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domingo, 4 de dezembro de 2016

É muito importante tornar a humanidade mais humana

“Não temos consciência de que a literatura e os saberes humanísticos,
a cultura e o ensino constituem o líquido amniótico ideal no qual as ideias
de democracia, liberdade, justiça, laicidade, igualdade, direito à crítica, 
tolerância e solidariedade podem experimentar um vigoroso desenvolvimento”. 

A frase acima reproduzida é de Nuccio Ordine, professor italino de literatura, que recentemente publicou um livro - A inutilidade do inútil - que deveria se lido por todos os que têm responsabilidade no currículo escolar, desde decisores políticos, até aos professores e directores, passando pelos pais e encarregados da educação. O leitor perceberá porquê se vir o pequeno vídeo que se segue:


quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Filosofia na rua

Ignacio Pajón (Imagem retirada daqui)
Em Espanha, à semelhança do que acontece em Portugal, a mais recente reforma curricular, derivada da famosa LOMCE (Ley para la Mejora de la Calidad Educativa), retira paulatina nas certeiramente protagonismo às ditas humanidades, com destaque para a Filosofia.

Têm-se sucedido manifestações na comunicação social e na rua. Professores e alunos reúnem-se nas praças, sobretudo de Madrid, com o intento de sensibilizar a população e o poder político para o erro, cada vez mais agravado, que se está a cometer.

Em termos muito simples mas muito preocupantes (ver aqui)...

... nas palavras de Ignacio Pajón professor de Filosofia Antiga da Universidade Complutense de Madrid:
"Esto significa que habrá alumnos que finalicen la educación secundaria obligatoria sin haber conocido la influencia de Descartes en las sociedades actuales o el pensamiento de Karl Marx (...). La filosofía está siendo objeto de una campaña que declara su supuesta inutilidad (...). Para un Gobierno es problemático que los ciudadanos sean críticos (...) El objetivo es que quien acabe Bachillerato sea capaz de hacer cosas, pero sin preguntarse qué hace o por qué lo hace, es decir, crear trabajadores acríticos y dejar vía libre a la explotación". 
ou nas palavras de Ángel Vallejo, membro da Rede Espanhola de Filosofia
"El Gobierno quiere centrarse en lo que miden estas pruebas y se olvida de todo lo demás, su intención es quedar bien en PISA".
Sobre este assunto, que nos toca a todos, vale a pena ler o artigo que se encontra aqui.

sábado, 28 de novembro de 2015

Para sobreviverem, as humanidades...

"Num mundo visivelmente acelerado, as humanidades são mais 
necessárias que nunca. Existe, sem dúvida um vazio que afecta
os processos formativos e diversas dimensões de reflexão."
Josep Ramoneda
(Director da Escola Europeia de Humanidades)

Imagem publicada aqui.
Foi recentemente inaugurada em
Barcelona a Escola Europeia de Humanidades, projecto idealizado por três amigos de longa data, com formação académica diversa.

A sua preocupação é recuperar a tradição humanista europeia de pensamento.

Um dos seus objectivos é colmatar a lacuna das universidades nesta matéria: "nas faculdades espanholas uma pessoa pode licenciar-se em Económicas sem ter aprendido nada de história das ideais económicas, ou cursar filologia catalã ou espanhola sem estudado Shakespeare, Goethe ou Voltaire. Vamos oferecer isso mesmo", disse um deles. Outro dos objectivo é envolver o grande público: "aproximar as humanidades de todo e qualquer cidadão inquieto",

Entre os nomes que aderiram ao projecto constam os de Victoria Camps e de Adela Cortina, que tenho em grande conta. Fazem-me crer que se trata de um projecto que cumprirá aquilo a que se propõe.

Sendo as múltiplas actividades gratuitas, de onde provém o financiamento? Do Estado, a quem, em primeira instância, caberia a função educativa em causa, a ter lugar sobretudo na escola? Não. É a Fundação Bancária "la Caixa" que assegurará as condições de funcionamento.

Chegámos a esta situação na Europa: tudo o que não se vê economicamente como rentável, para existir tem de ser assumido por entidades economicamente rentáveis.

Sobre este assunto ver notícias aquiaqui, aqui.

A queda das ciências sociais e das humanidades

"E se em Lisboa não houver ciências sociais e humanidades?"

Quem diz, Lisboa, diz outra qualquer zona do país, acrescento.

Pode ser lido aqui um texto de opinião da autoria de João Costa e de Maria Fernanda Rollo, saído anteontem no Público, que traduz aquilo que todos devemos assumir como uma grande preocupação: o afastamento das ciências sociais e das humanidades da investigação e do ensino.

sábado, 28 de janeiro de 2012

“Se este costume dura”

Quando se fala em "valor do conhecimento" estamos, provavelmente, a referir-nos a dois tipos de valor: o valor intrínseco, que é o valor que lhe atribuímos sem pensar na utilidade que possa ter; e o valor instrumental, que é o valor que damos à sua utilidade..
.
Se lemos, por exemplo, Camõespodemos fazê-lo pelo prazer de o ler, para fruir a estética dos seus sonetos, para nos determos na estranheza e beleza duma expressão que criou ou duma palavra posta aqui ou ali. Mas também podemos ler o poeta para compreendermos os acontecimentos históricos em que se detém, para aumentarmos o vocabulário, para melhorarmos a qualidade da escrita.

Como se perceberá, valor intrínseco e valor instrumental do conhecimento, seja ele qual for, não são, de modo algum, antagónicos, antes se complementam. Podemos focar a atenção num deles, mas o outro está subjacente.

Escusado será dizer que, em termos didácticos, é possível e desejável conciliá-los, e desde os primeiros passos de escolaridade.

Porém, nas décadas mais recentes, não tem sido essa a opção curricular em diversos sistemas educativos. De modo mais ou menos acentuado, têm eleito, para constar em programas e manuais escolares, o "conhecimento" que emerge e circula no quotidiano, sendo, nessa medida, facilmente descartável, mas que se apresenta como a solução para preparar as novas gerações para a vida real, concreta, para adquirirem competências práticas.

Não está aqui em causa o valor intrínseco nem instrumental do conhecimento, tal como acima se apresentou. O que aqui está em causa é uma lógica utilitarista e imediatista de informação avulsa, que reclama legitimidade na criação de cidadãos participativos que resolvam os mais diversos e complexos problemas.

Poderá ser assim?

Entendemos que não: a quantidade e superficialidade dessa informação desmerece o conhecimento e afasta-o. Fica a fluidez de um saber que não o é e do vazio do saber que não se usufruiu, como se o objectivo fosse treinar crianças e jovens para se tornarem cidadãos amorfos, seres não pensantes.

Sistemas educativos onde se proclama que tudo tem a mesma relevância e dignidade para constar no currículo, que, em última instância, tudo se equivale, devendo, nessa medida, optar-se por aquilo que é apenas e só da ordem do funcional, ainda que coadjuvados por teorias pedagógicas, põem em risco o conhecimento que a civilização tem construído, bem como a inteligência individual.

Esta estratégia que se apresenta como igualitária e progressista é, bem vistas as coisas, uma forma elitista e, até, deselegante de impedir que aqueles que se encontram menos protegidos sob o ponto de vista cultural acedam ao conhecimento e compreendam o seu valor intrínseco e instrumental. 

Se a escola não preencher o vazio de conhecimento, manter-se-ão as elites estabelecidas, tal e qual, a transmitirem aos seus descendentes o que lhes permite manter estatutos privilegiados, evitando que se igualem desiguais. Nas palavras de Luís de Camões, “se este costume dura” ficarão alguns, muitos, “tão ásperos (…) tão rudes e de ingenho tão remisso” que nem consciência terão do que perderam ou, melhor, lhe foi negado.

O ensino, ao afastar o conhecimento e do duplo valor que ele tem, vicia os alunos no facilitismo, cultiva a preguiça e a ignorância, legitima a mediocridade, formata professores, transforma a escola numa entidade cumpridora de ordens, metas estatísticas e objectivos económicos.

Helena Damião e Ana Grave

terça-feira, 4 de outubro de 2011

SALVAMENTO NO EVEREST

Este vídeo, que documenta uma passagem difícil numa operação de salvamento no Everest em 2003, mostra bem a importância do conhecimento e da técnica.

Para além, é claro, da enorme coragem da equipa de resgate.



Para quem tenha dúvidas acerca da razão pela qual os corpos sem vida nunca são retirados do Everest, esta é a resposta.

Esta operação foi realizada "apenas" a 5900 metros de altitude, onde quem está muito bem aclimatado (fez um treino adequado em altitude e deu tempo suficiente para que o seu corpo produzisse mais moléculas de hemoglobina para transportar oxigénio) consegue respirar relativamente bem. Mais próximo do cume (8843 m) as regras são outras e tudo é ainda mais difícil.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O valor do conhecimento.

Mais um extraordinário contributo do Carlos Oliveira, do blog AstroPT, para a compreensão, apreensão e valorização do conhecimento, em particular o conhecimento científico. Além disso, fornece uma reflexão interessante sobre o valor monetário do acto de divulgar Ciência. Está escrito em forma de desabafo, mas a minha cumplicidade com a emoção e razão do Carlos é total.

(...) a marca “ciência” deveria ter um valor enorme. No entanto, o que se passa é o contrário. A marca “ciência” e a marca “conhecimento”, nada valem para as pessoas. Quem se aproveita desta mentalidade de “qualidade paga-se” são os "pseudos" e os os auto-denominados "famosos".

terça-feira, 25 de maio de 2010

Os ladrões genéticos

Há não muito tempo atrás houve uma corrida para sequenciar o genoma humano. Tal como a maioria das corridas foi desigual. De um lado um consórcio público internacional essencialmente britânico e norte-americano, mas que envolveu universidades e grupos de investigação do Japão, França, Alemanha, China, Índia, Canadá e Nova Zelândia. Este consórcio público, chamado Human Genome Project, foi inicialmente liderado por James Watson (o da estrutura do ADN em 1953) e começou a trabalhar a partir de 1990 para ler os três mil milhões de pares de bases contidos em 23 cromossomas. Na pista do lado, e partindo atrasada (apenas começou em 1998) uma empresa privada americana chamada Celera Genomics, liderada por um investigador e empreendedor chamado Craig Venter. Para a história fica que chegaram ao mesmo tempo à meta, com a publicação simultânea em 2000 de ambas as sequências rascunho nas revistas Science e Nature. O consórcio público fica muito mal nesta história da lebre e da tartaruga. Mas essa é uma história mal contada.

O consórcio público começou por desenvolver as metodologias para sequenciar o genoma humano num tempo útil e não ao longo de várias gerações. Essa tecnologia não existia em 1990: não se sabia bem como pegar num ADN tão grande e parti-lo em bocados complementares mas com pequenas sobreposições sem perder nada (pois não é possível sequenciar mais de 1000 bases de cada vez e lembremos que estamos a falar de um total de 3 000 0000 000 de bases), não existiam os programas de computador suficientemente fiáveis para ler as sobreposições de sequências de vários fragmentos e ordená-las de forma correcta e os aparelhos de sequenciação eram bem mais limitados. Foi preciso construir livrarias genéticas, ou seja porções de ADN que se sabe muito bem a que sítio do genoma é que pertencem. Para desenvolver estes métodos o consórcio público avançou em paralelo com a sequenciação de genomas mais pequenos, como o da mosca do vinagre. E isto permitiu desenvolver processos fiáveis e robustos que permitiram sequenciar a totalidade do genoma humano com um grande rigor.

A Celera Genomics entrou na corrida com um outro método, chamado Shotgun sequencing, ou método da caçadeira, que basicamente consiste em partir o ADN em bocados aleatórios, sequenciar o que se encontra e depois tentar a partir de sobreposições dos vários bocados identificar quais são contíguos e reconstruir a sequencia completa original usando programas de computador. Isto resulta bem para genomas pequenos, mas para o genoma humano não resulta tão bem: a Celera Genomics completou o genoma de Craig Venter (coisa pouco narcisista e egocêntrica, o genoma do consórcio público é de múltiplos dadores) usando a sequência do consórcio público para preencher os bocados que lhe faltavam.

A Celera Genomics também entrou na corrida com outras motivações: pretendia efectivamente patentear genes e condicionar o acesso à sequência. Acesso parcial gratuito a grupos de investigação sem fins lucrativos, mas o genoma completo seria a pagar ou mediante requisões e acordos de confidêncialidade. Numa outra fase queria "dar um avanço" de seis meses no conhecimento da sequência aos clientes pagantes, sobre o resto da comunidade científica. Claro que tudo isto é eticamente inaceitável. Patenteiam-se invenções, não o conhecimento. Há quem ache que a sequência do ADN humano é uma invenção divina, mas certamente não é uma invenção de Craig Venter.

Hoje a sequência do ADN humano é de livre acesso muito graças ao esforço do consórcio público que divulgava os resultados da sequenciação no final de cada dia, à medida que os ia obtendo, fazendo cair a sequência no domínio público.

Mas, para os media e generalidade do público, a história que ficou foi a de que a Celera Genomics fez em dois anos o mesmo que o consórcio público fez em dez, e que talvez tenha havido um desperdício de fundos públicos numa estrutura ineficiente quando comparada com a agilidade de uma única empresa privada.

Mas Craig Venter não desistiu de roubar património genético, usando as chamadas leis de propriedade intelectual. Nos anos seguintes, entre outras coisas perscrutou o fundo dos mares à procura de organismos desconhecidos com alguma utilidade para patentear. E agora surge com o progresso notável da vida artificial. E é verdadeiramente notável, reconheçamos: introduziu um material genético completamente sintético dentro de uma bactéria, que começou a expressá-lo e se transformou nessa outra bactéria sintética. Fazendo uma especulação de ficção científica, e tendo em conta a sequenciação recente do genoma do Neandertal, conceptualmente poderíamos pensar num Neandertal sintético a andar entre nós. Claro que há obstáculos técnicos grandes (as bactérias são seres unicelulares sem um compartimento para o material genético e têm um único cromossoma) e gritantes questões éticas, naturalmente.

Os media mais uma vez bateram palmas aos sucessos de Craig Venter. E este mais uma vez submeteu uma montanha de patentes. O que é bastante perigoso, porque o ADN sintético pode ter sido feito em laboratório, mas usando a sequência de uma série de genes que não foram inventados pelo Craig Venter e que existem em organismos naturais.

Há a ideia de que as patentes servem para proteger os inventores e criadores. Não servem. Servem para que as invenções inovadoras apenas possam ser exploradas por quem tenha um exército planetário de advogados para travar batalhas legais nos tribunais de todo o mundo. Por isso o mercado farmacêutico mundial está na mão de meia dúzia de empresas. Também há a ideia de que esta protecção das patentes estimula a inovação: isso é mais um mito ou uma convicção subjectiva do que um facto demonstrável. Há alternativas e limites às patentes.

E mesmo considerando as patentes como necessárias, o conhecimento não se protege, partilha-se (claro que há excepções bem conhecidas, nomeadamente no campo militar). Mas uma coisa é conhecimento fundamental, outra é uma aplicação tecnológica para produzir um bem ou serviço.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Ciência, sexo e dinheiro


A propósito da vida dupla da doutora Magnanti, noticia recente acerca de uma cientista que terminou o doutoramento em Londres trabalhando como call-girl em part-time, algumas reflexões sobre ciência, sexo e dinheiro. Há pelo menos um exemplo nacional conhecido, a Leonor Sousa, a nossa bióloga stripper (na fotografia em cima), embora com as devidas diferenças.

Na realidade os cientistas, especialmente os jovens, andam à rasca de dinheiro. Um excelente artigo publicado na PLoS sobre como o sistema de financiamento da ciência e dos cientistas transforma os jovens investigadores em burocratas, até ao ponto em que arranjar dinheiro é a sua principal ocupação ficando para trás... a ciência! Desinvestimento esse, que a médio prazo acaba por traí-los num contexto de investigação ultra-competitivo:

“What a strange business this is: We stay in school forever. We have to battle the system with only a one in eight or one in ten chance of getting funded. We give up making a living until our forties. And we do it because we want to help the world. What kind of crazy person would go for that?”—Nancy Andrews, Vice Chancellor for Academic Affairs and Dean of the Duke University School of Medicine
Texto completo aqui.
E a opinião de António Câmara, CEO da Ydreams, acerca da situação dos bolseiros de investigação científica em Portugal e da importância dos bolseiros do Grupo de Análise de Sistemas Ambientais (GASA) da Universidade Nova de Lisboa como geradores do conhecimento que deram origem à Ydreams e a outras empresas:

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Os 20 anos da "Robótica"

A revista "Robótica" é uma das mais antigas revistas técnico-científicas portuguesas, que eu tenho o gosto e orgulho de servir, como director, desde 1998-99. Faz agora 20 anos de vida. A sessão de comemoração do vigésimo aniversário decorre no dia 13 de Novembro de 2009 em Coimbra (Pavilhão Centro de Portugal).

Convite: http://www.robotica.pt/mesa_redonda_20anos.html

O novo site da revista é: http://www.robotica.pt
A versão electrónica da revista está online no mesmo sítio.

:-)

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

«O homem pensa»

Do livro de Daniel Barenboim - Está tudo ligado: o poder da música -, recentemente editado em Portugal, reproduzo um excerto onde, com base em Espinosa, filósofo a que o De Rerum Natura tem dado atenção (ver, por exemplo, aqui, aqui e aqui), se explica, de modo muito claro, o significado da "liberdade de pensamento", bem como a sua importância no tempo presente, nas mais variadas circunstâncias da nossa vida.

"Li Espinosa pela primeira vez quando tinha treze anos. É claro que, na escola, estudávamos a Bíblia – que para mim é a obra filosófica suprema. Todavia, a leitura de Espinosa abriu-me uma nova dimensão, e é essa a razão da minha continuada dedicação às suas obras. Um simples princípio de Espinosa, «O homem pensa», tornou-se para mim um quadro de referência existencial; o meu exemplar da sua Ética já está coçado e com os cantos dobrados. Durante anos levei-o comigo nas minhas viagens, e nos quartos de hotel ou nos intervalos dos concertos deixava-me absorver por muitos dos seus princípios. Ler a Ética de Espinosa é o melhor exercício intelectual que se pode fazer, acima de tudo porque Espinosa ensina, de forma mais completa que qualquer outro filósofo, a liberdade radical de pensamento.

Esta acepção de liberdade de Espinosa não é uma rejeição da disciplina em favor da arbitrariedade de pensamento, mas sim um processo activo. Quanto mais capazes de determinar os nossos próprios pensamentos – aliás, de causar os nossos próprios pensamentos, criando assim a nossa própria experiência da realidade – mais possível é atingir a autodeterminação, a verdadeira liberdade.

Na moderna civilização ocidental é muito fácil a uma pessoa julgar-se livre, com tantas opções de escolha que tem – a escolha de onde viver, o que ler, o que quer ver na televisão ou na Internet – quando na verdade este tipo de realidade pressupõe uma consciência aguda dos nossos apetites. Sem ela somos meros escravos desses apetites e não temos o poder de moldar as nossas próprias ideias e acções.

Esta consciência tornou-se para mim uma espécie de auto-análise pré-freudiana; Espinosa ajuda-me a ver-me, e àquilo que me rodeia, com objectividade. É isto que pode tornar a vida suportável, mesmo em situações de sofrimento; os ensinamentos que encontramos na Ética ajudam-nos a ver o mundo como um lugar governável

O próprio Freud escreveu um dia numa carta a Bickel: «Reconheço que devo muito aos ensinamentos de Espinosa.» Em contrapartida, Espinosa admite, prefigurando a análise freudiana, que não podemos controlar completamente as nossas emoções (proposição 7.ª da 4.ª parte), escreve: «Uma emoção não pode ser reprimida nem removida senão por uma outra emoção contrária àquela que se quer reprimir, e mis forte do que ela.» Portanto, não basta compreender intelectualmente que o ciúme, por exemplo tem um efeito negativo sobre o organismo; tem de ser contrariado por uma emoção igualmente forte – talvez a generosidade ou o amor. Todavia, a faculdade de criar um equilíbrio emocional está dependente da consciência intelectual do problema. Desta forma Espinosa exige a integração de todos os aspectos humanos para se chegar à verdadeira felicidade.

Também na música o intelecto e a emoção caminham de mãos dadas, tanto para o compositor como para o executante. As percepções racional e emocional não só não estão em conflito uma com a outra como, pelo contrário, cada uma guia a outra com vista a alcançar um equilíbrio e compreensão em que o intelecto determina a validade da reacção intuitiva e o elemento emocional fornece ao racional a dimensão de sentimento que confere humanidade ao todo. Há músicos que se deixam cair na convicção supersticiosa de que uma análise demasiado profunda da peça musical destruirá neles a qualidade intuitiva e a liberdade de execução, confundindo conhecimento com rigidez e esquecendo que a compreensão racional não só é possível mas absolutamente necessária para que a imaginação tenha pulso livre.

O grande Votaire acusou um dia Espinosa de «abusar da metafísica». Hoje em dia, porém, o carácter irredutível da metafísica é mais importante do que nunca. Pensar de forma metafísica significa, epistemologicamente, ir para além do físico, do tangível e do literal para compreender a essência de uma coisa e a sua relação com todas as outras coisas, quer se trate de uma pessoa, de um governo, de uma voz numa fuga de Bach ou de um facto da história. De facto, o pensamento libertado tornou-se uma das nossas liberdades mais preciosas, numa época em que os sistemas políticos, os condicionamentos sociais, os códigos morais e o politicamente correcto controlam frequentemente o nosso pensamento.”

Rerência bibliográfica completa:
- Barenboim, D. (2009). Está tudo ligado: o poder da música. Lisboa: Bizâncio, páginas 51-53.

domingo, 17 de maio de 2009

A decadência das virtudes

Texto de João Boavida, antes publicado no jornal As Beiras, e que deve ser lido na sequência de um outro: Crise moral e sociedade débil.

"A natureza não nos oferece a virtude: ser bom é uma arte."
Séneca

A moral tem vindo a subjectivar-se, isto é, a ficar na dependência dos sentimentos individuais, da vontade de cada um e, portanto, a perder muito da sua componente social e colectiva.

Um forte sintoma disso é a decadência das virtudes. A própria palavra virtude perdeu qualidade, deixou de ser respeitada, ou, digamos, de se dar ao respeito. Talvez as duas coisas. Quase já não se usa, a não ser para lhe acentuarmos o ridículo ou a falsidade. Interpretações que lhes foram sendo dadas para denunciar e pôr a ridículo os que se faziam de virtuosos para enganar os outros. A nossa literatura, desde Gil Vicente, está cheia desta gentinha virtuosa mas sem moral. A muita virtude de certas pessoas, em Eça de Queirós, por exemplo, é sinónimo certo de beatice, ou obtusa, ou sonsa, às vezes pérfida. Ou seja, falsa e exterior, não compreendendo o valor do que diz, nem fazendo o que diz fazer.

Numa sociedade espiritualmente punitiva e temerosa, e socialmente encostada à subserviência e à dependência, a hipocrisia é a atitude que alimenta virtudes. Que, por isso, são geralmente falsas. São o modo dos devassos e corruptos serem aceites, sem o merecerem, ou de usufruírem da liberdade de manobra para as suas vilanias. Mas sem precisarem do sacrifício e da coragem que a qualidade moral exige, e podendo, assim, fugir às merecidas punições. Felizmente tivemos um Eça que mostrou a miséria de que é feita esta gente.

Porém, se muita desta fauna queiroziana, sobretudo na política, se mantém actual, noutros aspectos já não. Ridicularizar as virtudes, sobretudo espirituais, com a laicização generalizada que se operou na sociedade portuguesa, em muitos aspectos positiva, é hoje um tiro sem alvo pois não corresponde já à mentalidade dominante.

Penso que podemos dizer que a real decadência das virtudes e do próprio conceito, que pode entender-se como consequência do esboroamento das morais autonómicas, na linha kanteana, e da fragmentação ética da pós-modernidade, está a revelar-se muito perigosa pela alegre e despreocupada entrega de cada um a si mesmo.

É pois necessário revalorizar as virtudes enquanto qualidades, sem destruir o contributo de Kant, que nos emancipou. Precisamos de recuperar do desvio semântico que a palavra virtude sofreu. A terapêutica queiroziana foi eficaz, mas agora convinha-nos voltar ao sentido original da palavra virtude.

Virtude vem do latim virtus, que significa força interior, energia. A evolução do sentido para o domínio moral revela muita da dimensão social – e pessoal – dos comportamentos e das atitudes, e também a infinidade de aspectos que a força interior contém. Ou seja, não uma moral onde cada um decide o que é bem e mal, ou o que deve fazer, mas sim o que é entendido pela maioria, como sendo o bem e o mal. E, portanto, o que deve fazer nas situações a partir de quadros de dever e de qualidade na acção.

Mas, se as virtudes, como qualidades objectivas, são referências claras que orientam a acção e a educação, não deixam de ter um grande potencial de aperfeiçoamento subjectivo. E de poderem ser postas ao serviço de uma moral autonomizadora.

Precisam as virtudes de ser sentidas como qualidades, para merecer o nosso respeito e sacrifício, mas é para isso que funciona a educação, que nos faz ver o valor intrínseco delas e a necessidade pessoal e social de as seguir. Se conseguirmos compreender e sentir o valor e a necessidade, pessoal e social, de palavras como prudência, temperança, coragem, fidelidade, justiça, generosidade, humildade, simplicidade, gratidão, boa-fé, compaixão, etc., e se começarmos a educar - e a ser educados - nestas qualidades, solucionaremos imensos problemas.

Imagem: Fresco de Giotto di Bondone (1267-1337). Alegorias das virtudes e dos vícios (Cappella degli Scrovegni, Pádua).

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Crise moral e sociedade débil

Um texto de João Boavida, antes publicado no jornal As Beiras, sobre a necessidade de se (voltar a) encarar a educação/ensino da moral, tal como se encara a educação/ensino de outras áreas de saber.

“Duas coisas inspiram à mente uma admiração e um temor tanto maiores quanto mais vezes e mais detidamente reflectimos sobre elas: o céu estrelado por cima de nós e a lei moral dentro de nós”.
Immanuel Kant (1724-1804).
.
Já foi dito, mas não é de mais repetir: a crise actual, mais do que económica e financeira, é moral. Pode falar-se de crise moral em muitos sentidos, mas há um que em geral não reconhecemos hoje como um perigo. Mas é. Refiro-me à tendência para um excessivo subjectivismo moral. Ou seja, a ideia hoje dominante de que as questões morais são exclusivamente subjectivas e pessoais. O que conta é o que cada um sente em relação a situações e problemas, e as boas atitudes são as que cada um entende como tal. E como também muitos consideram que os valores dependem da aceitação ou rejeição individual, cada um acha-se com direito a ter os seus, ou até a não ter nenhuns. São assim, consideradas, como legítimas, quase todas as atitudes, desde que, com justificações pessoais, as achemos correctas.

Esta tendência é uma evolução dos filósofos iluministas do século XVIII, sobretudo Kant, que promoveram a autonomia dos cidadãos relativamente às tradicionais tutelas de natureza religiosa e política. Fizeram-no em nome da Razão, e na suposição de que todos os homens tinham uma capacidade racional que era suficiente para captar, no seu intelecto, a lei moral. A razão era capaz de descobrir, em cada um, a lei e a norma. E como a Razão era universal e idêntica em todos, os seres humanos tinham, através da Razão, acesso a essa lei. E a que obedeceriam pela vontade de serem justos e não pelo medo do Inferno ou a esperança do Paraíso. Foi um movimento ideológico e filosófico da maior importância, que tornou o mundo anterior incompreensível para os novos, e o posterior irreconhecível pelos os velhos. Mas originou um enorme progresso humanístico e científico, porque proporcionou, a cada indivíduo, com o estatuto de pessoa moral autónoma, o direito de decidir pela sua consciência, podendo assim ser pessoalmente responsabilizado. As consequências, a nível jurídico, foram também enormes.

Esta evolução, condição da vida moral autónoma, caiu, porém, numa subjectividade e individualização que desvalorizou a dimensão cultural e social da moral. A qual determinou, durante milénios, leis e normas e, portanto, a avaliação dos comportamentos individuais. O nosso tempo tem vindo a desprezar esta dimensão da vida moral e a referida mentalidade já ataca o domínio penal e jurídico.

Mas desprezá-la tem graves consequências. As comunidades são, e sempre foram, condição para uma vida sociável e sustentável do ser humano. E o facto de ter havido nelas, sempre, normas a respeitar, devia levar-nos a pensar que é uma dimensão não desprezível, porque é a condição do funcionamento social e, em última análise, da nossa própria vida. O facto de muitas vezes serem injustas não altera a sua indispensabilidade.

Por razões de dialéctica sociocultural e psicológica, o nosso tempo abomina a educação como socialização, as morais de base social e a regras que os costumes nos impõem. É compreensível que estejamos ainda na fase de reagir a este domínio, porque durou milénios e foi quase sempre excessivo. Mas a dimensão social nos comportamentos, e estes em função das normas sociais, não pode suspender-se nem desaparecer. Pode e deve melhorar-se para mais justiça e igualdade, mas nunca desprezar-se, porque não podemos viver sem ela.

Face à desvalorização que se sente nas conversas e nas atitudes, e à crise mundial que é o resultado da individualismo levado ao extremo, e do desprezo pelo comum, e pelo comunitário como valor; face à moleza das leis sociais e das sanções, consequência já dessa mentalidade, é necessário revalorizar a dimensão social das normas morais. Mesmo que não seja por ora um discurso politicamente correcto, é bom começar a pensar nisso.
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João Boavida

domingo, 20 de julho de 2008

"Não há educação se não há verdade a transmitir"


Vale a pena ler

Título: O valor de educar
Autor: Fernando Savater
Edições: Presença (1997); Dom Quixote (2006)


Fernando Savater é um filósofo espanhol cujo nome passou há muito às fronteiras do país onde nasceu e vive. A sua carreira de professor catedrático e investigador na área da Ética, bem como a sua atitude interventiva em questões sociais e políticas justificam-no.
Além de se dedicar à escrita académica, é autor de inúmeros artigos publicados em jornais e revistas várias e de livros de divulgação. Entre os assuntos a que tem dedicado mais atenção encontra-se a educação.

Uma das obras mais consistentes que produziu nesta área tem por título O valor de educar, foi publicada entre nós há mais de uma década e republicada há dois anos. Com a clareza e objectividade necessárias ao entendimento de um público alargado, Savater investe numa reflexão corajosa sobre temas fundamentais que, na actualidade, opõem os teóricos e dividem as opiniões das pessoas comuns.

Dessa obra, seleccionei uma passagem que, apesar de não traduzir um problema educativo novo, traduz um problema educativo em aberto: o problema da verdade e do seu valor, que é, afinal, a base de todo o ensino e de toda a aprendizagem.

"Não há educação se não há verdade a transmitir, se tudo é mais ou menos verdade, se cada um tem a sua verdade, igualmente respeitável, e se não se pode decidir racionalmente entre tanta diversidade. Nada pode ser ensinado se nem sequer o professor acredita na verdade que ensina e no quanto é importante saber verdadeiramente. O pensamento moderno, com Nietzsche à cabeça, sublinhou com razão a parte de construção social que há nas verdades que assumimos e a sua vinculação à perspectiva ditada pelos diversos interesses sociais em conflito.

A metodologia científica e, inclusive, a simples prudência indicam que as verdades não são absolutas ainda que assim nos pareçam. São frágeis, passíveis de serem revistas, sujeitas a controvérsia e por fim perecíveis, mas nem por isso deixam de ser verdades, isto é, mais sólidas, mais justificadas e mais úteis que outras crenças que se lhes opõem. São também mais dignas de serem estudas, ainda que o mestre que as explica não deva ocultar a possível dúvida crítica que as acompanha (qualquer mestre recorda as verdades que aprendeu e que não o serão mais para os seus alunos).

A verdade esvoaça por entre as dúvidas como a pomba de Kant voa no ar que lhe oferece resistência mas que, ao mesmo tempo, a sustenta. Falando de voar, Richard Dawkins dá o exemplo da aviação como prova intuitiva de que nem todas as verdades são aceites como simples convenções culturais do momento; se não concedêssemos aos seus princípios mais veracidade que a que costumamos atribuir aos discursos dos políticos ou às prédicas dos curas, nenhum de nós subiria jamais a um avião. A busca racional da verdade, melhor dizendo, das verdades sempre fragmentárias (…), tropeça na prática pedagógica com dois grandes obstáculos inter-relacionados, a sacralização das opiniões e a capacidade de abstracção.

Em vez de serem consideradas propostas imprecisas, limitadas pela insuficiência de conhecimentos ou pela aceleração, as opiniões convertem-se em expressão irrebatível da personalidade do sujeito («esta é a minha opinião», «essa é a sua opinião») como se o relevante delas fosse a quem pertencem, e não o que as fundamenta. A velha e deselegante frase que os tipos duros de algumas películas americana, costumam dizer — «as opiniões são como os cus, cada um tem o seu» — ganha força, porque nem sobre as opiniões nem sobre os traseiros, pelos vistos, é possível existir qualquer discussão e ninguém pode desprender‑se de umas ou do outro, ainda que o queira.

A isso, junta‑se uma obrigação beatífica de «respeitar as opiniões alheias», que, se na verdade se pusesse em prática, paralisaria todo e qualquer desenvolvimento intelectual ou social da humanidade.

Para não falar do «direito a ter a sua própria opinião» que não é o direito de pensar por si mesmo e submeter a uma confrontação racional o pensado, mas sim o de manter a própria crença, sem que ninguém interfira com incómodas objecções.

Este subjectivismo irracional convence mais rapidamente as crianças e os adolescentes, que se habituam a supor que todas as opiniões — isto é, não só a do mestre que sabe do que está a falar como também a deles que parte da ignorância — valem o mesmo e que não dar o braço a torcer é sinal de personalidade autónoma e que tentar convencer o outro do seu erro, com argumentos e informação adequada, é exemplo de tirania.

A tendência para converter as opiniões em parte simbólica do nosso organismo e para considerar tudo quanto as desmente como uma agressão física («feriu as minhas convicções») não constitui uma dificuldade apenas para a educação humanista como também para a convivência democrática. Viver numa sociedade plural impõe assumir que o que é verdadeiramente importante são as pessoas, não as suas opiniões, e que estas devem ser escutadas e discutidas e que não nos devemos limitar a vê‑las passar, sem as tocar, como se fossem vacas sagradas. O que o mestre deve fomentar nos seus alunos é a disposição para conseguirem estabelecer a não irrevogabilidade do que escolheram para pensar (a «voz da sua espontaneidade», a sua «autoexpressão», etc.) e sim, a capacidade de participar frutuosamente numa controvérsia razoável, ainda que isso «fira» os dogmas pessoais ou familiares de alguns dos seus alunos. É aqui que reside a alarmante falta de hábito de abstracção dos neófitos, cuja ausência também os professores de matérias essencialmente teóricas lamentam com amargura, mais tarde, nos estudantes universitários. Consiste numa dificuldade quase incurável para deduzir a partir de premissas, para conseguirem desligar‑se do imediato ou do anedótico, para não procurar, por detrás de cada argumento, a má vontade ou o interesse mesquinho do argumentador mas sim verem a debilidade do argumentado (…).

Aprender a discutir, a refutar e a justificar o que se pensa é o que constitui a parte irrenunciável de qualquer educação que aspire ao título de «humanista». Para isso, não é suficiente saber expressar‑se com clareza e precisão (ainda que seja primordial, tanto na escrita como oralmente) e submeter-se às mesmas exigências de inteligibilidade que se pedem aos outros, mas deve também ser desenvolvida a faculdade de escutar o que se propõe na construção discursiva. Não se trata de patentear uma comunidade de autistas, zelosamente enclausurados nas suas «respeitáveis» opiniões próprias, mas sim de propiciar a disposição para participar lealmente em colóquios razoáveis e em procurar, em comum, uma verdade que não tenha senhor e que procure não fazer escravos. É indubitável que tal disposição deve encontrar o seu primeiro exemplo na atitude do próprio mestre, seguro do que sabe, mas disposto a debatê‑lo e, inclusive, a modificá‑lo no decurso de cada aula com a ajuda dos seus alunos.

Deve ser uma das principais tarefas fomentar o espírito crítico sem fazer concessões ao simples afã de levar a melhor (tão característico e estimulantemente lúdico na idade adolescente). Também é saudável que o professor não se antecipe aos adolescentes no zelo subversivo, ensinando-os a refutar coisas que ainda não mostrou sob o seu aspecto positivo, por exemplo (…) expor as doutrinas filosóficas a partir dos seus erros.

Há professores tão inconformistas que não se conformam com ser apenas professores e querem também ocupar o papel de jovens rebeldes, em vez de deixar aos seus alunos essa iniciativa (…). Deve ser potenciado naqueles que aprendem a capacidade de perguntar e perguntar-se: essa inquietação, sem a qual nunca se consegue saber verdadeiramente alguma coisa, mesmo que se consiga repetir tudo."

terça-feira, 8 de julho de 2008

"Um diploma para todos… é um diploma para ninguém"


O texto do Desidério Erros e mentira política, toca num problema fundamental da educação escolar na contemporaneidade: o valor do conhecimento.

Os discursos em torno dos exames não fogem a este problema. Quando discutimos a sua pertinência, as suas funções e técnicas, estamos, explicita ou implicitamente, a atribuir (ou a recusar) valor intrínseco e/ou instrumental aos conhecimentos que a escola tem por missão veicular.

A este propósito lembrei-me do livro de François de Closets, A felicidade de aprender e como ela é destruída (Lisboa: Terramar), publicado entre nós em 2003, do qual retiro a seguinte passagem (páginas 297-298):

"Nos últimos cinquenta anos, a educação em França tem sido uma prioridade nacional. Tem estado no centro de um debate permanente, marcado aqui e além, por confrontos apaixonados. Foi objecto de múltiplas reformas (quase sempre abortadas). Beneficiou de orçamentos gigantescos e cada vez maiores.

Como foi possível que um tal investimento, acompanhado de um empenhamento tão constante, redundasse na perda total da felicidade de aprender, uma perda que foi crescendo à medida que a instrução se foi difundido. Como foi possível que a cultura se fosse fossilizando à medida que a escolaridade aumentava e se ia generalizando? Estas questões não servem de balanço. Limitam-se a apontar a dedo o passivo de todo um sistema. Porque há, é preciso dizê-lo, um activo. Os cidadãos frequentam durante mais tempo a escola, acumulam uma abundante caterva de diplomas. São contrapartidas apreciáveis. Simplesmente, não é isso o que mais importa. O que importa é que foi feita, ao nível da educação uma aposta utilitária, para não dizer utilitarista, com o objectivo de fornecer às nossas crianças instrumentos para enfrentar o mundo em crise, porque esse é o estado do mundo que lhe vamos deixar. É legítimo, pois, que nos perguntemos se a opção que fizemos foi a mais acertada (…).

De reforma em reforma, procurou-se obstinadamente dar corpo a um sonho democrático e cultural – que todas as crianças dispusessem de iguais oportunidades para se instruir e cultivar (…). Mas (…) a ambição cultural foi abafada pela pressão social. Milhões e milhões de actos individuais foram deslocando o sistema até o fazerem coincidir com o seu pólo utilitarista, transformando o saber num instrumento, e não numa finalidade (…).

Viu-se na escola um remédio contra a crise e, postos perante a alternativa – sucesso ou desemprego –, fizeram a pior das escolhas (…). O que sobra quando tudo o mais tiver sido esquecido não é a cultura, é o diploma. Podemos lamentar uma tal aposta, não podemos contestá-la… desde que as premissas de que parte sejam exactas, a saber, que o sucesso na vida depende do sucesso escolar. Se admitirmos essa premissa, temos de admitir a principal das suas consequências – o abandono da educação em proveito exclusivo da competição.

Em contrapartida, se essa premissa (que tomamos por uma evidência) se revelasse ser, uma vez mais, um erro (na ocorrência, o erro mais partilhado por toda a gente), se os diplomas, por hipótese, não passassem de remédios ilusórios, neste caso, a opção tomada teria sido uma gigantesca farsa, uma sinistra floresta de enganos. Temos, assim, de desfazer essa última dúvida. Temos de saber se valeu a pena termos queimado a cultura num gigantesco auto-de-fé, se a fogueira ateada era o necessário (embora sacrílego) contra fogo.

No centro do debate, encontra-se, pois, o diploma-rei. Comportamo-nos como seus leais súbditos, apesar de nem sempre nos aperceberemos do papel central, ditatorial que desempenha na nossa sociedade. E a questão-chave reside justamente nessa centralidade. O diploma é uma necessidade incontornável dos tempos modernos, ou é tão-só uma quimera (…)?"

SOBRE O GRANITO E A SUA ORIGEM, NUMA CONVERSA TERRA-A-TERRA.

Por A. Galopim de Carvalho Paisagem granítica na Serra da Gardunha. Já dissemos que não há um, mas sim, vários tipos de rochas a que o vulgo...