A "Agenda do Horizonte 2030", aprovada em 2015 na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, é orientada por duas palavras: "sustentabilidade" e "bem-estar". O currículo escolar volta a ser reformulado em função do "quarto objectivo" dessa Agenda: reforça-se a educação para a cidadania como panaceia para resolver as feridas do mundo (natural e humano) que alastram a olhos vistos.
Acontece que a vocação da escola não é curar essas feridas, pelo menos a curto prazo: é educar, na esperança de que um dia alguns as curem ou as minimizem. É à política que cabe curar ou minimizar as feridas do mundo porque a sua vocação é cuidar da pólis, agora alargada à escala global.
E mesmo que a escola prepare para a política, guiada pelos princípios que a devem guiar (evidentemente que deve fazê-lo), a sua acção não pode salvar o mundo. Podemos ir mais longe para dizer que a solicitação feita à escola para curar essas feridas não passa de uma mistificação para se dar a entender que elas estão a ser curadas quando, na verdade, estão a ser escavadas até ao osso.
Digo isto a propósito da Cimeira do Clima (promovida pela mesma Organização das Nações Unidas, que se encontra em prolongamento neste fim-de-semana, num impasse que não augura nada de bom (ver, por exemplo, aqui). Como poderão os mesmos políticos, depois daquilo que dela vem a público (e daquilo que não vem), pedir à escola que se empenhe na concretização (imediata, porque é disso que se trata) do "quarto objectivo"?
Newton Duarte (2010, 33), investigador da Educação, tem procurado explicar as contradições em que, sem darmos conta, temos caído: directores de escolas, professores, etc. Talvez seja tempo de percebermos que, pensando estarmos a fazer parte da solução, estamos a fazer parte do problema, aceitando responsabilidades primeiras que não temos em detrimento da que é a nossa: ensinar.
“Visão idealista da educação. O adjectivo «idealista» é usado aqui não com referência à adesão a ideais, mas com referência ao princípio segundo o qual os problemas sociais são resultado de mentalidades erróneas, acarretando a crença de que a difusão pela educação de novas ideias entre os indivíduos, especialmente os das novas gerações, levaria à superação daqueles problemas. Por exemplo, a violência crescente na contemporaneidade poderia ser combatida por uma educação para a paz. A destruição ambiental poderia ser revertida por programas de educação ambiental. O desemprego poderia ser superado por uma formação profissional adequada às, supostamente, novas demandas do mercado de trabalho ou pela difusão da ideologia do empreendedorismo. Esse idealismo chega ao extremo de acreditar ser possível formar, no mesmo processo educativo, indivíduos preparados para enfrentar a competitividade do mercado e imbuídos do espírito de solidariedade social.”Duarte, N. (2010). O debate contemporâneo das teorias pedagógicas. In L. M Martins & N. Duarte (Orgs.) Formação de professores. Limites contemporâneos e alternativas necessárias. São Paulo: Editora UNESP/ Cultura Académica.
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