Escrevo estas
notas na intenção de que a criação de uma Ordem dos Professores deixe de ser desesperadamente
combatida por aqueles que,
decididamente, nela não estão
interessados , por exemplo, Fenprof e
agentes de ensino que se querem imunes a
essa praga “corporativa” com o argumento
in extremis do divisionismo que possa vir a criar.
Coisa curiosa! Uma única ordem ( como impõe a Constituição da
República) que integre todos os professores é tida, pele Fenprof, como divisionista. Contrariamente, docentes pulverizados por grande número de sindicatos que só admitem
ou a inscrição de professores
licenciados por universidades, ou de licenciados por universidades e
politécnicos, ou de toda a gente que dê aulas ,
são tidos, segundo este ponto de vista, espantai-vos leitores!, como unificadores.
Seria conveniente,
para evitar que este statu quo se transformasse num solilóquio, que os
opositores a uma Ordem dos Professores, quer aventassem ou não quaisquer outros
argumentos, fundamentassem publicamente este
estranho paradoxo.
De imediato,
passo a transcrever o meu artigo saído
no “Público” do passado dia 21 deste mês, titulado “Professor, uma profissão
servil?”:
“A
esperança é só a certeza que vem nela quando o não vir nos dói muito” (Vergílio Ferreira).
Numa espécie de intróito, apoiando-me no
testemunho de Lopes Cardoso, antigo bastonário da Ordem dos Advogados, será que
a profissão docente, “exigindo, pelo menos, uma independência técnica e
deontológica incompatível com uma relação laboral de pleno sentido”, deva
estar, unicamente, subordinada a questões sindicais? Descurando, ipso facto,
a sua identificação profissional , por exemplo, com ordens profissionais em que
é sabido que a filosofia e doutrina legislativas que têm presidido às
respectivas criações apontavam estas, inequivocamente, com associações
profissionais públicas que exigiam, como norma de inscrição, uma licenciatura
que se pudesse responsabilizar pela qualidade dos actos profissionais prestados
pelos seus membros, conforme consubstancia, por exemplo, a legislação que deu
corpo à Ordem dos Farmacêuticos (Decreto-Lei n.º 334/72, de 23 de Agosto).
Existem dezassete ordens profissionais,
entre elas, a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas (crismada de Ordem dos
Contabilistas Certificados) com a exigência de inscrição que medeia entre
indivíduos, muitas vezes, sem preparação académica de nível secundário e
licenciados com diplomas politécnicos, por exemplo, contabilidade, ou mesmo
universitários, economia e gestão. Apesar desta proliferação de ordens
profissionais criadas nos últimos tempos, dar-se-á o caso daqueles que exercem
o nobre ofício de ensinar se sentirem bem representados em simples sindicatos que
proliferam como cogumelos em terreno húmido? Ou seja, entre eles uma federação
sindical (Fenprof), uma espécie de governo sombra, que exorbita o seu campo de
acção por discordar da criação de uma Ordem dos Professores quando defende
publicamente que essas funções são por si já exercidas por abuso de direito.
E quando me reporto “ao nobre ofício de
ensinar”, trago à colação a opinião de Pierre Bourdieu (1986): “Só uma política
inspirada pela preocupação de atrair e promover os melhores, esses homens e mulheres
de qualidade, que todos os sistemas de educação sempre celebraram, poderá fazer
do ofício de educar a juventude o que ele deveria ser: o primeiro de todos os
ofícios”.
Assim, não poderão ou deverão os
sindicatos que se julgam omnipotentes desresponsabilizar-se da expiação em
tentar fazer passar a imagem da actual docência como que a modos de uma
profissão de escravo grego ao serviço dos filhos dos senhores de Roma. Quer
isto dizer, o que é simplesmente espantoso, e deveras injusto, que uns tantos
profissionais inscritos em ordens profissionais, médicos, engenheiros,
advogados, enfermeiros, etc., são senhores do seu próprio destino. Outros, os
professores, com o beneplácito sindical, submissos à vontade e arbitrariedades
do Estado no recrutamento de docentes não sancionado pela classe docente em que
o critério é unicamente, no caso dos professores do 2.º ciclo do ensino básico,
a classificação impressa no diploma seja ele obtido nos claustros
universitários ou escolas superiores de educação.
Na União Europeia o comboio do
desenvolvimento social e económico é posto em marcha pela locomotiva da
Educação nele só viajando indivíduos bem preparados. Os outros ficarão na
estação, ou simples apeadeiros, com o diploma da sua ignorância
responsabilizando, mais tarde ou mais cedo, os governos que encararam a sua
formação como um palco de feirantes e os professores como marionetas do reino
da mediocridade.
Para o espanhol Jacinto Benavente
(1912), “fala-se em cultivar terras e fala-se pouco no que mais importa – o cultivo
dos homens, a cultura humana”. Por quanto tempo mais, neste extremo ocidental
da Europa, velho e respeitado continente civilizacional, serão os portugueses
vítimas de um ensino superior que forma, simultaneamente, escassas elites e
produz, à tripa-forra, diplomas para fins meramente estatísticos. Ou, como
escreveu António José Saraiva, “diplomas que dão direito a usar uma palavrinha
antes do nome, embora não obriguem a saber fazer coisa alguma” (“Diário de
Notícias”, 31/08/1979).
Em resumo, a procura da solução da
identidade profissional dos docentes, através da criação da Ordem dos
Professores como interlocutora privilegiada do Ministério da Educação em
questões científicas ou programáticas relativas ao sistema educativo nacional,
a elaboração de um código deontológico, a salvaguarda do título profissional de
professor, etc., não podem ser deixadas para as calendas gregas ao serem
encaradas como questão de somenos importância. Não o é, de forma alguma.
Colhendo exemplo em profissões,
representadas por ordens profissionais, trata-se de uma injustificável excepção
que me traz à memória a história daquela mãe que ao assistir a uma parada
militar, orgulhosa do seu rebento, diz em voz alta: “Todos levam o passo
trocado, só o meu filho leva o passo certo!” Ou seja, serão os professores os
únicos que levam o passo certo?
1 comentário:
Não, os professores nem sequer acertam o passo. O meu perdeu a linha, a compostura, a coluna, a marcha, o diafragma que sustenta a bota e a voz. O traçado tornou-se incerto e esbatido e o asfalto consumiu o branco da tinta que já quase não se vê, da minha altura. Faz-se tarde e o tempo apequenou a mão e o estrado. Não há sequer batuta nem mestria no ritmo da cadência que deixou de ser ritmo e desceu à fímbria caótica da saia que há muito me atrapalha o passo e o sentido do caminho. Passei a estar no contorno da criança que abre os braços em cima do muro aguçado para se ajudar a manter no vazio do equilíbrio.
E, há depois, esta estupidez latente, densa e transversal, que assola o espaço da passada e atavia os pés com linhas sem esquadria.
F.C.
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