Título: Riddles of Existence: A Guided Tour of Metaphysics
Autores: Earl Conee e Theodore Sider
Editor: Oxoford University Press, 2005, 210 pp.
Em 1928, Álvaro de Campos declarava em "A Tabacaria" que "não há mais metafísica no mundo senão chocolates". À sua maneira, talvez esta fosse mais uma das muitas tentativas de assassinato da metafísica — tendo esta a vantagem nada desprezível de ser literariamente genial. Surpreendentemente, foram os próprios filósofos que tentaram acabar com a metafísica, mas talvez não o tenham feito para se dedicar aos chocolates. A origem desta má-vontade contra a metafísica é o velho hábito pouco recomendável de deitar fora os inocentes bebés com a água — suja, presume-se — do banho. Felizmente, as coisas mudaram há muito, e a metafísica renasce hoje em toda a sua plenitude. Em Janeiro de 1996, Alex Olivier escrevia estas palavras numa das mais influentes revistas académicas de filosofia, a Mind:
"A metafísica sobreviveu a muitas tentativas de assassinato. O pedido de Hume para lançar os livros à fogueira não foi atendido excepto pelos seus descendentes distantes, os positivistas lógicos, cuja troça teatral da metafísica deu origem a meia dúzia de risotas baratas. Agora o espectáculo chegou ao fim e a metafísica séria floresce uma vez mais."
Contudo, para compreender os estudos metafísicos fascinantes que têm florescido a partir dos anos setenta do séc. XX é necessário começar por ler algumas boas introduções e antologias de metafísica. Uma das mais recentes e bem conseguidas introduções, dirigidas ao grande público, é este pequeno livro de Earl Conee e Theodore Sider. Com dez pequenos capítulos, dedicados a nove problemas centrais da metafísica, este pequeno livro distingue-se por não se apresentar como um manual escolar, mas antes como um livro de divulgação. O objectivo é fazer o leitor pensar e sentir a urgência e a realidade dos problemas da metafísica, que não se reduzem a meros formalismos escolares para fazer exames. Sem referir filósofos nem bibliografia, os autores apresentam e desenvolvem os problemas, teorias e argumentos da metafísica como enigmas fascinantes que nos prendem directamente pela sua densidade e sofisticação. Os problemas abordados são os seguintes: a identidade pessoal, o fatalismo, a natureza do tempo, a existência de Deus, o sentido da existência (ou seja, por que há algo e não o nada), o aparente conflito entre o determinismo da natureza e o livre-arbítrio humano, o problema da constituição, o problema dos universais e a natureza da necessidade e da possibilidade. O último capítulo é sobre a natureza da própria metafísica.
Os autores abordam directamente cada problema filosófico, a partir da experiência que todos temos das coisas, e não a partir da história do problema. Evidentemente, o percurso conceptual escolhido pelos autores reflecte a história das teorias e argumentos mais relevantes. Mas o leitor sente directamente a força dos problemas, teorias e argumentos, e este é o aspecto mais bem conseguido deste livrinho. Por exemplo, ao apresentar o problema da constituição, os autores começam com um argumento simples:
"Quando temos uma estátua de barro na mão, estamos de facto a segurar dois objectos físicos: uma estátua e um pedaço de barro. Pois se partirmos a estátua, esta é destruída, mas o pedaço de barro continua a existir."
Dado que é surpreendente pensar que dois objectos físicos distintos podem ocupar exactamente o mesmo espaço, algo está errado neste argumento. Mas o quê? Para pensar sobre este e outros problemas fascinantes, atire-se a este livrinho — mas não se esqueça dos chocolates.
sábado, 26 de janeiro de 2008
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12 comentários:
Caro Desidério
Se eu fosse neopositivista ou empirista lógico diria que o erro está no facto da proposição "Quando temos uma estátua de barro na mão estamos de facto a segurar dois objectos físicos: uma estátua e um pedaço de barro" é uma proposição pseudo-objectiva que aparenta referir-se a objectos, quando de facto se refere a palavras.
Mas como não sou positivista lógico (sou apenas um curioso) vou comprar chocolates e ler o tal livrinho.
Obrigado pelo Post.
E acho que faz muito bem!
Olá,
Discordo um pouco do exemplo dado... "Ser estátua" é uma característica do objecto de barro que seguramos. Ou pensando melhor, "ser estátua" e "ser barro", são duas características da... matéria que seguramos.
Abraço!
Ó Desidério, que a metafísica sobreviveu é verdade. Mas que ninguém lhe liga pevide excepto os filósofos também não é nenhuma mentira.
Agora mais a sério. Não sabia que o Conee percebia de metafisica além de epistemologia.Estou curioso. A ver se dou uma vista de olhos nisso.
Abraço!
Olá, Luís
Bom, ninguém a não ser os filósofos liga pevide à epistemologia ou à filosofia da arte ou à filosofia moral. Em geral, a maior parte das pessoas não liga à maior parte das coisas. A maior parte das pessoas não liga pevide à poesia, à biologia ou à condução de camiões carregados de dinamite. Haver diversidade de interesses parece-me precisamnte uma das riquezas da humanidade. A mim não me interessa nada saber como se dirige uma orquestra, mas interessa-me a metafísica. E é natural que um maestro se esteja nas tintas para a metafísica. Se nos interessássemos todos pelas mesmas coisas seria muito chato, porque cada um de nós só tem tempo e capacidade para se interessar por um número muito pequeno de coisas.
O que é alguém interessar-se por metafísca? É fazer um curso, frequentar um seminário? Não me parece. É talvez um pouco como interessar-se por política. Parece que ninguém se interessa mas de uma foma ou de outra toda a gente faz, mesmo quando não se interessa!
Caro Coelho
Concordo que ninguém pode pensar e agir sem pressupostos metafísicos. Mas isso é diferente de ter interesse pela metafísica. Ninguém pode viver sem comer, mas isso não significa que as pessoas se interessem todas pela química da digestão.
Estudar metafísica é estudar esses pressupostos que se usam na vida e no pensamento quotidiano, assim como no pensamento científico. A maior parte das pessoas não liga pevide a isso, como bem disse o Lufiro. Na verdade, a maior parte da população humana não liga pevide ao estudo de seja o que for, metafísica ou outra coisa qualquer.
Já o tenho dito mais de uma vez, e repito. A vantagem dos post's sobre os artigos dos jornais reside no "feed-back" que nos vai chegando dando azo a um enriquecimento quase diria "coloquial" (as aspas servem para salvaguardar um possível mau emprego da palavra)entre o seu autor e os leitores. E aqui está a prova provada (como hoje se diz)na pronta resposta do Desidério que muito valorizam os respectivos post's, já por si de uma enorme riqueza. E com a riqueza ainda maior de tranformar as coisas difíceis em coisas simples, fugindo a um esoterismo desnecessário e (ab)usado em alguns manuais escolares com a intenção de apanhar moscas com vinagre...Felizmente, que no meu antigo 7.º ano dos liceus tive um professor de Filsofia que me transmitiu o gosto por uma disciplina tão malsinada nestes últimos tempos nos gabinetes da 5 de Outubro.
Obrigado pelas suas palavras!
É sem dúvida um livro inteligente. E, de uma forma muito clara, agarra o leitor aos problemas da metafísica, mesmo que nunca se tenha preocupado com eles. E, ao contrário do que sugere um comentário anterior, tenho a certeza de que se mais gente ler este livro, mais gente se interessa pela metafísica menos em crendices tontas.
Boa sugestão Desidério
Abraço a todos
Rolando Almeida
Dizes bem, Desidério. Mas não partilho da tua descontracção no que diz respeito à indiferença generalizada, mesmo entre filósofos de diferentes aéreas. Mas falemos de cromos. Por exemplo, o Dawkins, a quem eu tenho literalmente dado ouvidos, ouvindo-o em audiobook, não parece fazer a menor ideia que impossibilidade nómica (ou pior, incompatibilidade com as leis que ditam as necessidades nómicas) ou a improbabilidade não implica(m) impossibilidade lógica ou a impossibilidade metafísica. Tu sabes do que estou a falar, e não vou aqui deitar achas para a fogueira para não levar com acusações sectárias e infundadas de IDiotice. Cromos como o Dawkins deviam ler livros de metafísica. Se ele leu, e eu acho que leu, ainda é pior; pois está a fazer ouvidos de mercador ao que leu. Recordo-me que faz algures a distinção entre objectos abstractos e concretos, talvez para ter uma justificação para os seus queridos memes, as jóias da sua teoria evolucionista das *ideias*, mas não passa disso. Nem sombra de metafísica da modalidade, de discussão do argumento de Anselmo, de discussão do argumento de Descartes, etc... Fala mais uma vez do argumento do design e dos argumentos do Hume contra os milagres, que leu à pressa e só considera os que lhe interessa. O filósofo que ele cita mais vezes é Dan Dennett. Vá-se lá saber porquê. Talvez porque o Dan concorda com o que ele diz, não sei. O Swinburne é teólogo! Esquece-se que ele tem obra em epistemologia e metafísica. Enfim, dawkinadas. E depois diz coisas fantásticas como a seguinte: um júri (ou juiz, não me lembro) não tem de ter uma teoria filosófica da verdade no momento de ditar uma sentença. Mas então, em que “verdade” assenta a sentença? Na verdade dos “factos”? Na evidência? Mas o que é ter evidência? E em que quantidade? Etc. Claro que ter de se avançar uma teoria metafísica de tudo antes de actuar ou para actuar é uma tolice. Mas isso não implica que não se tenha de ter uma boa ideia do que se está a falar, para mais quando as consequências das nossas acções são importantes (esta ele percebe, pois deu-se ao trabalho de ler, apoiar e refutar ideias de filósofos contemporâneos que trabalham em ética).
É por estas e por outras que não partilho da tua descontracção. É verdade que não é preciso ser um especialista em metafísica para se dar uma palestra sobre genes, embora talvez fosse porreiro que os tipos que falam sobre genes tivessem uma boa ideia do que é um objecto, como pode ser caracterizada uma verdade científica, do que é ter uma justificação epistémica, de como o cepticismo epistémico pode minar convicções morais, cientificas, etc. Talvez devêssemos pôr alguns cientistas no banco da escola a aprender filosofia 101. Boa? Acho que está na hora. Se para discutir de igual para igual física quântica com um cientista eu teria de voltar aos bancos da escola, por que raio é que os cientistas não poderiam ter uma aulitas de metafísica para poderem discutir contigo, por exemplo, a natureza (se a há) e possibilidade de Deus? Pensa lá bem nesta. É porque a metafísica está ao alcance de todos mas a física quântica é só para quem estudou muito? Fraco argumento, pois a necessidade especialização existe em ambos os casos. Metafísica, ao contrário do que muito boa gentinha possa pensar, não é do foro do senso comum. Tem muito que se lhe diga. Não estou como é óbvio a falar de teorias bacocas da populaça. Estou a falar da obras de Kripke, Plantinga, Lewis, e tantos outros ilustres “desconhecidos” que valem tanto ou mais que os Dawkins e os Dennetts. Já dizia o Bigodes que é tudo uma questão de valor e de como valorizamos. E é. O tipo tinha razão.
Bem, desculpa lá o desabafo. Um abraço!
Caro Lufiro
Alguns cientistas pensam que a filosofia é apenas a pré-história da ciência e que todos os problemas em que vale a pena pensar seriamente são problemas exclusivamente científicos. Isto é falso e revela ignorância? Sim. Vale a pena ficar alvoroçado com isso? Nem por isso.
Dawkins é muito bom quando escreve de matérias exclusivamente científicas, mas desde que tenha de entrar em áreas da filosofia, pára mais ou menos em Hume, apressadamente lido, como dizes e bem. E depois? Que queres fazer quanto a isso? Multar o homem? :-) Deixa-o lá.
O que podemos fazer, tu e eu, como profissionais da filosofia, é divulgar a filosofia correctamente ao grande público e ensiná-la bem. Se fizermos o nosso trabalho bem, será cada vez mais difícil um professor universitário escrever as calinadas do Dawkins.
E também não te esqueças que, calinadas por calinadas, também há carradas de filósofos a dizer calinadas sobre a ciência. Não são certamente os filósofos que citas e que tens em mente, mas que os há, há. Basta ler Sokal.
Em suma: o mundo não é perfeito e há gente ignorante, preguiçosa e leviana em todos os quadrantes. Infelizmente.
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