quinta-feira, 31 de janeiro de 2008
A saga ortográfica
Mas, primeiro, este argumento não é procedente.
Não o é porque não há qualquer garantia de que uma ortografia unificada permita uma unificação dos dois modos de usar a língua. A verdade é que as diferenças entre o português popular falado no Brasil e o português popular falado em Portugal são imensas e nenhum acordo ortográfico mudará tal coisa. Ironicamente, onde há menos diferenças nas duas maneiras de usar a língua é na linguagem erudita. Ora, o acordo ortográfico afectará sobretudo a língua erudita e não a popular. Portanto, o acordo unifica onde não era preciso unificar e não unifica onde se deseja unificar.
Mas será assim tão importante politicamente unificar as duas ortografias e não permitir que divirjam mais? Porquê, exactamente? Além de uma certa mentalidade colonialista que faz os portugueses pensar que são "donos" do português, não vejo qualquer vantagem nisso para Portugal. Nem para o Brasil. É apenas o mesmo tipo de palermice que motivou a reforma que eliminou o “ph” de “philosophia” com o argumento político de facilitar a aprendizagem da língua escrita. Este tipo de medida mostra a mentalidade portuguesa no seu pior: temos muitos analfabetos? Isso resolve-se através da legislação, mudando a ortografia. Claro que a nova ortografia não resolveu o problema do analfabetismo. Ora, hoje o disparate é igual: temos empresários em estado comatoso, uma cultura sem expressão internacional e uma língua moribunda por falta de produção cultural relevante? Mude-se a ortografia legislativamente e tudo ficará bem. Como, exactamente? Gostaria que os defensores do acordo especificassem com algum pormenor as suas consequências benéficas. Coisa que não fazem; apenas falam vagamente do desastre que será não fazer o acordo.
Em segundo lugar, o argumento não é procedente porque o que está em causa é precisamente saber se as hipotéticas vantagens políticas ou económicas ou culturais do acordo ortográfico justificam só por si que se legisle. Esta é precisamente a ideia que eu ponho em causa. Legislar sobre a língua, ou sobre a parte dela constituída pela ortografia, só é aceitável quando aceitamos sem pestanejar o princípio antidemocrático de que uma Academia de Ciências ou de Letras tem o poder de mandar-nos escrever como alguém quer que escrevamos. Isto parece-me o cúmulo do absurdo, apesar de ser prática comum na Alemanha e na França. Mas não deixa de ser uma palermice.
Há uma grande diferença entre os académicos brasileiros e portugueses cooperarem entre si com louváveis fins linguísticos e culturais e impor legislativamente o resultado da sua cooperação ao resto dos cidadãos. Na verdade, a ironia é que se os académicos brasileiros e portugueses cooperassem mais, se mais livros e académicos circulassem entre os dois países, a língua dos dois países teria menos divergências. O acordo ortográfico só serve para tapar o sol com a peneira: toda a gente se pode desculpar que a cultura não circula entre os dois países por causa da ortografia. Isto é como pensar que a única razão pela qual Portugal não exporta petróleo para o Brasil é por falta de petroleiros. Falta trabalho sério dos académicos dos dois países, no sentido de contribuírem com dicionários e gramáticas e outros livros para que a língua comum se fortaleça sem divergir? Então faça-se uma lei sobre a ortografia e ficará tudo num mar de rosas. Como sempre na mentalidade lusitana, em vez de se resolver realmente os problemas, faz-se leis para fingir que se resolvem.
Coroas de glória para o tubarão
A planta era conhecida pelos gregos que a designavam «amarantus», que significa «nunca murcha», e na Índia o reconhecimento das suas virtudes é evidenciado pelo seu nome em sânscrito: «amarnath» ou «rei da imortalidade». A realeza sueca recompensava os seus súbditos que se destacavam em exibições de força oferecendo-lhes coroas feitas desta planta. Os gregos, por sua vez, usavam a oliveira para as coroas de glória, nomeadamente, nos primórdios dos Jogos Olímpicos, os atletas vencedores eram homenageados com coroas de oliveira, tradição suplantada pelo louro com o domínio romano mas retomada nos jogos de 2004 na Grécia.
Na cultura mediterrânica, a oliveira, símbolo da paz, era considerada uma fonte de força e de saúde. Esta associação do amaranto e da oliveira a coroas de glória para feitos atléticos é curiosa uma vez que ambas as plantas se encontram entre as principais fontes vegetais de um anti-oxidante de efeitos reconhecidos, o esqualeno, um isopreno como as vitaminas E e A, compostos cuja estrutura foi descrita por Paul Karrer, laureado com o Nobel da Química em 1937.
Outra semelhança entre estas plantas é o facto de uma dieta rica em ambas (ou seus derivados) contribuir para a redução dos níveis plasmáticos de colesterol, embora no caso do amaranto sejam necessários mais estudos para confirmar os resultados preliminares e elucidar o mecanismo da sua acção.
Os efeitos benéficos do azeite na saúde humana são desde há muito reconhecidos, nomeadamente está bem assente que a sua inclusão na dieta apresenta, entre outros benefícios, uma considerável redução do risco de cancro de mama. Theresa J. Smith (artigo em formato pdf) e Harold L. Newmark, sugeriram que o efeito protector se deve à elevada quantidade de esqualeno contido no azeite (especialmente no extra virgem). De facto, existem numerosos estudos sobre o efeito do esqualeno, em aplicação tópica ou em administração sistémica, sobre vários tipos de cancro, da pele, do intestino e do pulmão, induzidos quimicamente em ratinhos. Os resultados obtidos sugerem que o esqualeno possui efeitos anti-carcinogénicos notórios e alargados.
Mas as fontes vegetais deste triterpeno só começaram recentemente a ser consideradas uma vez que, como o nome indica, o esqualeno foi identificado pela primeira vez no óleo de fígado de peixes da família Squalidae, ou seja, óleo de fígado de tubarão, uma das fontes mais ricas de esqualeno.
Usado em larga escala como suplemento alimentar desde a antiguidade, nomeadamente na China - Lee Ji Chin, que compilou a «enciclopédia» chinesa dos produtos medicinais, a Honzokomoku, identifica o óleo de fígado de tubarão como uma importante fonte de saúde e longevidade - e no Japão - o «samedawa» ou «cura tudo» era um extracto do fígado dos tubarões bebido pelos pescadores de Soruga Bay - e em anos mais recentes na indústria cosmética, o interesse económico do óleo de fígado de tubarão e a pesca intensiva associada colocaram algumas espécies na lista das espécies ameaçadas de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais, a lista vermelha da IUCN.
O esqualeno é um precursor da biossintese de esteróides que está presente naturalmente no corpo humano, estando concentrado na pele onde fornece protecção contra germes e contra os danos oxidativos causados por radicais livres. O esqualeno apresenta assim propriedades que o tornaram muito importante em cosmética (e medicina), já que para além da acção anti-oxidativa actua a nível celular melhorando a oxigenação e regeneração dos tecidos e é absorvido rápida e profundamente. Nos últimos anos, devido a preocupações ecológicas, muitas empresas de cosméticos deixaram de utilizar o óleo de fígado de tubarão nas suas formulações, substituindo-o por análogos vegetais, nomeadamente por óleos vegetais ricos em esqualeno.
A Oceana, uma organização de defesa dos oceanos, anunciou na terça-feira que a Unilever se junta este ano a outras empresas e irá substituir o óleo de fígado de tubarão, que utilizava em produtos como o Dove ou o Pond's, por esqualeno de origem vegetal. Esperemos que este bom exemplo seja seguido pelos fabricantes de suplementos alimentares naturais e que o tubarão deixe de ser pescado exclusivamente devido aos seus bons fígados.
E esperemos que cada vez mais pessoas se apercebam que o prefixo bio no nome de um composto químico não lhe altera as propriedades (embora lhe possa alterar as virtudes ecológicas): o esqualeno, como outra molécula qualquer, apresenta exactamente os mesmos efeitos quer seja obtido por síntese, da azeitona, do amaranto ou do fígado de espécies ameaçadas de extinção!
quarta-feira, 30 de janeiro de 2008
Outra vez o acordo ortográfico
Em primeiro lugar, afirma que ignoro a diferença entre língua e ortografia. Este argumento parece pressupor que SE fosse verdade que legislar sobre a ortografia é legislar sobre a língua, então seria errado legislar sobre a ortografia. Mas como a língua não é a ortografia, não faz mal legislar sobre a ortografia.
Este argumento parece-me fraco, porque é tão errado legislar sobre a ortografia como legislar sobre a língua no seu todo. O que está em causa é a mania de mandar nos outros arbitrariamente.
Em segundo lugar, o João parece começar a refutar o facto empírico de que nos países de língua inglesa não se legisla sobre a ortografia. Mas logo recua dizendo que afinal não há mesmo tal coisa e que eles, os americanos e ingleses, se vêem às aranhas por causa disso. A ideia é: se não fossem tão palermas, há muito que teriam feito um acordo ortográfico.
Este argumento parece-me muito fraco porque o que está precisamente em causa é que a circulação de livros entre os EUA e o Reino Unido é enorme, apesar de não haver tal acordo ortográfico. E por isso não será por falta de acordo que não há a mesma circulação saudável de livros entre Portugal, o Brasil e outros mercados da língua portuguesa.
Há outro aspecto do argumento, mas esse discuto depois: é o facto de os bifes se verem por vezes em palpos de aranha com as mudanças ortográficas de país para país.
O João diz depois que há uma diferença fundamental entre o mercado livreiro anglo-americano e o luso-brasileiro: a enorme preponderância, no último caso, de um dos mercados, o que não ocorre no outro. Mas como não explica o que tem isto a ver com o acordo ortográfico, não entendi. Presumo que a ideia do acordo ortográfico seja fazer circular facilmente os livros portugueses no Brasil ou vice-versa, não sei. Ora, a ironia disto é que tal coisa só não acontece porque os editores não o fazem, e não por causa da ortografia. Qualquer biblioteca brasileira de filosofia está cheia de livros portugueses de filosofia, cujas diferenças ortográficas são irrelevantes para estudantes e professores.
Claro que os editores brasileiros se estão nas tintas para o mercado português porque é minúsculo comparado com o mercado só de São Paulo e Rio de Janeiro. Mas a razão pela qual os editores portugueses não se interessam pelo mercado brasileiro é puro desconhecimento das coisas e falta de iniciativa; nada tem a ver com a ortografia. Se a Europa-América desatasse a editar simultaneamente os seus livros no Brasil, fazendo jus ao nome, os brasileiros comprariam com a maior tranquilidade os livros com a ortografia portuguesa. Não tenho qualquer estudo empírico que confirme isto — mas tenho a experiência de falar com os meus estudantes e colegas brasileiros, que continuamente me perguntam sobre meios para comprar livros portugueses no Brasil, que infelizmente são aqui muito caros (vivo no Brasil, para quem não souber). Os leitores brasileiros deste blog poderão confirmar ou refutar a minha impressão.
O melhor argumento é o seguinte e é aqui que está tudo em causa. O João argumenta que, como sou um mero “técnico de ideias gerais”, desconheço que o estado é mandatado pelas Academias de Ciências e de Letras para sancionar leis sobre a ortografia. Estranho argumento este, pois o facto de o estado sancionar é precisamente o que está em causa. Se tivéssemos juízo, não quereríamos que o estado sancionasse tal coisa, pois o estado tem coisas mais importantes a fazer do que sancionar o modo como as pessoas escrevem “húmido”. Os académicos das Academias que academicamente publiquem boas gramáticas, bons livros, bons dicionários — óptimo! Que cumpram com esse trabalho a sua obrigação pública de nos ajudar a escrever melhor, de orientar a evolução natural da ortografia, da gramática, do léxico. Entre as suas responsabilidades profissionais incluem-se precisamente estas. E eu preciso deles, como todos os utentes da língua. Mas não preciso que se munam do estado salazarista para fazer leis sobre as palavras. Isto devia ser óbvio, mas não é óbvio em Mil Novecentos e Oitenta e Quatro — apesar de estarmos em 2008.
O João pergunta: “Como pode ele então estar tão certo de que a ausência do acordo não afectará negativamente as nossas vidas?” E é aqui que está a questão. Um salazarista pensa assim: se não podemos ter a certeza de que sem mais esta lei a vida não será melhor, então é melhor fazê-la já e a liberdade que se dane. E eu penso o contrário. Não tenho qualquer certeza de que a ausência de acordo não afectará negativamente as nossas vidas. Mas tenho a certeza de que numa sociedade genuinamente livre não se legisla por causa de não termos a certeza de que sem a legislação as coisas não serão terríveis. Afinal, quando começarem a ser assim tão terríveis, toda a gente vai ver, e nessa altura teremos tempo de fazer tal legislação.
Talvez o João desconfie, no fundo, que tais consequências terríveis nunca se deram. Aliás, caso se tivessem dado, ele nem argumentaria como argumenta; limitar-se-ia a apresentar todos os aspectos horríveis em que vivemos agora, sem qualquer acordo. Dado que tais aspectos não existem, concluo que não há qualquer razão para qualquer acordo ortográfico.
Acrescento só mais um argumento, este fora do que realmente me interessa. Aceitemos que há realmente razões económicas ou estratégicas ou seja lá o que for para unir as ortografias. Imaginemos que queremos fazer isso para os editores portugueses conseguirem vender livros no Brasil, ou para outra coisa qualquer. Este argumento a favor do acordo ortográfico é puro delírio. Pois as diferenças mais profundas entre o português brasileiro e lusitano não são ortográficas, mas sim gramaticais e lexicais. Seja o que se fizer ortograficamente para unir seja o que for, não poderá unir se não unir o léxico e a gramática. Donde se conclui que todas as justificações do acordo ortográfico em termos das consequências são improcedentes.
Alguns aforismos do astrofísico Michel Cassé
“O Sol e o olho são feitos da mesma substância. Os átomos do Sol falam aos átomos dos olhos a linguagem da luz e a razão por que vemos reside nesta identidade da natureza entre o detector e o receptor.”
“Os átomos são como violinos. Emitem notas de luz como os instrumentos emitem notas de música.”
“As estrelas desempenham na economia geral do universo o papel de artesão consciente e, além desta obra, a sua própria existência é condição necessária para a diversidade dos átomos.”
“A explosão de uma estrela não é de lastimar, as futuras humanidades sustentam-se nos seus estilhaços e detritos.”
“A morte de uma estrela é a passagem de uma ‘perfeição luminosa’ para uma ‘perfeição obscura’.”
“A criação no sentido teológico é absoluta e para mim o que é absoluto não existe absolutamente.”
“A realidade é essencialmente invisível, e o visível, de alguma forma, irrealista de tão excepcional que é.”
“Nós, os físicos, trepamos uma encosta muito escarpada, cujo cume já está ocupado pelos poetas e pelos matemáticos.”
“A desordem é uma ordem escondida.”
“Existe uma poesia e uma poesia profunda da matemática.”
“A física vai para além da metafísica.”
Fonte: "Filhos do Céu" (com Edgar Morin, Piaget, 2007)
FILHOS DO CÉU
O título “Filhos do Céu”, com um tom algo religioso, é um diálogo sobre a nossa actual visão do cosmos entre um sociólogo e filósofo francês bem conhecido, Edgan Morin (nascido em Paris em 1921, na foto), e um astrofísico também francês, que merecia ser mais bem conhecido, Michel Cassé. A conversa entre os dois teve lugar aos microfones da rádio France Culture antes de ter passado a livro no prelo da Editora Odille Jacob.
Em língua portuguesa esta obra saiu como um número redondo (250) da colecção “Epistemologia e Sociedade” do Instituto Piaget, que tantas e por vezes tão boas edições nos tem proporcionado (já me tenho interrogado como é possível a uma editora de cunho universitário publicar tal profusão de títulos). Saúda-se a longevidade dessa colecção. Edgar Morin, que é membro honorário do Instituto Piaget do qual recebeu em 2002 o prémio “Poética do Pensar”, tem vários livros publicados na mesma colecção, que se somam a outros livros que tem noutras editoras, como “O Método”, em vários tomos, que saiu na Europa-América. Morin, muito atento aos desenvolvimentos da ciência contemporânea, tem sido arauto do chamado pensamento da complexidade, sobre o qual tive ocasião de me pronunciar, num encontro ao vivo com Morin promovido nos anos 80 em Coimbra pela Associação de Professores de Filosofia (ver capítulo do meu livro “Universo, Computadores e Tudo o Resto”, Gradiva, 1994).
Por seu lado, Michel Cassé, investigador no Comissariado de Energia Atómica francês e no Instituto de Astrofísica de Paris, não é de modo nenhum um novato na edição. Em português tem, além do presente livro, um outro na referida colecção do Instituto Piaget (“Genealogia da Matéria”, 2000 ) e um livro, mais para jovens, na editora Arte Plural (“A Pequena Estrela”, com Élisabeth Vangioni-Flam, 2003). Mas em França tem mais obras. Saiu há pouco tempo em francês outro original com um título original “Lambde. Cosmologie dite à Rimbaud” (Editora Jean Paul Bayol, 2007). O seu notável poder de comunicação – nomeadamente a sua capacidade de criação de metáforas de base científica – tem justificado a sua frequente aparição pública nos media e em conferências.
O prefácio do livro é de Morin e o posfácio de Cassé. Confirma-se, no fim da agradável leitura, a ideia de que a astrofísica moderna é a fonte de muitas questões filosóficas, ficando umas respondidas (tanto quanto a ciência as pode responder) e aguardando outras ainda por resposta (as questões da matéria e da energia escura mostram que se esperam novos desenvolvimentos, oxalá venham em breve). O encontro entre Morin e Cassé é uma reunião da filosofia e da física, com um tom que, em vez de religioso, é marcadamente poético. Os dois pensadores procuram ler os dados mais recentes da astronomia e cosmologia – o “Big Bang”, os buracos negros, a matéria e a energia escuras, etc. – ligando esses dados ao que têm sido e são inquietações mais profundas do ser humano - o ser e o nada, o princípio e o fim do mundo, o belo e o feio, o bom e o mau, o humano e o inumano. As frases mais lapidares são de Cassé, valendo a pena seleccionar algumas para que o leitor desta recensão se aperceba melhor do estilo do livro (ver "post" seguinte). A sua linguagem é um pouco semelhante à de Hubert Reeves, outro astrofísico de língua francesa também ele um poeta do espaço, que acaba de publicar na Gradiva “Crónicas dos Átomos e das Galáxias”, um volume que curiosamente também resultou de intervenções feitas aos microfones da France Culture.
Morin também deixa algumas afirmações muito interessantes, nomeadamente quando faz uma citação sobre o modo como um astrofísico vê um copo de vinho. Vê lá moléculas de água, com hidrogénio do “Big Bang” primordial, e com oxigénio, que foi feito numa estrela que explodiu. Ou ainda quando refere, um pouco como Sagan fez no final de “Cosmos” (Gradiva, a versão ilustrada é de 2001), que o homem é o meio que o cosmos engendrou para ganhar consciência de si próprio. É como se o homem fosse um membro do Universo, que a certa altura adquirisse um olho e um cérebro para olhar e pensar o Universo. Somos filhos do céu. E o céu conhece-se a si próprio através dos seus filhos.
Apesar de uma ou outra afirmação mais pós-moderna e dúbia (o pós-modernismo nota-se principalmente quando se procura transmitir uma multiplicidade de sentidos, alguns dos quais se chocam entre si, com prejuízo da necessária clareza), este é um livro que não hesito em recomendar. Sobretudo para aquelas pessoas com formação literária ou artística que pretendem estar a par do que há de novo nos céus. Mas também para aquelas pessoas com formação científica, que gostam das linguagens da filosofia e da poesia, que podem com evidente vantagem ser usadas a propósito de objectos e conceitos científicos. Os filhos do céu podem, afinal, conhecê-lo de várias maneiras!
- Edgar Morin e Michel Cassé, “Filhos do Céu. Entre Vazio, Luz e Matéria”, Instituto Piaget, 2007.
terça-feira, 29 de janeiro de 2008
O demónio de Morton
Glenn Morton é um ex-criacionista da terra jovem (YEC) que escreveu extensivamente nas revistas, fora e afins daqueles que acreditam piamente ter a Terra 6010 anos. Esta circunstância permite-lhe uma perspectiva única sobre o mundo dos YECs, experiência pessoal que passou à forma escrita num artigo recomendado aos que no espaço devotado ao debate do De Rerum Natura se exasperam no combate ao demónio de Morton. Dada a oportunidade do artigo, deixo uma tradução do mesmo:
«Maxwell sugeriu um demónio famoso que podia violar as leis da termodinâmica. O demónio, sentado entre duas caixas, controla uma porta entre ambas. Quando o demónio vê uma molécula rápida vinda da caixa A na sua direcção abre a porta e fecha-a quando vê uma molécula lenta vinda da caixa A. Pelo contrário, quando vê uma molécula rápida na direcção da porta vinda da caixa B fecha a porta mas quando vê uma molécula lenta vinda da caixa B na direcção da porta abre-a. Desta forma, o demónio segrega as moléculas rápidas numa caixa e as lentas noutra. Como a temperatura de um gás está relacionada com as velocidades das moléculas, o demónio aumentaria a temperatura da caixa B e arrefeceria a caixa A sem dispêndio de energia. Como a diferença de temperatura pode ser utilizada para realizar trabalho, o demónio criaria uma máquina perpétua.
O demónio de Maxwell foi exorcizado por Szilard que mostrou que o demónio precisava de usar luz (e consumir energia) para distinguir uma molécula rápida de uma lenta. A energia dispendida na recolha de informação implica que o demóno não viola a segunda lei.
A razão porque menciono isto tem a ver com o facto de que descobri hoje que os YECs têm um demónio próprio. (...) Vários YECs recusam ler coisas que possam refutar aquilo em que acreditam.
Assim nasceu a constatação de que há um perigoso demónio à solta. Quando eu era um YEC, eu tinha um demónio que me fazia o que o demónio de Maxwell fazia à termodinâmica. O demónio de Morton era um demónio que se sentava à porta do meu aparelho de estímulos sensoriais e se e quando via aproximarem-se evidências favoráveis abria a porta. Mas quando via dados contraditórios fechava a porta. Desta forma, o demónio permitia-me acreditar que tinha razão e evitava qualquer arreliante dado contraditório. Felizmente eu eventualmente descobri que o demónio estava lá e começei a abrir a porta quando ele não estava a olhar.
No entanto, as minhas conversas fizeram-me perceber que todos os YECs são vítimas do meu demónio. O demónio de Morton torna possível a uma pessoa ter o seu conjunto privado de factos que os outros não conhecem, permitindo ao YEC construir uma teoria perfeitamente apoiada pelos factos que o demónio deixa passar pela porta. E como esses são os únicos factos conhecidos da vítima ele sente no seu coração que explica tudo. De facto, o demónio faz as pessoas sentirem-se moralmente superiores e com mais conhecimentos que os outros.
O demónio faz a sua vítima sentir-se muito confortável porque não há dados contraditórios à vista. O demónio é melhor que uns óculos de lentes cor de rosa. A vítima do demónio não percebe porquê as restantes pessoas não caiem nem aceitam as perspectivas da vítima. Afinal de contas, o mundo parece ser como a vítima o vê e o demónio não deixa entrar o conhecimento que permite aos restantes uma visão completamente diferente. Por isso, a vítima pensa que todos os outros têm preconceitos, ou que mantêm essas visões [naturalistas] do mundo de forma a não perderem o emprego, ou, num ataque ainda mais manhoso, pensa que os seus opositores estão possuídos por demónios ou são filhos de Satanás. Este é um demónio muito matreiro!
O demónio pode fazer as pessoas pensaram que a coluna geológica não existe mesmo que lhe deêm exemplos. Pode fazer as pessoas acreditarem que a datação com isótopos radioactivos não funciona mesmo que lhe mostrem comparações de anéis de árvores com datações com carbono-14. Pode mesmo fazer as pessoas ignorarem camada atrás de camada de pegadas e tocas na coluna geológica e acreditarem que os animais podem fazer tocas e andar sem problemas durante um dilúvio global. Pode fazer as pessoas pensarem que o Sol está a encolher, que as estrelas estão todas até 6000 anos-luz de distância da Terra ou que Deus fez imagens naquela perspectiva de acontecimentos que nunca aconteceram. Ele pode fazer as pessoas acreditarem que os fósseis não são restos de animais mas sim 'petrificações' colocadas in situ pelo Diabo. Pode fazer as pessoas ignorarem as medidas modernas de movimentos continentais, formação de estrelas ou especiação biológica. Pode fazer as pessoas acreditarem que 23 quilómetros de sedimentos numa área de 320 por 160 quilómetros foram depositados em algumas centenas de anos e pode fazer as pessoas acreditarem que Noé treinou os animais para depositarem os excrementos num balde a uma ordem. Ele pode fazer as pessoas negarem formas transicionais que apresentam claramente características entre espécies. Este é um demónio perigoso.
Mas algo que as pessoas que não são afectadas por este demónio não percebem é que a vítima não está a mentir sobre os dados. O demónio apenas deixa a vítima ver o que quer que esta veja e assim a vítima, cujo sistema de aquisição de dados está horrivelmente distorcido, sente que está a ser completamente honesta acerca dos dados. A vítima não sabe que hospeda um parasita malévolo e de facto os seus opositores também não o sabem uma vez que o demónio é suficientemente esperto para ser demasiado pequeno para ser visto.
Ao contrário do demónio de Maxwell, o demónio de Morton não dispende energia - ele faz a sua vítima dispendê-la no seu lugar. Pode induzir a vítima a dispender quantidades massivas de energia intelectual para convencer os outros de que estão errados. A vítima passa horas a ler livros que apoiam o que pensa ou pesquisando a literatura científica reparando apenas nos excertos que apoiam a perspectiva YEC. E a vítima gasta enormes quantidades de energia na tentativa de convencer os outros a terem a mesma perspectiva. Assim, o demónio induz as suas vítimas a gastarem energia para o auxiliarem a espalhar a infecção.
O demónio leva as suas vítimas a convenções YEC para que o demónio descanse. Fazendo com que a sua vítima se reúna com outros igualmente afectados, o demónio não precisa fechar a porta ou sequer estar vigilante. Para a vítima, há conforto num grupo mesmo que os membros desse grupo sejam poucos.
Aqueles que tentam ajudar as pobres vítimas escapar à devastação do demónio de Morton cansam-se tentando explicar dados e factos que nunca passam através da porta do demónio. Depois de anos de canseira, o indíviduo filantrópico morre de fadiga. Esta é uma situação tão demoníaca!»
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
Podemos prever um tsunami?
Informação recebida da Fundação Gulbenkian:
O Serviço de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian, em colaboração com a Ciência Viva, vai realizar no Auditório 2 da Fundação Calouste Gulbenkian (Av. de Berna, 45 A) um ciclo de conferências com o título Na Fronteira da Ciência, no qual participarão reconhecidos investigadores/cientistas.
A próxima conferência – PODEMOS PREVER UM TSUNAMI? – terá lugar no dia 30 de Janeiro p.f., às 18h00, e será proferida pela Profª Ana Viana-Baptista, do ISEL – Instituto Superior de Engenharia de Lisboa. Teríamos muito gosto em que estivesse presente nesta iniciativa.
Poderá também consultar o site: www.gulbenkian.pt/fronteiradaciencia para mais informações e assistir à conferência, em directo, através do site: http://live.fccn.pt/fcg/
PODEMOS PREVER UM TSUNAMI
ANA VIANA-BAPTISTA
Serviço de Ciência
mail – fronteiradaciencia@gulbenkian.pt
Tel. (00351) 21782 3525 /Fax (00351) 21782 3019
Neanderthal: um beco sem saída da evolução?
Reconstrução tridimensional de um crânio Neanderthal efectuada no Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária em Leipzig.
Durante muito tempo pensou-se que o Neanderthal foi um degrau na evolução do homem, isto é que a árvore filogenética do homem seguiu uma linha entre o Australopithecus, Homo habilis, Homo erectus, Homo sapiens neanderthalensis e o Homo sapiens sapiens. Hoje em dia acredita-se que o Neanderthal é um ramo paralelo, sem sucesso, da evolução dos descendentes do Homo heidelbergensis, que seguiram duas linhas de evolução diferentes, determinadas pelo meio ambiente, respectivamente na Europa e em África.
Os hominídeos que viviam no Hemisfério Sul enfrentaram uma seca terrível. E os que evoluiram no norte tiveram de se adaptar a um frio glacial, com temperaturas de -30ºC. Para isso, isto é para resistir a um frio extremo, o Neanderthal desenvolveu características físicas específicas, tinha braços e pernas curtos e era mais robusto e baixo do que o homem moderno. Media cerca de 1,60m e enquanto o Homo erectus tinha um volume craniano médio de 1000 cm3, o Neanderthal apresentava um volume de 1450 cm3 e o Sapiens de 1300 cm3. De igual forma, o pescoço, cujas dimensões aumentaram do Australopithecus ao Homo erectus, era muito curto no Neanderthal voltando a ser longo no sapiens .
Estas e outras evidências experimentais levaram os antropólogos a classificar o Neanderthal como um ramo paralelo da evolução. Com o aperfeiçoamento da datação de ossos através do carbono-14, descobriu-se que o Homo erectus (um ramo extinto do Homo Ergaster), o Homo sapiens e o homem de Neanderthal foram contemporâneos, o que levantou novas questões, nomeadamente se houve cruzamento genético entre ambas as espécies e sobre as razões da extinção do Neanderthal.
As descobertas no Vale do Lis, especialmente o fóssil conhecido como «menino do Lapedo», permitiram a uma equipa de cientistas em que se inclui o português Zilhão sugerir que houve cruzamento do Neanderthal com o sapiens. As conclusões da equipa de Zilhão foram corroboradas por outra equipa de cientistas que, num trabalho mais recente, analisou os fósseis encontrados na caverna Petera Muierii (caverna da velha mulher) na Roménia. Os autores afirmam ter existido mistura do sapiens com o Neanderthal e como tal consideravam que a hipótese de que o Neanderthal é um beco sem saída evolutivo deveria ser abandonada.
Mas a maioria dos cientistas da área contesta esta hipótese e existem muitas dúvidas sobre se o menino do Lapedo é de facto um híbrido de sapiens e Neanderthal. O director do departamento de genética do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária, em Leipzig, Alemanha, Svante Pääbo, é um dos cépticos em relação a esta hipótese e em 1997 publicou na Cell (artigo em formato pdf) um artigo em que analisa ADN mitocondrial de um exemplar descoberto em 1856 no vale de Neander, perto de Düsseldorf. Pääbo concluiu na altura que não houve qualquer contribuição Neanderthal para o ADN mitocondrial dos humanos modernos.
Em Agosto de 2006, o Max Planck para a Antropologia Evolucionária iniciou um projecto de colaboração com a 454 Life Sciences Corporation em Branford, USA, com o objectivo de sequenciar o genoma do Neanderthal. Depois da sequenciação do genoma do chimpanzé, este projecto pretendia contribuir para o esclarecimento da evolução do homem e de algumas controvérsias evolutivas.
Os primeiros resultados foram publicados em simultâneo em 17 de Novembro de 2006 nas revistas Science e Nature. Mais de um milhão de pares de bases de ADN fossilizado foi analisado usando técnicas diferentes e embora apenas uma pequena parte do genoma Neanderthal tenha sido descodificada os resultados preliminares pareciam concordantes.
No entanto, algumas das conclusões eram intrigantes e contraditórias. O estudo na Science indicava que ambas as espécies partilharam um ancestral comum há aproximadamente 706 000 anos e que a separação das populações ancestrais respectivas aconteceu há cerca de 370 000 anos, antes do aparecimento dos homens anatomicamente modernos. O artigo indicava ainda que não havia qualquer contribuição do ADN Neanderthal no homem moderno. O estudo na Nature sugeria uma separação mais recente e continha alguns dados que pareciam confirmar uma mistura considerável de ADN Neanderthal no ADN do homem moderno.
Há três meses, um artigo na PLoS Genetics desvenda o mistério ao sugerir que os resultados contraditórios são resultado de contaminação.
Os autores reanalisaram os dados publicados pensando que as diferenças reportadas poderiam ser devidas aos diferentes métodos usados na análise. O trabalho publicado na Science assentou na clonagem de ADN nuclear Neanderthal em bactérias e subsequente sequenciação desse ADN; a equipa que publicou na Nature sequenciou directamente ADN amplificado Na reanálise, os autores descobriram que os dados da Nature continham sequências que pareceriam ser muito recentes o que indicava que algo de errado se passava com esses dados. De facto, usando apenas os dados da Nature, estimava-se que a separação humanos-Neanderthal teria acontecido há cerca de 35 000 anos, o que é totalmente inconsistente com o registo fóssil. Usando os dados da Science para calcular esta separação, os dados da Nature sugeriam elevados níveis de cruzamento genético entre humanos e Neanderthals; os dados da Science por sua vez sugeriam que não houve qualquer mistura.
A reanálise dos dados apontava para uma única conclusão: contaminação com ADN moderno do ADN analisado. Essa conclusão foi confirmada divindo as sequências publicadas na Nature de acordo com o tamanho dos fragmentos analisados. O ADN antigo tem grande probabilidade de se encontrar degradado e fragmentado de forma que sequências longas e pouco degradadas são provavelmente provenientes de contaminação. E de facto, as sequências com menos de 100 pares de bases são concordantes com os dados da Science enquanto as discrepâncias se encontram em sequências maiores. Ou seja, os fragmentos maiores não são do especimen Neanderthal mas são muito provavelmente de humanos modernos.
Os autores indicam que é necessário mais trabalho na análise das sequências obtidas mas que é relativamente simples distinguir o ADN Neanderthal do proveniente de contaminação com base nas dimensões dos fragmentos. Embora as controvérsias que rodeiam o Neanderthal não estejam totalmente esclarecidas, este trabalho é um excelente exemplo de como a ciência procura os erros e se auto-corrige. E de como podemos aprender com os nossos erros!
domingo, 27 de janeiro de 2008
Zarco Sofia
O que é que o levou a estudar filosofia?
Tinha um forte interesse naquilo que hoje sei que são problemas fundamentais; na altura não sabia que eram problemas fundamentais. Apenas me parecia que o tipo de assunto que me interessava não era estudado noutros cursos. Por outro lado, ao ler algumas passagens das Meditações e do Discurso do Método, de Descartes, no 12.º ano, fiquei fascinado com o rigor do raciocínio, com a profundidade dos problemas, com a lucidez do pensamento. E vi que era isso que eu queria fazer.
O que é que um filósofo faz? Pensa nos problemas, dá aulas? Qual a sua actividade?
Não há uma diferença substancial entre o que faz um filósofo e o que faz qualquer outro académico. As nossas actividades dividem-se geralmente em duas partes. A primeira parte é a investigação: estudamos problemas em aberto, publicamos artigos e livros que apresentam contribuições, modestas ou não, para tentar resolver esses problemas. A segunda parte é a actividade lectiva: damos aulas, orientamos estudantes pós-graduados, e, alguns de nós, procuram divulgar a filosofia a um público mais vasto e publicamos livros introdutórios que ajudem os estudantes a conhecer melhor a nossa disciplina.
Qual a principal função dum filósofo?
A principal função de um filósofo é filosofar. Tal como a principal função de um pintor é pintar. Contudo, nem todos os pintores são Picassos, e também nem todos os filósofos são Descartes. Mas, se somos realmente filósofos, e não apenas historiadores da filosofia, a nossa função é fazer filosofia.
Um filósofo tem de se reunir com outros filósofos de tempos a tempos?
Sim, a filosofia não se faz em solidão. É uma actividade profundamente dialogante; precisamos das objecções, sugestões e contra-exemplos dos nossos colegas. Precisamos de colegas que discordam das nossas ideias, para que procurem refutá-las — só assim podemos testar as nossas ideias para ver se realmente funcionam. Isto acontece assim porque nenhum ser humano é infalível e nenhum tem um contacto privilegiado com a verdade. Claro que há filósofos que gostam precisamente de dar essa ideia — que eles têm um acesso privilegiado à verdade — mas isso não passa de lérias.
Acha que a filosofia está a ser bem ensinada em Portugal?
A pergunta pressupõe que se ensina filosofia em Portugal, mas isso é coisa que praticamente não se faz; tudo o que se ensina no nosso país, e mal, é história da filosofia. Felizmente, as coisas estão a melhorar bastante; hoje em dia os estudantes do secundário têm manuais escolares que realmente lhes dão a liberdade para filosofar, ao mesmo tempo que lhes dão os instrumentos para o fazer. Quando eu era estudante, não havia tal coisa. E mesmo hoje, infelizmente, esses manuais são infelizmente minoritários.
O que se pode fazer para reavivar o ensino da filosofia em Portugal?
Talvez o mais importante seja ter vontade de pensar autonomamente, abandonando os constrangimentos da autoridade. Penso que os portugueses sempre tiveram muita dificuldade em fazer filosofia, como aliás a generalidade dos povos do mundo ao longo da história, porque para fazer filosofia é necessário abandonar os argumentos de autoridade e isso é algo difícil de fazer. Os seres humanos aceitam naturalmente a autoridade, mas para fazer filosofia é preciso não aceitar a autoridade — é preciso ter a coragem de discordar de Kant ou de Heidegger ou de Kripke ou seja de que filósofo for. Precisamente porque a nossa cultura não permite tal coisa, tendemos a fugir da filosofia para a história da filosofia — porque na história da filosofia já não se trata de tentar refutar autoridades, mas apenas de fazer o relatório do que as autoridades disseram. Assim, para reavivar o ensino da filosofia em Portugal é preciso começar por dar aos estudantes a liberdade para pensar, para enfrentar as autoridades. O segundo passo fundamental é dar aos estudantes e professores as bibliografias adequadas. Sem bibliografias de qualidade não pode haver filosofia de qualidade hoje em dia, a menos que queiramos reinventar a roda e fazer filosofia como fazia Platão ou Sócrates.
Para o Desidério, o que é a filosofia?
O mesmo que é para a maior parte dos filósofos, exceptuando-se apenas alguns antifilósofos que surgiram sobretudo no séc. XX. A filosofia é a tentativa de resolver problemas fundamentais insusceptíveis de serem estudados cientificamente; tentamos resolver esses problemas usando apenas o pensamento, pois tais problemas não são susceptíveis de serem estudados recorrendo a metodologias empíricas. E argumentamos, argumentamos, argumentamos. Ou seja, procuramos incansavelmente saber se as ideias que propomos são boas, ou se têm deficiências, pontos fracos, aspectos que possam ser melhorados.
Os filósofos têm vida social?
Sobretudo os estudantes de classes sociais que não incluem na sua família professores universitários têm uma grande dificuldade em conceber o que será a vida de um filósofo, ou de um físico ou de um matemático. A vida dos filósofos é como a de qualquer outro académico, e as vidas dos académicos são como as vidas das outras pessoas. Vão ao supermercado, lavam os dentes, namoram, casam, têm filhos. São pessoas como as outras. Só que em vez de passarem oito horas por dia noutro trabalho qualquer, passam oito horas por dia a estudar e a escrever.
A maior parte dos alunos dizem não gostar da disciplina de filosofia mesmo antes de a conhecer. Porque é que acha que isto acontece?
Dado que o ensino da filosofia é em geral muitíssimo deficiente — porque o programa é uma anedota, o que por sua vez estimula manuais de fantasia — os estudantes sabem que os seus colegas mais velhos não gostaram da disciplina. Por isso, têm tendência para já não gostar da disciplina ainda antes de a conhecerem. Felizmente, acontece cada vez mais os estudantes terem uma enorme surpresa, pois há cada vez mais professores a ensinar filosofia bem. De modo que hoje em dia muitos estudantes acabam por preferir a filosofia a qualquer outra disciplina — até porque é a única que lhes dá os instrumentos e a liberdade para pensarem por si mesmos.
Será que a filosofia terá no futuro mais impacto na sociedade?
Não sei. Há razões para pensar que sim. A julgar pelo que consigo observar nos últimos anos, parece-me que a filosofia é cada vez mais vista como muitíssimo importante. Não apenas por causa da importância intrínseca dos seus conteúdos próprios, mas porque um ensino correcto da filosofia dá aos estudantes uma capacidade única para saber pensar. Dada a complexidade crescente do mundo contemporâneo, saber pensar correctamente torna-se cada vez mais importante, pois quem sabe pensar correctamente sabe adaptar-se a um mundo em mudança acelerada.
Segundo a experiência que tem, quais as principais diferenças que encontra entre o ensino da filosofia em Portugal e no estrangeiro?
Depende do estrangeiro. Não devemos pensar que no que respeita à filosofia Portugal é a pior coisa do mundo. Na verdade, o ensino de filosofia na maior parte do mundo é tão mau quanto em Portugal. O que é uma excepção é a filosofia bem feita e bem ensinada e não o contrário. Se nos compararmos com os países onde há mais filósofos (e onde a filosofia é bem ensinada), poderemos ficar desencorajados: nas nossas universidades pouco mais se aprende a fazer do que a repetir mais ou menos o que dizem os filósofos, e mal. Mas não há razão para nos sentirmos diminuídos. Na maior parte dos países e na maior parte da história da humanidade, a maior parte das pessoas pouco mais consegue fazer do que o que nós fazemos, e mal. Por isso, temos de compreender que a qualidade em filosofia e no seu ensino, como em tudo, não é o estado natural das coisas; é o resultado de um investimento sério, de uma dedicação constante e de uma vontade contínua para fazer melhor.
Gostava de dar aulas na ilha da Madeira?
Gostei muito de visitar a Ilha da Madeira e teria muito gosto em dar aulas aí. É impossível não gostar da Madeira.
Qual o problema filosófico que mais se trata mundialmente?
Não há tal coisa. Há uma enorme diversidade de problemas filósofos muitíssimo discutidos hoje em dia, em todas as áreas da filosofia: filosofia da mente, filosofia da linguagem, estética, filosofia da religião, teoria do conhecimento, metafísica, ética, filosofia política...
Por fim, ficamos curiosos com uma pergunta: Gostou de responder à nossa entrevista?
Vocês são o futuro do mundo. Tenho sempre muito gosto em responder às perguntas dos estudantes.
Viver eticamente sem Deus
Evolução e encefalização do homem
Este pequeno vídeo educativo ilustra o processo evolutivo da encefalização humana utilizando o registo fóssil de crânios de homínideos. Do ponto de vista neurofilogenético, a inteligência das espécies tem sido avaliada pela extensão das áreas associativas corticais, pela massa cerebral e especialmente pela relação massa cerebral/massa corporal ou índice de encefalização (I.E.), o indicador favorito da maioria dos antropólogos.
Apesar de este índice não ser um indicador absoluto de inteligência, especialmente se aplicado a pequenos animais cujas massas corporal e encefálica são acentuadamente baixas - por exemplo, um rato* tem um I.E. muito superior ao do Homo sapiens - é interessante analisar a evolução deste índice na árvore filogenética humana. Na tabela, que inclui o chimpanzé para comparação, são indicados valores médios calculados usando uma das muitas definições de IE.
Espécie | Capacidade craniana /cm3 | IE |
A. afarensis | 414 | 3.1 |
A. africanus | 441 | 3.4 |
P. boisei | 530 | 3.5 |
P. robustus | 530 | 3.5 |
H. habilis | 640 | 4.0 |
H. erectus (Java) | 937 | 5.5 |
H. neanderthalensis | 1450 | 7.8 |
H. sapiens | 1350 | 7.6 |
P. troglodytes | 395 | 2.6 |
Se analisarmos os dados da tabela, verificamos que durante o Plistocénico Inferior (há entre 1.8 milhões de anos a 750 000 anos) até ao Plistocénico Médio (750 000 a 400 000 anos atrás), o volume do cérebro duplica de 440 para 900 cm3 - modificando igualmente a forma do crânio, especialmente o frontal e o occipital. No Plistocénico Superior, há 400 a 100 mil anos, período em que viveram os últimos Homo erectus e os primeiros Homo sapiens, ocorreram as maiores alterações na reorganização das proporções cranianas. Ou seja, a tabela sugere que a evolução do homem é igualmente a evolução do cérebro, isto é, da encefalização.
Este aumento da dimensão do volume craniano associado ao desenvolvimento do bipedalismo teve algumas consequências não despiciendas, não só a nível da evolução das capacidades cognitivas humanas mas igualmente no desenvolvimento do nosso comportamento moral e social.
O desenvolvimento de um cérebro (e crânio) maior não acarretou apenas vantagens. Por um lado, um cérebro maior necessita de mais energia - o nosso cérebro consome cerca de 1/5 da energia que produzimos - ou seja, implica a necessidade de uma dieta mais energética, e por outro lado, como para um bipedalismo eficiente a pélvis humana é necessariamente mais estreita, a cabeça de um nascituro com gestação «normal» seria demasiado grande em relação à pélvis da mãe. Ou seja, o parto humano é assim um acontecimento muito arriscado, pois em relação às restantes espécies, para além de durante o nascimento a cabeça do feto ter de efectuar uma rotação complexa, o crânio do nascituro é comparativamente maior e a pélvis materna é menor.
Como consequência, o homem é o mamífero cujas crias nascem mais impreparadas para o mundo, numa fase em que o seu cérebro mal começou a desenvolver-se. Isto é, nos humanos o cérebro continua a crescer com taxas próximas às fetais durante cerca de 1 ano; nos outros mamíferos (incluindo os restantes primatas), o crescimento rápido do cérebro ocorre apenas antes do parto. Assim, todos os nascimentos humanos, como qualquer estudante de biologia sabe, poder-se-iam considerar abortos de fetos viáveis. Esse é quiçá o acaso da selecção natural que resultou no maior trunfo da Humanidade, aquele que permitiu a distinção do ser do Homem do ser dos demais animais, já que a selecção natural privilegiou os exemplares capazes de dar à luz fetos viáveis sensivelmente a meio do tempo de gestação «normal», fetos com poucas conexões neuronais estabelecidas mas a cujo nascimento uma maior percentagem de gestantes sobreviviam.
Este desenvolvimento cerebral extra-uterino é um trunfo que a evolução proporcionou porque é muito mais rico em estímulos e permite uma «programação» francamente mais diversa e flexível que a possível uterinamente. Boa parte dessa «programação» é efectuada durante os primeiros anos de vida, como os tristemente célebres casos de crianças selvagens indicam claramente. Um dos casos mais bem documentados, o da menina-lobo Kamala recuperada com 5 anos, mostra quão importantes são os estímulos externos no desenvolvimento de um ser humano e quão difícil é a «reprogramação» humana.
Por outro lado, os perigos associados ao parto humano levaram ao desenvolvimento de comportamentos sociais únicos nos humanos, nomeadamente no que respeita à necessidade de cooperação entre as fêmeas de um dado grupo na altura do parto e à relação mãe-cria.
No entanto, estudos comparativos entre o comportamento social humano e o de primatas não humanos, se por um lado revelam traços comportamentais que nos distinguem, revelam igualmente semelhanças impressionantes. De facto, a primatologia evidencia que os primatas não humanos apresentam padrões de sociabilidade onde se podem reconhecer a empatia, a reciprocidade e a simpatia, o altruísmo, a obediência a normas sociais - que incluem evitar conflitos dentro de um grupo -, o tratamento especial de inválidos e de doentes, entre outros elementos que tínhamos reservado para um dos nossos comportamentos mais específicos: o comportamento «moral».
Assim, é possível observar noutras espécies comportamentos sociais que evocam alguns dos tradicionalmente imputados a uma característica única dos humanos: a moral. Parece óbvio que a moral humana é uma consequência da evolução do homem, um sub-produto da evolução não só em «quantidade» mas em «qualidade» do cérebro humano. Não faz sentido postular mecanismos diferentes para o desenvolvimento de comportamentos semelhantes. Ou seja, tal como as capacidades cognitivas, as capacidades comportamentais únicas aos humanos evoluiram connosco ao longo de milhões de anos, isto é, decorrem da nossa evolução biológica, igualmente única.
*O cérebro humano apresenta uma superfície convoluta muito rara - com uma área neocortical, a zona utilizada para a resolução de problemas, de ~2275 cm2. A superfície do cérebro do rato é lisa. Ou seja, não é apenas o IE que interessa; interessa especialmente a «composição» do cérebro.
sábado, 26 de janeiro de 2008
Vale a pena ler
Autores: Earl Conee e Theodore Sider
Editor: Oxoford University Press, 2005, 210 pp.
Em 1928, Álvaro de Campos declarava em "A Tabacaria" que "não há mais metafísica no mundo senão chocolates". À sua maneira, talvez esta fosse mais uma das muitas tentativas de assassinato da metafísica — tendo esta a vantagem nada desprezível de ser literariamente genial. Surpreendentemente, foram os próprios filósofos que tentaram acabar com a metafísica, mas talvez não o tenham feito para se dedicar aos chocolates. A origem desta má-vontade contra a metafísica é o velho hábito pouco recomendável de deitar fora os inocentes bebés com a água — suja, presume-se — do banho. Felizmente, as coisas mudaram há muito, e a metafísica renasce hoje em toda a sua plenitude. Em Janeiro de 1996, Alex Olivier escrevia estas palavras numa das mais influentes revistas académicas de filosofia, a Mind:
"A metafísica sobreviveu a muitas tentativas de assassinato. O pedido de Hume para lançar os livros à fogueira não foi atendido excepto pelos seus descendentes distantes, os positivistas lógicos, cuja troça teatral da metafísica deu origem a meia dúzia de risotas baratas. Agora o espectáculo chegou ao fim e a metafísica séria floresce uma vez mais."
Contudo, para compreender os estudos metafísicos fascinantes que têm florescido a partir dos anos setenta do séc. XX é necessário começar por ler algumas boas introduções e antologias de metafísica. Uma das mais recentes e bem conseguidas introduções, dirigidas ao grande público, é este pequeno livro de Earl Conee e Theodore Sider. Com dez pequenos capítulos, dedicados a nove problemas centrais da metafísica, este pequeno livro distingue-se por não se apresentar como um manual escolar, mas antes como um livro de divulgação. O objectivo é fazer o leitor pensar e sentir a urgência e a realidade dos problemas da metafísica, que não se reduzem a meros formalismos escolares para fazer exames. Sem referir filósofos nem bibliografia, os autores apresentam e desenvolvem os problemas, teorias e argumentos da metafísica como enigmas fascinantes que nos prendem directamente pela sua densidade e sofisticação. Os problemas abordados são os seguintes: a identidade pessoal, o fatalismo, a natureza do tempo, a existência de Deus, o sentido da existência (ou seja, por que há algo e não o nada), o aparente conflito entre o determinismo da natureza e o livre-arbítrio humano, o problema da constituição, o problema dos universais e a natureza da necessidade e da possibilidade. O último capítulo é sobre a natureza da própria metafísica.
Os autores abordam directamente cada problema filosófico, a partir da experiência que todos temos das coisas, e não a partir da história do problema. Evidentemente, o percurso conceptual escolhido pelos autores reflecte a história das teorias e argumentos mais relevantes. Mas o leitor sente directamente a força dos problemas, teorias e argumentos, e este é o aspecto mais bem conseguido deste livrinho. Por exemplo, ao apresentar o problema da constituição, os autores começam com um argumento simples:
"Quando temos uma estátua de barro na mão, estamos de facto a segurar dois objectos físicos: uma estátua e um pedaço de barro. Pois se partirmos a estátua, esta é destruída, mas o pedaço de barro continua a existir."
Dado que é surpreendente pensar que dois objectos físicos distintos podem ocupar exactamente o mesmo espaço, algo está errado neste argumento. Mas o quê? Para pensar sobre este e outros problemas fascinantes, atire-se a este livrinho — mas não se esqueça dos chocolates.
Estudante de jornalismo condenado à morte por download de material «blasfemo»
O jovem, que escreve para o jornal Jahan-e Naw (Novo Mundo), foi condenado pelo «Conselho dos Eruditos Religiosos» da província de Balkh, pelo «crime» de imprimir um artigo (da Internet) que apontava alguns versos do Corão particularmente nocivos para os direitos das mulheres. Ficou bem estabelecido que Kambakhsh não é o autor do artigo que conclui que Maomé ignorava os direitos das mulheres.
O Instituto para o Jornalismo na Guerra e na Paz (IWPR), um grupo não governamental que ajuda a treinar jornalistas em locais problemáticos, acusou as autoridades de condenarem Kambakhsh como forma de retaliação sobre o seu irmão, que denunciou em publicações do IWPR abusos cometidos por pessoas influentes em Balkh e outras províncias no norte do Afeganistão.
Em 2005, Ali Mohaqiq Nasab, um intelectual islâmico progressista, foi condenado a dois anos anos de prisão igualmente pelo crime de blasfémia. Alguns clérigos locais acusavam Nasab de ter publicado na revista de que era editor dois artigos anti-islâmicos e insultuosos. Os blasfemos, anti-islâmicos e insultuosos artigos em questão questionavam o castigo atribuído a mulheres adúlteras, 100 chicotadas, e a legitimidade do apedrejamento até à morte de apóstatas.
Embora a constituição afegã garanta a liberdade de expressão (e se afirme defensora dos direitos humanos), a lei da imprensa no Afeganistão, assinada pelo presidente Hamid Karzai em Março de 2004, proíbe conteúdos considerados insultuosos ao Islão. Quando a lei foi assinada, o governo afegão afirmou aos jornalistas que estes só poderiam ser detidos ao abrigo desta lei com a aprovação de uma comissão de 17 membros, que supostamente deveriam incluir representantes governamentais e jornalistas.
No caso de Ali Mohaqiq Nasab, esteve envolvido apenas o tribunal principal de Cabul e não houve qualquer comissão a apreciar o caso excepto o conselho dos clérigos islâmicos. Nas palavras do juíz presidente Ansarullah Malawizada, Nasab foi encarcerado porque «O Conselho dos Ulamas enviou-nos uma carta dizendo que ele devia ser punido e por isso foi condenado a dois anos de prisão».
No caso presente, o condenado não escreveu o artigo «ofensivo» pelo que de acordo com Abdullah Attaei, um perito em Sharia que estudou na universidade Al-Azhar no Cairo, uma das universidades mais antigas do mundo, o veredicto não está sequer de acordo com a lei islâmica.
O juiz principal do tribunal que condenou o jovem, afirmou à agência Reuters «De acordo com a lei islâmica, Sayed Perwiz é condenado à morte no primeiro tribunal.
No entanto, ele será submetido a mais três julgamentos que decidirão a pena final».
No entanto, considerando que o procurador da província de Balkh, Hafizullah Khaliqyar, avisou os jornalistas de que seriam presos se tentassem apoiar Kambakhsh ou manifestar-se contra a sentença, não tenho muitas dúvidas sobre o desfecho do caso se a comunidade internacional não se mobilizar. Os interessados podem encontrar informações sobre formas de o fazer no blog da iraniana Maryam Namazie e na página dos Jornalistas Sem Fronteiras.
HÁ MUITO ESPAÇO LÁ EM BAIXO
“Há muito espaço lá em baixo” foi a frase que o físico norte-americano Richard Feynman usou, em1959, para inaugurar uma nova engenharia - a nanotecnologia. Queria com isso dizer que, entre os átomos e as moléculas, havia muito espaço vazio e que, aproveitando esse facto, poderíamos mover os átomos e moléculas da maneira que quiséssemos para criar novas estruturas ou modificar estruturas já existentes.
Embora a nanotecnologia seja nova a ideia de átomo é velha. Baseia-se na teoria de Demócrito, filósofo grego dos séculos V e IV antes de Cristo, que foi quem afirmou que no mundo só há átomos e espaço vazio. Durante muitos séculos essa foi uma ideia especulativa e minoritária. Mas, com a descoberta dos átomos feita pela química e pela física nos séculos XIX e XX, eles deixaram de ser uma mera hipótese para passarem a ser uma realidade observável e manipulável.Tornou-se mesmo possível ligar átomos como quem monta peças de Lego.
Feynman queria colocar toda a Enciclopédia Britânica na cabeça de um alfinete, o que exigia reduzir de 25 000 vezes as letras das palavras. Uma letra de 1 mm de altura reduzida de 25 000 vezes fica com 0,00004 mm de altura, ou 40 nanómetros (um nanómetro é a milionésima parte do milímetro). Na altura ofereceu, do seu próprio bolso, um prémio de mil dólares a quem conseguisse essa proeza. O prémio já foi ganho há bastante tempo. Mas foi uma homenagem a Feynman a colocação, no passado fim de semana, de uma placa com a sigla INL aproximadamente dessa altura (uma placa, por isso, praticamente invisível) numa pedra de xisto com cerca de 10 metros de altura (essa sim, bem visível) na cidade de Braga. Usando um microscópio de força atómica, com uma ponta muito fina, portugueses e espanhóis tinham depositado átomos metálicos numa superfície de silício de modo a escrever as iniciais de Iberian Nanotechnology Laboratory. O INL, do qual o monólito é a primeira pedra, tem ambição internacional: Portugal e Espanha uniram-se para criar um instituto de ponta numa tecnologia de ponta.
Paleontologia molhada
Neste vídeo, Tyler Keillor explica como preparou o modelo do Tiktaalik, o fóssil de uma espécie de transição peixe - anfíbio (tetrápode) descoberto pelo paleontólogo Neil Shubin.
E falando em Shubin, este descreveu num post convidado no Pharyngula as suas impressões sobre a ida ao Colbert Report. Apesar de nos confessar ter ficado aterrorizado com o convite e tão nervoso que dormiu muito mal na véspera da gravação, diria que não se nota no produto final. E embora a bloggingheads.tv não tenha o impacto do Comedy Channel, certamente que ajudou falar sobre «Paleontologia Molhada» num Science Saturdays. Achei especialmente interessante o trecho em que Shubin discute «The problem with the idea of a missing link».
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
Pintura Robótica
Informação recebida da galeria Leonel Moura:
Sessão de Pintura Robótica
Amanhã Sábado, 26 de Janeiro, na Galeria
LEONEL MOURA ARTe
a partir das 15.00 horas
Ver reportagem na SIC aqui
http://videos.sapo.pt/gYQMH4MznnuZZOgtQG5Q
Rua das Janelas Verdes, 76 - Lisboa
T: +351 213967261
Terça a Sábado das 13.00 às 19.30 horas
galeria@leonelmoura.com
www.leonelmoura.com
Tardes de Matemática
Informação recebida da Sociedade Portuguesa de Matemática:
Aveiro e Vila Nova de Gaia recebem Tardes de Matemática
Amanhã, sábado 26 de Janeiro, Aveiro e Vila Nova de Gaia recebem sessões das Tardes de Matemática.
Na Fnac do Gaia Shopping, pelas 15h30, José Carlos Santos (FCUP) abre a temporada 2008 das Tardes de Matemática de Vila Nova de Gaia com a sessão "Pi dentro e fora de contexto". Em Aveiro, pelas 15h na Fábrica do Ciência Viva, decorrerá a sessão "Porque se chama fulereno (ou futeboleno) ao fulereno: Uma dupla incursão da Matemática e da Arquitectura na Química", com o matemático António Guedes de Oliveira (FCUP), a engenheira química Margarida Bastos (FEUP) e o arquitecto João Pedro Xavier (FAUP).
Conhecimento ou certeza?
Na sequência dos textos da Palmira e da Helena sobre Jacob Bronowski, recentemente publicados no De Rerum Natura, dispôs-se um leitor colocar online a série de divulgação e de reflexão sobre a ciência: The Ascent of Man.
Complementarmente, o De Rerum Natura disponibiliza o texto de um dos capítulos mais interessantes da série, intitulado «Conhecimento ou certeza?»
A compilação desse texto foi feita por Isabel Portela, com o apoio de Alexandre Ramires, a partir dos seguintes documentos:
Livro: Bronowski, J. (1973). The ascent of man. Boston. Litle, Brow and Company, 353-378.
Videograma: Bronowski, J. (1973). Chapter 11: Knowledge or certainty, da série de televisão produzida pela BBC e Time-Life Films: The ascent of man. Duração 47 minutos (versão portuguesa: «Capítulo 11: Conhecimento ou certeza?», integrado na série para televisão: A origem do homem).
O texto é demasiado extenso para ser reproduzido integralmente no De Rerum Natura, pelo que apenas transcrevemos um pequeno excerto (o texto completo pode ser encontrado aqui).
«Um dos objectivos das ciências físicas tem sido o de retratar fielmente o mundo material e um dos êxitos da física no século XX foi provar que esse objectivo é inatingível.
Tomemos um exemplo muito concreto: a face humana. Esta é a cara de Stephen Borgrajewicz. Tal como eu nascido na Polónia. Ei-lo retratado pelo artista polaco Feliks Topolski. Sabemos que este tipo de pinturas, mais do que fixar uma face, exploram-na. O artista traça os pormenores quase como se tacteasse, e cada linha que acrescenta, reforça o retrato, mas nunca o torna definitivo. Aceitamos isto como o método do artista. Porém, a física actual mostrou-nos que este é também o único método de conhecimento. Não existe conhecimento absoluto e aqueles que o reivindicam, quer sejam cientistas ou dogmáticos abrem as portas à tragédia. Toda a informação é imperfeita e temos que a tratar com humildade. Esta é a condição humana e também a mensagem da Física Quântica. Rigorosamente.
Pergunto: até onde pode ir a exactidão e o pormenor da nossa observação com os melhores instrumentos do mundo ou mesmo com o instrumento perfeito, se algum dia o conseguíssemos fabricar? A observação do pormenor pode não se limitar àquilo que vemos com a luz visível, já que do vermelho ao violeta, vai apenas, aproximadamente, uma oitava na escala das radiações invisíveis. Existe todo um quadro de informação entre os maiores comprimentos de onda, as ondas rádio (as notas mais baixas) e os menores comprimentos de onda, os raios X, e para lá delas as notas mais agudas. Uma a uma, vamos apresentá-las servindo-nos da face humana.
(...)
Eis-nos que enfrentamos o paradoxo crucial do conhecimento: ano após ano, inventámos instrumentos de maior precisão com os quais observamos a natureza com mais pormenor, mas ao analisarmos as observações, estas permanecem imperfeitas. É como se corrêssemos atrás de algo que se afasta mais de nós, para o infinito, de cada vez que nos aproximamos.»
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
Construção de gerações
Informação recebida da Minerva Coimbra:
Entre os variados eventos integrados nas celebrações do 120.º aniversário da Associação Académica de Coimbra conta-se a publicação do livro CONSTRUÇÃO DE GERAÇÕES, com distribuição assegurada pela MinervaCoimbra.
A obra compõe-se de duas partes. A primeira contendo depoimentos de personalidades conhecidas da vida académica, pública e política, todas elas, em determinado momento da sua vida, ligadas à AAC. A segunda reproduzindo o essencial de uma sessão que, em Agosto de 2007, reuniu no Casino Figueira, no âmbito das "Tertúlias do Casino", antigos dirigentes da AAC. Com moderação de Carlos Pinto Coelho, participaram na sessão Correia de Campos, Laurentino Dias, António Vigário, João Mário Grilo, Rui de Alarcão e o presidente dos Serviços de Acção Social da UC e Sócio Honorário da AAC, António Luzio Vaz.
"Construção de Gerações":
Associativismo e Sociedade, Mudança e participação em 50 anos de vida: Rui Bebiano
Testemunhos de Rui de Alarcão (Prefácio), António Luzio Vaz, Carlos Fiolhais, José Manuel dos Santos Viegas, Ricardo Roque, Alberto Martins, António Vigário, Miguel Duarte
Uma marca presente entre o passado e o futuro: transcrição de momentos da tertúlia no Casino Figueira a 27 de Agosto de 2007
Edições MinervaCoimbra
Rua de Macau, 52
3030-059 Coimbra
Telm.: 917640027, Tel: 239 701117 / 239 716204, Fax: 239 717267
Email: minervacoimbra@gmail.com
http://minervacoimbra.blogspot.com
Gravado na Pedra: Registo Fóssil e Evolução
Realiza-se hoje pelas 21h30mn na Galeria Matos Ferreira uma palestra simplesmente a não perder. O paleontólogo Carlos Marques da Silva do Dep. de Geologia da Faculdade de Ciências da UL «abordará a Evolução Biológica e a Teoria da Evolução Biológica e, com base em exemplos paleontológicos, retirados do registo fóssil, abordará conceitos evolutivos básicos, evidências concretas e, espera-se, desmistificará mitos e desfará equívocos da Evolução.»
A palestra «Gravado na Pedra: Registo Fóssil e Evolução» integra o ciclo «Do Grão ao Planeta». Mais informações no Ciência ao Natural, outro blog de divulgação de ciência associado ao Público.
BREVE HISTÓRIA DO SABER
A RTPN pediu-me um depoimento sobre o livro "Breve História do Saber", do norte-americano Charles van Doren, cuja primeira edição portuguesa saiu em 2007, na Caderno, uma chancela da editora ASA. É um grande livro no sentido literal (mais de 500 páginas) e no sentido menos literal de ter conseguido de modo excelente condensar 5000 anos de história da humanidade. O livro saiu nos EUA em 1991 sob o título "A History of Knowledge" e é uma história da civilização, onde a ênfase é justamente dada à evolução do conhecimento científico. Embora resumido, está lá tudo desde os antigos egípcios (o capítulo 1 "A Sabedoria dos Antigos" começa assim "Quando o registo da história teve início, há cerca de cinquenta séculos, a humanidade aprendera muito mais do que aquilo que os nossos ancestrais primevos sabiam.") até à actualidade e ao futuro próximo (o último capítulo intitula-se "Os próximos cem anos"). No meio ("A Europa estende-se") passa pelos grandes descobrimentos marítimos, não se esquecendo o autor de destacar o papel dos navegadores portugueses - foi esse o nosso maior contributo para o conhecimento humano.
O autor é um conhecido intelectual com um mestrado em Astrofísica e um doutoramento em Inglês pela Universidade de Columbia, Nova Iorque. Foi editor da Enciclopédia Britânica, o que comprova, tal e qual como as habilitações académicas, o vasto espectro do seu saber. Este tipo de livros não pode, de facto, ser escrito por qualquer pessoa. Van Doren estava, por formação familiar e académica, muito bem preparado.
Mas não bela sem senão. Na RTPN não pude deixar de contar uma história de Charles van Doren, que o tornou famoso nos anos 50 (ele tem agora 82 anos) a ponto de ter aparecido na capa da "Time". Ele foi um grande triunfador num "quiz show" da NBC ("Twenty one"), em 1957, no início da TV americana. Ganhou centenas de milhares de dólares porque simplesmente sabia tudo. Mas, mais tarde e já depois de ter perdido no "show" para outro concorrente, ele foi acusado de ter informação priveligiada sobre algumas perguntas e as respectivas respostas. Depois de negar, confessou finalmente numa audiência pública no Congresso Americano que os produtores lhe tinham passado alguma informação, com vista a manter as audiências em alta. A NBC achava que a presença daquele jovem professor tão sabichão como fotogénico era uma garantia para o sucesso do programa. A televisão começava já então a ser um meio de mentira...
A sua confissão foi dramática:
"I was involved, deeply involved, in a deception. The fact that I, too, was very much deceived cannot keep me from being the principal victim of that deception, because I was its principal symbol. (...) I have a long way to go. I have deceived my friends, and I had millions of them. Whatever their feeling for me now, my affection for them is stronger today than ever before. I am making this statement because of them. I hope my being here will serve them well and lastingly."
O caso (tratado no filme "Quiz Show" de Robert Redford, com Fiennes no papel de van Doren) levou à demissão de van Doren da Universidade e a uma longa travessia do deserto. De nada lhe valeu dizer que a sua actuação tinha em vista a promoção da cultura. Ele tinha mentido e tinha ganho dinheiro com a mentira. Teve de passar a viver de expedientes e a escrever sob pseudónimo. Teve de evitar aparições públicas. Mas o tempo leva ao esquecimento e ao perdão, pelo que, passados mais de trinta anos, ele voltou a aparecer com o seu verdadeiro nome em livros como esta "Breve História do Saber" na cena pública. Porque não quero julgá-lo de novo pelo seu pecado de juventude (foi julgado, condenado e cumpriu pena), direi, perante este livro, que ainda bem que voltou.
LEV DAVIDOVITCH LANDAU (1908-1968) - CENTENÁRIO DE UM GÉNIO
No passado dia 22 de Janeiro assinalaram-se os cem anos do nascimento de um dos maiores físicos do século XX, Lev Davidovitch Landau. Inventou uma escala logarítmica para classificar os físicos, na qual colocava Newton no topo (com 0,0), Einstein quase no topo (com 0,5) e ex-aequo os “pais” da mecânica quântica Bohr, Heisenberg, Schroedinger e Dirac (com 0,1), aos quais acrescentou Wigner e Bose. E ele próprio se autoclassificou com 2,5, tendo-se promovido para a nota 2,0 após um artigo que achou particularmente importante. O físico norte-americano David Mermin, que estudou o hélio e fundamentos da física quântica, tinha 4,5 na escala de Landau. Escreveu um dia um artigo em que reconhecia a distância de mais de duas ordens de grandeza: “Homenagem de um 4,5 a um 2”.
Landau, descendente de judeus e natural de Baku, no Azerbeijão, formou-se e doutorou-se em física em Leninegrado quando a mecânica quântica já estava estabelecida. Teve a sorte de ter circulado pelos melhores centros de física do mundo quando era jovem. conheceu e trabalhou por exemplo com Bohr e Heisenberg. Desde muito novo e ao longo da sua vida aplicou-a com sucesso aos mais variados domínios: hoje há o diamagnetismo de Landau, as equações de Ginzburg-Landau da supercondutividade, o som zero de Landau no hélio líquido, o amortecimento de Landau na física dos plasmas, o pólo de Landau na electrodinâmica quântica, contribuições para a física de neutrinos, para a astrofísica, para a física nuclear, etc. Ganhou o Prémio Nobel da Física de 1962 pelos seus trabalhos sobre o hélio 4 a baixas temperaturas. Landau dominava, como praticamente ninguém, toda a física. É dele a teoria fenomenológica das transições de fase de segunda ordem que tantas vezes é usada na física estatística. Foi ele quem estabeleceu em Kharkov, na Ucrânia, os chamados “mínimos de Landau”: uma prova rigorosíssima para jovens físicos. E foi ele quem escreveu com Lifschitz e outros um Curso de Física Teórica em 10 volumes que é hoje ainda uma referência fundamental para quem está ou quer entrar para a profissão de físico (há alguns volumes, os primeiros, em português, na editora Mir). Os seus livros de física são em maior número do que os de Feynman, o norte-americano seu contemporâneo que, como ele, trabalhou em vários domínios da física (também no hélio superfluido).
Infelizmente, Landau não pôde receber o Prémio Nobel em Estocolmo porque em 1962 sofreu um terrível acidente de viação: o seu carro bateu violentamente contra um camião. A recuperação foi lenta e difícil, apesar da ajuda competentíssima prestada pelo melhor neurocirurgião norte-americano num tempo em que só a solidariedade científica ao mais alto nível conseguiu quebrar as barreiras da guerra fria (Landau era um físico do regime soviético, apesar de ter estado um ano injustamente preso no tempo de Estaline e Beria). E nunca chegou a ser completa, pois Landau nunca voltou a ser o superfísico de antigamente, teve até de reaprender partes da física que ele sabia muito bem. Quase morreu de paragem cardíaca em várias ocasiões (há uma biografia intitulada “O físico que morreu quatro vezes”, com edição brasileira da Bloch), até que, seis penosos anos depois do acidente, o seu coração parou mesmo de bater.
Hoje, passados cem anos, Landau é uma lenda. Ele foi o grande inspirador e impulsionador da famosa escola de física teórica soviética (o seu discípulo Abrikosov já foi premiado com o Nobel). A sua exigência era enorme. O seu humor era terrível, contando-se algumas anedotas que ilustram bem essa faceta. Uma das mais famosas refere-se a uma discussão na Academia de Ciências de Moscovo com o biólogo Lyssenko, o autor de teorias heterodoxas sobre a evolução. Perguntou-lhe Landau: “O senhor acredita que se cortarmos as orelhas a uma espécie animal ao longo de várias gerações os animais virão a nascer sem orelhas?”. Respondeu Lyssenko: “Sim, acredito”. Rematou Landau: “Então explique-me porque é que as raparigas continuam a nascer virgens?”.
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