domingo, 22 de dezembro de 2019

O século dos heróis: prémios e distinções

Continuação de texto anterior (O século dos heróis).

A produção exponencial de heróis com direito a "quinze minutos de fama" passou a ser um aspecto normal no funcionamento dos sistemas educativos. Com uma cadência diária, ou quase, temos conhecimento da intenção de distinguir ou da distinção decidida/atribuída a/o(s) melhor(es) escola(s)/universidade(s), projecto(s), iniciativas, professor(es), aluno(s)... Se nos posicionarmos em Portugal, há prémios à escala planetária, europeia, ibérica, nacional, local, de escola/universidade...

O que a escola e a universidade faz, tendo em conta a sua natureza, não é reconhecido pelo valor educativo/de conhecimento que possa ter, com a discrição que se espera: ensinar, aprender, investigar. Se não houver um agraciamento sonoro o trabalho é deitado a perder. O curriculum vitae-tipo de um estudante ou profissional passou, de resto, a incluir um item fixo que tende designar-se por "prémios e distinções".

Surpreende-nos, também, o tipo de prémios: a imaginação tem de ser esticada para se conseguir acrescentar mais um e mais outro à já infinita lista. Acontece que a imaginação é esticada para rotas que se desvinculam da rota da escola e da universidade, para aquelas que, como é evidente, são as das entidades que atribuem os prémios: empresas, fundações, Estado, organizações internacionais, associações científicas e profissionais... A ordem é mais ou menos esta, podendo haver ligações entre estas entidades e, frequentemente, essas ligações existem.

Eis o mais recente exemplo de imaginação para um prémio na escolaridade obrigatória. Certamente que o leitor julgará por si mesmo... 
O Governo (através do Primeiro Ministro, em visita oficial à Índia), e o Ministério da Educação (através do Ministro da Educação), anunciou a atribuição, com periodicidade anual, do Prémio Gandhi de Educação para a Cidadania. A primeira edição será sobre os princípios éticos para o bem-estar animal. O prémio, enquadra-se na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania (2017) sendo “inspirado nos pensamentos e afirmações” do líder indiano Mahatma Gandhi (1869-1948). Pretende-se “honrar um grande homem” e “conduzir as suas ideias para um futuro melhor, assente na esperança e na dignidade para todos” (nota retirada da notícia elaborada por Manuel de Almeida/Lusa (aqui). 
Maria Helena Damião e Isaltina Martins

3 comentários:

Anónimo disse...

Os formandos/ professores nas escolas básicas e secundárias portuguesas devem, no final de cada período letivo, avaliar a criatividade de todos cada um dos seus formandos/ alunos, como muita, pouca, ou nenhuma, apondo uma cruzinha no quadradinho respetivo. A burrice da burocracia educativa vai por aí fora, porque os professores e educadores de infância são funcionários que se comprazem em cumprir ordens.
Já para não falar no Professor Doutor António de Oliveira Salazar, cuja política educativa ia beber à fonte do catolicismo cristão, que propõe à juventude um mundo baseado no amor entre todos os homens e mulheres, porque não instituir um prémio de educação para a cidadania tomando como modelo a figura humanista de um português, como o “engenheiro” José Sócrates, com créditos firmados em estudos sobre a tortura em democracia, nas Novas Oportunidades, para velhos e novos, nas licenciaturas por equivalência, ao domingo, nos indestrutíveis computadores Magalhães, na Área de Projeto, de cariz obrigatório, e na entrada na linha dos professores dos ensino básico e secundário, juntamente com os educadores de infância?!

Anónimo disse...

Música de fundo para a leitura da notícia :
https://www.youtube.com/watch?v=qc0ZwEDGq6U

Helena Damião disse...

Prezados Leitores
Conheço bem as grelhas em causa com os seus itens, especificações e respectivos quadradinhos. Não pode haver instrumentos de avaliação mais desconcertantes, não têm qualquer justificação na investigação pedagógica digna desse nome; introduzem na apreciação dos alunos elementos claramente ideológicos, subjectivos. E, no entanto, elas estão em todas as escolas, replicam-se e usam-se... Talvez porque muitos professores e educadores são entendidos e, sobretudo, entendem-se (entendemo-nos) como funcionários que cumprem o que lhe (nos) é dito para cumprir em vez de se entenderem (nos entendermos) como intelectuais que agem em função de princípios.
Cordialmente,
MHDamião

UM TIPO DE CENSURA DE LIVROS AINDA SEM DESIGNAÇÃO

Não sabemos ao certo, mas podemos colocar a hipótese, muito plausível, de a censura da expressão humana, nas suas mais diversas concretizaçõ...