Minha crónica do Público de hoje:
Um dos pontos altos deste Ano
Internacional da Luz é a celebração precisamente hoje, dia 25 de Novembro, do
centenário da obra maior de Albert Einstein, a teoria da relatividade geral,
que descreve a força da gravidade, ultrapassando Newton. Foi um dos maiores empreendimentos do
espírito humano: percebeu-se que
conceitos aparentemente tão díspares como o espaço, o tempo, a matéria e a
energia estavam ligados por uma equação matemática que culminava longos
esforços em demanda de uma descrição unificada do Universo. Ainda hoje essa
equação se mantém de pé, apesar de todas as investidas teóricas e experimentais
para a derrubar. De facto, a Natureza nada revelou até agora que nos faça
duvidar da solidez da descrição einsteiniana.
Para mim como para tantos outros que
escolherem a Física como profissão, Einstein foi um herói da juventude. Não me
sentia tanto seduzido pelo lado icónico, seguramente o mais visível: o sábio de
ar bondoso, farta cabeleira, camisola de lã e sandálias. Tratava-se antes da
atracção pelo invisível, que a sua figura personificava melhor do que qualquer
outra. Ele encarna a ideia de que o mundo é compreensível. Não sabemos porquê,
mas é. O físico Einstein foi um pouco filósofo ao declarar: “O que há de mais incompreensível no mundo é
o facto de ele ser compreensível.” Pode ser difícil, mas é possível
decifrar os mistérios do mundo. O sábio suíço, nascido na Alemanha, também disse
um dia que: “Deus é subtil, mas não é
malicioso”. Não sendo ele uma pessoa religiosa no sentido comum, queria ele
dizer que o Universo é intrincado, mas os seus mecanismos são acessíveis à
mente humana. O trabalho continuado dos físicos e dos outros cientistas tem
confirmado essa afirmação.
Incompreensível é também o facto de o mundo se revelar compreensível
através de equações. O cérebro de Einstein produziu há cem anos uma equação, cuja
beleza espantou o próprio autor (“A teoria
é de uma beleza incomparável”, comentou), que permitiu previsões que se haveriam de
revelar certeiras a respeito do mundo: um minúsculo desvio da órbita de
Mercúrio em relação ao previsto usando as leis de Newton; uma pequena deflexão
pelo Sol da luz proveniente de estrelas por detrás dele; buracos negros, abismos
cósmicos que são fins locais do espaço-tempo; e o Big Bang, que é o início global do espaço-tempo a partir de uma
prodigiosa concentração de energia. Galileu tinha dito que “o Livro da Natureza está escrito em caracteres matemáticos”. E
Newton tinha escrito os Princípios
Matemáticos de Filosofia Natural, contendo a sua lei da gravitação
universal. Mas Einstein veio acrescentar, numa base matemática, que a geometria
do espaço-tempo (espaço e tempo tinham sido ligados em 1905 na sua teoria da
relatividade restrita) é comandada pela matéria-energia (os dois também ligados
na mesma altura). A força da gravidade mais não é do que o encurvamento do
espaço-tempo, às ordens da matéria-energia. Para usar uma metáfora visual, um
astro como o Sol está no espaço-tempo como uma bola em cima de um lençol esticado. Se colocarmos
um berlinde, que será a Terra, com velocidade adequada ele rodará em torno da
bola central.
Roland Barthes, o semiólogo e
filósofo francês que tal, como a teoria maior de Einstein, nasceu há cem anos (designadanente
a 12 de Novembro de 1915), escreveu nas suas Mitologias (Edições 70, 1978): “(...) o produto da sua invenção
assumia uma condição mágica, reincarnava a velha imagem esotérica e uma ciência
inteiramente encerrada nalgumas letras. Há um único segredo do mundo e esse
segredo condensa-se numa palavra, o Universo é um cofre-forte de que a
humanidade procura a cifra: Einstein chegou quase a encontrá-la, é esse o mito
de Einstein; aí se nos deparam de novo todos os temas gnósticos: a unidade da
Natureza, a possibilidade irreal de uma redução fundamental do mundo, o poder
de abertura da palavra, a luta ancestral entre um segredo e uma linguagem, a
ideia de que o saber total não pode descobrir-se senão de um só golpe, como uma
fechadura que cede bruscamente depois de mil tacteamentos infrutuosos.”
O prolongado confronto do cérebro
humano com o Universo (um confronto natural pois o nosso cérebro é a única
parte do Universo que o consegue compreender) vai tendo resultados felizes,
como a epifania de Einstein há cem anos. A história da ciência ensina-nos que
cada revelação não é o fim de nada, mas um novo princípio. Einstein não foi o
fim de Newton, cuja teoria da gravitação universal continua a ser válida em
certas condições. Foi o início de uma
cosmovisão bem mais fantástica do que a de Newton, pois o mundo do sábio inglês
não podia albergar buracos negros nem provir de uma explosão inicial. Escreveu
o Padre Teilhard de Chardin, paleontólogo e teólogo francês contemporâneo de
Einstein: “à escala do cósmico só o
fantástico pode ser verdadeiro.”
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