terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Mais uma vez o PISA!

Ao final da tarde alguém me avisou: saíram os resultados do PISA, o programa de avaliação do desempenho dos estudantes com 15 anos da OCDE. Não pude deixar de pensar: outra vez! Há quase duas décadas, de três em três anos, o mesmo cenário: o voluntariado obediente dos países à passagem dos testes e questionários, a que se segue uma longa espera, não sem temor dos resultados; os tratamentos estatísticos que parecem esgotar todas as possibilidade de tratamento dos muitos dados recolhidos; pormenorizadas e fastidiosas análises académicas; múltiplas opiniões na praça pública que retomam argumentos estafados; acusações políticas (mútuas) de todos os quadrantes partidários; e, evidentemente, num retorno neo-liberal do behaviorismo mais atávico, distribuição de elogios e punição a países, regiões, escolas e professores.

De qualquer maneira, espreitei online... E detive-me num artigo com o título Os resultados do PISA: para lá da culpa e da esperança, assinado Luís Miguel Carvalho, professor do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (in jornal Público). Pelas ideias e pela ponderação informada, sem dúvida que valerá a pena lê-lo (da versão original cortei breves passagens):
Com duas décadas de vida, o PISA é acolhido com uma atenção e reverência nunca atribuídas a avaliações congéneres. Neste dia, mais do que a receção mediática, ampliada pela pontual competência da OCDE na gestão da informação, saliento que os resultados do PISA são aceites, por muitos, exatamente como a OCDE os apresenta: um espelho tão perfeito da educação que com ele se monitoriza o desempenho do país.  
A minha posição é inteiramente outra: observo-o como tecnologia de governo, por forma a vir a compreender os mecanismos de administração da vida educativa e a influência em educação das organizações internacionais. É por essa razão que não tenho a veleidade de explicar os resultados do PISA; antes me interessa o seu significado político, em educação. Como tal, nestas notas, quero chamar a atenção para três ideias: os custos de confiar no PISA, as suas limitações e a prudência no seu uso na ação pública. 
Custos da confiança 
Parte da confiança atribuída ao PISA não se encontra na sua qualidade técnica (que detém, apesar de epistemológica e metodologicamente criticável), nem na criação pela OCDE de uma ecologia favorável ao seu uso (que é relevante), mas em forças institucionais. Entre estas destaco a objetividade culturalmente conferida aos números e a perceção da OCDE como entidade que diz a verdade. Sobre a primeira, recordarei, à luz de outros, que os números do PISA não falam por si, mas só quando inseridos nos discursos sobre educação. Assim, os cristalinos e robustos números servem para legitimar o mantra da aprendizagem do séc. XXI (resolve problemas, conduz-se como um empreendedor, capacita-se para uma vida de formação para a empregabilidade) e do conhecimento utilitário que a Escola deve preferir (o que funciona e resolve problemas do dia-a-dia). Quanto à segunda, e quando a qualquer um parece impossível perguntar qual o custo-benefício da participação no PISA, um outro preço subsiste, pois a naturalização do PISA como espelho implica a obediência a uma regra no governo da educação: o teste estandardizado realizado por estudantes de 15 anos em 3 horas é o meio pertinente para capturar a complexidade educacional e a qualidade dos sistemas de ensino. Esta dependência situa os decisores num espaço cooperativo-competitivo mundial no qual a comparação dos resultados autoriza o exercício de um poder moralizante, por via da atribuição de culpas e virtudes aos sistemas, seus reguladores e agentes. 
Limitações 
Os resultados do PISA resultam de um teste estandardizado que, como qualquer outro, tem limitações. Lembro duas. (1) Os resultados são largamente determinados por fatores extrínsecos às práticas escolares, designadamente por fatores socioeconómicos e culturais, pelo que a variação dos resultados não pode basear-se apenas em observações, exigências e políticas sobre as escolas e os professores. Precisa, também, ser analisada e procurada em políticas sociais efetivas e em exigências ao sistema social. (2) Nenhum teste estandardizado pode estar ajustado ao que é procurado pelo ensino em cada contexto específico de ação, pelo que são necessárias outras ferramentas com essa capacidade (..). Deixando as insuficiências próprias ao tipo de avaliação, nas análises dos resultados, noto o cansaço provocado pela repetição ad nauseam, ou por perda momentânea de memória, de uma ideia com 40 anos: as escolas fazem a diferença. Quer seja consequência do modelo de análise seguido ou inconsciente preservação de um mito necessário, a conclusão acrescenta pouco valor ao conhecimento sobre educação. 
Prudência 
Prudência é a palavra que encontro para sintetizar melhor a atitude face aos resultados do PISA, quaisquer que sejam, e para enfrentar os poderes que desencadeiam, de culpa e de esperança. Por isso, exprime um convite ao realismo pluralmente informado, com uso de dados quantitativos e extensivos, indispensáveis para compor séries ininterruptas e longitudinais dos alunos (uma incapacidade metodológica do PISA, note-se) e dados da ação educativa contextualizada, sem descartar especulação e opinião. Tudo isto é necessário, para que o debate democrático não seja feito em função de dados gerados por peritos escolhidos pela OCDE, Estados e redes profissionais (...).

1 comentário:

Anónimo disse...

“Deixando as insuficiências próprias ao tipo de avaliação, nas análises dos resultados, noto o cansaço provocado pela repetição ad nauseam, ou por perda momentânea de memória, de uma ideia com 40 anos: as escolas fazem a diferença.”

O que verdadeiramente faz a diferença é o conhecimento!
Nas escolas portuguesas; ouve-se, frequentemente, em plenas reuniões dos conselhos de turma:
- Ó colegas, é bem melhor que os nossos alunos adolescentes se divirtam na escola, com atitudes e comportamentos estúpidos próprios da idade, não ligando patavina à matéria dada, do que andem lá fora, na rua, metidos em negócios de droga.
Quer dizer, frequentar a escola não é visto como um meio de elevação da pessoa. Frequentar a escola é, antes de mais, cumprir uma obrigação legal, para inglês ver. Neste contexto absurdo, a sabedoria é um apêndice flexível, facilmente descartável!

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...