espaciais é a associação íntima entre investigação científica e a aplicação prática.
A organização deste livro foi facilitada pelo Portuguese Space Catalogue da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), que funcionou como ponto de partida. Este excelente catálogo oferece informações sobre as empresas (industry) e os institutos de investigação (research institutes) portugueses que indicaram ter uma atividade na área do espaço. Os respetivos sites constituíram a fonte principal de informação para os dois capítulos seguintes. Espero que o leitor leia este livrinho na integra, mas organizei-o de modo a que cada capítulo possa ser lido independentemente dos outros.
Como é do conhecimento do grande público, o motor da exploração do espaço não foi a curiosidade científica, mas a vontade de hegemonia militar. Assim, o primeiro foguetão que permitiu o transporte de cargas de cerca de uma tonelada a centenas de quilómetros de distância foi a bomba voadora V2, construída durante a Segunda Guerra Mundial. Depois, os progressos gigantescos no domínio da exploração espacial foram devidos à corrida entre os Estados Unidos e a União Soviética, no contexto da Guerra Fria, com a finalidade de conquistar a prioridade de levar um ser humano à Lua e de o trazer de volta são e salvo. A Agência Espacial dos Estados Unidos da América do Norte, a NASA, foi criada com a finalidade de vencer os soviéticos, o que conseguiu de maneira brilhante.
Neil Armstrong ficou associado aos primeiros passos do homem na Lua. Menos conhecido é Alexeï Leonov, que tinha sido selecionado pelo estado soviético para lá chegar primeiro. As razões desta vitória têm sido objeto de múltiplas análises, mas parece-me haver unanimidade sobre um ponto essencial: a maior capacidade de inovação dos norte-americanos. Por exemplo, desenvolveram novos motores para o lançador gigante Saturno V, enquanto na mesma altura os russos construíam com grande secretismo o primeiro andar do lançador N-1, com 30 motores tradicionais, que explodiu quatro vezes consecutivas. Por outro lado, havia enormes rivalidades no programa espacial soviético, ao passo que na NASA a liderança não sofria contestação. Tendo perdido a corrida à Lua, os russos concentraram-se na construção de estações espaciais e na obtenção de recordes de permanência no espaço, proezas que impulsionaram a medicina espacial e o estudo da adaptação do corpo humano a longos períodos de imponderabilidade. Não sendo a curiosidade científica a motivação inicial, os resultados científicos foram muito limitados.
Mesmo antes da aventura espacial, os observatórios astronómicos e meteorológicos, assim como os centros de telecomunicações, tinham atividades científicas com uma massa crítica de investigadores que iria beneficiar da exploração espacial. No entanto, a criação da Agência Espacial Europeia (ESA) foi o acontecimento principal para o desenvolvimento da exploração e da utilização do espaço pelos europeus. A ESA nasceu no dia 15 de abril de 1975 com a aprovação, em Bruxelas, da versão final do acordo que levou à fusão de duas organizações: a ELDO (European Launcher Development Organisation), que se dedicava à construção de lançadores, e a ESRO (European Space Research Organisation), dedicada à investigação espacial. Assim, em 2015 foram festejadas as bodas de ouro da exploração europeia do espaço e podemos estar orgulhosos dos resultados alcançados. Se bem que Portugal só tivesse aderido à ESA a 14 de novembro de 2000, beneficiou do que tinha sido realizado até então, mesmo antes da existência da ESA. Em 1973 foram tomadas duas decisões cujas consequências ainda se fazem sentir de modo determinante: a construção do lançador Ariane e do Spacelab, o laboratório que constituiu a contribuição europeia para o programa dos vaivéns. O Ariane é, ainda hoje, um enorme sucesso comercial e o Spacelab mudou radicalmente o modo de fazer investigação em imponderabilidade. Até aí, a via principal para se chegar a astronauta era a carreira de piloto de ensaio. Então, e pela primeira vez, uma parte dos astronautas passaram a ser selecionados em função das suas capacidades para efetuarem experiências científicas.
Nas próximas décadas, o Portugal espacial vai depender das decisões que serão tomadas no quadro da ESA. Parece-me por isso útil mencionar algumas datas que marcaram momentos importantes da sua história.
23 de dezembro de 1977: seleção dos primeiros astronautas da ESA: Claude Nicollier, Franco Malerba, Ulf Merbold e Wubbo Ockels, respetivamente suíço, italiano, alemão e holandês.
26 de março de 1979: criação de Arianespace, a primeira empresa comercial de transporte espacial.
24 de dezembro de 1979: lançamento do primeiro lançador Ariane a partir do Guiana Space Center em Kourou, na Guiana Francesa.
28 de novembro de 1983: lançamento do laboratório europeu Spacelab a bordo do vaivém Columbia com o astronauta da ESA Ulf Merbold.
2 de julho de 1985: O Ariane 1 parte com a sonda Giotto ao encontro do cometa Halley.
13/14 de março de 1986: encontro e fotografias do cometa Halley. Descoberta da estrutura de um cometa.
29 de setembro de 1988: assinatura do acordo de cooperação entre a ESA e a NASA para a construção do que viria a chamar-se a Estação Espacial Internacional (International Space Station ou ISS).
24 de abril de 1990: lançamento do Telescópio Espacial Hubble com participação europeia. Uma nova visão do Universo, baseada nos dados enviados pelo Hubble, conduziu a milhares de publicações científicas.
3 de setembro de 1995: lançamento da primeira missão de longa duração de um astronauta da ESA. Thomas Reiter permaneceu 179 dias no espaço.
10 de dezembro de 1999: primeiro voo de Ariane 5.
14 de novembro de 2000: Portugal tornou-se o 15.° membro da ESA.
16 de novembro de 2000: acordo entre a ESA e a União Europeia sobre uma estratégia espacial comum.
2 de junho de 2003: lançamento de Mars Express, a primeira missão europeia para outro planeta. 2 de março de 2004: lançamento da sonda Rosetta para a primeira aterragem num cometa.
14 de janeiro de 2005: a sonda europeia Huygens aterra em Titã, a maior lua de Saturno, a aterragem mais longínqua jamais efectuada. A sonda-mãe Cassini continua a estudar Saturno e as suas luas, como Encélado onde se pensa existir um mar salgado por baixo da superfície gelada.
15 de março de 2007: a partir da órbita marciana, a sonda europeia Mars Express confirma a existência de água em Marte, sobretudo perto do Polo Sul.
7 de fevereiro de 2008: lançamento de Columbus, o laboratório europeu da ISS. 21 de outubro de 2011: lançamento do primeiro satélite Galileo, o sistema europeu de posicionamento e navegação globais.
19 de dezembro de 2013: lançamento de Gaia, sonda capaz de distinguir, a partir da Terra, dois pontos na Lua separados por um centímetro. Estuda galáxias longínquas e está a catalogar mil milhões de estrelas.
25 de julho de 2013: lançamento de Alphasat, o maior satélite europeu de telecomunicações.
12 de novembro de 2014: aterragem de Philae no cometa Churyamov-Gerasimenko e transmissão de dados científicos para a sonda Rosetta que estava em órbita à volta do cometa. Tal significa grandes progressos no conhecimento da formação do sistema solar e no estudo da origem da vida.
Uma das características da maior parte dos projetos espaciais é o tempo que decorre entre a sua concepção e a respetiva realização. Os cientistas que conceberam o Hubble e a Rosetta, e que ainda estão vivos, já devem estar todos reformados. Várias missões foram recentemente selecionadas pela ESA. Uma delas é Athena, que deverá ser lançada em 2028 para estudar os buracos negros, cuja existência foi confirmada graças ao telescópio Hubble.
Este resumo de algumas datas importantes na vida da ESA e de alguns dos seus sucessos permite situar o contexto da integração de Portugal no espacial europeu. Será a responsabilidade dos portugueses que participam nas diferentes instâncias da ESA contribuir para definir o seu futuro. Além dos enormes progressos científicos conseguidos graças aos satélites, os benefícios que nos vêm da investigação espacial estão tão presentes na nossa vida corrente que já nem nos apercebemos deles. É o que acontece quando usamos, por exemplo, o GPS, a informação meteorológica, ou as telecomunicações.
(...)
Manuel Paiva
NOVIDADES DA GRADIVA DE JANEIRO
|
|
|
A Rússia e a Europa
|
|
Sobre a endogamia nas Universidades portugueses
Michael Athans, professor do MIT, já tinha chamado a atenção para o problema da endogamia nas universidades portuguesas,
um problema que apesar de tudo é menor hoje do que há alguns anos.
F. Pacheco Torgal, da Universidade do Minho, pôs recentemente a circular uma petição sobre o assunto, pedindo que o assunto se resolvesse com recurso exclusivo a professores estrangeiros. Julgo que não será a melhor maneira de resolver a questão até porque significaria que os académicos portugueses abdicariam das suas responsabilidades.
Pacheco-Torgal mandou-me a reprodução parcial de um comentário (abaixo) feito através do Facebook. http://peticaopublica.com/viewfullsignatures.aspx?pi=PT79381&pg=28 Deixo-a aqui para debate.
"A solução talvez passe pela obrigatoriedade de concursos estritamente externos para uma percentagem elevada de Associados e Catedráticos (33%?). Em termos da avaliação o modelo Alemão, em que o comité é obrigado a pedir a opinião escrita sobre o ranking a 3 colegas externos de reputação internacional, também pode ser considerado. Não há uma solução mágica, mas devíamos promover um debate sério sobre que alterações poderiam melhorar a situação. E qualquer debate sério tem que levar em consideração a baixíssima proporção de Prof. Associados e Catedráticos nas Universidades portuguesas, o que leva a situações lamentáveis de excelentes profissionais que chegam à casa dos 50 anos como Prof. Auxiliares, e a uma competição de vida ou de morte pelos poucos lugares que abrem".
Henrique Miguel Pereira, Prof Catedrático, Martin Luther Universitat Halle-Wittenberg, Inv. Coordenador Convidado, U. Porto
Interessante é também, diz Pacheco-Torgal, o link partilhado através do Facebook, relativo a um excelente artigo do Orlando M. Lourenço, Professor Catedrático da Universidade de Lisboa o qual escreveu há dez anos atrás de forma bastante clara e muito corajosa acerca dos nove principais problemas de que enferma a Universidade Portuguesa sendo a endogamia o pior:
1. O maior inimigo da Universidade Portuguesa chama-se endogamia. Endogamia significa pouca transparência e clareza. O termo utilizado por diversos avaliadores internacionais é o de inbreeding, um termo que, literalmente, significa consanguinidade. Quer dizer, protecção dos nossos apaniguados e amigos, mesmo que à custa dos direitos legítimos de outros. De forma não eufemista, endogamia significa corrupção. A palavra é dura, mas deve ser uma das mais apropriadas para a realidade do inbreeding que grassa na Universidade Portuguesa. Como disse, quando a vêm avaliar, os peritos estrangeiros sempre frisam esta triste realidade. Não deve ser, portanto, uma invenção minha. Há muitos anos que estou na vida universitária e tenho constatado que nela há, de facto, muita endogamia. Os estudantes, porventura, não se apercebem muito dela. É uma questão de olhar. De olhar para a progressão dos professores na sua carreira; para os critérios em que ela se baseia; para a constituição de diversos júris de provas e concursos; e para muitas outras coisas. Reparem nesta pequena/grande diferença. Nas Universidades dos EUA e do Canadá, por exemplo, para ocupar um lugar permanente na Universidade, um professor é, em última instância, avaliado por uma comissão de que, além do dean, não faz parte nenhum professor do Departamento ou Faculdade a que a pessoa em avaliação pertence. A ideia é fazer com que a endogamia fique de fora, ou seja controlada, pelo menos. E a ideia é também mostrar a quem não é da mesma área ou departamento se o currículo em apreciação tem ou não algo de cientificamente interessante, algo que pode ser apreendido mesmo por quem está fora da área, departamento ou Faculdade. Na minha Faculdade, por exemplo, há diversos concursos de cujos júris só fazem parte os pares da mesma área: da Psicologia ou das Ciências da Educação. Assim, os membros dos júris que podiam ser mais independentes não contam. Fica tudo mais em família! Se essa não é a intenção, esse é o seu resultado mais provável. Mas há outros exemplos de endogamia, exemplos que outros colegas de outras Faculdades não teriam certamente dificuldade em recordar. Um dia, um amigo meu foi arguente de uma tese de doutoramento. Como considerou a tese apenas razoável, foi isso que disse na sua arguição. Em nome da endogamia, era suposto que devia ter dito que se tratava de um trabalho brilhante! Como não disse, porque a tese não era, de facto, brilhante, o doutorando em causa deixou de lhe falar. Esse meu amigo nunca mais foi (nem será) convidado para quaisquer outros júris por essa Faculdade, e esse doutorando recebeu certamente a aprovação do seu procedimento por parte de alguns professores da sua Faculdade e deve ter tido uma progressão rápida na sua carreia académica (que não científica)! Aberrantes que sejam, existem diversas situações semelhantes a esta na Universidade Portuguesa. São os professores Portugueses mais dados à endogamia que os seus colegas de outras Universidades? Não certamente! O problema tem a ver com aspectos institucionais; com o sistema, como é vulgar dizer-se. Uma coisa é certa. Enquanto a Universidade Portuguesa não resolver o problema da endogamia, será sempre uma Universidade sem prestígio, de segunda classe, ou ainda pior.
2. O inimigo número dois da Universidade Portuguesa é a falta de mobilidade dos seus docentes. Em termos metafóricos, os seus professores nascem, crescem e morrem na mesma casa. É na mesma Faculdade que, em geral, fazem as suas licenciaturas, mestrados, doutoramentos, agregações, concursos dos mais diversos tipos e é também aí que dão aulas toda a sua vida. Nada melhor do que este sistema para a formação de grupos de interesse, outros que não o científico. Não digo que os professores deviam ir todos, nos seus anos de licença sabática ou em outros momentos da sua carreira, para Universidades cientificamente prestigiadas que existem por esse mundo fora. Pelo menos, que fossem para Braga, Coimbra, Covilhã, Évora, Faro, Porto, para referir apenas alguns exemplos. Não seria salutar que os estudantes de uma dada Faculdade pudessem ter sessões orientadas por professores que vêm de fora, mesmo que seja de uma Faculdade congénere, mas de uma outra localidade do seu país? Quantos estudantes das licenciaturas da Universidade Portuguesa já viveram situações destas? Também existe pouca mobilidade a nível dos estudantes. Conhece o leitor alguns estudantes das nossas Faculdade que, por exemplo, tenham feito uma qualquer Disciplina nas Faculdades que não distam das suas mais do que 100, 200 ou 300 metros? E quanto seria cientificamente interessante que os estudantes de Psicologia (ou outra licenciatura) frequentassem, por exemplo, aulas de uma Cadeira dos Cursos de Direito, Filosofia, ou Matemática? Ironicamente, todos falamos agora da Declaração de Bolonha e da mobilidade a nível de países. Enquanto não existir mobilidade interna, a externa será muito mais figurativa do que operativa. Acho que a Universidade Portuguesa não está, de facto, muito interessada na mobilidade de professores e estudantes. Faz o discurso da mobilidade, como faz o da qualidade, mas não o assume. Por exemplo, os concursos para os chamados lugares do quadro (professor associado e professor catedrático) são nacionais em termos de legislação. Quer dizer, podem concorrer os professores da Faculdade onde abre um lugar para ser preenchido e os professores de outras Faculdades que estejam em condições legais de o fazer. Só que isto quase nunca acontece. Quem concorre, em geral, são só os da “casa”. Se o fizerem, os “outros”, sobretudo os que não concorrem com a aprovação tácita do poder académico aí instalado, arriscam-se a ser tomados por intrusos e a estragar o que já estava, por vezes, mais ou menos arranjado. Uma vergonha! Inútil dizer que quando se abre um concurso já se sabe, muitas vezes, quem vai e não vai ficar a ocupá-lo. E nem sempre em nome de critérios de mérito científico. Conheço casos de professores que nem sequer concorreram a certos concursos, porque, tendo embora mérito científico para serem seleccionados, perceberam que seriam preteridos em função de outros com muito menor mérito. A não abertura de concursos para os quais há vagas em aberto fala também em favor desta triste realidade: não se querer, em última instância, que haja mobilidade (e diversidade) no seio da Universidade. Toda a gente sabe, mas a realidade mantém-se. E viva a mobilidade!
3. O terceiro inimigo da Universidade em Portugal tem a ver com a (não) famosa pirâmide. Professores catedráticos são muito poucos; para o lugar de associados, já há mais algumas vagas; professores auxiliares são em muito maior número do que os associados e, claro, do que os catedráticos. Se a promoção na carreira fosse baseada em critérios de mérito científico e de qualidade, em princípio, quanto mais elevada fosse a competência, maior seria a posição de um professor. Maior competência significaria mais prestígio para a Faculdade, melhor ensino para os estudantes e maior contribuição para o progresso científico. Uma Universidade sem professores muito competentes, por melhores pedagogos que se diga serem, é uma fraude. Sendo assim, deveria haver muitos professores no topo da pirâmide, porque seriam esses, supostamente, os melhores professores e os que mais falta fariam (e fazem) à Universidade. A pirâmide, portanto, deveria estar invertida, como acontece, aliás, em muitas Universidade prestigiadas em diversos países. Não quer dizer que os professores devessem ser todos promovidos, até porque ser professor na Universidade não é um direito fundamental! É sobretudo uma opção e uma enorme responsabilidade. Mas seriam certamente promovidos todos os que tivessem mérito. Não devia, aliás, haver um número restrito de vagas para tais posições. Devia ser o mérito, sobretudo o científico, que determinaria a vaga, não o oposto. Como isto não ocorre, em geral, estamos perante mais uma originalidade da Universidade Portuguesa, embora ela exista também em outros países. Em geral, nos que são menos desenvolvidos e que assim continuam, mesmo que o não queiram, a perder oportunidades de desenvolvimento. A estrutura de pirâmide na Universidade Portuguesa está ao arrepio do que é, hoje, fazer investigação. É uma estrutura mais típica de organizações burocráticas que da actividade de comunidades científicas. O argumento para a existência de pirâmides achatadas na Universidade Portuguesa é o de que não há dinheiro.... É falso! Este é um problema político, muito mais do que financeiro. Além de permitirem economizar dinheiro, os quadros servem, não raras vezes, para seleccionar as mentes menos críticas e mais conformistas, o que está nos antípodas de uma sociedade progressista e interessada no bem comum. Numa palavra, ser competente na Universidade Portuguesa é algo que não é estimulado. Às vezes, ela procede mesmo como se a competência de alguns pudesse pôr em causa o seu estatuto de instituição vetusta, apenas mediana, e cheia de muitos Professores Doutores.
4. Outro mal da Universidade Portuguesa é seu o carácter verboso, escolástico e burocrático. Quero deixar claro, como já disse, que existem excepções em todas as Faculdades, ou seja, que eu estou a falar em termos gerais. Basta ver o número de páginas das dissertações (de mestrado e doutoramento) realizadas. Teses de mestrado com 300 ou mais páginas abundam. Doutoramentos com 500 páginas ou mais também não faltam. Embora haja excepções notáveis, de tais longas teses, o destino principal é, em geral, ficarem arquivadas no pó das bibliotecas. Ou serem citadas apenas localmente e quando tal é conveniente! São, em geral, palavras a mais e ideias e problemas a menos. Em geral, essas teses são mais um testemunho de capacidade de gestão do saber do que de produção de conhecimento novo. E uma Universidade que não produz conhecimento nem sequer merece esse nome. O que nós, professores, geralmente fazemos, é ensinar apenas o que os outros pensaram e investigaram, o que é uma tristeza. Veja, por exemplo, a lista de referências nos livros ou artigos que lê, mesmo que sejam em Português! São maioritariamente de autores estrangeiros. De autores Portugueses, são poucas e, mesmo assim, ditadas muitas vezes mais por razões de conveniência que de qualidade científica. Isto significa que também devíamos ensinar aos nossos estudantes o que nós pensamos e investigamos. Às vezes, digo aos meus estudantes que, se quiserem saber mais sobre um determinado assunto, podem ler um ou outro artigo que publiquei recentemente numa revista internacional prestigiada. Observo, então, em alguns deles, um sorriso levemente irónico. Tomam por vaidade a expressão de algo que é, ou devia ser, relativamente frequente e banal nos seus professores: contribuir, por pouco que seja, para o progresso científico na sua área de especialidade. É o carácter verboso que prolifera na Universidade Portuguesa que ajuda a compreender que os estudantes tenham uma arreliadora tendência para decorarem textos e artigos, conceitos e expressões, mesmo que não saibam muito bem quais as questões em análise, quais os argumentos que fazem sentido e quais os resultados inteligíveis. Têm nisso os estudantes muitas responsabilidades. Mas nós, professores, temos ainda mais. Continuará a ser assim se os problemas da Universidade portuguesa não forem seriamente enfrentados. Devo confessar que não estou muito optimista. Os Governos mudam. Todos parecem ter vontade de alterar o estado de coisas mas, depois, nada de importante é perseguido. Ironicamente, muitas vezes são as mesmas pessoas que tiveram possibilidade institucional de introduzir alterações para melhor, que, mais tarde, vêm declarar que, afinal, a Universidade Portuguesa está muito atrasada em termos europeus e, portanto, que é necessário transformá-la. Em vez de um conjunto pequeno de medidas profundas, as suas propostas limitam-se à constituição de "grupos de reflexão" que produzem relatórios de 200, 300 ou mais páginas! Para que tudo fique mais ou menos na mesma!
5. Outro mal na Universidade Portuguesa é ser demasiado hierarquizada. Em títulos, somos, de facto, os melhores! Somos sempre, e logo, Professores Doutores. Talvez seja um modo de compensarmos a nossa generalizada incompetência. Costumo dizer que à Universidade Portuguesa sobra em títulos o que lhe falta em investigação e reconhecimento internacional. Quando alguém obtém o grau de doutor, é logo promovido a Professor Doutor e até os artigos publicados em revistas (Portuguesas) fazem muitas vezes preceder o nome do autor dos seus respectivos títulos. Ironicamente, esse alguém recém-doutorado, ainda que, de facto, muito competente na sua área, pode ficar muitos e muitos anos como Professor Auxiliar, e isto porque as vagas de Professor Associado estão todas preenchidas! Ao menos fica-lhe o Professor Doutor!
6. Outro aspecto menos positivo na Universidade Portuguesa, e de que a minha Faculdade é um bom exemplo, é ser, ou querer ser, demasiado profissionalizante. Porventura os estudantes e muitas outras pessoas não estão de acordo comigo. É certamente importante que a Universidade Portuguesa forme bons profissionais.
[Mensagem reduzida]
F. Pacheco Torgal, da Universidade do Minho, pôs recentemente a circular uma petição sobre o assunto, pedindo que o assunto se resolvesse com recurso exclusivo a professores estrangeiros. Julgo que não será a melhor maneira de resolver a questão até porque significaria que os académicos portugueses abdicariam das suas responsabilidades.
Pacheco-Torgal mandou-me a reprodução parcial de um comentário (abaixo) feito através do Facebook. http://peticaopublica.com/viewfullsignatures.aspx?pi=PT79381&pg=28 Deixo-a aqui para debate.
"A solução talvez passe pela obrigatoriedade de concursos estritamente externos para uma percentagem elevada de Associados e Catedráticos (33%?). Em termos da avaliação o modelo Alemão, em que o comité é obrigado a pedir a opinião escrita sobre o ranking a 3 colegas externos de reputação internacional, também pode ser considerado. Não há uma solução mágica, mas devíamos promover um debate sério sobre que alterações poderiam melhorar a situação. E qualquer debate sério tem que levar em consideração a baixíssima proporção de Prof. Associados e Catedráticos nas Universidades portuguesas, o que leva a situações lamentáveis de excelentes profissionais que chegam à casa dos 50 anos como Prof. Auxiliares, e a uma competição de vida ou de morte pelos poucos lugares que abrem".
Henrique Miguel Pereira, Prof Catedrático, Martin Luther Universitat Halle-Wittenberg, Inv. Coordenador Convidado, U. Porto
Interessante é também, diz Pacheco-Torgal, o link partilhado através do Facebook, relativo a um excelente artigo do Orlando M. Lourenço, Professor Catedrático da Universidade de Lisboa o qual escreveu há dez anos atrás de forma bastante clara e muito corajosa acerca dos nove principais problemas de que enferma a Universidade Portuguesa sendo a endogamia o pior:
1. O maior inimigo da Universidade Portuguesa chama-se endogamia. Endogamia significa pouca transparência e clareza. O termo utilizado por diversos avaliadores internacionais é o de inbreeding, um termo que, literalmente, significa consanguinidade. Quer dizer, protecção dos nossos apaniguados e amigos, mesmo que à custa dos direitos legítimos de outros. De forma não eufemista, endogamia significa corrupção. A palavra é dura, mas deve ser uma das mais apropriadas para a realidade do inbreeding que grassa na Universidade Portuguesa. Como disse, quando a vêm avaliar, os peritos estrangeiros sempre frisam esta triste realidade. Não deve ser, portanto, uma invenção minha. Há muitos anos que estou na vida universitária e tenho constatado que nela há, de facto, muita endogamia. Os estudantes, porventura, não se apercebem muito dela. É uma questão de olhar. De olhar para a progressão dos professores na sua carreira; para os critérios em que ela se baseia; para a constituição de diversos júris de provas e concursos; e para muitas outras coisas. Reparem nesta pequena/grande diferença. Nas Universidades dos EUA e do Canadá, por exemplo, para ocupar um lugar permanente na Universidade, um professor é, em última instância, avaliado por uma comissão de que, além do dean, não faz parte nenhum professor do Departamento ou Faculdade a que a pessoa em avaliação pertence. A ideia é fazer com que a endogamia fique de fora, ou seja controlada, pelo menos. E a ideia é também mostrar a quem não é da mesma área ou departamento se o currículo em apreciação tem ou não algo de cientificamente interessante, algo que pode ser apreendido mesmo por quem está fora da área, departamento ou Faculdade. Na minha Faculdade, por exemplo, há diversos concursos de cujos júris só fazem parte os pares da mesma área: da Psicologia ou das Ciências da Educação. Assim, os membros dos júris que podiam ser mais independentes não contam. Fica tudo mais em família! Se essa não é a intenção, esse é o seu resultado mais provável. Mas há outros exemplos de endogamia, exemplos que outros colegas de outras Faculdades não teriam certamente dificuldade em recordar. Um dia, um amigo meu foi arguente de uma tese de doutoramento. Como considerou a tese apenas razoável, foi isso que disse na sua arguição. Em nome da endogamia, era suposto que devia ter dito que se tratava de um trabalho brilhante! Como não disse, porque a tese não era, de facto, brilhante, o doutorando em causa deixou de lhe falar. Esse meu amigo nunca mais foi (nem será) convidado para quaisquer outros júris por essa Faculdade, e esse doutorando recebeu certamente a aprovação do seu procedimento por parte de alguns professores da sua Faculdade e deve ter tido uma progressão rápida na sua carreia académica (que não científica)! Aberrantes que sejam, existem diversas situações semelhantes a esta na Universidade Portuguesa. São os professores Portugueses mais dados à endogamia que os seus colegas de outras Universidades? Não certamente! O problema tem a ver com aspectos institucionais; com o sistema, como é vulgar dizer-se. Uma coisa é certa. Enquanto a Universidade Portuguesa não resolver o problema da endogamia, será sempre uma Universidade sem prestígio, de segunda classe, ou ainda pior.
2. O inimigo número dois da Universidade Portuguesa é a falta de mobilidade dos seus docentes. Em termos metafóricos, os seus professores nascem, crescem e morrem na mesma casa. É na mesma Faculdade que, em geral, fazem as suas licenciaturas, mestrados, doutoramentos, agregações, concursos dos mais diversos tipos e é também aí que dão aulas toda a sua vida. Nada melhor do que este sistema para a formação de grupos de interesse, outros que não o científico. Não digo que os professores deviam ir todos, nos seus anos de licença sabática ou em outros momentos da sua carreira, para Universidades cientificamente prestigiadas que existem por esse mundo fora. Pelo menos, que fossem para Braga, Coimbra, Covilhã, Évora, Faro, Porto, para referir apenas alguns exemplos. Não seria salutar que os estudantes de uma dada Faculdade pudessem ter sessões orientadas por professores que vêm de fora, mesmo que seja de uma Faculdade congénere, mas de uma outra localidade do seu país? Quantos estudantes das licenciaturas da Universidade Portuguesa já viveram situações destas? Também existe pouca mobilidade a nível dos estudantes. Conhece o leitor alguns estudantes das nossas Faculdade que, por exemplo, tenham feito uma qualquer Disciplina nas Faculdades que não distam das suas mais do que 100, 200 ou 300 metros? E quanto seria cientificamente interessante que os estudantes de Psicologia (ou outra licenciatura) frequentassem, por exemplo, aulas de uma Cadeira dos Cursos de Direito, Filosofia, ou Matemática? Ironicamente, todos falamos agora da Declaração de Bolonha e da mobilidade a nível de países. Enquanto não existir mobilidade interna, a externa será muito mais figurativa do que operativa. Acho que a Universidade Portuguesa não está, de facto, muito interessada na mobilidade de professores e estudantes. Faz o discurso da mobilidade, como faz o da qualidade, mas não o assume. Por exemplo, os concursos para os chamados lugares do quadro (professor associado e professor catedrático) são nacionais em termos de legislação. Quer dizer, podem concorrer os professores da Faculdade onde abre um lugar para ser preenchido e os professores de outras Faculdades que estejam em condições legais de o fazer. Só que isto quase nunca acontece. Quem concorre, em geral, são só os da “casa”. Se o fizerem, os “outros”, sobretudo os que não concorrem com a aprovação tácita do poder académico aí instalado, arriscam-se a ser tomados por intrusos e a estragar o que já estava, por vezes, mais ou menos arranjado. Uma vergonha! Inútil dizer que quando se abre um concurso já se sabe, muitas vezes, quem vai e não vai ficar a ocupá-lo. E nem sempre em nome de critérios de mérito científico. Conheço casos de professores que nem sequer concorreram a certos concursos, porque, tendo embora mérito científico para serem seleccionados, perceberam que seriam preteridos em função de outros com muito menor mérito. A não abertura de concursos para os quais há vagas em aberto fala também em favor desta triste realidade: não se querer, em última instância, que haja mobilidade (e diversidade) no seio da Universidade. Toda a gente sabe, mas a realidade mantém-se. E viva a mobilidade!
3. O terceiro inimigo da Universidade em Portugal tem a ver com a (não) famosa pirâmide. Professores catedráticos são muito poucos; para o lugar de associados, já há mais algumas vagas; professores auxiliares são em muito maior número do que os associados e, claro, do que os catedráticos. Se a promoção na carreira fosse baseada em critérios de mérito científico e de qualidade, em princípio, quanto mais elevada fosse a competência, maior seria a posição de um professor. Maior competência significaria mais prestígio para a Faculdade, melhor ensino para os estudantes e maior contribuição para o progresso científico. Uma Universidade sem professores muito competentes, por melhores pedagogos que se diga serem, é uma fraude. Sendo assim, deveria haver muitos professores no topo da pirâmide, porque seriam esses, supostamente, os melhores professores e os que mais falta fariam (e fazem) à Universidade. A pirâmide, portanto, deveria estar invertida, como acontece, aliás, em muitas Universidade prestigiadas em diversos países. Não quer dizer que os professores devessem ser todos promovidos, até porque ser professor na Universidade não é um direito fundamental! É sobretudo uma opção e uma enorme responsabilidade. Mas seriam certamente promovidos todos os que tivessem mérito. Não devia, aliás, haver um número restrito de vagas para tais posições. Devia ser o mérito, sobretudo o científico, que determinaria a vaga, não o oposto. Como isto não ocorre, em geral, estamos perante mais uma originalidade da Universidade Portuguesa, embora ela exista também em outros países. Em geral, nos que são menos desenvolvidos e que assim continuam, mesmo que o não queiram, a perder oportunidades de desenvolvimento. A estrutura de pirâmide na Universidade Portuguesa está ao arrepio do que é, hoje, fazer investigação. É uma estrutura mais típica de organizações burocráticas que da actividade de comunidades científicas. O argumento para a existência de pirâmides achatadas na Universidade Portuguesa é o de que não há dinheiro.... É falso! Este é um problema político, muito mais do que financeiro. Além de permitirem economizar dinheiro, os quadros servem, não raras vezes, para seleccionar as mentes menos críticas e mais conformistas, o que está nos antípodas de uma sociedade progressista e interessada no bem comum. Numa palavra, ser competente na Universidade Portuguesa é algo que não é estimulado. Às vezes, ela procede mesmo como se a competência de alguns pudesse pôr em causa o seu estatuto de instituição vetusta, apenas mediana, e cheia de muitos Professores Doutores.
4. Outro mal da Universidade Portuguesa é seu o carácter verboso, escolástico e burocrático. Quero deixar claro, como já disse, que existem excepções em todas as Faculdades, ou seja, que eu estou a falar em termos gerais. Basta ver o número de páginas das dissertações (de mestrado e doutoramento) realizadas. Teses de mestrado com 300 ou mais páginas abundam. Doutoramentos com 500 páginas ou mais também não faltam. Embora haja excepções notáveis, de tais longas teses, o destino principal é, em geral, ficarem arquivadas no pó das bibliotecas. Ou serem citadas apenas localmente e quando tal é conveniente! São, em geral, palavras a mais e ideias e problemas a menos. Em geral, essas teses são mais um testemunho de capacidade de gestão do saber do que de produção de conhecimento novo. E uma Universidade que não produz conhecimento nem sequer merece esse nome. O que nós, professores, geralmente fazemos, é ensinar apenas o que os outros pensaram e investigaram, o que é uma tristeza. Veja, por exemplo, a lista de referências nos livros ou artigos que lê, mesmo que sejam em Português! São maioritariamente de autores estrangeiros. De autores Portugueses, são poucas e, mesmo assim, ditadas muitas vezes mais por razões de conveniência que de qualidade científica. Isto significa que também devíamos ensinar aos nossos estudantes o que nós pensamos e investigamos. Às vezes, digo aos meus estudantes que, se quiserem saber mais sobre um determinado assunto, podem ler um ou outro artigo que publiquei recentemente numa revista internacional prestigiada. Observo, então, em alguns deles, um sorriso levemente irónico. Tomam por vaidade a expressão de algo que é, ou devia ser, relativamente frequente e banal nos seus professores: contribuir, por pouco que seja, para o progresso científico na sua área de especialidade. É o carácter verboso que prolifera na Universidade Portuguesa que ajuda a compreender que os estudantes tenham uma arreliadora tendência para decorarem textos e artigos, conceitos e expressões, mesmo que não saibam muito bem quais as questões em análise, quais os argumentos que fazem sentido e quais os resultados inteligíveis. Têm nisso os estudantes muitas responsabilidades. Mas nós, professores, temos ainda mais. Continuará a ser assim se os problemas da Universidade portuguesa não forem seriamente enfrentados. Devo confessar que não estou muito optimista. Os Governos mudam. Todos parecem ter vontade de alterar o estado de coisas mas, depois, nada de importante é perseguido. Ironicamente, muitas vezes são as mesmas pessoas que tiveram possibilidade institucional de introduzir alterações para melhor, que, mais tarde, vêm declarar que, afinal, a Universidade Portuguesa está muito atrasada em termos europeus e, portanto, que é necessário transformá-la. Em vez de um conjunto pequeno de medidas profundas, as suas propostas limitam-se à constituição de "grupos de reflexão" que produzem relatórios de 200, 300 ou mais páginas! Para que tudo fique mais ou menos na mesma!
5. Outro mal na Universidade Portuguesa é ser demasiado hierarquizada. Em títulos, somos, de facto, os melhores! Somos sempre, e logo, Professores Doutores. Talvez seja um modo de compensarmos a nossa generalizada incompetência. Costumo dizer que à Universidade Portuguesa sobra em títulos o que lhe falta em investigação e reconhecimento internacional. Quando alguém obtém o grau de doutor, é logo promovido a Professor Doutor e até os artigos publicados em revistas (Portuguesas) fazem muitas vezes preceder o nome do autor dos seus respectivos títulos. Ironicamente, esse alguém recém-doutorado, ainda que, de facto, muito competente na sua área, pode ficar muitos e muitos anos como Professor Auxiliar, e isto porque as vagas de Professor Associado estão todas preenchidas! Ao menos fica-lhe o Professor Doutor!
6. Outro aspecto menos positivo na Universidade Portuguesa, e de que a minha Faculdade é um bom exemplo, é ser, ou querer ser, demasiado profissionalizante. Porventura os estudantes e muitas outras pessoas não estão de acordo comigo. É certamente importante que a Universidade Portuguesa forme bons profissionais.
[Mensagem reduzida]
Informação de Hemeroteca de Lisboa: Portugal na guerra da Europa
Juntamos hoje ao nosso
dossier digital comemorativo da I Guerra Mundial
o livro de poesia Portugal na guerra da Europa (ao Imperador da Allemanha), de
Armando de Almeida de Sousa Araújo (Lisboa, 1878-1962).
Escrita
em 1914, a obra reflete a emoção do início do conflito. O autor
destinou-a ao Imperador Guilherme II da Alemanha, o último imperador
alemão
que conduziu o seu país para a I Guerra Mundial. Ao mesmo tempo, na
folha de rosto, Armando Araújo transcreveu as palavras “Ás armas!
Portugueses…” incitando Portugal a participar no conflito que se
iniciava. A expressão latina que surge poderá ser traduzida
como “o homem é lobo do homem, e cooperante com o homem” e foi
utilizada, numa adaptação da frase original de Plauto, por Manuel de
Arriaga no seu poema de 1898 “Á paz dos povos”.
O
retrato que traça do Imperador Guilherme II, embora pleno de artifícios
literários, corresponde à imagem que este monarca tinha à época:
autoritário
e belicista, embora tenha tentado que a Alemanha recuasse na sua
posição agressiva, será submetido, de acordo com o poeta, ao julgamento
da História no final do conflito.
Araújo
constrói o seu poema numa exaltação patriótica, apresentando os heróis
portugueses de todas as épocas reunidos, entre os quais, Alfredo Augusto
Freire de Andrade, referido pelas iniciais F. d’A., comandante de um
dos combates das campanhas de pacificação de África; introduzindo a
saudade como característica da essência portuguesa, a par da lealdade e
da simplicidade do povo português.
[ler mais]
|
Em favor de um poeta condenado
Informação que recebi do Movimento pelos direitos do povo palestino e pela paz no médio oriente. Subscrevo obviamente este apelo, que está a encontrar eco em todo o mundo.
Salvemos a vida do poeta palestino Ashraf Fayadh,
condenado à morte na Arábia Saudita!
Ashraf
Fayadh (n. 1980) é um artista e poeta de origem palestina (Khan Yunis,
Faixa de Gaza) que nasceu e vive na Arábia Saudita. Em Novembro de 2015
foi condenado à morte por apostasia (abandono do Islão) devido ao
conteúdo do seu livro de poemas Instruction Within, de 2008.
Fayadh
foi detido pela polícia religiosa em 2013, em Abha, no sudoeste da
Arábia Saudita, em seguida libertado sob caução, e depois novamente
preso e julgado no princípio de 2014. Foi condenado a quatro anos de
prisão e a 800 chicotadas. Recorreu da sentença mas o seu recurso foi
recusado; de novo julgado por um tribunal de primeira instância, os
juízes condenaram-no à morte, já que a apostasia é punível com a morte
na monarquia teocrática saudita.
O
próprio Fayadh continua a afirmar que é muçulmano praticante e nega
todas as acusações contra si. Os seus apoiantes estão convictos de que
ele foi visado por ser um refugiado palestino, embora tenha nascido na
Arábia Saudita.
Ashraf
Fayadh não pôde dispor da assistência de um advogado porque o seu
documento de identificação foi apreendido quando foi preso em Janeiro de
2014.
Trata-se
de mais uma brutal e inaceitável violação dos direitos humanos na
Arábia Saudita, um dos países mais ferozmente repressivos do mundo, onde
o número de execuções por decapitação foi de 157 em 2015 e já atingiu
as 47 em 2016. A Arábia Saudita nega os direitos das mulheres, proíbe os
partidos políticos, reprime o direito de expressão e de associação. A
Arábia Saudita, uma das maiores potências militares da região, intervém
militarmente em outros países (mais recentemente no Barém e no Iémen),
representando um factor de tensão e instabilidade em todo o Médio
Oriente.
É
inaceitável que os países ocidentais, incluindo a União Europeia, em
nome da luta contra o obscurantismo, a repressão das liberdades e o
terror do chamado Estado Islâmico, acolham a Arábia Saudita como
parceiro, quando precisamente o obscurantismo, a falta de liberdades e o
terror campeiam nesse país, cujo regime financia, desde há décadas, a
exportação para todo o mundo do wahabismo, a base ideológica de inúmeras
organizações islamistas, como o chamado Daesh, que aterrorizam
populações um pouco por todo o mundo.
A
data para a execução de Ashraf Fayadh não é ainda conhecida, mas ela
pode ter lugar a qualquer momento. Por isso nós apelamos às portuguesas e
aos portugueses que prezam a tolerância, a liberdade de pensamento, de
expressão e de criação, a que protestem contra a sentença de morte que
sobre ele pende e exijam a sua revogação e a sua imediata libertação.
Por isso exigimos o fim da repressão e o respeito das liberdades na
Arábia Saudita, e esperamos das autoridades portuguesas que, no espírito
da Constituição da República, se empenhem para este fim.
sexta-feira, 29 de janeiro de 2016
Uma real e profunda reforma curricular
Um leitor, a quem, desde já, agradeço, alertou-nos para o facto de no dia 8 deste mês ter sido aprovada na Assembleia da República a "resolução de abertura de um processo de debate com vista à definição de objetivos para uma real e profunda reforma curricular":
- digo sim se essa reforma curricular se traduzir num compromisso simples e honesto entre o Ministério da Educação, as Escolas e os Professores em ensinar às crianças e aos jovens o que, para seu próprio bem, a escola tem o dever de lhes ensinar e de modo que eles efectivamente aprendam. Será uma "profunda reforma curricular" centrada no "currículo que se ensina" e no "currículo que se aprende", que nessa medida, passará despercebida, sem suscitar títulos de jornais, sem se socorrer de estratégias demagógicas, sem ter ganhos eleitorais.
- digo não se essa reforma curricular se traduzir na recorrente insistência em revogar e homologar mais umas dezenas de documentos curriculares, que se irão juntar às muitas centenas de orientações e de directrizes acumuladas (e esquecidas) na página online da Direcção Geral da Educação. É certo que o "currículo que se determina" tem de se encontrar actualizado, mas também tem de ser estável e, sobretudo, tem de assentar numa reflexão filosófica segura e em conhecimento pedagógico e disciplinar fiável. A determinação política do currículo não pode (não deveria) continuar a depender como depende da orientação partidária de momento e do interesse que lhe está agregado de ostentar a ideia de mudança inequivocamente melhor do que a anterior.
Resolução da Assembleia da República n.º 17/2016
A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição, recomendar ao Governo que inicie um processo de reflexão e debate democrático amplo e alargado a toda a comunidade educativa, de modo a que se definam objetivos para uma real e profunda reforma curricular.Situando-me na Escola Pública, a escola que é para todos,
Aprovada em 8 de janeiro de 2016.
O Presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues
- digo sim se essa reforma curricular se traduzir num compromisso simples e honesto entre o Ministério da Educação, as Escolas e os Professores em ensinar às crianças e aos jovens o que, para seu próprio bem, a escola tem o dever de lhes ensinar e de modo que eles efectivamente aprendam. Será uma "profunda reforma curricular" centrada no "currículo que se ensina" e no "currículo que se aprende", que nessa medida, passará despercebida, sem suscitar títulos de jornais, sem se socorrer de estratégias demagógicas, sem ter ganhos eleitorais.
- digo não se essa reforma curricular se traduzir na recorrente insistência em revogar e homologar mais umas dezenas de documentos curriculares, que se irão juntar às muitas centenas de orientações e de directrizes acumuladas (e esquecidas) na página online da Direcção Geral da Educação. É certo que o "currículo que se determina" tem de se encontrar actualizado, mas também tem de ser estável e, sobretudo, tem de assentar numa reflexão filosófica segura e em conhecimento pedagógico e disciplinar fiável. A determinação política do currículo não pode (não deveria) continuar a depender como depende da orientação partidária de momento e do interesse que lhe está agregado de ostentar a ideia de mudança inequivocamente melhor do que a anterior.
Qual é a ciência mais antiga?
O bibliotecário Adriano Alexandre Vicente Simões da Silva da Biblioteca Pública Municipal do Porto (BPMP) responde a esta questão, não do ponto de vista estritamente histórico, mas do ponto de vista biblioteconómico. Pesquisando
no catálogo online da BPMP, por assuntos, obteve o seguinte resultado:
1782Meteorologia – Periódicos: Almanach. Academia Real das Ciências. Lisboa, 1782.
1789Matemática – Periódicos: Efemérides Náuticas ou Diário Astronómico. Lisboa, 1789.
1790Ciência – Periódicos: Programa da Academia Real das Ciências de Lisboa. Lisboa, 1790. Note que temos na BPMP o Journal des Savants, de Amsterdão, desde 1712.
1868Biologia – Periódicos: Index Seminum. Coimbra, 1868.
1919Geologia – Periódicos: Comunicações dos Serviços Geológicos de Portugal. Lisboa, 1919.
1933Física – Periódicos: Publications du Laboratoire de Physique de L'Université de Coimbra. Coimbra, 1933.
1950Química – Periódicos: Revista da Faculdade de Ciências. Série Físico Quimicas. Lisboa, 1950.
1959Ambiente – Periódicos: Protecção da Natureza. Lisboa, 1959.
Esta lista tem origem em anos de trabalho a colocar os assuntos em mais de 30 mil periódicos (jornais e revistas) da BPMP. Como a amostra é pequena (30 mil títulos), pode/deve conter falhas. Fico à espera de críticas e sugestões,
Adriano Alexandre Vicente Simões
O ANO DA LUZ: BALANÇO E PERSPECTIVA
Meu artigo na revista digital LIGHTING LIVING LAB MAGAZINE – O ANO EM REVISTA, do Lighting Lab, consórcio de indústrias de luz sedeado em Águeda (ver o resto da revista AQUI):
Em 15 de
Dezembro, na Conferência Haja Luz, na
Gulbenkian, foi anunciado que o Ano Internacional da Luz ia ser prolongado por
um semestre. O presente balanço é, por isso, provisório.
Em Coimbra
houve shows de luz na Universidade e no Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, assim como noutras
cidades (Aveiro, Lisboa, etc.). Em Cascais decorreu o festival Lumina. No Porto foi erguida uma instalação luminosa (Metamorphose).
No Porto está
no Museu Soares dos Reis a exposição Luz
Mirabilis. Em Lisboa estiveram duas exposições: A Luz
de Lisboa e Na Luz-Dentro do Vidro. Em Coimbra no Museu da
Ciência da Universidade esteve a exposição Visões - O interior do olho
humano, para além da mostra
permanente Segredos da Luz e da Matéria. Em Óbidos esteve em exibição uma exposição de
cartoons sobre luz. A Festa do Avante
mostrou uma exposição sobre a luz.
Houve várias
conferências sobre luz, designadamente na Universidade de Lisboa, na Universidade
do Porto (Lights On), na Universidade do Minho (Comunicação e Luz), na Universidade de Coimbra (Visões da Luz e À Volta da Luz), na Universidade de Évora (Colours 2015) e no Pavilhão do Conhecimento - Ciência Viva de
Lisboa (Light from the Earth to the Stars
e Dia Mundial da Ciência ao Serviço da
Paz e Desenvolvimento). A Ordem dos Engenheiros realizou encontros em
Lisboa e no Funchal e editou um número especial da revista Ingenium. Destaque-se
a conferência proferida no Porto pelo Nobel da Física John Mather, organizada
pela Câmara Municipal e, porque foi organizada pela indústria, o encontro do Lighting Living Lab em Águeda. Realizaram-se
muitas palestras sobre vários aspectos
da luz por todo o país, nas universidades, câmaras municipais, etc. Muito
intensas têm sido as actividades no Ano da Luz na Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. A Noite Europeia dos Investigadores focou a luz em várias cidades. No
Verão decorreram actividades de astronomia: no Alqueva esteve uma
exposição fotográfica (Luz Cósmica) e em Castro Verde realizou-se a Astrofesta.
Saíram na
Gradiva os livros Uma Biografia da Luz, de Tito
Mendonça, QED, de Feynman, Cosmicomix, de Balbi e Piccioni, e Histórias da Física em Portugal no século XX. Saiu no Centro Atlântico.pt Dark Sky–Alqueva, com fotos de Miguel Claro. Foi editado pelo Museu da
Imprensa um catálogo sobre cartoons de luz. A Tinta da China editou A Luz dos Livros, com fotos de António Leal. E a ISTPress reeditou Haja Luz, de Jorge Calado.
Houve vários concursos
de fotografia e cinema (por exemplo Luz em Flash). Houve um concurso de joalharia sobre a
luz.
Os CTT publicaram um selo comemorativo.
O Ano da Luz
continua. Com luz por todo o lado. Entre outras iniciativas, o programa Haja Luz nas Escolas e a exposição Janelas
de Luz, inaugurada em Aveiro e agora na Covilhã,
vão prosseguir. Esteja atento em ail2015.org .
Ana Benavente, os Exames Nacionais e os Fautores da Tradição
“A
actuação de Ana Benavente nos governos de Guterres resultou nos piores
resultados escolares da Europa em matéria de sucesso escolar, e na base deste
falhanço esteve uma cedência permanente aos interesses da Fenprof” (Valter
Lemos, Público, 29.Fev.2008).
Começo por
transcrever integralmente um comentário que foi feito neste blogue ao meu post: “A
velha polémica sobre os exames” (jads,
22 de Janeiro último):“O que me
parece pouco sensato é partirmos do princípio que, não havendo exames, a escola
se vai relaxar e despreocupar-se com a busca da excelência. Quem classificava
aqueles exames são os mesmos professores que realizam e corrigem testes de
avaliação (ou outros instrumentos similares). Por norma, quando nada sei sobre
determinado assunto, não me ponho a disparatar”.
(Convém desde já esclarecer que os exames nacionais eram obrigatórios para toda população escolar e tinham peso na nota final dos alunos, enquanto as provas de avaliação não têm peso nessa avaliação e não são obrigatórias).
Pondo de lado alguns dos remoques ínsitos no referido comentário, aduzo o seguinte esclarecimento sobre o argumento de “quem elabora e corrige os testes de avaliação são os mesmos professores que realizam e corrigem nas escolas”. Há aqui um equívoco. Os exames nacionais eram elaborados por equipas de professores, mandatados pelo Ministério da Educação, destinando-se aos alunos de todas as escolas do país, em igualdade de avaliação de conhecimentos. Isto, para já, tinha a vantagem de impedir, de certo modo, que as escolas oficiais inflacionassem, sem qualquer controlo, as notas dos seus alunos para se posicionarem no topo dos respectivos rankings. E os colégios privados, com contratos de associação, pagos com os nossos impostos, tendo em vista o lucro, inflacionassem, igualmente, as classificações dos respectivos discentes. Ninguém se mete num negócio com o fim altruísta de amor ao próximo.
(Convém desde já esclarecer que os exames nacionais eram obrigatórios para toda população escolar e tinham peso na nota final dos alunos, enquanto as provas de avaliação não têm peso nessa avaliação e não são obrigatórias).
Pondo de lado alguns dos remoques ínsitos no referido comentário, aduzo o seguinte esclarecimento sobre o argumento de “quem elabora e corrige os testes de avaliação são os mesmos professores que realizam e corrigem nas escolas”. Há aqui um equívoco. Os exames nacionais eram elaborados por equipas de professores, mandatados pelo Ministério da Educação, destinando-se aos alunos de todas as escolas do país, em igualdade de avaliação de conhecimentos. Isto, para já, tinha a vantagem de impedir, de certo modo, que as escolas oficiais inflacionassem, sem qualquer controlo, as notas dos seus alunos para se posicionarem no topo dos respectivos rankings. E os colégios privados, com contratos de associação, pagos com os nossos impostos, tendo em vista o lucro, inflacionassem, igualmente, as classificações dos respectivos discentes. Ninguém se mete num negócio com o fim altruísta de amor ao próximo.
Embora os exames
nacionais tivessem pouco peso na classificação final do aluno (30%), com
receio que esse peso pudesse aumentar, logo surgiram os clamores de protesto. Que berraria não haveria para aí se os exames
chumbassem os alunos que não satisfizessem mínimos justificativos para a sua
passagem para um patamar superior de conhecimentos? Isto em obediência ao
princípio de Saint-Exupéry: "Se cada
tijolo não estiver no seu lugar não haverá construção".
Escuso-me por ora (mas fá-lo-ei se para tanto for solicitado) em
apresentar provas da ignorância com que chegam determinados alunos à
universidade. Com isto, não defendo (vade
retro, Satanás!) que se volte ao meu tempo de estudante liceal em que uma
classificação de 4 valores ou menor, ainda que mesmo logo no 1.º período de aulas, fazia com que o aluno perdesse o ano todo, sendo
enviado para casa para repousar do esforço de tal proeza!
E, muito menos, defendo as desumanas sevícias das palmatoadas com a “menina dos
5 olhos” ou do vexame de ser posto à janela da escola primária que dava para a rua com orelhas de
burro!
Bem eu sei que a
defesa da qualidade do ensino não me concede o apoio e, muito menos, me concede
a graça do aplauso (nem eu os procuro!) dos defensores das "Novas Oportunidades”,
das “Provas de acesso ao ensino superior para maiores de 23 anos”” e de outras
medidas quejandas para beneficiar os
cábulas dos diversos grupos etários e, essencialmente, para não traumatizar as pobres e indefesas
criancinhas.
Não! Não há que ter
medo em encarar o ensino como uma coisa séria e não como campo de experiências educativas, muitas vezes, em nome de simples estatísticas
que possam retirar o país do atoleiro de percentagens que nos envergonham no
espaço europeu.
A ex-secretária de
Estado da Educação Ana Benavente, vestal
do altar da missa contra os exames nacionais, no seu artigo “Exames para que te quero (“Público", 20/01/2016), não
encontra melhor argumento para diabolizar os respectivos defensores do que
endereçar um ataque a J. M. Tavares, acusado,
por ela, de dizer, “um chorrilho
de asneiras” (sic). De “pena ao vento”, como diria Eça, Ana Benavente
(com a intenção de tirar o sono a J. M. Tavares?), escreveu: “Deixei de ver o programa [deduzo tratar-se do “Governo Sombra” da TVI] e de o ler [pelo que também deduzo, no
“Público”] e espero não ser a única”.
Para os que, porventura, possam ter a memória curta, relevo um facto que (esse sim!), devia merecer o seu público repúdio. Ou seja, a retirada da exclusividade às universidades pela formação de professores para o ensino do 2.º ciclo do ensino básico das disciplinas de Matemática ou de Ciências da Natureza. Em generosa dádiva, atribuindo, igualmente, essa docência às escolas superiores de educação para o ensino da Matemática e das Ciências da Natureza. Ou seja, a melhoria do ensino passou a estar na razão inversa da exigência formativa dos respectivos professores!
Para os que, porventura, possam ter a memória curta, relevo um facto que (esse sim!), devia merecer o seu público repúdio. Ou seja, a retirada da exclusividade às universidades pela formação de professores para o ensino do 2.º ciclo do ensino básico das disciplinas de Matemática ou de Ciências da Natureza. Em generosa dádiva, atribuindo, igualmente, essa docência às escolas superiores de educação para o ensino da Matemática e das Ciências da Natureza. Ou seja, a melhoria do ensino passou a estar na razão inversa da exigência formativa dos respectivos professores!
Vá lá a gente
entender certas reformas, que se congeminam no cérebro brilhante de quem devia
ser responsabilizado por esta decisão sem ter em conta o legado de Erasmo de
Roterdão: “A principal esperança de uma
Nação reside na educação apropriada da sua juventude”.
Ao defender certos
princípios do passado sei que corro o risco de ser tido como ultra conservador
(ou mesmo bota-de-elástico) por parte de certos progressistas. Mas, neste ponto
de vista, estou bem acompanhado pelo historiador Fernand Braudel: “Tenho medo das pessoas que acham que
podem, da noite para o dia, agarrar a
sociedade, torcer-lhe o pescoço e fazerem uma nova”.
E por mais que um
mundo de bem-aventurança e hedonismo se anuncie para os educandos, através das miríficas mudanças do actual sistema de avaliação, anunciado, urbi et orbi, pelo novo ministro da Educação, defendo que a
formação da nossa juventude não deve
pactuar com um caminho de facilitismo que não prepare os alunos para a cada vez
mais competitiva vida adulta. O próprio
Mao-Tsé-Tung o sentenciou, com esta frase lapidar: “Um mundo demasiado plano não desenvolve os músculos das pernas”.
Em nossos dias, Mario
Perniola (filósofo e professor de Estética da Universidade Tor Verga de Roma) não se exime em escrever, sobre “as
imbecilidades no ensino de toda a ordem e graus”, o seguinte e demolidor texto:
“Os
fautores da tradição, que apelam para os valores, para o classicismo, para o
cânone, são postos de fora por esses funâmbulos, esses equilibristas, esses
acrobatas que também querem ser
eternizados no bronze e no mármore. E quem diz que o não conseguem? Há sempre
uma caterva de ingénuos prontos a escrever a história da última idiotice, a
solenizar as idiotices, a encontrar significados recônditos nas nulidades, a
conceder entrada às imbecilidades no ensino de toda as ordem e graus, pensando,
pensando que fazem obra democrática e progressista, que vão ao encontro dos
jovens e do povo, que realizam a reunião da escola com a vida”.
O ensino em Portugal
tem sido terreno úbere de reformas e
contra reformas que se sucedem em catadupa sem avaliar os seus efeitos num combate sem tréguas contra
os defensores da tradição. Prova-o o facto de cada vez que muda um governo, o governo que
lhe sucede não conseguir fugir ao fascínio de fazer obra nova.
Será porque, como
reconheceu Roland Barthes, haver a erótica do novo e o antigo ser sempre
suspeito? Ou será, recorrendo a Bernard Shaw, por os políticos imaginarem o que
desejam, quererem o que imaginam e, por fim, acreditarem no que querem? Ou será, ainda, na razão de Friedrich Nietzche, que muitos são os
obstinados que se empenham no caminho que escolhem, poucos o que se empenham no
objectivo? Ou será a conjugação de todos estes factores que tem influenciado a decisão
dos sucessivos ocupantes da pasta da
Educação?
Escreveu Mark Twain: “A profecia é algo muito difícil,
especialmente em relação ao futuro”. Aguardo, sem previsões antecipadas, mas
um tanto ou quanto desesperançado, o futuro que nos reserva a actual equipa do
ministério da 5 de Outubro, sob a tutela de Tiago Brandão Rodrigues.
P.S.: Ana Benavente e Valter Lemos
foram secretários de Estado da Educação do Partido Socialista nos
governos, respectivamente, de António Guterres e José Sócrates.
Subscrever:
Mensagens (Atom)
MANIFESTO PARA O ENSINO E APRENDIZAGEM EM TEMPO DE GenAI
Por Maria Helena Damião e Cátia Delgado Assinado por académicos de diversos países do mundo, foi publicado no passado dia 29 de Novembro, ...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...