sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Resistência e contra-ataque

Este mês houve um surto de infecção por uma bactéria resistente a antibióticos no Hospital de Gaia, com 102 afectados e 3 mortos (Público, RTP, TVI, DN). Para além do horror dos doentes e das suas famílias, é também importante que se saiba do que se fala quando se fala de bactérias e de resistência a antibióticos.

Quando descrevem bactérias dizendo que são procariotas e que se distinguem das outras células por serem mais simples, dá-me sempre vontade de rir com a cara tapada atrás das mãos como se estivesse a pregar uma partida a incautos. A simplicidade da arquitectura celular bacteriana, por oposição à sofisticação das eucariotas que constroem animais, plantas ou fungos, é precisamente o segredo da sua antiguidade, ubiquidade e capacidade de responder rapidamente à alteração do ambiente onde se encontram. São óptimos exemplos para mostrar como funciona a evolução tal como Darwin a descreveu, já que apenas sobrevivem os que estão melhor adaptados, numa corrida incessante contra a adversidade. E uma das adversidades que combatem é o ataque dos antibióticos, desenhados para as eliminar até ao último exemplar da população.

Existem vários motivos que levam ao aparecimento de resistência a antibióticos, mas no caso da Klebsiella pneumoniae carbapenemase, abreviada em KPC e a que está na origem do surto de Gaia, está provado ter origem no uso indevido e inadequado de antibióticos.

A primeira parte do problema da resistência é quando se toma antibiótico sem se ter infecção bacteriana. Nas gripes ou constipações, o culpado é em geral um vírus. Um qualquer, às vezes nem chegamos a saber qual nem interessa muito. A única coisa a fazer é ficar em casa, beber líquidos e esperar que passe (um paracetamol ou aspirina para a febre e dores, e pouco mais).


98% do material genético de uma pessoa na realidade não é nosso. Estamos cheios de bactérias, desde os buracos do nariz à ponta dos pés, das quais não nos conseguimos nem queremos livrar porque são essenciais para o equilíbrio do corpo humano. Cada vez que tomamos antibiótico esta flora é também afectada; quando isso é feito sem ser para combater um agente causador de doença estamos apenas a causar danos sem colher qualquer benefício. Damos cabo das benéficas e começamos a promover o aparecimento de resistência a antibióticos nesta população.



O que nos leva à segunda parte do problema. Os antibióticos devem ser tomados na dose e posologia indicada pelo médico e descrita no folheto informativo - sejam 3 ou 8 dias, uma ou três vezes ao dia. Gastam-se milhões de euros e muitas horas de trabalho em laboratório a definir a dose adequada de antibiótico que seja capaz de eliminar até à última bactéria. As primeiras tomas do medicamento são essenciais para matar a maioria da população e fazer desaparecer os sintomas desagradáveis da doença, as últimas tomas são essenciais para garantir que não restam os últimos sobreviventes que são os mais ariscos ao mecanismo letal do antibiótico administrado. Se esses últimos não forem eliminados, quando se pára de tomar antibiótico vão começar a replicar-se e dar origem a uma nova população de bactérias que ataca de forma mais eficiente o hospedeiro -  tendo adquirido um gene capaz de combater o mecanismo específico de ataque do antibiótico a que acabaram de sobreviver. Nesses casos, diz-se que são bactérias resistentes a um antibiótico. Se este procedimento se repetir com vários antibióticos as bactérias começam a coleccionar genes de resistência aos diferentes mecanismos e assim nascem as super bactérias, que são na realidade mega vilões. Capazes de resistir a todo o arsenal humanamente disponível.

Ilustração de Pedro Carvalho, argumento de Bruno Pinto, para a exposição "RESISTIR - quando as bactérias resistem a antibióticos", Centro Ciência Viva de Sintra. Clicar para aumentar


O que podemos fazer para ajudar a impedir o problema? Para além de apenas tomar antibiótico apenas quando necessário e até ao fim, é essencial lavar as mãos. Uma coisa tão simples, inventada há tanto tempo, continua a ser uma das acções mais eficazes na eliminação do ciclo de infecções. Água, sabão, esfregar bem e secar. 




(no Centro Ciência Viva de Sintra [onde sou directora executiva] abrimos este mês uma exposição a que chamámos "Resistir - quando as bactérias resistem a antibióticos", com apoio científico do Instituto de Tecnologia Química e Biológica. Um dos materiais que produzimos foi uma banda desenhada sobre o problema de resistência a antibióticos, disponível online. Estreia para a semana no Pavilhão do Conhecimento estreia a exposição "Viral", onde as bactérias e as infecções também são protagonistas. Vale a pena conhecer)

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