terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Receita de Ano Novo

De Carlos Drummond de Andrade, "Receita de Ano Novo":

Para você ganhar belíssimo
Ano Novo cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegramas?)

Não precisa
fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto de esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.

Para ganhar um Ano Novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

E se o leitor quiser pode escutar o poema, por exemplo, na voz de Marília Gabi Gabriela.

Carlos Drummond de Andrade , "Receita de Ano Novo". Editora Record. 2008.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

SETE JOVENS APOSTAS PARA A PRÓXIMA DÉCADA


O DN perguntou-me eu escolhi, na ciência, Sofia Caria (38 anos), a trabalhar no Reino Unido para uma empresa multinacional na área da farmácia depois de ter trabalhado em Portugal, França e Austrália : ela vê com raios X a interacção molécula-proteína.

https://www.dn.pt/edicao-do-dia/28-dez-2019/sete-apostas-para-a-proxima-decada-11650031.html?target=conteudo_fechado



Quando me perguntaram por um cientista promissor, consultei o gps.pt, GPS – Global Portuguese Scientists, a rede de cientistas portugueses no mundo, que engloba os cientistas com percurso internacional. Muitos casos de excelência podem aí ser encontrados, mas fiquei impressionado pelo longo e amplo percurso internacional da Sofia Caria, que não conheço pessoalmente. Actualmente, apesar de só ter 38 anos, já é cientista senior na empresa multinacional Evotec, no seu ramo britânico, depois de ter estado a trabalhar na investigação básica no sincrotão australiano e antes disso numa universidade australiana. Antes esteve em França, totalizando 14 anos de carreira científica internacional, após formação inicial na Universidade Nova de Lisboa. O trabalho dela é muito interessante: usa métodos físicos (cristalografia de raios X muito intensos) para conhecer a estrutura de proteínas ligadas a moléculas. Esta é uma nova forma de investigação de medicamentos,  o chamado “design racional de medicamentos”. Ver como é que uma  molécula – o princípio de um fármaco – “encaixa” numa proteína representa um enorme potencial para a inovação farmacêutica e médica. O sistema biológico molécula-proteína pode ser comparado a uma chave na fechadura: temos de encontrar a chave certa para uma dada fechadura. A Sofia é uma cientista experiente a trabalhar para a indústria de ponta, aplicando aquilo que aprendeu em investigação fundamental.  Ela tenta ajudar os químicos a encontrar ou melhorar um medicamento a partir do conhecimento da forma da proteína.

Queria com a sua escolha chamar a atenção para o facto de a ciência em Portugal ter de se ligar mais à economia. Tem de crescer com maior conexão à indústria. No GPS encontram-se cientistas nacionais com elevada competência que não encontraram lugares em Portugal à altura das suas qualificações. Constituem grandes esperanças para o nosso futuro. Acontece que são muito raros entre nós os casos  de inovação empresarial como os que se desenvolvem em empresas  internacionais de base científica como a Evotec. A ciência em Portugal cresceu enormemente em Portugal nas últimas décadas, mas ainda investimos muito pouco em ciência. A fim de crescer ainda mais, para além de investir bastante mais nas universidades e institutos de investigação, tem de imitar as dinâmicas que ocorrem lá fora de cruzamento fértil entre a ciência e a indústria. A ciência pode dar-nos mais vida, mas para isso é preciso que demos “mais vida” à ciência.

O QUE PORTUGAL PRECISA DE MELHORAR EM 2020?

O DN perguntou-me e eu respondi:

DN- O que é que Portugal precisa de melhorar em 2020?

CF- Deixo para outros os desejos de melhoria na saúde, na justiça e na regionalização, três dos grandes problemas nacionais:  precisamos como é óbvio de mais rápida administração da justiça, de acesso mais fácil a cuidados de saúde e de mais equilibrada ocupação do território.

E escolho três questões mais a montante, talvez menos óbvias, cuja resolução ajudaria decerto a que os outros problemas fossem solucionados. Portugal tem de melhorar a educação, a ciência e a cultura. Por uma herança pesada, somos o país europeu com pessoas menos qualificadas: a maioria (50,2%) da população activa não tem tem o ensino secundário. Precisamos não só de continuar a combater o abandono escolar no básico e secundário, mas também de formar mais gente no ensino superior
(entre os 30 e 34 anos só temos 33,5% com o ensino superior) e tratar a sério da educação de adultos (ainda há 5,2% de analfabetos). A ciência cresceu mas não o suficiente: investimos 1,4% do PIB, quando a média europeia é 2,1%. O emprego científico, que é a parcela  que devia absorver mais investimento, continua incipiente, vendo-se muitos jovens obrigados a procurar emprego lá fora. Finalmente, a cultura é uma miragem: muito pouco se poderá fazer com os 0,55% do Orçamento de Estado para 2020, o que inclui  a RTP (cerca de metade). património, as artes e as bibliotecas continuarão portante miseravelmente destapadas.

Se me perguntarem de onde deve vir a cobertura pois respondo: deixem de alimentar bancos falidos com o dinheiro dos contribuintes: os pagamentos em 2020 ao BPN e ao Novo Banco, por cima dos que já foram feitos ao longo da década, são escandalosos.

Carlos Fiolhais

(Professor de Física da Universidade de Coimbra)

"ORIGINAL É A CULTURA" - A FELICIDADE

https://sicnoticias.pt/programas/original-e-a-cultura/2019-12-18-Original-e-a-Cultura---A-Felicidade

MEU PREFÁCIO A “A EUROPA AO ESPELHO DE PORTUGAL: IDEIA(S) DE EUROPA NA CULTURA PORTUGUESA” DE JOSÉ EDUARDO FRANCO



Meu prefácio ao livro de José Eduardo Franco que acaba de sair no Círculo de Leitores /Temas e Debates:

Sou europeu desde que nasci. Na escola aprendi com Luís de Camões que a terra onde tinha nascido era cume da cabeça/ De Europa toda”. Mais tarde com Fernando Pessoa fiquei a saber que a Europa “fita, com olhar esfíngico e fatal, / O Ocidente, futuro do passado. /O rosto que fita é Portugal.” Já percorri quase toda a Europa, fui várias vezes à América, mas nunca fui a África, como foi Pessoa, nem à Índia, como foi Camões (Pessoa ficou a metade do caminho de Camões). Quando viajei na Europa pela primeira vez estranhei que as fronteiras de Portugal fossem das poucas que estavam fechadas (de noite, nem sequer abriam!). Portugal era um quarto fechado da Europa. Hoje, felizmente, as fronteiras estão abertas e posso, podemos todos, andar, sem mostrar o cartão de cidadão nem trocar de moeda, na maior parte dos países europeus. A ideia dos Estados Unidos da Europa, de que Vítor Hugo falou, em 1849, no Congresso Internacional da Paz e depois, em 1871, na Assembleia Nacional Francesa,  pode ser mítica, mas está em boa parte consubstanciada na actual União Europeia. Sim, eu sei, todos sabemos, que essa ideia está cheia de contradições, que o Brexit poderá ser uma cisão irreparável na União, que a liderança política europeia é hoje muito débil, que os velhos nacionalismos espreitam por todo o lado, que a democracia liberal sobre a qual tem assentado a nossa governação corre sérios riscos.

Seja como for a Europa é a minha casa, é  casa dos portugueses. Que Europa? A Europa – a Europa das antigas Atenas e Roma, onde nasceram a filosofia e o direito, que são traves-mestras do nosso pensamento e da nossa vida, a Europa da Idade Média cristã, onde surgiram as universidades que hoje nos continuam a formar e a alimentar o espírito, a Europa do Renascimento, onde o humanismo floresceu e a Revolução Científica despontou, a Europa do Iluminismo, onde a ciência triunfou como grande baluarte da razão, a Europa da Revolução Industrial, onde a ideia de progresso económico ganhou raízes para crescer, e, finalmente, a Europa da actual União Europeia, onde houve e há paz após duas guerras que devastaram o Velho Continente. Quero, como português, ter um futuro nela. O continente poderá ser velho, mas gostava que conseguisse ser novo.

Portugal pela posição geograficamente extrema na Europa nunca teve uma posição fácil no contexto europeu. Mas não há dúvida que nasceu europeu, em plena Idade Média, no seio da cristandade. É portuguesa e está em Coimbra uma das primeiras universidades que a cristandade soube constituir. Largando a Europa com coragem, os Portugueses souberam nos séculos XVI e XVI empreender a primeira globalização, ao descobrir “novas ilhas, novos mares, novos povos e, o que mais é, novo céu e novas estrelas” (a frase é de Pedro Nunes, no seu “Tratado em defensão da carta de marear com o regimento da altura”, apenso ao “Tratado da Esfera” de 1537). A Europa, quer dizer, a cultura europeia, foi levada pelos portugueses às sete partidas do mundo, pondo em contacto pessoas com muito diferentes. O jesuíta Luís Goes enumerou no seu “Tratado em que se contem muito susinta e abreviadamente algumas contradisões e diferenças de custumes antre a gente da Europa e esta província do Japão”, em 1585,  as diferenças, bem marcantes, entre os portugueses e os “japões”, não só antropológicas como nos usos e costumes :“Pola maior parte dois homens de Europa são altos de corpo e boa estatura; os Japões pola maior parte mais baixos de corpo e estatura que nós”. Depois houve, é certo, um prolongado período de recolhimento, para não dizer decadência. Fernando Pessoa escreveu,  no seu poema Opiário”, que pertencia "a um género de portugueses / Que depois de estar a Índia descoberta / Ficaram sem trabalho". No século XVIII, houve é certo o Iluminismo em Portugal, Iluminismo católico como convinha, mas o Marquês de Pombal para que se visse bem a sua luz, esforçou-se por apagar a dos outros. Revolução Industrial é que não houve, pelo menos no tempo certo: foi importada tardiamente, com todos os custos que importa  a importação tardia. A geração de 70, com o clarividente Antero de Quental à cabeça, denunciou a distância que nos separava da Europa, isto é, da civilização (ecoam até hoje as suas palavras nas “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”: “Que é, pois, necessário para readquirirmos o nosso lugar na civilização? Para entrarmos outra vez na comunhão da Europa culta?” O nosso século XX foi, em grande parte, tempo perdido, tal como foi boa parte do nosso século XIX. O Estado Novo cultivou com insistência a ideia do “orgulhosamente sós,” traduzida na ideia de grandeza   em que se cobria o mapa da Europa com as “províncias” portuguesas, que iam do Minho a Timor. No dia 12 de Junho de 1985, com a assinatura de Mário Soares no claustro do Mosteiro dos Jerónimos, voltámos, em boa hora, a ser europeus. Foi a Europa que nos ajudou à modernização, eufemisticamente chamada “convergência,” por exemplo a erguer um sistema de ciência que tem permitido entre nós a formação e o conhecimento avançados (obrigado José Mariano Gago!). De facto, é nossa condição irrenunciável a de sermos europeus,  pois a Europa é a nossa matriz geográfica e cultural. Neste globo, que ajudámos a encurtar, a geografia sempre foi condicionante da cultura.

A Europa é, para nós, um facto. Mas a Europa, para além de facto, por vezes mais próximo e noutras vezes mais distante, sempre foi um mito. O historiador José Eduardo Franco, especialista dos mitos na cultura portuguesa (ele analisou com particular atenção os mitos referentes aos jesuítas, uma das primeiras instituições  globais para a qual Portugal serviu como “rampa de lançamento” no mundo) e estudioso da visão que temos da Europa  (ver os volumes “A Europa segundo Portugal”, “Repensar a Europa” e “Europa das Nacionalidades”, que coordenou) analisa neste livro, que percorre toda a história de Portugal, os mitos que fomos construindo a respeito do continente que integramos. Os vários textos, que têm individualidade própria e podem por isso ser proveitosamente lidos de forma autónoma, vão desde as nossas primeiras percepções da Europa, às concepções renascentistas, ao pensamento do Padre António  Vieira (ao autor devemos estar muito gratos pela publicação da “Obra Completa” de Vieira, talvez o maior dos mitómanos portugueses), às concepções iluministas do pombalismo, à ideia do socialismo utópico, com raízes na geração de 70, aqui representado por Sebastião Magalhães Lima, e o contraponto católico que aqui está representado pelo Padre José Joaquim Sena de Freitas, e finalmente as ideias contemporâneas desses dois grandes pensadores de Portugal que são o Padre Manuel Antunes e Eduardo Lourenço.

No fecho, dito em “aberto”, está a conclusão, que me permito antecipar aqui, esperando que ela abra o apetite para que os leitores saboreiem os argumentos que até lá conduzem:

Na Europa, nascemos como país, na Europa, buscámos a nossa legitimação, da Europa, saímos para sermos um povo entregue ao mundo, mas à Europa, viemos buscar sempre a confirmação e o reconhecimento da nossa mitificada grandeza. Foi então que nos sentimos na dianteira da Europa, imaginando-nos capazes de fazer um mundo novo, um Quinto Império, como idealizaram os nossos escritores maiores: Camões, Vieira e Pessoa. Contudo, esta visão auspiciosa de nós próprios viveu mais da imaginação do que da crua realidade da nossa condição de país-quase-sempre-em-crise. E fomos vivendo de sonho em sonho, de um Portugal com um papel relevante na história, sempre à procura de uma saída, de um ponto de fuga, para nos viabilizarmos como projeto de Estado autodeterminado. Em todo este percurso multissecular, a Europa, continente de que fazemos parte como se às vezes não fizéssemos, funcionou e manteve-se sempre no horizonte também mitificado, ora como espelho, ora como palco, e a maior parte das vezes como meta a atingir.”

Está aqui bem claro um dos problemas nacionais: saímos um dia da Europa e, nas mentes mais influenciadas pela mitologia, ainda não voltámos a ela. Ela continua a ser um mito, o sítio do desenvolvimento que ambicionamos, mas demoramos a alcançar. A distância entre nós e a Europa poderá crescer perante as suas contradições e tergiversações a que assistimos. Numa época em que a Europa – e nós nela e com ela – se encontra em profunda crise, recomendo vivamente esta reflexão de José Eduardo Franco, que nos permite assentar no passado as nossas reflexões sobre o futuro. O futuro é obviamente uma incógnita. Apesar de o Padre António Vieira ter escrito uma “História do Futuro,” a Segunda Lei da Termodinâmica impõe a diferença entre passado e futuro, impedindo que exista ou venha algum dia a existir uma história do futuro. Mas haverá com toda a certeza futuro e não há futuro sem história. O conhecimento e a compreensão da história ajudam-nos a erguer o futuro.

Terá a Europa futuro? Por mim falo: acredito na Europa, até pela simples razão de não ver alternativa. Sei que hoje em dia o motor do crescimento económico vem do Extremo Oriente, onde um dia desembarcámos, e já não tanto, como no século passado, do Novo Continente. Mas olho para o mundo à minha volta e concluo que a única alternativa à Europa é a própria Europa, onde estamos e sempre estivemos. Oxalá ela - e nós nela e com ela - consciente da sua longa e rica história se saiba reconstruir, reciclar. Vários tipos de reconstrução ou reciclagem já ocorreram no passado no nosso continente. As minhas palavras finais são de  Eduardo Lourenço pois eu não saberia dizer melhor:

“De qualquer modo podemos sempre reciclar-nos, porque este é continente de Platão, de São Tomaz de Aquino, das catedrais e de Galileu.”

Carlos Fiolhais

Professor de Física da Universidade de Coimbra



segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Mark Athias (1875-1946)



Minha entrada sobre o médico madeirense e Mark Athias, que saiu no vol. 1 do Grande Dicionário Enciclopédico "Madeira Global", que acaba de sair na Theia (eds. José EDuardo Franco e Cristina Trindade):

Mark Anahory Athias, médico nascido no Funchal de uma família judaica (o seu pai era director de um banco), foi professor universitário na Universidade de Lisboa, investigador em Ciências Biomédicas e um pioneiro da Histologia e da Bioquímica em Portugal.

Foi bastante jovem estudar para Paris, em cuja universidade se licenciou em Medicina no ano de 1897. Permaneceu na capital francesa, encontrando emprego num laboratório de Histologia. Os seus trabalhos, premiados pela Faculdade de Medicina de Paris, permitiram-lhe estagiar com diversos especialistas de Histologia e de Química, entre os quais, a partir de 1894, o professor de Anatomia e Histologia Mathias-Marie Duval (1844 – 1907). Nos seus estudos foi muito influenciado pelas ideias então muito discutidas de histofisiologia nervosa do médico Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), o único Prémio Nobel espanhol nas áreas das ciências (recebeu-o em 1906, pelas suas investigações relativas ao sistema nervoso realizadas em 1888). Apesar do anti-semitismo que se vivia em França nessa época na sequência do famoso caso Dreyfus (como ficou conhecida a polémica à volta do julgamento do capitão de artilharia francês Alfred Dreyfus, que, em 1894, foi injustamente acusado e condenado por alta traição, tendo padecido cinco anos de presídio numa ilha ultramarina) Athias concorreu a um lugar no laboratório parisiense onde trabalhava. Mas foi preterido por um colega francês.

Completada a sua formação, e fracassada a intenção de se fixar em Paris, o médico regressou ao Funchal tendo-se, em 1903, instalado em Lisboa. Ai, a convite do médico Miguel Bombarda (1851-1910), que com ele partilhava a simpatia pelas ideias de Ramón y Cajal, foi nomeado director do Laboratório de Histologia do Hospital de Rilhafoles (designado, desde 1911, Hospital de Miguel Bombarda).  Essa foi uma época de profunda renovação da Medicina portuguesa, com a realização no novo edifício do Campo de Santana do XV Congresso de Internacional de Medicina (onde Ramón y Cajal apresentou comunicação) e com a criação, com base na Escola Médico-Cirúrgica, da Faculdade de Medicina de Lisboa, impregnada pelo espírito positivista do movimento republicano. A nova geração médica ficou conhecida por “geração de 1911”.

Athias soube aproveitar não apenas as instalações e serviços da Faculdade de Medicina, mas também de outras instituições. Dirigiu nessa altura o Serviço de Raiva do Instituto Bacteriológico, fundado em 1892 por um outro médico madeirense, Luís de Câmara Pestana (1863 – 1899), como serviço especializado do Hospital de S. José, e o Instituto Pasteur de Lisboa, ligado ao de Paris, estabelecimento que comercializava produtos médicos. Colaborou activamente com o Instituto Bento de Rocha Cabral,  fundado com base numa doação deixada em testamento pelo multimilionário português com esse nome que fez fortuna no  Brasil e  morreu em 1921  (o Instituto ainda hoje existe no Rato, embora apenas restrito a actividades de história e divulgação). O primeiro director desta instituição, escolhido pelo próprio Rocha Cabral. foi o médico Matias Ferreira de Mira ( 1875- 1953), professor de Química Fisiológica da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, amigo e colaborador de Athias. Nesse instituto de investigação privado (o primeiro em Portugal, pois longe vinham os tempos das Fundações Calouste Gulbenkian e Champalimaud) haveria de ser criado um notável Laboratório de Bioquímica dirigido por Kurt Jacobsohn (1904 - 1991),  químico alemão de origem judaica exilado formado em Berlim e exilado em Portugal em 1929, que, depois de ter trabalhado durante muitos anos no nosso país, acabou por se retirar para Israel.  Athias colaborou ainda com o Instituto Português para o Estudo do Cancro, criado em 1923 pelo médico Francisco Gentil (1878 - 1964), ao serviço do qual efectuou viagens de estudo internacionais. Em 1942 dirigiu o Instituto Português de Oncologia, criado na sequência do anterior.

Para além do seu trabalho de investigação laboratorial, Athias dedicou-se com entusiasmo ao ensino da Histologia Médica, tendo começado por ministrar um curso de técnicas histológicas para médicos. Esse curso desencadeou uma carreira científica relevante na introdução das técnicas de investigação experimental no ensino e na investigação biomédica em Portugal. Em 1919 foi nomeado director do Instituto de Fisiologia da Faculdade de Medicina de Lisboa, onde criou uma escola de investigação permeada pela sua estratégia de renovação da Medicina portuguesa. Nessa escola  sobressaiu a acção do seu maior discípulo, Augusto Celestino da Costa (1884-1956) , professor da Faculdade de Medicina de Lisboa de 1911 a 1947, especialista em Histologia e Embriologia, que se notabilizou como defensor da introdução da investigação científica nas Universidades portuguesas, tendo dedicado boa parte da sua vida a tarefas de gestão do sistema científico português (foi presidente entre  1934 e 1936  da Junta de Educação Nacional  e de  1936 a 1942  da instituição que lhe sucedeu, o Instituto para a Alta Cultura, as duas na base dos actuais Instituto Camões e Fundação para a Ciência e Tecnologia). Antes de Celestino da Costa, em 1931, Athias foi Presidente da Junta de Educação Nacional.

Mark Athias fundou em 1907, com Miguel Bombarda, Celestino da Costa e o biólogo portuense Augusto Nobre (1865 - 1946), a Sociedade Portuguesa de Ciências Naturais, SPCN,  e, em 1920, com Celestino da Costa e o médico portuense Abel Salazar (1889 - 1946) a Sociedade Portuguesa de Biologia, SPB,  as duas ainda hoje existentes, sendo as  mais antigas sociedades científicas em Portugal nessas áreas (a primeira é albergada na Faculdade de Ciências de Lisboa e a segunda no Instituto Rocha Cabral). A SPCN, proposta no XV Congresso Internacional de Medicina, foi administradora a partir de 1909 do Aquário Vasco da Gama, em Algés, criado pela Sociedade de Geografia de Lisboa em 1896, tendo aí fundado a Estação de Biologia Marítima. Dados os interesses oceanográficos do Rei. D. Carlos não admira que ele tenha sido escolhido para primeiro presidente de honra. Entre os seus primeiros sócios honorários estiveram o botânico de Coimbra Júlio Henriques (1838 - 1928) e Ramón y Cajal. A SPB, que começou por se chamar Reunião Biológica de Lisboa e de início esteve ligada administrativamente à primeira, foi uma filial da Societé de Biologie de Paris, fundada em 1848 pelo fisiologista Claude Bernard (1813-1878). As duas sociedades portuguesas desenvolveram políticas editoriais, publicando revistas especializadas com avaliação por pares à semelhança do que já se fazia no estrangeiro, que visaram acima de tudo a consolidação da comunidade científica portuguesa e a sua internacionalização: a SPB publicou, a partir de 1920, os Archives Portugaises de Sciences Biologiques, publicados a partir de 1920, revista que foi sucedida em 1940 pelo Bulletin de la Societé Portugaise de Sciences Naturelles). Em 1941 realizou-se em Lisboa, com o apoio daquelas sociedades, o I Congresso Nacional das Ciências Naturais.  Athias foi ainda sócio correspondente da Academia de Ciências de Lisboa.

 Jubilado em 1945, atingida a idade regulamentar, o Professor Mark Athias faleceu no ano seguinte, com 71 anos, em Lisboa, nos tempos após a Segunda Guerra Mundial, quando em Portugal surgia alguma esperança, que não se veio a confirmar, de afirmação de um ideal democrático e com ele do desenvolvimento da ciência, como se verificou na Europa Ocidental.

O professor e investigador funchalense deixou 138 publicações, incluindo a sua dissertação inaugural na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa (A Anatomia da Célula Nervosa, 1905), numerosos artigos científicos (a maior parte da sua produção bibliográfica, perfazendo 65 por cento dos títulos, que incidiram sobretudo nas áreas de Histologia, Histofisiologia, Histopatologia, Fisiologia e Química Fisiológica, devendo realçar-se trabalhos  sobre endocrinologia do ovário e sobre a influência das hormonas na evolução dos tumores), artigos didácticos (guias dos trabalhos práticos de fisiologia e de química fisiológica didácticos destinados aos alunos da Faculdade de Medicina e manuais como, entre outros, o Manual de Fisiologia, Lisboa: J. Rodrigues, 1941), obras de divulgação científica (biografias científicas, entre outras, do rei D. Carlos, de  Miguel Bombarda e de Ramón y Cajal, e o livro escrito em colaboração O Problema do Cancro, Lisboa: Biblioteca Cosmos, 1941), várias conferências como aquelas que proferiu no Instituto Bento de Rocha Cabral) e relatórios diversos (incluindo relatos de viagens e de actividades de instituições onde trabalhou). Entre as suas obras merece destaque por sumariar a sua obra científica o livro Introdução do Método Experimental e suas Principais Aplicações às Ciências Médicas e Biológicas em Portugal (Coimbra: Congresso da Actividade Científica Portuguesa, 1940). Ver uma lista de publicações em http://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/p41.html

Há hoje uma rua com o seu nome em Lisboa no Lumiar.

Pode-se considerar Mark Athias um pioneiro em Portugal da Biomedicina por, inspirado em ideias que recolheu em França, ter chamado a atenção dos médicos portugueses para o papel da célula, alvo da Biologia Celular, quando antes o foco estava no órgão, e ter prenunciado a importância que, dentro da célula, haveria mais tarde de assumir a molécula, alvo da Medicina Molecular. Defensor das metodologias experimentais, soube chamar a si estudantes e fazer discípulos, deixando por isso uma escola, a Escola de Histologia Portuguesa, feito raro entre nós (conseguiu-o na mesma época também na Medicina António de Egas Moniz, 1874-1955, o nosso até agora único Nobel nas ciências). Conseguiu cruzar instituições, algo difícil num país onde os organismos, públicos e privados, trabalham normalmente de costas voltadas. Obedecendo sempre ao seu impulso congregador, fundou duas importantes associações na Biologia, uma área que até então tinha permanecido relativamente apartada da Medicina mas que hoje sabemos estar intimamente relacionada com ela. Contribuiu para o crescimento e afirmação da ciência em Portugal pela procura de padrões internacionais, designadamente ao defender a união fecunda entre a universidade e a investigação científica que o visionário William Humboldt já tinha proposto e proselitado no alvorecer do século XIX, ao fundar em 1810 a Universidade de Berlim.
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Referências:

- Manuel Valente Alves, História da Medicina em Portugal. Origens, ligações e contextos, Porto: Porto Editora, 2014.
- Isabel Amaral, A emergência da bioquímica em Portugal: As escolas de investigação de Mark Athias e Kurt Jacobsohn, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e Tecnologia.
- Isabel Amaral,  Marck Anahory Athias (1875-1946),   http://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/p41.html#anchor4  (consultada em Dezembro de 2014)
- Fichas bibliográficas da responsabilidade da Universidade de Lisboa: http://memoria.ul.pt/index.php/Athias,_Marck e http://coleccoes-digitalizadas.fm.ul.pt/repo/professores/marck_athias.pdf (consultadas em Dezembro de 2014)
- C. Fiolhais, História da Ciência em Portugal, Lisboa: Arranha Céus, 2013, 2.ª edição revista 2015.
- Maria Eduarda Gonçalves e João Freire (coordenadores). Biologia e Biólogos em Portugal. Ensino, Emprego e Sociedade: Lisboa: Esfera do Caos, 2009.
- Manuel Machado Macedo, História da Medicina Portuguesa no Século XX, Lisboa: CTT, 1999.


Carlos Fiolhais
(Professor de Física da Universidade de Coimbra)


Best of do Encontro da Fundação sobre Ciência e Universo

Para escolhermos a ciência em vez da pseudo-ciência temos de ter uma sociedade com mais cultura científica

Entrevista publicado em 23 de Dezembro de 2019 pela Plataforma Barómetro Social do Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, conduzida por João Aguiar, Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.

http://www.barometro.com.pt/2019/12/23/para-escolhermos-a-ciencia-em-vez-da-pseudo-ciencia-temos-de-ter-uma-sociedade-com-mais-cultura-cientifica/

 JA- A pseudociência tem-se disseminado de um modo vincado. Paradoxalmente, tal facto ocorre num período histórico em que nunca houve tanto impacto do desenvolvimento científico e tecnológico. A que pensa que se deve este desfasamento?

CF- aradoxo que nota é bem real. Já o astrofísico e divulgador científico Carl Sagan, em 1990, num artigo publicado na revista “Skeptical Inquirer”, tinha dito que “vivemos numa sociedade extremamente dependente da ciência e tecnologia, na qual muito poucas pessoas sabem alguma coisa sobre ciência e tecnologia. Isto é uma clara receita para o desastre.” O que está a acontecer – basta ouvir as mensagens que vêm da Casa Branca e do Palácio do Planalto – é precisamente o desastre anunciado: a mistura entre poder e ignorância está-nos a explodir na cara. De certo modo, a ciência está a ser vítima do seu próprio sucesso. As variadas pseudo-ciências tentam caricaturar a ciência, copiando-lhe alguns traços da sua forma, sem lhe captarem de maneira nenhuma a sua essência, que assenta no método científico, nessa combinação poderosa entre observação, experimentação, razão lógica e crítica permanente. A ciência sempre coexistiu com as pseudo-ciências, que conseguem atrair muita gente devido à sua maior simplicidade para não dizer ingenuidade conceptual. No mundo de hoje a ciência e tecnologia têm uma presença avassaladora e as pseudo-ciências também. As duas cresceram e o mais certo é continuarem a crescer. Não tenho ilusões: o racional será sempre acompanhado pelo irracional. Cabe-nos a nós, cidadãos, fazer escolhas. E para escolhermos a ciência em vez da pseudo-ciência temos de ter uma sociedade com mais cultura científica. A escola não está a chegar para a sua transmissão, até porque a escola tem transmitido mais os resultados da ciência, que são provisórios, do que o método para os alcançar, um método que tem permanecido firme desde a Revolução Científica.

JA - A ciência, mais propriamente nas Ciências Naturais, corresponde fundamentalmente a um conjunto de teorias e de conhecimentos continuamente testados metodologicamente por via da experimentação, da replicação e da discussão dos resultados. Nesse sentido, gostaria que comentasse, com casos práticos e concretos, a capacidade de superação contínua do método científico. De que forma tal procedimento confere uma capacidade constante de correção e de aprimoramento do conhecimento científico?

CF- Dou exemplos da Física que conheço melhor, mas poderia dar exemplos de outras áreas científicas. Galileu ergueu-se contra Aristóteles a respeito da queda dos graves e foi o primeiro, usando a experimentação, a enunciar uma lei física de base matemática: a lei da queda dos graves. Foi também o primeiro a ver coisas novas no céu usando o telescópio. Mais tarde, Newton junta a lei da queda dos graves com as observações astronómicas, entretanto encapsuladas por leis matemáticas, para fazer uma teoria de unificação da física da Terra e da física do céu: chegou à lei da gravitação universal, que se aplica tanto na Terra como no céu. É a mesma lei que explica a queda de uma maçã e a órbita da Lua em volta da Terra ou da Terra em volta do Sol. Muito mais tarde, Einstein veio fornecer uma explicação da gravitação como uma deformação geométrica do espaço-tempo, verificando que a mecânica de Newton estava errada, no sentido de não se aplicar a escalas cósmicas. Mas continua a ser um caso limite da teoria de Einstein. Isto é, usando o mesmo método científico, conseguiu-se uma descrição mais exacta da variedade de fenómenos da gravitação. Os físicos estão, porém, convencidos que ainda não foi dada a última palavra. Falta juntar a teoria da gravitação com a teoria quântica. Mas, seja lá o que for, aquilo que vier terá de encaixar naquilo que se conhece. Ciência é acumulação. É preciso imaginação para crescer, mas uma imaginação limitada pelo conhecimento acumulado até à data.

JF – Num capítulo do livro “A Ciência e os seus inimigos”, que escreveu em co-autoria com David Marçal, verifica que «mesmo periódicos bastante respeitáveis por alguma razão não dispensam uma secção de astrologia» (p.210). Todavia, são minoritários os meios de comunicação social com programas de divulgação científica. A que se deve este aparente desinteresse pela ciência da parte de um setor de empresas que depende tecnicamente da aplicação do conhecimento científico para o seu próprio funcionamento?

CF- A astronomia não arredou a astrologia, que continua a ocupar maior lugar na imprensa e nas livrarias do que a astronomia. Porquê? Porque o cérebro humano tem um lado irracional que em muitas situações prevalece. O cérebro tende a aceitar explicações simplistas, explicações que ao fim e ao cabo não o são verdadeiramente. A ciência vai muito além de explicações simplistas, vai muito além do chamado senso comum. A ciência permite verificar que as coisas não são como por vezes parecem, e que não são como muitos gurus dizem que são. A ciência é precisamente a descrença nos gurus e em todos os vendedores de banhas da cobra, em favor do espírito crítico e da procura de provas. Os meios de comunicação social dão, dizem eles, ao público aquilo que este quer. Mas, na minha visão, estão equivocados. O público consome o que lhe dão por não ter alternativa ou ser difícil procurá-la. Há que romper este círculo vicioso: os medias, especialmente entre nós a televisão, deviam privilegiar o conhecimento científico. É a única maneira de não enganar o público.

JA – Para além da divulgação científica que os cientistas têm realizado, considera necessárias novas formas de educação para a ciência? Faz sentido equacionar políticas públicas (tanto ao nível governamental como universitário e escolar) desenhadas especificamente para a divulgação de conhecimentos e do método científico, ou os instrumentos existentes parecem-lhe suficientes?

CF- O principal instrumento deve ser a escola, mas parece evidente que não tem sido suficiente. Daí o papel dos diferentes media, desde a imprensa escrita até às redes sociais na Internet, passando pela rádio e televisão (todos estes meios estão, de resto, ligados). E há mais formas de fazer passar a cultura científica: encontros com cientistas ou divulgadores de ciência, que podem ter a forma de palestras ou outros, debates públicos (por exemplo, os chamados “cafés de ciência”), exposições (há que saber aproveitar melhor as várias possibilidades de ligação entre artes e ciências). Claro que faz sentido definir políticas públicas para melhoria da cultura científica da população. Em Portugal, existe a Agência Ciência Viva, que não é uma instituição pública, mas uma instituição privada sem fins lucrativos constituída por um pequeno conjunto de instituições do mesmo tipo. Tendo começado muito bem sob o impulso de José Mariano Gago, hoje está num estado apático, sem ser capaz de ver os sinais de futuro e desenhar políticas com base na melhor prospectiva. Dou exemplos: grandes temas da actualidade, como as alterações climáticas, a inteligência artificial e a revolução genómica, que colocam dilemas éticos, têm sido negligenciadas por aquela agência, que repete burocraticamente as acções que já teve, que são na maior parte dirigidas a crianças e jovens. É preciso pensar no público adulto, que consome a ciência e a tecnologia e que, no seu dia-a-dia, se vê confrontado com escolhas nas quais seria muito útil o exercício, ainda que rudimentar, do método científico. Uma parte da responsabilidade compete ao Estado e este, através do governo, não tem exercido a sua responsabilidade de um modo inteligente e consistente. Mas outra parte cabe a instituições com alguma autonomia, como as universidades. Na Universidade de Coimbra fundei o Centro Rómulo, cujo foco é a cultura científica, o fomento da ligação das ciências com outras actividades humanas, que tem procurado fazer o que pode no meio de mil e uma dificuldades. A Universidade do Porto está a construir um Museu da Ciência muito interessante, tendo começado pela abertura da Galeria da Biodiversidade na Casa Andresen. As Universidades, a minha, a do Porto e as outras, podem fazer bastante mais e melhor. Têm uma responsabilidade própria que não podem alienar.

E-LETRAS CON VIDA


https://e-lcv.online/index.php/revista/issue/view/3

Quatro centenários que celebram a humanidade

[No número 1284 do JL de 18 a 31 de dezembro de 2019 refiro o Ano Internacional da Tabela Periódica 2019 e o que aprendi com os centenários de Jorge de Sena, Sophia de Mello Andresen e Fernando Namora a ainda com Vitorino Nemésio e António Gedeão. Mas, eu também aprendi imenso com este número que refere outro centenário, o de João José Cochofel, assim como Arquimedes da Silva Santos, Nuno Maulice e Djaimilia Pereira de Almeida (na capa)]

O Ano Internacional da Tabela Periódica 2019 celebra os 150 anos de Dmitri Mendeleiev (1904-1907) deixando espaços vazios para os actuais 118 elementos químicos ao encontro de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), Jorge de Sena (1919-1974), Fernando Namora (1919-1989), Rómulo de Carvalho / António Gedeão (1906-1997) e Vitorino Nemésio (1901-1978) que deixaram espaços para nos prenchermos.

A poesia de Sophia Obra Poética (Assírio & Alvim, 2015) é luminosa e concreta. Mas o que fazem aqui a família e os amigos (e também os inimigos)? Trazem a humanidade multifacetada que precede a imortalidade como espero mostrar. Na ciência parecia mais fácil - pensar em espaços vazios de acordo com fórmulas - mas também não é. Há nesta também um factor humano. Na Menina do Mar, de 1958, fala de química. Parece simples. Sophia era enganadoramente simples.
“-Trouxe-te isto - disse. - É uma caixa de fósforos. 
- Não é muito bonito - disse a Menina.
- Não; mas tem lá dentro uma coisa maravilhosa, linda e alegre que se chama o fogo. Vais ver.
E o rapaz abriu a caixa e acendeu um fósforo.
- A Menina deu palmas de alegria e pediu para tocar no fogo.
- disse o rapaz - é impossível. O fogo é alegre mas queima.
- É um sol pequenino - disse a Menina do Mar.
- Sim - disse o rapaz - mas não se lhe pode tocar.
E o rapaz soprou o fósforo e o fogo apagou-se.”

Podemos encontrar ligações científicas, claro, mas o mais importante é certamente o factor humano. 
O prefácio de Sena às Poesias Completas (Sá da Costa, 1965) de Gedeão, mostra que há uma ciência da literatura contra o impressionismo da crítica, com 70-80% dos seus poemas a não terem uma referência científica [corrijo a minha gralha]. Nas Memórias (Gulbenkian, 2010), no qual deixa um espaço para a sua morte, Rómulo de Carvalho diz que gostou do prefácio de Sena, mas no Hotel Tivoli em Junho de 1967, “Sentado à minha frente, na mesa do almoço, a meio metro de distância de mim, está Vitorino Nemésio que não me falou durante toda a refeição, nem antes nem após ela. Era um intelectual.” Em Nemésio, os poemas de 1971, de Limite de Idade, há hidrogénio, hélio, fósforo, carbono, ouro, azoto, polónio, chumbo, plutónio, néon, árgon, ferro, silício, sódio, cloro, alumínio, magnésio, potássio, enxofre, bromo, boro, estrôncio, mais elementos que em Gedeão! Ele que chumbara, segundo as suas palavras, por não saber a composição centésimal do metano.

Sena gosta de Nemésio, que resolveu triunfar de 1935 até a morte, numa aparentemente  gratuitidade nas metáfora, “Nemésio que conhecia tudo mas aparentava não conhecer nada” ao contário de Namora, segundo Sena. Em Estudos da Literatura Portuguesa II, Sena (Edicões 70) escreve sobre Namora e Domingo a Tarde, de 1969: “«O melro eu conheci-o», perdão o Namora, eu conheci-o, somos da mesma idade, andámos no mesmo liceu. Da mesma carteira. [U]m romancista medíocre e um péssimo escritor. Ou pior: é um narrador convencional” seguindo de “concluamos com uma nota comprovativa da total isenção com que foi escrito este artigo: eu nunca li nenhum romance de Namora, e muito menos este de que me ocupei … a diferença fundamental entre a literatura autêntica e a literatura de consumo está em que para falarmos da última não é necessário lê-la.” Por seu lado, Namora, num dos seus últimos escritos “[o]s homem de letras, detestam as pessoas sem as conhecer, as obras sem as ler.” 

Sena mostra uma infância solitária abatido ao contingente do Sagres, numa ocasião única, ele que sempre sonhara ser oficial de Marinha. No seu Diário, editado por Mécia de Sena refere, por cartas, que vai ser chumbado. Ganhou-se um génio contrariado, talvez, sempre a ler, que se forma em engenharia e vai para a junta autónoma, para o Brasil e depois Universidade da Califórnia. A história é conhecida da wikipedia. 

Namora, também contrariado, estuda medicina, mas esta é uma fonte de inspiração. E é sobretudo um homem do seu tempo. Com tuberculosos e cancros terríveis, gente pobre e rude, acompanhamos a evolução da medicina, desde que os hospitais não eram asilos, até o serem de facto. Em Um Homem Disfarçado, de 1967, e em 1969, surgem as drogas e a crítica social do seu tempo. Em Marketing, de 1969, e depois em Cadernos de um Escritor, e sobretudo, Os Adoradores do Sol, de 1971, numa viagem aos países Escandinavos, que repeti quase cinquenta anos depois e estes não “mudaram muito mas mudaram o suficiente.” Namora traz-nos o tempo com algum bolor e tralha é certo, mas faz-nos pensar na Greta Thunberg e no Mundo em que vivemos.

Namora responde em Março de 1966 na revista Vértice a Augusto Sales que já havia feito comentários à adaptação cinematográfica de o Trigo e o Joio. É assim que os vemos, em lutas entre eles, sempre sufocados e amordaçados, mas a liberdade não os fez melhores, como hoje sabemos.

Sena que foi um grande cultor das cartas. Podemos encontrar cartas a quase todos e todas são importantes, no original. Só no original se percebe o Sena que vê no Gaspar Simões um amigo quando ao Ramos Rosa diz mal dele. Espreitar por de trás da fechadura? Não! Só a humanidade os torna imortais. Citando Sena, fora do contexto (é, de facto, muito perigoso estar morto): “Que os historiadores universitários da literatura meditem nesta tremenda verdade...” 

E não deixa de ser revelador que Namora tenha reescrito, no estilo, mas não no conteúdo, nos anos 1970, o seu romance de juventude, As Sete Partidas do Mundo, de 1938, escrito entre 1936 e 1938, e Jorge de Sena reescreva toda a vida o seu romance, (também) de juventude Sinais de Fogo, publicado ainda incompleto, em 1979, e o tema seja o mesmo, o colégio que os marcou e uniu, um pobre a detestar os burgueses, outro burguês, também a detestar. Focando coisas diferentes, o primeiro as tuberculoses e as pneumonias, o segundo o pavor das gravidezes, antes do aparecimento da pílula (metonímia fantástica de um medicamento que criou um revolução), com diferentes profundidades, sempre na primeira pessoa. Como na tabela periódica que de 118 elementos se fazem mais de 15 mil moléculas todos os dias e de 26 letras se fazem incontáveis palavras todos os segundos, celebrando todos, os elementos e as letras, a humanidade.

domingo, 22 de dezembro de 2019

"Se acreditasse no pai natal pedia-lhe que nos desse consciência de classe e muita lucidez"

Sem procurarmos, encontrámos hoje na internet dois depoimentos recentes de professoras, em resultado do trabalho realizado no primeiro período escolar e da avaliação que o fecha. Vão no mesmo sentido e replicam o que temos ouvido de outros colegas. O nosso comentário mais imediato é de tristeza: pelo ensino e pela aprendizagem, pelos professores e pelos alunos.

Maria Helena Damião e Isaltina Martins
"... já não sei ser professora! Fui chamada por ter atribuído níveis negativos a cidadania, disseram-me que esse não é o espírito da disciplina, que ela existe para cativar os alunos (…) pensava que com a minha avaliação que foi feita com os alunos, os mesmos se iriam envolver mais no próximo período, iriam respeitar regras básicas de cidadania, mas falhei e o mais grave é a leitura que faço de tudo o que se passa à minha volta e que me faz sentir que não, não serei capaz de funcionar assim, 30 e tantos anos a dar o meu melhor, a viver para a escola e para os alunos, tanta coisa fiz sem almejar nada em troca, a não ser a envolvência dos alunos, poderia escrever e mostrar muitas fotografias (as famosas evidências!!) mas não preciso de provar nada a ninguém (...), agora o que nunca mudarei são princípios e valores só porque fui intimidada, por medo, ou para obter benefícios! Provavelmente vou morrer antes da reforma, porque não sei se aguentarei ver cada vez mais como somos uma classe rendida, vendida, com medo e a funcionar como um rebanho domesticado por lobos maus! Se acreditasse no pai natal pedia-lhe que nos desse consciência de classe e muita lucidez para nunca abdicarmos de nós próprios! (Manuela Queiroz, professora, 20 de Dezembro de 2019, extractos de um depoimento recuperado aqui).
"Nesta altura do campeonato, passados vinte anos desde que iniciei esta carreira ainda consigo ficar sem palavras a cada final de período! Temos as «coordenadeiras» de serviço a mandar falsificar valores, inventar faltas e/ou presenças de jovens que não aparecem na escola; temos a mansidão nos Conselhos de Turma, a incapacidade de algum dos seus membros se insurgirem contra currículos diferenciados que ninguém percebe (...). As atas, essas então, são verdadeiros romances, cheios de utopias, muito aquém da realidade do quotidiano! Temos ainda as falsas notas atribuídas, escondidas por medidas enlouquecidas e emanadas por uns decretos inclusivos que, de inclusão, apenas mostram a mentira! É isto! As escolas parecem a Assembleia da República!!!! Tudo é maravilhoso mas tão aquém da realidade!!! (Professora não identificada, 19 de Dezembro de 2019, extractos de um depoimento recuperado aqui).

O século dos heróis: prémios e distinções

Continuação de texto anterior (O século dos heróis).

A produção exponencial de heróis com direito a "quinze minutos de fama" passou a ser um aspecto normal no funcionamento dos sistemas educativos. Com uma cadência diária, ou quase, temos conhecimento da intenção de distinguir ou da distinção decidida/atribuída a/o(s) melhor(es) escola(s)/universidade(s), projecto(s), iniciativas, professor(es), aluno(s)... Se nos posicionarmos em Portugal, há prémios à escala planetária, europeia, ibérica, nacional, local, de escola/universidade...

O que a escola e a universidade faz, tendo em conta a sua natureza, não é reconhecido pelo valor educativo/de conhecimento que possa ter, com a discrição que se espera: ensinar, aprender, investigar. Se não houver um agraciamento sonoro o trabalho é deitado a perder. O curriculum vitae-tipo de um estudante ou profissional passou, de resto, a incluir um item fixo que tende designar-se por "prémios e distinções".

Surpreende-nos, também, o tipo de prémios: a imaginação tem de ser esticada para se conseguir acrescentar mais um e mais outro à já infinita lista. Acontece que a imaginação é esticada para rotas que se desvinculam da rota da escola e da universidade, para aquelas que, como é evidente, são as das entidades que atribuem os prémios: empresas, fundações, Estado, organizações internacionais, associações científicas e profissionais... A ordem é mais ou menos esta, podendo haver ligações entre estas entidades e, frequentemente, essas ligações existem.

Eis o mais recente exemplo de imaginação para um prémio na escolaridade obrigatória. Certamente que o leitor julgará por si mesmo... 
O Governo (através do Primeiro Ministro, em visita oficial à Índia), e o Ministério da Educação (através do Ministro da Educação), anunciou a atribuição, com periodicidade anual, do Prémio Gandhi de Educação para a Cidadania. A primeira edição será sobre os princípios éticos para o bem-estar animal. O prémio, enquadra-se na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (2017) sendo “inspirado nos pensamentos e afirmações” do líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948). Pretende-se “honrar um grande homem” e “conduzir as suas ideias para um futuro melhor, assente na esperança e na dignidade para todos” (nota retirada da notícia elaborada por Manuel de Almeida/Lusa (aqui). 
Maria Helena Damião e Isaltina Martins

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

O Naufrágio do Serviço Nacional de Saúde

Meu artigo de opinião publicado hoje no "Diário as Beiras": 

“Tudo o que sucede, sucede por alguma razão” 
(Gabriel Garcia Marquez). 

Lia-se, há dias, no "Observador": "O presidente da União de Misericórdias deixa um aviso: Se o Governo não aumentar as comparticipações por utente já em Janeiro há unidades em risco de fechar". No que respeita à prestação dos cuidados de saúde prestados pelas Misericórdias aos deserdados da fortuna (vulgo, pobres), tem ela raízes profundas no Estado Novo. Sei do que falo, meu sogro médico e outros colegas prestavam essa assistência “pro bono”, isto é, como se diz na gíria, “de borla”!

Esta notícia do “Observador” é uma gota de água no "mare magnum" de notícias que circulam nos media sobre a morbidez do SNS e uma prova do egoísmo nacional para quem os problemas da saúde só interessam quando a doença bate à porta de um ilustre cidadão com todo o cortejo de infortúnio que traz. 

Qual a moral, portanto, em o Governo Socialista “chorar lágrimas de crocodilo” despreocupado, que está, com o estado de saúde de todos os portugueses deixando correr o marfim de um “elefante branco” que conta com o sacrifício de uns tantos médicos e enfermeiros do SNS em doação a quem sofre.

Num mundo de egoísmo, será que o Governo pensa com o seu apertar da bolsa ao SNS encontrar em cada canto um médico alemão, Albert Schweitzer, que foi para o Gabão para se entregar de alma e coração aos seus leproso? Ou deparar-se em cada esquina com uma enfermeira inglesa, Florence Nighingale, que na Guerra da Crimeia tratava de soldados vítimas de cólera, doença que ceifava vidas sem conta e altamente contagiosa? 

Passa-se isto num país em que os escândalos que impendem sobre a administração dos dinheiros do erário público, destinados ao SNS e à Saúde Convencionada, passam ao largo de um navio que se afunda levando consigo no porão doentes que gritam por SOS sem que ninguém os ouça. Muito menos, os acuda!

E neste naufrágio, sem simples boias para náufragos, conhece o SNS ondas alterosas do tipo da Nazaré por continuarem a serem assinadas convenções com grandes grupos económicos em modalidades convencionadas por pequenas clínicas mesmo que chegam para as encomendas, correndo, “ipso facto”, o risco de desaparecerem por passar a vigorar a lei do mais forte, em que os tubarões engolem os peixes mais pequenos.

Então os médicos que trabalham em clínicas sobreviventes passarão a ser pagos com honorários semelhantes aos do SNS, mas com a exigência que o “patrão", ditar. Só então o SNS sairá do estado de coma com médicos sem ser em fuga porque mal pagos em instalações hospitalares carenciadas de tudo e mais alguma coisa!

Trata-se esta minha intervenção, mais do que uma crítica ao correr da pena, de um SOS para que os pobres e remediados não continuem a esperar anos e anos por uma simples consulta da especialidade no SNS ou já tenham morrido quando finalmente chega um ofício a anunciar não a ansiada operação cirúrgica, mas uma espécie de segunda certidão de óbito!

RELIGIÃO E GLOBALIZAÇÃO, EM LISBOA


quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

O DECÁLOGO DO BRINQUEDO

Na sequência de texto anterior de Mário Frota (apDC - DIREITO DO CONSUMO - Coimbra)  publicamos o seu Decálogo do brinquedo" para ponderação de todos, em especial de produtores, vendedores, compradores... 
1.º Não enredarás crianças e jovens em MENSAGENS DE PUBLICIDADE eivadas de ARTIFÍCIOS, SUGESTÕES E EMBUSTES com o objectivo de te insinuares e lhes impingires brinquedos a qualquer preço 
2.º Preservarás a SAÚDE E SEGURANÇA DE CRIANÇAS E JOVENS, prevenindo riscos e perigos potenciados por brinquedos falhos de requisitos técnicos de segurança
3.º Cuidarás em particular de CRIANÇAS ATÉ AOS 36 MESES face à peculiar condição e à hipervulnerabilidade de que a primeira infância se reveste. 
4.º Acautelarás os riscos inerentes ÀS PROPRIEDADES FÍSICAS E MECÂNICAS dos brinquedos, tal como as normas harmonizadas ditadas pela União Europeia o prescrevem. 
5.º Terás em conta as regras sobre INFLAMABILIDADE dos brinquedos para evitar que crianças e jovens se queimem quando inocentemente pegarem num desses objectos para brincar. 
6.º Observarás com rigor as exigências técnicas no que toca às PROPRIEDADES QUÍMICAS que os brinquedos incorporem, evitando riscos e perigos desnecessários. 
7.º Cumprirás escrupulosamente as prescrições no que toca às PROPRIEDADES ELÉCTRICAS para evitar descargas lesivas da integridade física de crianças e jovens. 
8.º Excluirás a RADIOACTIVIDADE dos brinquedos, impondo aos fabricantes a observância inteira das regras globais a tal propósito estabelecidas. 
9.º Só aporás a declaração de conformidade CE, se tudo, absolutamente tudo, estiver em consonância com as exigentes normas vigentes. 
10.º Farás acompanhar os brinquedos de MANUAIS DE INSTRUÇÃO inteligíveis, em linguagem simples, acessível e compreensível, destinados a todos os públicos, para obviar a nefastas consequências daí decorrentes.” 
Mário FROTA apDC - DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Carlos Portela distinguido como Professor do Ano 2019



Com a devida vénia do diário As Beiras. Parabéns, Carlos!

Carlos Portela, professor de Ciências Físico-Químicas na Escola Secundária Dr. Joaquim de Carvalho, na Figueira da Foz, desde 1992, vai receber, esta sexta-feira, a distinção de “Professor do Ano -2019”, galardão atribuído pela Casa das Ciências, projeto associado ao EDULOG, Fundação Belmiro de Azevedo, focado na melhoria da aprendizagem das ciências nas escolas portuguesas.

A Casa das Ciências, que completa, em 2019, 12 anos de atividade, “distingue anualmente um professor a quem reconhece o mérito como docente do ensino básico ou secundário e da sua disponibilidade de partilhar a sua experiência com os colegas”, realça a nota enviada ao DIÁRIO AS BEIRAS pela Casa das Ciências.

Nesta edição do Professor do Ano, a escolha da Comissão Editorial da Casa das Ciências, que é constituída por oito elementos, dois da Universidade da Coimbra (Jorge Canhoto e Luís Duarte), recaiu no professor da Escola Secundária Dr. Joaquim de Carvalho, Carlos Portela.

A comunicação destaca o papel de Carlos Portela, “uma personalidade bem conhecida e muito influente na comunidade do ensino secundário das ciências em Portugal”.

O prémio é entregue esta sexta-feira, 19 de dezembro, numa cerimónia realizada na UPTec, Parque de Ciência e Tecnologia da Universidade do Porto.

 “Distinguir o Carlos Portela como professor do ano da Casa das Ciências é tão merecido que as palavras servem de pouco”, referiu, citada na mesma nota, a presidente da Sociedade Portuguesa de Física, Maria da Conceição Abreu.

 Nascido em Moçâmedes, Angola, em 1966, Carlos Portela reside na Figueira da Foz desde 1992. Licenciado em Física (1990) e mestre em Ensino da Física e da Química (1995), pela Universidade de Coimbra, exerce atividade letiva nos ensinos básico e secundário desde 1988.

Carlos Portela também “dinamiza atividades de promoção da ciência (projetos, exposições, feiras de ciência e conferências)”, revela a comunicação.

Alguns dos seus alunos participaram na International Physics Olympiad e na Olimpíada Ibero-americana de Física. Carlos Portela a está também ligado a ações de formação para professores, desde 1999.

No ano de 2005 recebeu uma menção honrosa no Concurso Rómulo de Carvalho, dinamizado pela Sociedade Portuguesa de Física, sendo também responsável pela criação de vários materiais didáticopedagógicos. E.P:

terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Sísifo e o sentido da vida

Que moralidade têm os países para pedir às escolas e aos professores para resolverem os problemas de sustentabilidade do mundo?

Na continuação de texto anterior (aqui)


“Age de tal modo que haja uma vida depois de ti”.
Hans Jonas (1903-1993)

Depois de 25 anos de negociações ao mais alto nível da política internacional, realizou-se na primeira quinzena deste mês, em Madrid, mais uma Conferência das Nações Unidas focada nas alterações climáticas. O seu lema foi: "É tempo de agir". Na verdade, "era" tempo de agir. Melhor: era, há muito tempo, tempo de agir. Porém, não foi possível, mais uma vez, regulamentar o famoso Artigo 6.º do Acordo de Paris, referente às emissões de carbono (ver, por exemplo, aqui e aqui), ainda que os problemas de sustentabilidade da terra (destacados na Agenda do Horizonte 2030 da ONU), estejam longe de se reduzir a elas.

Nessa Cimeira estiveram representados mais de duzentos países, em cujo currículo escolar terão destacada a educação ambiental, a educação para a sustentabilidade, ou uma educação que se assemelhe; nas suas escolas haverá projectos, actividades e dinâmicas de sensibilização das crianças, dos jovens, das famílias, da comunidade para os múltiplos perigos que espreitam a vida (humana, animal e vegetal) e o planeta.

Que moralidade têm esses países, depois de Paris e de todas as outras reuniões que realizaram até esta Cimeira, para, através dos seus ministérios da educação, solicitarem às escolas e aos professores uma acção empenhada e eficaz em matéria de tão grande relevância e para a qual não conseguem um entendimento? De resto, estamos perante um problema que só pode ser debelado por via de uma acção política forte e segura. A escola e os seus professores pouco ou nada podem fazer, além do que já fazem.

Hans Jonas, filósofo que formulou o "princípio da responsabilidade", que acima transcrevi, teve o cuidado de sublinhar que ele é dirigido mais à acção pública, envolvendo, em primeira instância, a política, do que ao comportamento individual.
___________
Jonas, H. (1995). El principio de la responsabilidad. Ensayo de una ética para la civilización tecnológica. Barcelona: Herder

segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

DOZE LIVROS DE CIÊNCIA PARA O NATAL




O Natal é tempo de prendas e o livro continua a ser uma das melhores prendas. Escolhi doze livros de ciência que se publicaram em Portugal no ano de 2019, que são boas prendas agora ou noutra altura qualquer. A ordem é a alfabética do apelido do autor. Entre parêntesis indica-se o ano da edição original quando se trata de uma tradução.

- BOSTROM, NICK. “Superinteligência. Caminhos, perigos, estratégias”, Relógio d´Água. (2014).
O autor, filósofo em Oxford, discute os avanços da inteligência artificial e a possibilidade de um dia os computadores virem a ultrapassar completamente os seres humanos, a chamada “singularidade tecnológica”.

- BROOKE-HITCHING, EDWARD. “O Atlas Dourado. As grandes expedições e descobertas em mapas”, Bertrand. (2018)
Um fellow da Royal Geographical Society britânica conta 37 grandes explorações por meio de mapas antigos. Também lá vêm, como não podia deixar de ser, as viagens marítimas dos portugueses. Um livro ilustrado que é um prazer para os olhos.

- CORDEIRO, CRISTINA (com AGUIAR, MANUEL, fotogr. ). “Museus Centenários de Portugal”, vol. 1 1772-1894 (ed. bilingue), CTT.
Outro coffee-table book, na linha dos livros dos CTT, sobre os museus portugueses mais antigos. Qual é o museu português mais antigo? Remonta a 1722 e é o Gabinete de História Natural, iniciado pelo italiano Vandelli, que hoje faz parte do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra.

- COSTA, ANTÓNIO AMORIM (coord.). “Primeiro Tratado de Química”, vol. 30 das Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa, Círculo de Leitores.
Com este volume findou a colecção “Obras Pioneiras da Cultura Portuguesa”, que coordenei com José Eduardo Franco. O livro em causa, devidamente apresentado e anotado, é “Elementos de Chimica” de Vicente Coelho Seabra (1788), obra que precedeu de um ano a obra mais famosa de Lavoisier.

- FERNANDEZ, OSCAR E., “O Cálculo da Felicidade. Como uma abordagem matemática da vida dá saúde, dinheiro e amor”, Gradiva. (2017)´
Parece um livro de auto-ajuda, mas é muito mais do que isso. Através de conceitos que as pessoas associam à felicidade, um matemático norte-americano introduz conceitos de matemática.

- MIODOWNIK, MARK. “A Vida Secreta dos Líquidos. As Substâncias Mágicas que Fluem pelas Nossas Vidas”, Bizâncio. (2018)
Um físico do University College de Londres, com um livro premiado sobre materiais, apresenta aqui as propriedades dos líquidos, algumas delas bastante estranhas.

- PÄÄBO, SVANTE. “O Homem de Neandertal. Em busca dos genomas perdidos”, Gradiva. (2014).
O geneticista sueco, que dirige o Instituto de Max Planck para Antropologia Evolucionista na cidade alemã de Leipzig, conta aqui a odisseia que foi a sequenciação completa do homem de Neandertal, uma espécie semelhante ao Homo Sapiens, com quem nos cruzámos. Pääbo deu em Coimbra em 2019 uma palestra sob os auspícios da Fundação Francisco Manuel dos Santos.

- PEARL, JUDEA e MACKENZIE, DANA. “O Livro do Porquê. A Nova Ciência da Causa e do Efeito”, Temas e Debates e Círculo de Leitores. (2018)
Um cientista de computação na Universidade da Califórnia – Los Angeles (pai do jornalista Daniel Peral, assassinado por terroristas paquistaneses) laureado com o prestigiado Alan Turing Award juntou-se a um matemático e escritor de ciência para explicar o significado de causalidade.

- ROVELLI, CARLO, “A Realidade não é o que Parece. A Natureza alucinante do Universo”, Contraponto. (2017)
O físico teórico italiano que é especialista em gravidade quântica e autor do best-seller “Sete lições sobre os fundamentos da Física” expõe aqui os mistérios da sua disciplina. Como juntar as teorias quântica e da relatividade geral? Rovelli esteve em Lisboa em 2019.

- RUTHERFORD, ADAM, “Uma breve história de todas as pessoas que já viveram. O que os nossos genes têm para nos contar”, Desassossego /Saída de Emergência. (2017)
Um geneticista britânico expõe de modo simples as complicações da genética: como, por exemplo, somos todos descendentes de Carlos Magno? Tal como Pääbo e Rovelli, Rutherford esteve em 2019 em Portugal.

- SILVA, MIGUEL OLIVEIRA DA. “Quem está contra a Medicina?”, Caminho.
Num tempo em que as ciências – em particular a medicina – está sob o ataque de charlatães, um médico português faz uma vigorosa defesa da ciência.

- WALLACE-WELLS, “A Terra Inabitável. Como Vai Ser a Vida pós-Aquecimento Global”, Lua de Papel. (2019).
Um jornalista norte-americano fala da tragédia representada pelas alterações climáticas. Se não mudarmos de caminho, o pior poderá estar para vir. Escrevi o prefácio.

Boas Festas e Bom ano de 2020, com continuação de boas leituras!