Fiat lux! Sabemos hoje, não com base no texto bíblico, mas num
conjunto de dados científicos, que no início do Universo, se libertou luz por todo o lado. Neste ano de 2015,
estamos, por determinação das Nações Unidas, a celebrar a luz – é, em todo o planeta, o Ano Internacional
da Luz. A luz é o nome genérico que
podemos dar ao campo unificado dos primórdios do cosmos que preencheu todo o
Universo a partir do momento inicial do
Big Bang, há cerca de treze mil milhões de anos. Numa pequeníssima fracção
de segundo, as forças desdobraram-se a partir do campo unificado inicial, tendo
aparecido a força electromagnética, associada à luz propriamente dita, uma vez
que, sabemos hoje, a luz é uma onda electromagnética.
Pouco depois desse instante
fundador, a luz inicial, energia pura, começou a metamofosE = mc^2, que Einstein escreveu. Os quarks, os electrões e os
neutrinos, as partículas que hoje supomos fundamentais e com as quais tudo no
nosso vasto mundo é feito. Sim, toda a matéria conhecida no mundo é feita de
quarks, electrões e neutrinos. Os quarks e os electrões possuem carga, positiva
ou negativa (os quarks podem ser positivos ou negativos, ao passo que os
electrões, são só negativos). Ter carga é a condição para que duas partículas
possam trocar luz entre elas, assegurando assim uma relação entre elas: partículas
com carga igual repelem-se mas com carga diferente atraem-se: por exemplo, os
electrões repelem-se entre si, mas já são atraídos por quarks positivos.
ear-se em partículas,
de acordo com a mais famosa equação da Física,
Em escassos três minutos, os
primeiros três minutos do mundo, passaram a existir núcleos atómicos, que são
colecções de pacotes de três quarks (esses
pacotes são os protões e os neutrões, os primeiros carregados positivamente e
os segundos neutros, como o próprio nome indica). Num desalinho completo, em
conjunto com os núcleos atómicos vadiavam os electrões por tudo quanto era
sítio.
Foi preciso esperar 300 000 anos
para que se formassem por todo o lado os primeiros átomos, os átomos dos
elementos químicos mais leves – principalmente, hidrogénio e hélio, mas também
algum lítio e berílio. Esse processo ocorreu muito rapidamente, quando o
Universo, sempre a expandir e a arrefecer desde o seu início, atingiu uma
temperatura em que era preferível aos electrões, negativos, “casarem-se” com os
núcleos atómicos, positivos, para formar agregados estáveis, os átomos, que são
neutros. Os átomos podem emitir ou absorver luz, através da desexcitação ou
excitação dos electrões em torno dos núcleos, mas apenas luz com certas
quantidades de energia. Esta afirmação é um conteúdo essencial da teoria
quântica, que explica com enorme êxito a estrutura do núcleo, a estrutura do
átómo e a ligação dos átomos em moléculas e sólidos. O Universo passou então e
de repente de uma situação em que era completamente opaco – a luz era absorvida
pouco depois de ser emitida, não podendo progredir muito – para uma situação em
que era transparente: a luz se podia propagar indefinidamente no espaço. Os
átomos só podiam captar certas formas de luz e não a maior parte dela. Desse
momento ficou por todo o Universo uma radiação que hoje se apresenta como microondas
mas que já foi luz com comprimentos de onda menores (o comprimento de onda está
associado à energia da onda, a luz de maior comprimento de onda é menos energética). Chamamos a essa luz
que ficou do momento da formação dos átomos “radiação cósmica de fundo”.
Vivemos no interior dessa radiação, que é inescapável: o Universo é um
gigantesco “banho” de microondas onde estamos, sem remissão, mergulhados. Como
as microondas são uma forma de luz, embora invisível, podemos dizer que existe
um fundo de luz por todo o lado no Universo. Há quem lhe chame “radiação
fóssil” para lembrar a sua origem primitiva.
Quando os átomos se formaram não
havia ainda estrelas, que demoraram pelo menos um milhão de anos a formarem-se.
Mas hoje existem. Vemos de dia o Sol e, no céu nocturno, pontos luminosos, que,
sendo emissores de luz visível, nos maravilham os olhos, por romperem as trevas.
As câmaras fotográficas que são os nossos olhos desenvolveram-se, ao longo do
lento e demorado percurso da evolução biológica, para aproveitar ao máximo a
luz que a nossa estrela emite em maior quantidade. Outras estrelas, muito mais
longínquas, emitem luz como o Sol, ou de um modo parecido com o Sol (vemos
algumas com outras cores, por exemplo vermelhas ou azuis, simplesmente por elas
serem mais frias ou mais quentes do que o Sol). Tanto o Sol como as outras
estrelas emitem, além de luz visível, luz invisível: luz infravermelha, luz
ultravioleta, microondas e ondas de rádio, raios X e raios gama. Toda essa luz são ondas electromagnéticas
como a luz que vemos, sendo a única diferença o seu comprimento de onda: as
microondas, por exemplo, têm um comprimento de onda maior do que a luz visível.
Felizmente que a nossa atmosfera filtra as radiações mais perigosas como os
raios X e os raios gama (de outro modo, não estaríamos aqui a contemplar as
estrelas!). Algumas das estrelas maiores – as chamadas supergigantes vermelhas
– podem explodir violentamente espalhando o seu invólucro pelo cosmos e deixando
à vista o seu caroço. Na matéria que espalham encontram-se os núcleos mais
pesados, aqueles que só podem ser feitos nas estrelas, como é o caso do
carbono, que entra profusamente nas moléculas de que somos feitos e de que é
feita toda a vida. Nesse sentido, somos “filhos das estrelas”. Mas o que se
encontra dentro da supergigante vermelha que explodiu, uma explosão conhecida
por supernova? O caroço se for
suficientemente denso pode ser um buraco negro, um prodigioso abismo do
espaço-tempo (o espaço, ensinou-nos Einstein, está ligado ao tempo, assim como
a matéria está ligada à energia pela equação E=mc^2) de onde nada pode sair, nem a luz, ma onde tudo entra. É,
de resto, por a luz não poder sair desse buraco, mas só entrar nele, que lhe chamamos buraco negro. No cosmos vem luz
de todo o lado, principalmente mais das estrelas, mas não vem dessas estrelas
mortas que são os buracos negros.
Não sabemos muito sobre buracos
negros, que aparece, no filme
recente Interstellar do realizador
anglo-americano Christopher Nolan. De facto, pouco mais sabemos que a matéria e
a energia se precipitam sobre esses sorvedouros cósmicos, Não há, felizmente,
nenhum nas proximidades no nosso sítio da Galáxia ou Via Láctea, embora haja
um, e bem grande, no centro da nossa Galáxia, em torno do qual o nosso Sol
circula.
Há buracos negros, mas haverá
buracos brancos, sítios de onde tudo sai? De certo modo, vivemos no interior de
um e bem grande. O Universo criado pelo Big
Bang pode ser visto como um buraco branco, um buraco branco enorme, talvez
mesmo infinito. O aparecimento primeiro da luz e depois da matéria em todo o
lado é uma boa ilustração do conceito de buraco branco. E o que existiu antes
do Big Bang? Será que existiu um
Universo anterior que deu lugar, de algum modo, ao Big Bang? Boas perguntas
para as quais não temos hoje respostas (e para quais, provavelmente, nunca
teremos). Há muitas questões para a qual já encontrámos resposta: quando surgiu
o Universo tal como vemos? De que é feita a matéria comum? O que é a luz? Como
funcionam as estrelas? Mas há questões que os seres humanos, baseados no
conhecimento que já possuem, podem colocar, mas às quais será possível
responder. O que se passou mesmo no início? Há outros tipos de matéria e de
interacções? Como escreveu William Shakespeare no Hamlet: “Há mais coisas, Horácio, no céu e na Terra do que sonha a tua
filosofia”.
Parafraseando o dramaturgo
inglês, a nossa filosofia continua a sonhar. Neste Ano Internacional da luz,
150 anos depois de sabermos que a luz é uma onda electromagnética (foi o
britânico James Clerk Maxwel a descobrir), 100 depois de sabermos que a massa
encurva a luz (foi o suíço Albert Einstein a descobrir) e 50 anos depois de
termos detectado a radiação cósmica de fundo, uma forte prova do Big Bang (foram os norte-americanos Arno
Penzias e Robert Wilson a descobrir), continuamos a querer saber mais. Faremos decerto mais luz sobre a luz.
Carlos Fiolhais*
*Professor de Física da Universidade de Coimbra e Coordenador da Comissão Nacional do Ano Internacional da Luz
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