“A qualidade do ensino e da formação de professores constitui uma
preocupação central do discurso dos responsáveis educativos.
No entanto, a qualidade ameaça tornar-se num slogan vazio ou equívoco
se não for definido um referencial que permita explicitar critérios
de qualidade. Remetendo esse referencial para tomadas de posição
de carácter filosófico, epistemológico, científico e técnico
torna-se difícil encontrar referenciais que sejam consensuais.”
M. Teresa Estrela, 1999, 9.
A opinião das pessoas faz-se. Quem domina a técnica e não se prende a "pormenores éticos" pode levar multidões a pensar e a fazer o que bem entende, sem força, sem armas, de maneira soft, com elegância.
Tenho isto por verdadeiro em qualquer campo, incluindo o da educação, que é aquele que conheço melhor e que, por ser central no que ao pensamento diz respeito, mais me preocupa. Neste campo há, devo reconhecê-lo, estratégias muitíssimo concertadas para levar as pessoas a assumir como sua esta ou aquela opinião. Quem detém poder - económico e político, por esta ordem - sabe bem o que fazer. E, não labora numa escala nacional mas numa escala internacional ou mundial.
Vejamos a opinião que está a ser construída sobre os professores nos países da Europa:
1) Existe uma entidade que se designa por "qualidade de ensino", que não é nada de mais: consiste em preparar os alunos sobretudo para a vida e para o mercado de trabalho, porque isso garante o bem-estar económico;
2) E, como podemos saber se os alunos estão bem preparados nesse sentido? Mais, uma vez, muito simples: estabelecem-se standards/metas uniformes no sentido acima descrito e fazem-se (muitos) exames também uniformes, alinhados pelos standards/metas. Esta dupla tarefa deve ser confiada apenas e só a agências internacionais "independentes".
3) Depois os sistemas de ensino e os directores escolares tomam medidas: os professores cujos alunos obtêm baixos resultados nos tais exames têm de sair do sistema, da escola porque o seu ensino não é de qualidade (encaminhá-los para formação, além de ficar caro, não se traduz em melhores resultados); os que ficam no sistema, na escola são remunerados em função do nível de sucesso dos seus alunos.
4) Vale a pena pagar bem aos professores que conseguem ensinar eficazmente turmas grandes e que obtêm resultados elevados nos exames pois evitam muitos custos. Numa folha de deve e haver, bate certo.O que disse nestes quatro pontos foi retirado de notícias e de documentos disponibilizados por dois especialistas em economia e qualidade da educação que recentemente estiveram em Portugal a convite de duas instituições nacionais de relevo; li que um deles esteve, antes, a convite, em dois ministérios da educação europeus.
Em nome da transparência, da prestação de contas, da qualidade e de outros slogans absolutamente vazios e demagógicos, com o suporte do "argumento de autoridade" de especialistas, está-se, muito cirurgicamente, a reduzir a educação escolar de um vasto conjunto de países ao que convém a uns poucos poderosos. E os professores são usados para tanto. De facto, está-se a reduzir a profissão docente a uma desesperada concretização de standards/metas como via de salvação em certo tipo de exames.
E, sobretudo, está-se a limitar a aprendizagem à preparação para o que se determinou ser a vida: o mercado (de trabalho e de consumo) à escala multinacional. Isso deveria tirar-nos o sono!
Como é possível esquecermo-nos que os sistemas educativos, as escolas têm o particular dever de ensinar o que nenhuma outra instituição social ensina: o conhecimento fundamental, mais erudito e abstracto, numa tentativa de levar os alunos a serem pessoas esclarecidas e livres?
Como é possível que isso não tenha contestação; antes, tenha aceitação pelas populações em geral e, até, pelos próprios professores?
Tenho de reconhecer, que o trabalho de produção de opiniões tem sido muito bem feito!
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Citação: Estrela, M. T. (1999). Da (im)possibilidade actual de definir critérios de qualidade da for-mação de professores. Psicologia, Educação e Cultura, vol III, n.º 1, pp. 9-30.
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