domingo, 22 de novembro de 2015

LUZ POR TODO O LADO

Meu artigo no último Rua Larga, revista da Universidade de Coimbra, dedicado na íntegra ao Ano Internacional da Luz:


Fiat lux! Sabemos hoje, não com base no texto bíblico, mas num conjunto de dados científicos, que no início do Universo, se libertou  luz por todo o lado. Neste ano de 2015, estamos, por determinação das Nações Unidas, a celebrar a luz  – é, em todo o planeta, o Ano Internacional da Luz.  A luz é o nome genérico que podemos dar ao campo unificado dos primórdios do cosmos que preencheu todo o Universo a partir do momento inicial do Big Bang, há cerca de treze mil milhões de anos. Numa pequeníssima fracção de segundo, as forças desdobraram-se a partir do campo unificado inicial, tendo aparecido a força electromagnética, associada à luz propriamente dita, uma vez que, sabemos hoje, a luz é uma onda electromagnética.

Pouco depois desse instante fundador, a luz inicial, energia pura, começou a metamofosE = mc^2, que Einstein escreveu. Os quarks, os electrões e os neutrinos, as partículas que hoje supomos fundamentais e com as quais tudo no nosso vasto mundo é feito. Sim, toda a matéria conhecida no mundo é feita de quarks, electrões e neutrinos. Os quarks e os electrões possuem carga, positiva ou negativa (os quarks podem ser positivos ou negativos, ao passo que os electrões, são só negativos). Ter carga é a condição para que duas partículas possam trocar luz entre elas, assegurando assim uma relação entre elas: partículas com carga igual repelem-se mas com carga diferente atraem-se: por exemplo, os electrões repelem-se entre si, mas já são atraídos por quarks positivos.
ear-se em partículas, de acordo com a mais famosa equação da Física,

Em escassos três minutos, os primeiros três minutos do mundo, passaram a existir núcleos atómicos, que são colecções de pacotes de três quarks  (esses pacotes são os protões e os neutrões, os primeiros carregados positivamente e os segundos neutros, como o próprio nome indica). Num desalinho completo, em conjunto com os núcleos atómicos vadiavam os electrões por tudo quanto era sítio.

Foi preciso esperar 300 000 anos para que se formassem por todo o lado os primeiros átomos, os átomos dos elementos químicos mais leves – principalmente, hidrogénio e hélio, mas também algum lítio e berílio. Esse processo ocorreu muito rapidamente, quando o Universo, sempre a expandir e a arrefecer desde o seu início, atingiu uma temperatura em que era preferível aos electrões, negativos, “casarem-se” com os núcleos atómicos, positivos, para formar agregados estáveis, os átomos, que são neutros. Os átomos podem emitir ou absorver luz, através da desexcitação ou excitação dos electrões em torno dos núcleos, mas apenas luz com certas quantidades de energia. Esta afirmação é um conteúdo essencial da teoria quântica, que explica com enorme êxito a estrutura do núcleo, a estrutura do átómo e a ligação dos átomos em moléculas e sólidos. O Universo passou então e de repente de uma situação em que era completamente opaco – a luz era absorvida pouco depois de ser emitida, não podendo progredir muito – para uma situação em que era transparente: a luz se podia propagar indefinidamente no espaço. Os átomos só podiam captar certas formas de luz e não a maior parte dela. Desse momento ficou por todo o Universo uma radiação que hoje se apresenta como microondas mas que já foi luz com comprimentos de onda menores (o comprimento de onda está associado à energia da onda, a luz de maior comprimento de onda  é menos energética). Chamamos a essa  luz  que ficou do momento da formação dos átomos “radiação cósmica de fundo”. Vivemos no interior dessa radiação, que é inescapável: o Universo é um gigantesco “banho” de microondas onde estamos, sem remissão, mergulhados. Como as microondas são uma forma de luz, embora invisível, podemos dizer que existe um fundo de luz por todo o lado no Universo. Há quem lhe chame “radiação fóssil” para lembrar a sua origem primitiva.
Quando os átomos se formaram não havia ainda estrelas, que demoraram pelo menos um milhão de anos a formarem-se. Mas hoje existem. Vemos de dia o Sol e, no céu nocturno, pontos luminosos, que, sendo emissores de luz visível, nos maravilham os olhos, por romperem as trevas. As câmaras fotográficas que são os nossos olhos desenvolveram-se, ao longo do lento e demorado percurso da evolução biológica, para aproveitar ao máximo a luz que a nossa estrela emite em maior quantidade. Outras estrelas, muito mais longínquas, emitem luz como o Sol, ou de um modo parecido com o Sol (vemos algumas com outras cores, por exemplo vermelhas ou azuis, simplesmente por elas serem mais frias ou mais quentes do que o Sol). Tanto o Sol como as outras estrelas emitem, além de luz visível, luz invisível: luz infravermelha, luz ultravioleta, microondas e ondas de rádio, raios X e raios gama.  Toda essa luz são ondas electromagnéticas como a luz que vemos, sendo a única diferença o seu comprimento de onda: as microondas, por exemplo, têm um comprimento de onda maior do que a luz visível. Felizmente que a nossa atmosfera filtra as radiações mais perigosas como os raios X e os raios gama (de outro modo, não estaríamos aqui a contemplar as estrelas!). Algumas das estrelas maiores – as chamadas supergigantes vermelhas – podem explodir violentamente espalhando o seu invólucro pelo cosmos e deixando à vista o seu caroço. Na matéria que espalham encontram-se os núcleos mais pesados, aqueles que só podem ser feitos nas estrelas, como é o caso do carbono, que entra profusamente nas moléculas de que somos feitos e de que é feita toda a vida. Nesse sentido, somos “filhos das estrelas”. Mas o que se encontra dentro da supergigante vermelha que explodiu, uma explosão conhecida por supernova?  O caroço se for suficientemente denso pode ser um buraco negro, um prodigioso abismo do espaço-tempo (o espaço, ensinou-nos Einstein, está ligado ao tempo, assim como a matéria está ligada à energia pela equação E=mc^2) de onde nada pode sair, nem a luz, ma onde tudo entra. É, de resto, por a luz não poder sair desse buraco, mas só entrar nele, que  lhe chamamos buraco negro. No cosmos vem luz de todo o lado, principalmente mais das estrelas, mas não vem dessas estrelas mortas que são os buracos negros.

Não sabemos muito sobre buracos negros, que aparece, no  filme recente  Interstellar  do realizador anglo-americano Christopher Nolan. De facto, pouco mais sabemos que a matéria e a energia se precipitam sobre esses sorvedouros cósmicos, Não há, felizmente, nenhum nas proximidades no nosso sítio da Galáxia ou Via Láctea, embora haja um, e bem grande, no centro da nossa Galáxia, em torno do qual o nosso Sol circula.

Há buracos negros, mas haverá buracos brancos, sítios de onde tudo sai? De certo modo, vivemos no interior de um e bem grande. O Universo criado pelo Big Bang pode ser visto como um buraco branco, um buraco branco enorme, talvez mesmo infinito. O aparecimento primeiro da luz e depois da matéria em todo o lado é uma boa ilustração do conceito de buraco branco. E o que existiu antes do Big Bang? Será que existiu um Universo anterior que deu lugar, de algum modo, ao Big Bang?  Boas perguntas para as quais não temos hoje respostas (e para quais, provavelmente, nunca teremos). Há muitas questões para a qual já encontrámos resposta: quando surgiu o Universo tal como vemos? De que é feita a matéria comum? O que é a luz? Como funcionam as estrelas? Mas há questões que os seres humanos, baseados no conhecimento que já possuem, podem colocar, mas às quais será possível responder. O que se passou mesmo no início? Há outros tipos de matéria e de interacções? Como escreveu William Shakespeare no Hamlet: “Há mais coisas, Horácio, no céu e na Terra do que sonha a tua filosofia”.

Parafraseando o dramaturgo inglês, a nossa filosofia continua a sonhar. Neste Ano Internacional da luz, 150 anos depois de sabermos que a luz é uma onda electromagnética (foi o britânico James Clerk Maxwel a descobrir), 100 depois de sabermos que a massa encurva a luz (foi o suíço Albert Einstein a descobrir) e 50 anos depois de termos detectado a radiação cósmica de fundo, uma forte prova do Big Bang (foram os norte-americanos Arno Penzias e Robert Wilson a descobrir), continuamos a querer saber mais.  Faremos decerto mais luz sobre a luz.

Carlos Fiolhais*
*Professor de Física da Universidade de Coimbra e Coordenador da Comissão Nacional do Ano Internacional da Luz



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