Manuel Heitor, Ministor da Ciência e Ensino Superior, e Alexandre Quintanilha, presidente da Comissão Parlamentar de Educação e Ciência, irão estar na próxima quinta-feira à conversa com o jornalista Vasco Trigo, na Biblioteca Municipal de Oeiras.
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
Em favor de António Sampaio da Nóvoa
Meu discurso no jantar-comício de sexta-feira passada em Coimbra como Presidente da Comissão de Honra Distrital da Candidatura de António Sampaio da Nóvoa a Presidente da República, lugar que aceitei por dever de cidadania:
Caras Amigas e Amigos
O meu candidato – o nosso candidato a Presidente da República – é António Sampaio da Nóvoa. Sou como ele independente – nunca militei nem sequer nunca apoiei qualquer partido político -, mas isso nada me diminuiu nem diminui como cidadão. A eleição à Presidência da República é uma ocasião da nossa democracia onde podemos escolher candidatos que vêm de fora dos partidos. Vou votar em Sampaio da Nóvoa porque a possibilidade hoje bem real de termos um cidadão independente a ocupar a Presidência da República significa o amadurecimento da democracia portuguesa. Nada tenho em abstracto contra os partidos – embora tenha algumas coisas em concreto contra o que tem sido o comportamento dos partidos nacionais ao ocuparem por vezes de forma tão excessiva quanto fútil a totalidade do espaço político. Mas uma democracia que se esgote nos partidos não o é verdadeiramente. Precisamos de uma participação mais alargada. Ora a eleição uninominal do Presidente da República é uma excelente altura para que mais cidadãos sintam que a democracia é com eles. Em 1995 participei na res publica apoiando a candidatura de Jorge Sampaio, que ganhou à primeira volta a Aníbal Cavaco Silva. Se em 2016, como espero, Sampaio da Nóvoa ganhar será a segunda vez que eu voto num Presidente Sampaio...
Rompido o cerco atrofiador da austeridade, abriu-se ontem um novo ciclo político – finalmente temos discussões relevantes na Assembleia da República, que deixou de ser uma mera caixa de ressonância do governo, e finalmente pudemos ver todos os partidos presentes na tomada de posse de um governo. Estamos a entrar num tempo de normalidade e acho perfeitamente normal – direi mesmo o apogeu da normalidade - que seja eleito um independente para árbitro do jogo político. Tenho a certeza de que o Presidente António Sampaio da Nóvoa será isento: deixará a Assembleia da República e o governo exercerem as funções que constitucionalmente lhes estão cometidas. Do Presidente da República espera-se independência e isenção em eventuais alturas de crise (ninguém as deseja mas podem ocorrer e, quando ocorrer, esperamos que o Presidente represente os portugueses que os elegeram e não os mercados).
Mas não votarei em Sampaio da Nóvoa apenas por ele ser independente e isento. Votarei nele porque tenho a certeza que saberá representar bem os portugueses e transmitir-lhes ideais mobilizadores. O Presidente pode não ter, fora de situações de crise, muitos poderes no nosso sistema político, mas tem sempre o poder da palavra. E as palavras importam, as palavras traduzem ideias e determinam o futuro. São as palavras que nos orientam no meio da incompreensão e da incerteza. Há palavras salvadoras. Há palavras que trazem futuro. As palavras que queremos ouvir como determinantes de futuro são, decerto, democracia, liberdade, solidariedade, mas também ciência, educação e cultura. E todas essas palavras têm sido proferidas, sem dúvidas nem equívocos, por Sampaio da Nóvoa.
Sampaio da Nóvoa como Reitor da Universidade de Lisboa, uma universidade que ele reformou a partir de dentro (não é, portanto, verdade, que as universidades não se auto-reformem!), colocou à cabeça a ciência. A ciência é o conhecimento do mundo, mundo do qual faz parte o homem. A ciência é feita pelo homem e para o homem. Ciência é uma boa palavra e gostaria de viver num país onde as boas palavras determinassem as boas acções. Antero de Quental, no manifesto de 1871 que anunciava as Conferências Democráticas, texto co-assinado por Eça de Queiroz, falava da necessidade de “agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna”, um modo de falar da necessidade de desenvolvimento. Na conferência Causa da Decadência dos Povos Peninsulares Antero escreveu:“A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu sobretudo pela ciência: foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradámos, que nos anulámos.” Hoje, se queremos ter futuro temos de ter conhecimento. Ninguém pode viver bem num mundo que não conhece. A extraordinária aceleração recente do desenvolvimento da sociedade humana deveu-se preciosamente à ciência. Mas, se o nosso atraso vem da falta de ciência, de onde vem a falta de ciência? Continuo a ler Antero: “Dessa educação, que a nós mesmo demos durante três séculos, provêm todos os nossos males presentes.” A nossa falta de ciência proveio da nossa falta de educação. Quando falamos de ciência, temos sempre de referir a escola. Os nossos avôs e bisavôs não frequentaram a escola ou, quando a frequentaram, receberam dela uma educação deficitária. Ficámos feridos com a nossa falta de escola.
Sampaio da Nóvoa conhece bem a História da Educação em Portugal e no mundo, pois tem um doutoramento em Educação em Genebra e outro em história em Paris. Poucos portugueses estarão tão bem preparados como ele para compreender o nosso país. O caso do atraso educativo português faz aliás parte dos manuais de história do desenvolvimento. O livro do professor de Economia da Universidade de Harvard, David Landes, "A Riqueza e Pobreza das Nações", com o subtítulo "Por que é que alguns países são ricos e outros pobres", põe o dedo na nossa ferida, identificando o problema do analfabetismo: “O contraste no analfabetismo entre os países do Sul e os do Norte da Europa é indubitavelmente grande. Por volta de 1900, 3 por cento da população da Grã Bretanha era analfabeta, o número para a Itália era 48 por cento, para Espanha 56 por cento, e para Portugal 78 por cento”. O nosso défice de qualificações é o grande drama nacional que urge ultrapassar. Ainda hoje há 5% de analfabetos. E, apesar dos grandes progressos sos últimos tempos, estamos na cauda da Europa na qualificação da população activa. Sampaio da Nóvoa lembra-nos que ainda nos falta escola, falta-nos uma escola que persista no trabalho e prepare para o trabalho persistente. Numa entrevista recente citou uma carta de protesto dos pais de alunos de liceu 1933, estava o Estado Novo a nascer. Diziam os pais sobre a sua prole: “Os nossos filhos são capazes de esforços mentais intensos mas curtos, são rebeldes ao esforço lento, à tenacidade, à persistência e à continuidade (...) são vontades facilmente vencidas e tornadas inertes pela monotonia das ocupações mentais.” Hoje a questão persiste, pois numerosas mentes permanecem inertes, ocupadas com a televisão e as redes sociais.
A condição e o resultado da ciência e educação é a cultura. Sampaio da Nóvoa é um homem culto: leu Antero de Quental e os republicanos como Bernardino Machado que, no começo do século XX, se preocupavam com a ciência, a educação e a cultura. Leu António Sérgio, que conhece especialmente – cito Sérgio sobre a cultura: “a cultura não é um enchimento, uma recepção, uma absorção de ideias, uma ingestão de noções: é uma ginástica, um trabalho de espírito sobre si proprio, um aguçamento das faculdades críticas” e, noutro trecho, “o problema da cultura, o problema da mentalidade: este é, se me não engano, o problema característico de Portugal moderno, e o mais grave dos problemas da sociedade portuguesa.” Mas leu também Miguel Torga, o médico e grande escritor coimbrão que escreveu “mesmo absurda, a esperança é sagrada” - e Sophia de Mello Andresen, a poetisa que escreveu “a cultura é uma das formas de libertação do homem”. Leu Jorge de Sena (engenheiro civil, como Fernando Seabra Santos) e Alexandre O´Neill. Voto em Sampaio da Nóvoa porque também gosto desses autores e gostaria que eles tivessem, entre nós, mais leitores. Apreciei uma resposta de Nóvoa numa entrevista onde ele diz que trocava um jantar social por umas horas numa biblioteca. Eu também troco, excepto o jantar de hoje claro.
Por último, falemos de Coimbra. Sampaio da Nóvoa teve um período de formação em Coimbra. Entrou aqui no curso de Matemática, julgo que dois anos antes de eu entrar no de Física. Matemática, vejam bem, um homem de letras aprendeu matrizes e integrais! Ao mesmo tempo que cursava Matemática, fez aqui um curso prático de futebol, quase chegando a profissional da Académica, que foi e é o seu clube. E entrou aqui num curso prático de teatro, no TEUC (haveria de terminar em Lisboa o Curso do Conservatório para depois ir ensinar artes na Escola do Magistério Primário de Aveiro). Nos anos 60 e 70 quando eu era aluno do Liceu D. João III ia assistir aos treinos de futebol no campo pelado de Santa Cruz, paredes meias com o liceu, e lá estavam craques como Maló, Rui Rodriguies e Crispim. Se calhar foi lá a primeira vez que vi Sampaio da Novoa e, nesse tempo em que o presidente era Américo Tomás, nunca me terá passado pela cabeça que aquele miúdo com jeito para a bola seria um dia candidato a Presidente da República. Estou em crer, contudo, que foi no campo de Santa Cruz que aprendeu algumas qualidades necessárias para a Presidência. Cito uma entrevista de Crispim, que o treinou: “não era um jogador muito veloz, mas era técnica e tacticamente perfeito. Como médio atacante tinha uma visão de jogo incrível e sabia muito bem o terreno onde pisar. Era um moço impecável, educadíssimo, sempre leal, mesmo com os adversários. Nunca, nunca, faltava aos treinos, mesmo com os ensaios do teatro.” Querem melhor recomendação do que esta para votemos nele? O nosso candidato prepara-se, respeita os outros, sabe posicionar-se em campo...
Nunca convivi muito tempo seguido com Sampaio da Nóvoa. Mas basta conviver um pouco com ele, como eu já fiz, para perceber, além dessas qualidades, a sua inteligência, o seu carácter e a sua afabilidade, que não demora a derivar em afecto. E, faço notar, o seu gosto pelas coisas simples, o que explica o seu enorme desprendimento por coisas que a outros são muito apetecíveis (como jantares sociais, por exemplo). Em Inglaterra, num encontro com estudantes portugueses lá residentes, tive o gosto de ser guiado por ele, pois ele tinha alugado uma viatura e posso assegurar-vos que guia muito bem pela esquerda. Em Portugal pude também testemunhar que também guia muito bem pela direita. E, conta quem o viu de bicicleta na Universidade, guia tão bem em quatro rodas como em duas rodas. É este homem, com grande conhecimento de toda uma variedade de caminhos no país e no mundo, que queremos que guie o país.
Convoco o poeta O´Neill: “Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo/, golpe até ao osso, fome sem entretém.” Temos de resolver a questão de Portugal. Estamos aqui precisamente para resolver esse problema. Precisamos do Presidente Sampaio da Nóvoa porque precisamos de mais democracia, mais liberdade, mais solidariedade, mas também de mais ciência, mais educação e mais cultura. Se tivermos alguns ou todos desses acréscimos, não só seremos melhores como seremos mais ricos, intelectual e economicamente mais ricos. Saúdo a coragem dele ao candidatar-se e proponho que juntemos à dele a nossa coragem ao elegê-lo Presidente da República. É para mim uma honra presidir à Comissão de Honra Distrital de Coimbra. Muito obrigado.
Caras Amigas e Amigos
O meu candidato – o nosso candidato a Presidente da República – é António Sampaio da Nóvoa. Sou como ele independente – nunca militei nem sequer nunca apoiei qualquer partido político -, mas isso nada me diminuiu nem diminui como cidadão. A eleição à Presidência da República é uma ocasião da nossa democracia onde podemos escolher candidatos que vêm de fora dos partidos. Vou votar em Sampaio da Nóvoa porque a possibilidade hoje bem real de termos um cidadão independente a ocupar a Presidência da República significa o amadurecimento da democracia portuguesa. Nada tenho em abstracto contra os partidos – embora tenha algumas coisas em concreto contra o que tem sido o comportamento dos partidos nacionais ao ocuparem por vezes de forma tão excessiva quanto fútil a totalidade do espaço político. Mas uma democracia que se esgote nos partidos não o é verdadeiramente. Precisamos de uma participação mais alargada. Ora a eleição uninominal do Presidente da República é uma excelente altura para que mais cidadãos sintam que a democracia é com eles. Em 1995 participei na res publica apoiando a candidatura de Jorge Sampaio, que ganhou à primeira volta a Aníbal Cavaco Silva. Se em 2016, como espero, Sampaio da Nóvoa ganhar será a segunda vez que eu voto num Presidente Sampaio...
Rompido o cerco atrofiador da austeridade, abriu-se ontem um novo ciclo político – finalmente temos discussões relevantes na Assembleia da República, que deixou de ser uma mera caixa de ressonância do governo, e finalmente pudemos ver todos os partidos presentes na tomada de posse de um governo. Estamos a entrar num tempo de normalidade e acho perfeitamente normal – direi mesmo o apogeu da normalidade - que seja eleito um independente para árbitro do jogo político. Tenho a certeza de que o Presidente António Sampaio da Nóvoa será isento: deixará a Assembleia da República e o governo exercerem as funções que constitucionalmente lhes estão cometidas. Do Presidente da República espera-se independência e isenção em eventuais alturas de crise (ninguém as deseja mas podem ocorrer e, quando ocorrer, esperamos que o Presidente represente os portugueses que os elegeram e não os mercados).
Mas não votarei em Sampaio da Nóvoa apenas por ele ser independente e isento. Votarei nele porque tenho a certeza que saberá representar bem os portugueses e transmitir-lhes ideais mobilizadores. O Presidente pode não ter, fora de situações de crise, muitos poderes no nosso sistema político, mas tem sempre o poder da palavra. E as palavras importam, as palavras traduzem ideias e determinam o futuro. São as palavras que nos orientam no meio da incompreensão e da incerteza. Há palavras salvadoras. Há palavras que trazem futuro. As palavras que queremos ouvir como determinantes de futuro são, decerto, democracia, liberdade, solidariedade, mas também ciência, educação e cultura. E todas essas palavras têm sido proferidas, sem dúvidas nem equívocos, por Sampaio da Nóvoa.
Sampaio da Nóvoa como Reitor da Universidade de Lisboa, uma universidade que ele reformou a partir de dentro (não é, portanto, verdade, que as universidades não se auto-reformem!), colocou à cabeça a ciência. A ciência é o conhecimento do mundo, mundo do qual faz parte o homem. A ciência é feita pelo homem e para o homem. Ciência é uma boa palavra e gostaria de viver num país onde as boas palavras determinassem as boas acções. Antero de Quental, no manifesto de 1871 que anunciava as Conferências Democráticas, texto co-assinado por Eça de Queiroz, falava da necessidade de “agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna”, um modo de falar da necessidade de desenvolvimento. Na conferência Causa da Decadência dos Povos Peninsulares Antero escreveu:“A Europa culta engrandeceu-se, nobilitou-se, subiu sobretudo pela ciência: foi sobretudo pela falta de ciência que nós descemos, que nos degradámos, que nos anulámos.” Hoje, se queremos ter futuro temos de ter conhecimento. Ninguém pode viver bem num mundo que não conhece. A extraordinária aceleração recente do desenvolvimento da sociedade humana deveu-se preciosamente à ciência. Mas, se o nosso atraso vem da falta de ciência, de onde vem a falta de ciência? Continuo a ler Antero: “Dessa educação, que a nós mesmo demos durante três séculos, provêm todos os nossos males presentes.” A nossa falta de ciência proveio da nossa falta de educação. Quando falamos de ciência, temos sempre de referir a escola. Os nossos avôs e bisavôs não frequentaram a escola ou, quando a frequentaram, receberam dela uma educação deficitária. Ficámos feridos com a nossa falta de escola.
Sampaio da Nóvoa conhece bem a História da Educação em Portugal e no mundo, pois tem um doutoramento em Educação em Genebra e outro em história em Paris. Poucos portugueses estarão tão bem preparados como ele para compreender o nosso país. O caso do atraso educativo português faz aliás parte dos manuais de história do desenvolvimento. O livro do professor de Economia da Universidade de Harvard, David Landes, "A Riqueza e Pobreza das Nações", com o subtítulo "Por que é que alguns países são ricos e outros pobres", põe o dedo na nossa ferida, identificando o problema do analfabetismo: “O contraste no analfabetismo entre os países do Sul e os do Norte da Europa é indubitavelmente grande. Por volta de 1900, 3 por cento da população da Grã Bretanha era analfabeta, o número para a Itália era 48 por cento, para Espanha 56 por cento, e para Portugal 78 por cento”. O nosso défice de qualificações é o grande drama nacional que urge ultrapassar. Ainda hoje há 5% de analfabetos. E, apesar dos grandes progressos sos últimos tempos, estamos na cauda da Europa na qualificação da população activa. Sampaio da Nóvoa lembra-nos que ainda nos falta escola, falta-nos uma escola que persista no trabalho e prepare para o trabalho persistente. Numa entrevista recente citou uma carta de protesto dos pais de alunos de liceu 1933, estava o Estado Novo a nascer. Diziam os pais sobre a sua prole: “Os nossos filhos são capazes de esforços mentais intensos mas curtos, são rebeldes ao esforço lento, à tenacidade, à persistência e à continuidade (...) são vontades facilmente vencidas e tornadas inertes pela monotonia das ocupações mentais.” Hoje a questão persiste, pois numerosas mentes permanecem inertes, ocupadas com a televisão e as redes sociais.
A condição e o resultado da ciência e educação é a cultura. Sampaio da Nóvoa é um homem culto: leu Antero de Quental e os republicanos como Bernardino Machado que, no começo do século XX, se preocupavam com a ciência, a educação e a cultura. Leu António Sérgio, que conhece especialmente – cito Sérgio sobre a cultura: “a cultura não é um enchimento, uma recepção, uma absorção de ideias, uma ingestão de noções: é uma ginástica, um trabalho de espírito sobre si proprio, um aguçamento das faculdades críticas” e, noutro trecho, “o problema da cultura, o problema da mentalidade: este é, se me não engano, o problema característico de Portugal moderno, e o mais grave dos problemas da sociedade portuguesa.” Mas leu também Miguel Torga, o médico e grande escritor coimbrão que escreveu “mesmo absurda, a esperança é sagrada” - e Sophia de Mello Andresen, a poetisa que escreveu “a cultura é uma das formas de libertação do homem”. Leu Jorge de Sena (engenheiro civil, como Fernando Seabra Santos) e Alexandre O´Neill. Voto em Sampaio da Nóvoa porque também gosto desses autores e gostaria que eles tivessem, entre nós, mais leitores. Apreciei uma resposta de Nóvoa numa entrevista onde ele diz que trocava um jantar social por umas horas numa biblioteca. Eu também troco, excepto o jantar de hoje claro.
Por último, falemos de Coimbra. Sampaio da Nóvoa teve um período de formação em Coimbra. Entrou aqui no curso de Matemática, julgo que dois anos antes de eu entrar no de Física. Matemática, vejam bem, um homem de letras aprendeu matrizes e integrais! Ao mesmo tempo que cursava Matemática, fez aqui um curso prático de futebol, quase chegando a profissional da Académica, que foi e é o seu clube. E entrou aqui num curso prático de teatro, no TEUC (haveria de terminar em Lisboa o Curso do Conservatório para depois ir ensinar artes na Escola do Magistério Primário de Aveiro). Nos anos 60 e 70 quando eu era aluno do Liceu D. João III ia assistir aos treinos de futebol no campo pelado de Santa Cruz, paredes meias com o liceu, e lá estavam craques como Maló, Rui Rodriguies e Crispim. Se calhar foi lá a primeira vez que vi Sampaio da Novoa e, nesse tempo em que o presidente era Américo Tomás, nunca me terá passado pela cabeça que aquele miúdo com jeito para a bola seria um dia candidato a Presidente da República. Estou em crer, contudo, que foi no campo de Santa Cruz que aprendeu algumas qualidades necessárias para a Presidência. Cito uma entrevista de Crispim, que o treinou: “não era um jogador muito veloz, mas era técnica e tacticamente perfeito. Como médio atacante tinha uma visão de jogo incrível e sabia muito bem o terreno onde pisar. Era um moço impecável, educadíssimo, sempre leal, mesmo com os adversários. Nunca, nunca, faltava aos treinos, mesmo com os ensaios do teatro.” Querem melhor recomendação do que esta para votemos nele? O nosso candidato prepara-se, respeita os outros, sabe posicionar-se em campo...
Nunca convivi muito tempo seguido com Sampaio da Nóvoa. Mas basta conviver um pouco com ele, como eu já fiz, para perceber, além dessas qualidades, a sua inteligência, o seu carácter e a sua afabilidade, que não demora a derivar em afecto. E, faço notar, o seu gosto pelas coisas simples, o que explica o seu enorme desprendimento por coisas que a outros são muito apetecíveis (como jantares sociais, por exemplo). Em Inglaterra, num encontro com estudantes portugueses lá residentes, tive o gosto de ser guiado por ele, pois ele tinha alugado uma viatura e posso assegurar-vos que guia muito bem pela esquerda. Em Portugal pude também testemunhar que também guia muito bem pela direita. E, conta quem o viu de bicicleta na Universidade, guia tão bem em quatro rodas como em duas rodas. É este homem, com grande conhecimento de toda uma variedade de caminhos no país e no mundo, que queremos que guie o país.
Convoco o poeta O´Neill: “Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo/, golpe até ao osso, fome sem entretém.” Temos de resolver a questão de Portugal. Estamos aqui precisamente para resolver esse problema. Precisamos do Presidente Sampaio da Nóvoa porque precisamos de mais democracia, mais liberdade, mais solidariedade, mas também de mais ciência, mais educação e mais cultura. Se tivermos alguns ou todos desses acréscimos, não só seremos melhores como seremos mais ricos, intelectual e economicamente mais ricos. Saúdo a coragem dele ao candidatar-se e proponho que juntemos à dele a nossa coragem ao elegê-lo Presidente da República. É para mim uma honra presidir à Comissão de Honra Distrital de Coimbra. Muito obrigado.
domingo, 29 de novembro de 2015
Licenciaturas em Banha da Cobra
Notícia o Expresso que oito instituições de ensino superior apresentaram 16 pedidos de acreditação de licenciaturas em medicinas alternativas na Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES). Esta possibilidade foi aberta por legislação publicada recentemente, e que é mais um passo numa escalada legislativa que tem vindo a validar as terapias alternativas, apesar da sua falta de fundamento científica. Transcrevo o excerto do artigo do Expresso desta semana, que contém as minha declarações, a esse propósito:
David Marçal, bioquímico, divulgador científico e autor do livro “Pseudociência”, tem uma opinião radicalmente diferente: “Não faz sentido induzir as pessoas em erro. Não faz sentido criar licenciaturas em coisas que não têm fundamentação científica. Dizer que estas práticas funcionam até porque são dadas num curso superior é dar-lhes uma credibilidade artificial. Também devemos dar cursos superiores de astrologia? De curandeiros? Não são mais do que licenciaturas em banha da cobra.”
Muito crítico deste processo, David Marçal dá o exemplo dos ensaios e provas de eficácia e segurança que são exigidas aos medicamentos tradicionais antes de entrarem no mercado. “Se testassem qualquer remédio homeopático provavelmente nenhum passaria nos testes que são exigidos aos outros. Não tenho nada contra quem pratica. Mas não lhe atribuam validade científica.”
sábado, 28 de novembro de 2015
Para sobreviverem, as humanidades...
"Num mundo visivelmente acelerado, as humanidades são mais
necessárias que nunca. Existe, sem dúvida um vazio que afecta
os processos formativos e diversas dimensões de reflexão."
Josep Ramoneda
(Director da Escola Europeia de Humanidades)
(Director da Escola Europeia de Humanidades)
Imagem publicada aqui. |
Barcelona a Escola Europeia de Humanidades, projecto idealizado por três amigos de longa data, com formação académica diversa.
A sua preocupação é recuperar a tradição humanista europeia de pensamento.
Um dos seus objectivos é colmatar a lacuna das universidades nesta matéria: "nas faculdades espanholas uma pessoa pode licenciar-se em Económicas sem ter aprendido nada de história das ideais económicas, ou cursar filologia catalã ou espanhola sem estudado Shakespeare, Goethe ou Voltaire. Vamos oferecer isso mesmo", disse um deles. Outro dos objectivo é envolver o grande público: "aproximar as humanidades de todo e qualquer cidadão inquieto",
Entre os nomes que aderiram ao projecto constam os de Victoria Camps e de Adela Cortina, que tenho em grande conta. Fazem-me crer que se trata de um projecto que cumprirá aquilo a que se propõe.
Sendo as múltiplas actividades gratuitas, de onde provém o financiamento? Do Estado, a quem, em primeira instância, caberia a função educativa em causa, a ter lugar sobretudo na escola? Não. É a Fundação Bancária "la Caixa" que assegurará as condições de funcionamento.
A queda das ciências sociais e das humanidades
"E se em Lisboa não houver ciências sociais e humanidades?"
Quem diz, Lisboa, diz outra qualquer zona do país, acrescento.
Pode ser lido aqui um texto de opinião da autoria de João Costa e de Maria Fernanda Rollo, saído anteontem no Público, que traduz aquilo que todos devemos assumir como uma grande preocupação: o afastamento das ciências sociais e das humanidades da investigação e do ensino.
Quem diz, Lisboa, diz outra qualquer zona do país, acrescento.
Pode ser lido aqui um texto de opinião da autoria de João Costa e de Maria Fernanda Rollo, saído anteontem no Público, que traduz aquilo que todos devemos assumir como uma grande preocupação: o afastamento das ciências sociais e das humanidades da investigação e do ensino.
Acidez do estômago, antibióticos e tudo o resto
imagem de um artigo web sobre alternativas naturais ao omeprazol |
Comentário a uma crónica de Miguel Esteves Cardoso no Público de de 27 de Novembro de 2015 sobre medicamentos, farmacêuticas e micróbios.
Meu caro Miguel Esteves Cardoso,
A sua crónica, levanta uma série de problemas sobre medicamentos, farmacêuticas e micróbios que vale a pena analisar com mais detalhe. Para começar, tem alguma razão sobre o omeprazol e outros inibidores da bomba de protões. De facto, desde há pelo menos vinte anos, este tipo de medicamentos está nos primeiros lugares dos tops de lucros das farmacêuticas. De alguma forma a culpa é do mercado: os comilões querem ser livres e comer o que lhes apetecer e não se importam de pagar o preço na farmácia. E, convenhamos que estes medicamentos são mais eficazes e menos caprichosos (mas também mais perigosos) do que a velha pastilha Rennie de carbonato e bicarbonato de magnésio. Mas há algumas subtilezas sobre os lucros das farmacêutucas que é preciso perceber. Os lucros só são fabulosos enquanto estes medicamentos ainda não são genéricos. Quando passam a genéricos (vinte anos depois da serem patentados), logo outro medicamento, supostamente, com menos efeitos secundários e mais eficaz os substitui nos lucros fabulosos. O omeparazole, ainda deve dar algum lucro, mas não tanto como em 1997, ano em que estava no top dos lucros; entretanto outros inibidores da bomba de protões de marca o substituiram nesses lucros (nos últimos anos tem sido o esomeprazol; em 2012 estava no top).
Falarei mais abaixo da questão do interesse das famacêuticas pelos antibióticos, mas, por agora, olhemos para os micróbios intestinais e para as dietas. Sim, é claro que há pessoas com micróbios intestinais muito glutões e por isso parecem poder comer tudo e manter-se sempre magras (por exemplo, aquela nossa amiga sempre elegante e sempre com fome). Mas isso não funciona ao contrário: se comermos menos do que o que precisamos (nós mais os micróbios que nos habitam) de certeza que emagreceremos (mais até se os micróbios forem muito glutões). É que, como já aqui escrevi (noutro contexto), não milagres, existem balanços energéticos e de massa na entrada e saída de alimentos. Uma variável escondida podem ser as bactérias, mas estas não fornecem energia, só a gastam. Assim, claro que fazem todo o sentido os regimes alimentares que tratem bem as bactérias que nos são úteis, minimizando as que nos fazem mal. Mas, da mesma forma que não precisamos de milhares de livros com propostas de dietas mirabolantes, também não precisamos de dezenas de livros que colocam a solução para todos os nossos problemas nas bactérias, das quais temos por vezes de nos defender. E não estou a pensar só nas bactérias que causam infecções desagradáveis ou mortais, penso também naquelas que, devido a excessos alimentares, incluindo o abuso de sal e de álcool, se relacionam de forma indirecta com o cancro do estômago, por exemplo.
Assim, pela mão das bactérias, voltamos à utilidade dos inibidores da acidez do estômago e chegamos aos antibióticos. Desde a altura em que ontem li o seu artigo até este momento, as bactérias que temos nos nossos intestinos já tiveram em média mais de cinquenta gerações. No decurso da vida médio de um ser humano, as bactérias que o habitam têm mais de um milhão de gerações. E, claro, durante esse tempo, as bactérias adaptam-se e evoluem. O aparecimento de resistência aos antibióticos é, assim, de certa forma natural – as bactérias, no decurso das suas várias gerações vão-se adaptando, pior se as conduzirmos a isso, usando antibióticos em excesso ou de forma incorrecta. Mas penso que não é verdade que as farmacêuticas não se interessem por antibióticos. Embora os tops de lucros, tenham sido dominados nos últimos anos pelos protectores do estômago, pelos psicotrópicos, e pelos medicamentos para o colesterol, precisamos de descobrir e inventar novos e inovadores antibióticos para combater as bactérias que se vão tornando resistentes. Ou encontrar antibióticos que fossem tão específicos que só matassem as bactérias patogénicas e não maltratassem as bactérias úteis. Esses novos antibióticos darão sempre lucros às farmacêuticas, em especial nos países ricos – por isso as farmacêuticas não deixam de os procurar - o problema é que tem sido cada vez mais difícil encontrá-los. Não tinha ainda usado a palavra química... mas qual é a ciência que pode realizar o trabalho de inventar e sintetizar os novos antibóticos, em colaboração com os farmacêuticos e biólogos? A química, claro!
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
LEONARDO COIMBRA E A FILOSOFIA NA EUROPA DO SEU TEMPO
Informação chegada ao De Rerum Natura.
Lançamento livro de Henrique Jales Ribeiro
ESTUDOS SOBRE A FILOSOFIA NA EUROPA E EM PORTUGAL (VOL. II): LEONARDO COIMBRA E A FILOSOFIA NA EUROPA DO SEU TEMPO
No próximo dia 3 de dezembro de 2015, quinta-feira,
pelas 18 horas,
na sala Victor de Matos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (6.º piso)
E edição é da MinervaCoimbra.
Informações mais detalhadas aqui.
Lançamento livro de Henrique Jales Ribeiro
ESTUDOS SOBRE A FILOSOFIA NA EUROPA E EM PORTUGAL (VOL. II): LEONARDO COIMBRA E A FILOSOFIA NA EUROPA DO SEU TEMPO
No próximo dia 3 de dezembro de 2015, quinta-feira,
pelas 18 horas,
na sala Victor de Matos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (6.º piso)
E edição é da MinervaCoimbra.
Informações mais detalhadas aqui.
A ciência em Portugal no século XX
Com a devida vénia, republicamos aqui um texto de um dos bons cientistas portugueses deste século, o Prof. Miguel Mota, que continua a escrever diariamente com 93 anos:
Publicado no "Linhas de Elvas" de 26 de Novembro de 2015
Miguel Mota
O facto de se apresentar o que se fez em tempos recentes sobre a política científica, sugerindo que o que havia anteriormente seria quase nada, leva-me a escrever algo sobre a ciência em Portugal no século XX. Será certamente muito pouco – nem um artigo de jornal permite obra exaustiva – mas penso que pode mostrar que a situação – que não era boa, como hoje ainda não é – não era a nulidade que alguns pretendem insinuar.
Convém lembrar a investigação científica portuguesa que foi destruída nestes últimos quarenta anos, em obediência à lei – que parece que ninguém quer ver, mas é bastante evidente – que manda extinguir todas as instituições científicas públicas que não sejam das universidades. (A não ser quando é possível roubá-las para dar a uma universidade, como já sucedeu). Ao que agora se fez de bom, há que descontar o muito que se destruiu.
Na falta de uma Bibliografia Científica Portuguesa, tentarei listar alguns casos de que tive conhecimento, uma pequena amostra que, espero, seja suficiente para mostrar que, nos três primeiros quartéis do século XX, a ciência em Portugal, não era o deserto que se tenta fazer crer e tinha alguma repercussão no estrangeiro.
Na investigação médica contavam-se alguns casos com repercussão no estrangeiro, principalmente em França, ao tempo um país de boa ciência. Lembro que o único Prémio Nobel da ciência que existe em Portugal é desse tempo.
Em 1936, com o ministro da Agricultura Rafael Duque, deu-se um grande passo em frente para a ciência em Portugal. Pelo Decreto-lei nº 27.207 foi criada a Estação Agronómica Nacional, destruída nestes últimos trinta anos. Não se tratou de uma simples alteração do nome da antiga Estação Agrária Central de Lisboa, como erradamente está escrito em publicação recente, mas da fundação de um instituto de investigação, em tudo comparável aos seus congéneres estrangeiros.
No mesmo Decreto é criada a carreira de investigador científico, paralela à carreira do professorado universitário. Modelarmente delineada pelo Professor António Câmara, que deixou a sua cátedra no Instituto Superior de Agronomia para assumir a direção, em breve a Estação Agronómica dava ao país mais dinheiro do que o que nela foi investido. A solução do grave problema da maromba, uma doença das vinhas do Douro, é um bom exemplo. A prova da excelência do modelo criado é que ele foi adoptado por todos os institutos posteriormente fundados, o primeiro dos quais, dez anos depois, foi o Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
É natural que a produção de artigos científicos – hoje o principal factor de avaliação das universidades – não fosse tão abundante, até porque alguns desses trabalhos demoram anos. Muito está publicado em português. Mas a sua repercussão na economia foi muito grande. Portugal tem hoje muito menos dessa tão necessária investigação e a economia e as finanças estão como se sabe. Em 1973 o PIB crescia a 7%.
Em 1945, a Genética tinha quatro grupos activos, liderados por Abílio Fernandes e José Serra na Universidade de Coimbra, António Câmara, na Estação Agronómica Nacional, em Sacavém, mais tarde Oeiras, e Flávio Resende na Universidade de Lisboa. Esses grupos cresceram em número de investigadores e na década de 1950, pela sua produção científica, eram talvez o melhor da ciência portuguesa. Como exemplo, direi que em 1947, quando me encontrava no Departamento de Genética da Estação Agronómica, a elaborar a tese então necessária para se ser engenheiro agrónomo, dois cientistas desse Departamento publicaram na conceituada revista “Nature” um artigo que teve grande repercussão e originou mais investigação, principalmente na Suécia e nos Estados Unidos. A partir da década de 1950, a Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, produzia regularmente novas e mais produtivas variedades de cereais e forragens que deram à agricultura um valor muitas vezes superior ao que o estado nela investiu. E se esses organismos produziam ciência de directa aplicação é porque também dispunham de laboratórios de genética, fitopatologia, química, estatística, microscopia electrónica e outros. De tudo isto, após a destruição, restam migalhas, num organismo designado INIAV. Basta ver os nomes dos seus componentes, antigas estações e departamentos, para se perceber que quem o delineou não tinha a mínima noção do que é a investigação agronómica.
Miguel Mota
Publicado no "Linhas de Elvas" de 26 de Novembro de 2015
Miguel Mota
O facto de se apresentar o que se fez em tempos recentes sobre a política científica, sugerindo que o que havia anteriormente seria quase nada, leva-me a escrever algo sobre a ciência em Portugal no século XX. Será certamente muito pouco – nem um artigo de jornal permite obra exaustiva – mas penso que pode mostrar que a situação – que não era boa, como hoje ainda não é – não era a nulidade que alguns pretendem insinuar.
Convém lembrar a investigação científica portuguesa que foi destruída nestes últimos quarenta anos, em obediência à lei – que parece que ninguém quer ver, mas é bastante evidente – que manda extinguir todas as instituições científicas públicas que não sejam das universidades. (A não ser quando é possível roubá-las para dar a uma universidade, como já sucedeu). Ao que agora se fez de bom, há que descontar o muito que se destruiu.
Na falta de uma Bibliografia Científica Portuguesa, tentarei listar alguns casos de que tive conhecimento, uma pequena amostra que, espero, seja suficiente para mostrar que, nos três primeiros quartéis do século XX, a ciência em Portugal, não era o deserto que se tenta fazer crer e tinha alguma repercussão no estrangeiro.
Na investigação médica contavam-se alguns casos com repercussão no estrangeiro, principalmente em França, ao tempo um país de boa ciência. Lembro que o único Prémio Nobel da ciência que existe em Portugal é desse tempo.
Em 1936, com o ministro da Agricultura Rafael Duque, deu-se um grande passo em frente para a ciência em Portugal. Pelo Decreto-lei nº 27.207 foi criada a Estação Agronómica Nacional, destruída nestes últimos trinta anos. Não se tratou de uma simples alteração do nome da antiga Estação Agrária Central de Lisboa, como erradamente está escrito em publicação recente, mas da fundação de um instituto de investigação, em tudo comparável aos seus congéneres estrangeiros.
No mesmo Decreto é criada a carreira de investigador científico, paralela à carreira do professorado universitário. Modelarmente delineada pelo Professor António Câmara, que deixou a sua cátedra no Instituto Superior de Agronomia para assumir a direção, em breve a Estação Agronómica dava ao país mais dinheiro do que o que nela foi investido. A solução do grave problema da maromba, uma doença das vinhas do Douro, é um bom exemplo. A prova da excelência do modelo criado é que ele foi adoptado por todos os institutos posteriormente fundados, o primeiro dos quais, dez anos depois, foi o Laboratório Nacional de Engenharia Civil.
É natural que a produção de artigos científicos – hoje o principal factor de avaliação das universidades – não fosse tão abundante, até porque alguns desses trabalhos demoram anos. Muito está publicado em português. Mas a sua repercussão na economia foi muito grande. Portugal tem hoje muito menos dessa tão necessária investigação e a economia e as finanças estão como se sabe. Em 1973 o PIB crescia a 7%.
Em 1945, a Genética tinha quatro grupos activos, liderados por Abílio Fernandes e José Serra na Universidade de Coimbra, António Câmara, na Estação Agronómica Nacional, em Sacavém, mais tarde Oeiras, e Flávio Resende na Universidade de Lisboa. Esses grupos cresceram em número de investigadores e na década de 1950, pela sua produção científica, eram talvez o melhor da ciência portuguesa. Como exemplo, direi que em 1947, quando me encontrava no Departamento de Genética da Estação Agronómica, a elaborar a tese então necessária para se ser engenheiro agrónomo, dois cientistas desse Departamento publicaram na conceituada revista “Nature” um artigo que teve grande repercussão e originou mais investigação, principalmente na Suécia e nos Estados Unidos. A partir da década de 1950, a Estação de Melhoramento de Plantas, em Elvas, produzia regularmente novas e mais produtivas variedades de cereais e forragens que deram à agricultura um valor muitas vezes superior ao que o estado nela investiu. E se esses organismos produziam ciência de directa aplicação é porque também dispunham de laboratórios de genética, fitopatologia, química, estatística, microscopia electrónica e outros. De tudo isto, após a destruição, restam migalhas, num organismo designado INIAV. Basta ver os nomes dos seus componentes, antigas estações e departamentos, para se perceber que quem o delineou não tinha a mínima noção do que é a investigação agronómica.
Miguel Mota
CARTA ABERTA A EUGÉNIO LISBOA
Meu Caro Eugénio: Voltei à
minha meninice quando me prometiam algo que eu esperava ansioso. Assim
aconteceu quando, finalmente, a campainha soou à minha porta e o carteiro me
entregou o teu derradeiro volume de memórias, autografado, que me tinhas anunciado: “Acta Est Fabula”: Memórias
– V- Regresso a Portugal: (1995-2015)”.
Como dizia Eça, “em Portugal não se lê, folheia-se”. No
meu entusiasmo, fiz-me prosélito queirosiano: folheei-o, quase diria
sofregamente, dando de caras com o mau momento, felizmente ultrapassado, que passaste, anos atrás, com a tua saúde. E, em consequência(?),
reporto-me à contracapa do teu livro:
"Chego ao fim: sinto-me, um pouco, numa sala de espera. Aguardando o quê?
Talvez tudo. Talvez nada. Mais provavelmente,
alguma coisa. Sou ainda capaz de surpreender-me. O assombro mantém-me de
pé".
Referias-te à finitude da
vida humana? E ao rasto que vamos deixando desta "vida descontente" que
muito nos apoquenta a todos (pelo receio do desconhecido), nem que seja só sob
o ponto de vista filosófico, quando no outono da vida? Na maior parte das vezes
no anonimato, mas no teu caso numa vida riquíssima sob o ponto de vista
cultural, profissional, familiar e, last
but not least, de cidadania que tens cumprido no mais nobre sentido da
palavra.~
Aliás, S. Tomás d'Aquino
pouco nos sossega, a este respeito, remetendo-nos para uma questão de fé: "Para os que têm fé numa explicação é
necessária; para os que não têm fé nenhuma explicação é possível”.
O que resta, portanto, para
aqueles que se debatem entre dúvidas e certezas confortantes ou desconfortantes
sobre o seu destino? O reconforto que nos deixa Henri Poincaré: “O Homem representa um pálido clarão na
tempestade da vida, mas esse clarão é tudo”?
Como vês, faço perguntas
para as quais não encontro respostas. Aquelas respostas, que a minha fé em Cristo,
e na sua pregação sobre um mundo novo de “amai-vos
uns aos outros”, começa a ruir no romper deste milénio que prenuncia, pelo
contrário, odiai-vos uns aos outros.
Recebe um abraço deste teu
dedicado amigo de saudosos tempos da nossa cosmopolita e cultural Lourenço Marques, hoje Maputo.
Coimbra, 27 de Novembro de
2015.
O HUMANISMO PORTUGUÊS E EUROPEU: NO 5.º CENTENÁRIO DO CICERO LUSITANUS, JERÓNIMO OSÓRIO (1515-1580)
Ocorre este ano o 5.º centenário do nascimento de D. Jerónimo Osório, uma das figuras de maior relevo da cultura portuguesa do séc. XVI em geral e do humanismo renascentista em particular.
A vasta produção de Jerónimo cobre um notável leque de áreas do saber (literatura, filosofia moral, pedagogia, filologia, historiografia) e foi repetidamente lida em todo o mundo culto, merecendo até aos tempos recentes cerca de 230 edições. Encontra-se hoje, em parte, traduzida para português e espera-se para os próximos tempos por uma edição bilingue da sua obra completa.
É por tudo isto que o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra e o Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa resolveram unir esforços para celebrar, com a colaboração de outras instituições, a efeméride deste Cicero Lusitanus, como o designaram os humanistas europeus seus contemporâneos, e promover um maior conhecimento da sua obra na sociedade do nosso tempo.
Os trabalhos decorrerão em Coimbra (9 de dezembro) e em Lisboa (10 de dezembro).
A vasta produção de Jerónimo cobre um notável leque de áreas do saber (literatura, filosofia moral, pedagogia, filologia, historiografia) e foi repetidamente lida em todo o mundo culto, merecendo até aos tempos recentes cerca de 230 edições. Encontra-se hoje, em parte, traduzida para português e espera-se para os próximos tempos por uma edição bilingue da sua obra completa.
É por tudo isto que o Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra e o Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa resolveram unir esforços para celebrar, com a colaboração de outras instituições, a efeméride deste Cicero Lusitanus, como o designaram os humanistas europeus seus contemporâneos, e promover um maior conhecimento da sua obra na sociedade do nosso tempo.
Os trabalhos decorrerão em Coimbra (9 de dezembro) e em Lisboa (10 de dezembro).
Ministro "saberá encaminhar sistema científico"
Minhas declarações à Lusa sobre o novo ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
O físico Carlos Fiolhais considerou hoje que o novo ministro da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior "saberá encaminhar o sistema científico nacional" para a promoção da "relação saudável entre a sociedade e a ciência".
PAÍS 21:50 - 25/11/15 POR LUSA
"A cultura científica é essencial, permite a relação saudável entre a sociedade e a ciência. As pessoas é que pagam a ciência, alimentam o esforço de ciência, são beneficiárias da ciência, têm de saber o que é a ciência, por que é se faz, como é que faz. Estou certo que o professor Manuel Heitor saberá encaminhar o sistema científico nacional nessa situação", afirmou à Lusa.
Para Carlos Fiolhais, docente na Universidade de Coimbra, há uma outra prioridade "muito importante", além da cultura científica, a que "o novo ministro vai estar atento", a do emprego dos jovens cientistas, assinalou. "Os jovens cientistas têm de encontrar emprego em Portugal", afirmou, sublinhando que "precisam de contratos de trabalho" nas instituições onde investigam, sejam universidades, institutos politécnicos ou centros autónomos. "Não têm necessariamente de emigrar", frisou.
Segundo o físico, Manuel Heitor "é uma pessoa muito conhecedora das realidades", tendo sido "crítico do desinvestimento" no setor. Carlos Fiolhais espera que o novo ministro volte "a repor um clima de confiança" na comunidade científica, que, a seu ver, foi ameaçado durante o mandato do ministro da Educação e Ciência Nuno Crato.
Manuel Heitor, nome escolhido pelo primeiro-ministro indigitado, António Costa, para ministro da Ciência, Tecnologia e do Ensino Superior, é professor catedrático do Instituto Superior Técnico, em Lisboa, tendo assumido estas pastas enquanto secretário de Estado, de março de 2005 a junho de 2011, quando era ministro da tutela Mariano Gago, que morreu em abril, considerado por muitos o grande impulsionador da ciência em Portugal. O físico Carlos Fiolhais, que criticou a política científica conduzida pelo ministério tutelado por Crato, foi, a par de Manuel Heitor, um dos subscritores do manifesto "O conhecimento como futuro", lançado em junho, que pedia uma "nova agenda política para a ciência, a tecnologia e o ensino superior". A historiadora Maria Fernanda Rollo, que vai ser a nova secretária de Estado da Ciência, da Tecnologia e do Ensino Superior, também assinou o documento.
"Cultura Científica em Portugal: Ferramentas para perceber o mundo e para aprender a mudá-lo"
"O livro sobre cultura científica escrito pelos jornalistas António Granado e José Vítor Malheiros, a convite da Fundação Francisco Manuel dos Santos, apresenta um resumo da cultura científica entre nós, enfatizando a sua evolução recente. Neste Mês da Cîência organizado pela Fundação e nesta Semana da Cultura Científica, iniciada por José Mariano Gago, faz todo o sentido descrever e debater o estado da cultura científica no nosso país, isto é, a percepção que o público tem da ciência. A ciência é um bem comum, mas nem toda a gente tem percepção desse facto. No recente encontro da Fundação no Teatro-Circo de Braga, a primeira pergunta foi "A Ciência é para todos?". De facto, a ciência é para todos, ou melhor deve ser para todos. Se ainda não é, deve procurar sê-lo.Depoimento que prestei ao Observador o livro "Cultura Científica em Portugal: Ferramentas para perceber o mundo e para aprender a mudá-lo" de António Granado e Jose Vítor Malheiros, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e que foi segunda-feira passada em Lisboa.
Granado e Malheiros passam em revista os esforços de aproximação ao público das instituições científicas, os museus e centros de ciência (em particular a rede Ciência Viva), as exposições, as conferências e debates, os livros de divulgação científica, o trabalho dos media (imprensa, rádio, televisão, Internet), etc. Fora do contexto escolar, há vários públicos e várias maneiras de chegar ao público.
É um primeiro balanço da cultura científica entre nós, onde ficam registado tanto os progressos notáveis como os motivos para insatisfação, como aqueles que resultam de algum desinvestimento da ciência nos últimos anos. Falhas haverá como em todas as primeiras obras sobre um dado assunto, mas elas poderão ser assinaladas no debate que queremos fazer à volta do livro, que é distribuído on-line gratuitamente. Os autores enumeram na sua obra aspectos que falta aprofundar e ficarão decerto gratos se lhe fizerem chegar tanto informação e opinião. Na minha opinião, podemos procurar saber qual tem sido o esforço financeiro na cultura científica (será desejável haver uma meta como o ministro Mariano Gago uma vez anunciou?) e podemos aprofundar a comparação com outros países, usando os dados disponíveis (o Eurobarómetro tem dado algumas informações, mas talvez seja possível saber mais por exemplo sobre o interesse dos leitores pelas secções de ciência dos jornais ou pelos programas televisivos de ciência, que ainda são muito poucos). Em resumo: a cultura científica é um tema que interessa à Fundação pois ele está na base de uma sociedade consciente da ciência e do seu papel chave no desenvolvimento.
Download gratuito do livro aqui.
quinta-feira, 26 de novembro de 2015
As vantagens de escrever à mão
A pressão empresarial e académica para se fixarem os computadores - tablets - como único recurso de aprendizagem - de trabalho e estudo dos alunos - persiste.
Essa pressão ganha terreno político e, por isso, estou convencida de que, independentemente de das consequências que possa ter em termos de aprendizagem, a breve trecho será uma realidade generalizada nas escolas públicas.
Ainda assim importa ter em atenção trabalhos de investigação que, naturalmente, sem desvalorizar as novas tecnologias da informação e da comunicação, nos recomendam alguma prudência no seu uso.
Tive conhecimento de um, de que se dá conhecimento nesta notícia, que retoma a questão (aqui):
Como devem os alunos escrever, à mão, com lápis e papel ou num teclado?
Concluem os autores que existem vantagens na "escrita à mão", tanto para as crianças que iniciam a aprendizagem da escrita como para os adultos, nomeadamente em termos de retenção de dados na memória e de raciocínio. Essa tarefa é, sublinham, uma tarefa cognitivamente mais relevante.
Essa pressão ganha terreno político e, por isso, estou convencida de que, independentemente de das consequências que possa ter em termos de aprendizagem, a breve trecho será uma realidade generalizada nas escolas públicas.
Ainda assim importa ter em atenção trabalhos de investigação que, naturalmente, sem desvalorizar as novas tecnologias da informação e da comunicação, nos recomendam alguma prudência no seu uso.
Tive conhecimento de um, de que se dá conhecimento nesta notícia, que retoma a questão (aqui):
Como devem os alunos escrever, à mão, com lápis e papel ou num teclado?
Concluem os autores que existem vantagens na "escrita à mão", tanto para as crianças que iniciam a aprendizagem da escrita como para os adultos, nomeadamente em termos de retenção de dados na memória e de raciocínio. Essa tarefa é, sublinham, uma tarefa cognitivamente mais relevante.
quarta-feira, 25 de novembro de 2015
ENSINO INTEGRADO: OBJETO E PROCESSO
Texto recebido do nosso leitor Nuno Pereira, de quem já antes tínhamos publicado artigos sobre educação:
A escola, como mediadora cultural
entre gerações, tem demonstrado dificuldade em adaptar-se a uma sociedade em
rápida mutação com inúmeras fontes informativas e sobretudo com as novas
tecnologias disponíveis sem limites de tempo e de espaço. Pertence à escola e
aos seus agentes converter o produto cultural da humanidade em conteúdos
curriculares, saber sistematizado e organizado em torno do qual se desenham as
estratégias de ensino e as experiências de aprendizagem.
Sem
diminuir a importância dos objetivos educacionais de aprender a cooperar e a
ser, tem interesse abordar à parte a função docente ligada ao saber conhecer e
fazer e os perigos dos exclusivismos. Nas aulas magistrais, o professor expõe a
matéria fracionada e elaborada e espera que os alunos aprendam, objetivo só
acessível aos interessados, inteligentes, trabalhadores, preparados e,
portanto, capazes de processar e gerir a informação. Tal prática conduz
naturalmente ao abandono dos estudos pelos alunos sem as qualidades referidas
e, combinada com baixa exigência avaliativa, a muitos diplomados ignorantes. Em
outras aulas tradicionais também de programas-fim, o professor explica a
matéria, mas age sobre os alunos para que a interiorizem, a incorporem,
estimulando-os, modelando-os, com prémios, castigos e treino. Esta prática,
associada muitas vezes ao enchimento da memória, ao adestramento e aos trabalhos
forçados, pode produzir no extremo indivíduos como «idiotas sábios». Em centros
de interesse e áreas de projeto, o professor cria condições para os alunos
aprenderem a aprender sem currículo ou com currículo mínimo mais ligado à vida,
isto é, para desenvolverem competências. A educação para a autonomia com
programas-meio, radicalizada no percurso escolar com o objetivo utópico da
redescoberta da ciência acumulada historicamente, isto é, de formar autodidatas
saltando etapas na evolução do conhecimento, conduziria na realidade a pessoas
inteligentes mas ignorantes. Todas estas práticas encerram virtudes, mas são
incompletas.
De facto, para garantir a transmissão e a
assimilação dos conteúdos, com eficácia e eficiência, o professor deve possuir preparação
académica e competência didática e o aluno deve desenvolver competência de
estudo.
O domínio da matéria específica exige permanente
atualização. Não se ensina o que se não sabe. A competência didática consiste na
capacidade não só para transmitir a matéria, mas também para promover a sua
assimilação com vista à realização do aluno. O professor oscila entre dois
métodos complementares, conforme o seu posicionamento perante o aluno – tanto
objeto como sujeito - aspetos polares impossíveis de apreender em simultâneo (tal
como a relação figura-fundo). Com método diretivo, o professor considera o
aluno como objeto condicionável, e, com método não diretivo, como sujeito
autónomo. No primeiro caso, não só explica a matéria, como condiciona o aluno a
assimilá-la, e, no segundo caso, facilita a aprendizagem. Só com técnica e arte
se conciliam ambos os métodos.
É fundamental o desenvolvimento
da competência de estudo, desde os primeiros anos de escolaridade, com mais
incidência no 2.º ciclo e no 3.º ciclo, para prevenir o insucesso escolar e
continuar a aprender ao longo da vida, tanto mais que muitos alunos chegam à
universidade sem saberem estudar. Numa aula formativa, o professor pode efetivamente
conseguir que o aluno compreenda e realize, graças sobretudo à memória de
trabalho e de curto prazo, que permite operações mentais. Porém, já no próprio
dia e nos dias seguintes, processa-se o esquecimento e perde-se depressa o
frágil saber adquirido na aula. A aprendizagem só se completa mediante a
consolidação, isto é, a transferência para a memória de longo prazo, quer
declarativa, quer procedimental. Não basta pois que o professor explique,
condicione e facilite, é necessário também que o estudante disponha de competência
autorregulatória. Persistem ainda crenças irrealistas, que têm condenado
gerações ao fracasso e consentido que apenas os capazes vençam. São
ilustrativos quer o mito construtivista de que os alunos reúnem as capacidades
necessárias para descobrir por si sós (mesmo ativados) e em tempo restrito a metodologia
de estudo já testada e validada, quer o mito do esforço como único meio (sem o
domínio de técnicas eficazes) para os alunos de menores capacidades naturais igualarem
os mais dotados.
Torna-se então imperioso que cada
professor ensine, de modo metódico e científico (e não avulso e empírico), no
âmbito da disciplina, o aluno a analisar, sintetizar, relacionar, memorizar,
aplicar e enfim pesquisar, depois da aula, como pessoa autónoma com espírito
crítico e criativo, no sentido de realmente aprender a conhecer e a fazer. A
formação do professor em métodos de estudo constitui evidentemente condição
indispensável para o ensino do processo do estudo do conteúdo disciplinar.
Nuno Pereira (psiquiatra)
Sobre o novo governo
O Observador pediu-me uma opinião sobre os ministros das áreas da Ciência e da Educação: Dei-a:
http://observador.pt/2015/11/24/as-reacoes-aos-ministros-antonio-costa/
http://observador.pt/2015/11/24/as-reacoes-aos-ministros-antonio-costa/
É bom separar Ciência, Tecnologia e Ensino Superior da Educação. O Ministério de Crato era um monstro e teve comportamentos
monstruosos na área da ciência. Hoje é claro para todos que o ex-ministro não foi ministro da
Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Desinvestiu das universidades e do ensino superior. Ignorou a cultura científica. Em particular, permitiu uma verdadeira
fraude que foi a avaliação da ciência em Portugal pela Fundação para a Ciência e Tecnologia,
cujo objectivo era apenas cortar metade dos centros de investigação, incluindo
alguns dos mais produtivos.
O Prof. Manuel Heitor conhece muito bem a ciência, tecnologia e
ensino superior. Tem uma rica experiência adquirida no tempo do Prof. Mariano Gago.
Saberá ter como prioridade algo esquecido até hoje que é o futuro dos jovens cientistas, que
poderão ser a mola propulsora do nosso futuro. Para isso é preciso criar condições para que não
tenham de emigrar. Saberá corrigir os erros mais flagrantes do
ministério de Crato como a pseudo-avaliação da FCTe o menosprezo pela cultura científica. Ele é co-autor do "Livro
Negro da Avaliação da Ciência em Portugal" e sabe bem os atropelos ao direito e à ética que tanto prejudicaram
a ciência nacional. Saberá também ligar mais a ciência ao ensino superior, por exemplo
impedindo que dinheiros do Orçamento do Estado sejam entregues a instituições privadas em desfavor dos laboratórios das
universidades públicas.
Também confio que o novo ministro da Educação, o cientista que vem
de Cambridge Tiago Brandão Rodrigues, possa remediar alguns dos erros cometidos recentemente e dar à educação
nacional uma atenção que não tem tido. Acima de tudo é preciso confiar nos professores e alimentar neles a
esperança. Dar verdadeira autonomia às escolas. Fazer delas espaços de aprendizagem, cultura e
criatividade. De facto, sem mais e melhor ciência e educação para cada vez mais
portugueses não podemos ser um país melhor e seria bom que tanto a ciência como a educação tivessem neste governo uma
atenção que não tiveram no anterior.
A OBRA PRIMA DE EINSTEIN
Meu artigo no Expresso Diário de hoje:
A 25 de Novembro de 1915, Albert Einstein
submetia à Academia Prussiana de Ciências em Berlim um artigo intitulado As equações de campo da gravitação, que continha
a equação principal da teoria da relatividade geral. Essa equação é vista hoje como
a sua coroa de glória, pois substituiu a lei da gravitação universal que Newton
tinha formulado em 1687 por uma outra que, embora contendo a descrição newtoniana
como caso particular, tinha um âmbito mais vasto, podendo aplicar-se a astros de
qualquer massa, a conjuntos de astros ou ao próprio cosmos. Einstein adiantou uma
explicação da força gravítica: é a deformação do espaço e do tempo (dois conceitos
ligados por ele na sua teoria da relatividade restrita de 1905) devido à presença
de matéria e de energia (outros dois conceitos unidos na mesma teoria, através
da famosa fórmula E=mc^2). Espaço, tempo,
matéria e energia passaram todos a estar ligados por uma equação que cabe numa t-shirt. Chegava ao fim o intenso trabalho,
ao longo de uma década, para generalizar a fecunda ideia do físico suíço de 1905:
as leis da física são as mesmas para todos os observadores, quer eles estejam em
movimento uniforme - relatividade restrita - quer eles estejam em movimento acelerado
- relatividade geral.
A teoria de Einstein mantém-se inultrapassada
nos dias de hoje. Nos últimos cem anos acumulou-se todo um manancial de dados observacionais
e experimentais que a corroboram. De resto, hoje em dia, nada na cosmologia pode
ser entendido sem essa teoria. Não podemos falar de pulsares, buracos negros, big bang sem falar de Einstein. Há ainda
confirmações por fazer como a das ondas gravitacionais, para as quais existe evidência
indirecta, mas não directa. As ondas gravitacionais estão para a gravidade como
as ondas electromagnéticas (vulgo luz) estão para o electromagnetismo, mas a sua
observação requer experiências sofisticadas. Uma experiência da ESA (Agência Espacial
Europeia) sob o nome de eLISA (Evolved Laser
Interference Space Antenna), com um protótipo a lançar em breve, destina-se
a detectar ondas gravitacionais. Por outro lado, não se pode dizer que as aplicações
da teoria da relatividade geral sejam tantas como as da relatividade restrita -
que incluem a energia nuclear e os exames PET nos hospitais. Mas o GPS hoje omnipresente
não poderia funcionar sem atender à relatividade geral, designadamente ao facto
de relógios a bordo de satélites se adiantarem por estarem sujeitos a uma gravidade
mais fraca do que à superfície da Terra.
Segundo Einstein o seu pensamento
mais feliz ocorreu dois anos depois da formulação da teoria da relatividade restrita
quando, sentado numa cadeira, se imaginou a cair com ela. A cadeira não “sentiria”
o seu peso, pois ambos estariam a cair com a mesma aceleração. O foco dos seus estudos
passou então a ser a extensão da sua teoria para casos em que há aceleração. A empresa
afigurava-se difícil. Planck avisou-o em 1913: “Como um velho amigo, devo avisar-te de que não faças isso; em primeiro
lugar, porque não vais conseguir e, em segundo lugar porque, mesmo que consigas,
ninguém vai acreditar em ti. Mas Einstein
não se intimidou. O sábio não demorou a descobrir que a gravidade se deve ao encurvamento
do espaço-tempo. Teve de recorrer à ajuda matemática de um dos seus colegas do curso
de Zurique, que lhe ensinou as geometrias que permitem descrever o espaço curvo.
No espaço à volta de um corpo pesado não é válida a geometria de Euclides que aprendemos
na escola, mas sim geometrias não euclidianas que tinham surgido no século XIX e
pareciam irreais.
Entre Julho e Novembro de 1915, estava-se
em plena guerra mundial, deu-se o ataque final à relatividade geral. É preciso discussão
para que haja luz. Em Junho, Einstein tinha estado com Hilbert, o maior matemático
da época e um dos maiores de sempre, com quem tinha partilhado a sua turbulência
mental. Os dois ficaram amigos, mantendo correspondência. No dia 18 de Novembro
um artigo de Einstein anunciou dois resultados notáveis: uma previsão do desvio
da órbita de Mercúrio em relação ao previsto pela mecânica de Newton e um novo valor
para a deflexão pelo Sol dos raios de luz de uma estrela por trás dele. O primeiro
foi confirmado imediatamente, consultando a literatura científica, ao passo que
o segundo tinha de esperar pela observação de um eclipse solar. Einstein ficou com
palpitações com o resultado de Mercúrio: “Durante
alguns dias fiquei fora de mim com o entusiasmo.” E não era caso para menos
pois a nova teoria permitia resolver na perfeição um velho enigma da astronomia. Quando, uma semana volvida, a equação principal
de Einstein viu finalmente a luz do dia, a teoria ficou basicamente terminada. “A teoria é de uma beleza incomparável”, comentou
o seu autor. Mas uma teoria física não pode apenas ser bela, tem também de ser verdadeira.
E o que a tornou credível foi, para além da previsão certeira da órbita de Mercúrio,
a observação do encurvamento da luz realizada em 29 de Maio de 1919, por uma expedição
britânica à ilha do Príncipe (em S. Tomé e Príncipe), então território colonial português,
e a Sobral, no Brasil. No Outono de 1919, Einstein escreveu um postal à sua mãe:
“Querida mãe, hoje trago-lhe notícias alegres.
H. A. Lorentz informou-me de que as expedições inglesas demonstraram realmente a
deflexão da luz pelo Sol.” A coroação de Newton como sucessor de Newton teve
lugar em Londres a 6 de Novembro de 1919 numa sessão conjunta da Royal Society e da Royal Astronomical Society. O Times
noticiou: “Revolução da ciência – Nova
teoria do Universo – Ideias de Newton ultrapassadas”. Planck estava
enganado: não só Einstein conseguiu o que queria como praticamente toda a gente
passou a acreditar nele.
Einstein não disse, na Física, a
última palavra. Hoje ainda falta, por exemplo, juntar a teoria da relatividade geral
com a teoria quântica, isto é, unificar a descrição da força gravitica com a das
outras forças, que exigem a teoria quântica. Einstein trabalhou até ao fim dos
seus dias no problema da unificação da força da gravidade coma força electromagnética,
mas não teve êxito. Newton deixou escrito, numa bela metáfora sobre a construção
do conhecimento, que se conseguiu ver mais longe é porque estava aos ombros de gigantes.
Einstein subiu há cem anos aos ombros dele. Espera-se agora que alguém suba aos
ombros de Einstein. A paisagem que avistará será decerto deslumbrante.
Uma fórmula simples que resistiu ao tempo
Declarações que fiz à TSF sobre os cem anos da relatividade geral de Einstein:
http://www.tsf.pt/sociedade/ciencia-e-tecnologia/interior/teoria-da-relatividade-geral-uma-formula-simples-que-resistiu-ao-tempo-4900953.html
“Longos Dias Têm Cem Anos”
“Longos Dias Têm Cem Anos”
26 | Novembro |2015
17:30 h
No
próximo dia 26 de Novembro, pelas 17h30, no RÓMULO - Centro de Ciência Viva da Universidade de
Coimbra, irá realizar-se a segunda sessão do Curso Livre “Longos Dias Têm Cem
Anos”, diálogos em volta das obras: A
Douta Ignorância, de Nicolau de Cusa, Acerca
do Infinito, do Universo e dos Mundos, de Giordano Bruno e Sidereus Nuncius, o Mensageiro das Estrelas,
de Galileu Galilei.
Ciência
e Religião em Diálogo é o tema desta sessão, que conta com a participação de
Carlos Fiolhais e de Henrique Leitão, Prémio Pessoa 2014.
Este Curso Livre enquadra-se no âmbito da colaboração
entre o Projecto Diálogos e o Rómulo-Centro de Ciência Viva da Universidade de Coimbra.
O
Projecto Diálogos, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, visa promover uma
reflexão em torno de questões que se projectam nos dias de hoje, a partir de
obras fundamentais da história do pensamento ocidental integradas no Plano de
Edições da Fundação Calouste Gulbenkian.
A sessão é de entrada
livra. Todos são bem-vindos.
Para
mais informações:
RÓMULO – Centro Ciência Viva da Universidade de Coimbra
Maria Manuela Serra e
Silva
Telefone – 239 410 699
Facebook: http://www.facebook.com/profile.php?id=100002912006773
O MITO DE EINSTEIN
Minha crónica do Público de hoje:
Um dos pontos altos deste Ano
Internacional da Luz é a celebração precisamente hoje, dia 25 de Novembro, do
centenário da obra maior de Albert Einstein, a teoria da relatividade geral,
que descreve a força da gravidade, ultrapassando Newton. Foi um dos maiores empreendimentos do
espírito humano: percebeu-se que
conceitos aparentemente tão díspares como o espaço, o tempo, a matéria e a
energia estavam ligados por uma equação matemática que culminava longos
esforços em demanda de uma descrição unificada do Universo. Ainda hoje essa
equação se mantém de pé, apesar de todas as investidas teóricas e experimentais
para a derrubar. De facto, a Natureza nada revelou até agora que nos faça
duvidar da solidez da descrição einsteiniana.
Para mim como para tantos outros que
escolherem a Física como profissão, Einstein foi um herói da juventude. Não me
sentia tanto seduzido pelo lado icónico, seguramente o mais visível: o sábio de
ar bondoso, farta cabeleira, camisola de lã e sandálias. Tratava-se antes da
atracção pelo invisível, que a sua figura personificava melhor do que qualquer
outra. Ele encarna a ideia de que o mundo é compreensível. Não sabemos porquê,
mas é. O físico Einstein foi um pouco filósofo ao declarar: “O que há de mais incompreensível no mundo é
o facto de ele ser compreensível.” Pode ser difícil, mas é possível
decifrar os mistérios do mundo. O sábio suíço, nascido na Alemanha, também disse
um dia que: “Deus é subtil, mas não é
malicioso”. Não sendo ele uma pessoa religiosa no sentido comum, queria ele
dizer que o Universo é intrincado, mas os seus mecanismos são acessíveis à
mente humana. O trabalho continuado dos físicos e dos outros cientistas tem
confirmado essa afirmação.
Incompreensível é também o facto de o mundo se revelar compreensível
através de equações. O cérebro de Einstein produziu há cem anos uma equação, cuja
beleza espantou o próprio autor (“A teoria
é de uma beleza incomparável”, comentou), que permitiu previsões que se haveriam de
revelar certeiras a respeito do mundo: um minúsculo desvio da órbita de
Mercúrio em relação ao previsto usando as leis de Newton; uma pequena deflexão
pelo Sol da luz proveniente de estrelas por detrás dele; buracos negros, abismos
cósmicos que são fins locais do espaço-tempo; e o Big Bang, que é o início global do espaço-tempo a partir de uma
prodigiosa concentração de energia. Galileu tinha dito que “o Livro da Natureza está escrito em caracteres matemáticos”. E
Newton tinha escrito os Princípios
Matemáticos de Filosofia Natural, contendo a sua lei da gravitação
universal. Mas Einstein veio acrescentar, numa base matemática, que a geometria
do espaço-tempo (espaço e tempo tinham sido ligados em 1905 na sua teoria da
relatividade restrita) é comandada pela matéria-energia (os dois também ligados
na mesma altura). A força da gravidade mais não é do que o encurvamento do
espaço-tempo, às ordens da matéria-energia. Para usar uma metáfora visual, um
astro como o Sol está no espaço-tempo como uma bola em cima de um lençol esticado. Se colocarmos
um berlinde, que será a Terra, com velocidade adequada ele rodará em torno da
bola central.
Roland Barthes, o semiólogo e
filósofo francês que tal, como a teoria maior de Einstein, nasceu há cem anos (designadanente
a 12 de Novembro de 1915), escreveu nas suas Mitologias (Edições 70, 1978): “(...) o produto da sua invenção
assumia uma condição mágica, reincarnava a velha imagem esotérica e uma ciência
inteiramente encerrada nalgumas letras. Há um único segredo do mundo e esse
segredo condensa-se numa palavra, o Universo é um cofre-forte de que a
humanidade procura a cifra: Einstein chegou quase a encontrá-la, é esse o mito
de Einstein; aí se nos deparam de novo todos os temas gnósticos: a unidade da
Natureza, a possibilidade irreal de uma redução fundamental do mundo, o poder
de abertura da palavra, a luta ancestral entre um segredo e uma linguagem, a
ideia de que o saber total não pode descobrir-se senão de um só golpe, como uma
fechadura que cede bruscamente depois de mil tacteamentos infrutuosos.”
O prolongado confronto do cérebro
humano com o Universo (um confronto natural pois o nosso cérebro é a única
parte do Universo que o consegue compreender) vai tendo resultados felizes,
como a epifania de Einstein há cem anos. A história da ciência ensina-nos que
cada revelação não é o fim de nada, mas um novo princípio. Einstein não foi o
fim de Newton, cuja teoria da gravitação universal continua a ser válida em
certas condições. Foi o início de uma
cosmovisão bem mais fantástica do que a de Newton, pois o mundo do sábio inglês
não podia albergar buracos negros nem provir de uma explosão inicial. Escreveu
o Padre Teilhard de Chardin, paleontólogo e teólogo francês contemporâneo de
Einstein: “à escala do cósmico só o
fantástico pode ser verdadeiro.”
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