sábado, 5 de janeiro de 2008

Ciência, evolução e criacionismo

O ensino da evolução deve ser amplamente feito nas escolas norte-americanas, ao mesmo tempo que se deve reforçar a importância da ciência na escola. Esta é uma das conclusões do comunicado de imprensa lançado há dois dias pela Academia das Ciências Norte-americana (NAS) e o Instituto de Medicina (IOM). As duas instituições que congregam os melhores cientistas do país e que representam a ciência em geral e a médica em particular nos EUA, lançaram um livro designado ‘Science, Evolution, and Creationism’ destinado a fornecer ao público uma imagem clara, actualizada e ampla do que constitui hoje o conhecimento científico sobre evolução e a qual a sua importância nas aulas de ciência, nas escolas.

O comunicado enfatiza o facto de os avanços recentes em áreas como a medicina suportam e confirmam o papel da evolução como princípio organizador central da biologia moderna. Por esse motivo e pelo facto de recorrentemente surgirem tentativas de grupos de pressão, visando questionar o ensino da evolução nas disciplinas de ciências, os dois organismos lançaram esta obra que procura informar os cidadãos de que a evolução não é um conceito polémico que estaria a ser contestado por um número crescente de cientistas, como a propaganda criacionista vai tentando fazer constar. Pelo contrário, é um princípio fundamental e claramente estabelecido na comunidade científica. Tão sedimentado como a teoria coperniciana de que é a Terra que se movimenta em torno do Sol e não o contrário.

O comunicado de imprensa conclui ainda que o ensino de ideologias criacionistas, em roupagem pseudo-científica, tipo ‘intelligent-design’ serve apenas para confundir os estudantes sobre o que é ciência. Em particular, sobre como se demonstram ou se provam erradas em ciência, as ideias avançadas em cada momento para explicar fenómenos conhecidos.

Do comunicado:
Despite the overwhelming evidence supporting evolution, opponents have repeatedly tried to introduce nonscientific views into public school science classes through the teaching of various forms of creationism or intelligent design. In 2005, a federal judge in Dover, Pennsylvania, concluded that the teaching of intelligent design is unconstitutional because it is based on religious conviction, not science (Kitzmiller et al. v. Dover Area School District). NAS and IOM strongly maintain that only scientifically based explanations and evidence for the diversity of life should be included in public school science courses. "Teaching creationist ideas in science class confuses students about what constitutes science and what does not," the committee stated.

"As SCIENCE, EVOLUTION, AND CREATIONISM makes clear, the evidence for evolution can be fully compatible with religious faith. Science and religion are different ways of understanding the world. Needlessly placing them in opposition reduces the potential of each to contribute to a better future," the book says.


Esta tomada de posição da comunidade científica norte-americana, pelo seu órgão mais representativo, resulta da pressão exercida por grupos de franjas religiosas ultraconservadoras, que chegaram a influenciar os discursos do Presidente Bush. Este defendeu, em 2005, que os estudantes norte-americanos deveriam aprender a dita ‘teoria do desenho inteligente’ a par da teoria de evolução, confundindo o que é uma discussão sobre ciência com umas trocas de opinião entre amigos.

Felizmente, os tribunais norte-americanos e a comunidade científica do país são suficientemente inteligentes e autónomos para reconhecerem que o seu Presidente é um ignorante, que debita asneiras a um ritmo alucinante, e assumirem publicamente as suas responsabilidades técnicas e sociais, como o dever de informar correctamente a sociedade.

Para lá da problemática do ensino da evolução – e é bem preciso num país em que metade da população acredita ainda que os humanos apareceram no mundo tal qual são hoje, há uns 10 000 anos – este caso permite uma reflexão importante: há uma enorme independência quer dos tribunais quer da comunidade científica sobre os temas que são da sua responsabilidade técnica. E, no caso desta última, uma assumpção das suas responsabilidades sociais.

Transpondo o caso para a nossa paróquia, os nossos organismos académicos seriam capazes de sustentar uma posição cientificamente fundada contra uma posição errada do Primeiro-ministro ou do Presidente da República?

12 comentários:

:: rui :: disse...

Olá.
É interessante ver este tipo de livros serem publicados, cada vez mais...mais e mais livros. E a ver-se por outro lado, cada vez mais e mais as pessoas procurarem ver que um único livro pode ter as respostas que precisamos para viver. É certo que somente este livro não nos dá respostas as problemas específicos que nos deparam no dia-a-dia. Mas a base é aquela. A base em várias áreas. Querer colocar outra base ou usar excertos do livro para conciliar com a outra base colocada, não vai simplesmente dar apoio a esse livro na sua mensagem, antes pelo contrário. A sua mensagem, de Cristo morrer e ressuscitar por todos os pecados e dar a Salvação a quem nele crer, depende totalmente no que está escrito em Génesis. É coerente. Se retirarem este livro de Génesis, tudo o resto deixa de fazer sentido.

Olhando para o livro que foi lançado agora sobre a evolução, é interessante este tipo de descrições, logo no início:

"About 375 million years ago, what is now Ellesmere Island in Nunavut
Territory, Canada, was part of a broad plain crossed by many meandering streams. Trees, ferns, and other ancient plants grew on the banks of the streams, creating a rich environment for bacteria, fungi, and simple animals that fed on decaying vegetation. No large animals yet lived on the land, but Earth’s oceans contained many species of fish, and some of those species fed on the plants and
animals in shallow freshwater streams and swamps."

Pergunto-me, como é possível descrever com tanto detalhe o que se passou há 375 milhões de anos?
Conseguem imaginar esta data? São 375 milhões de anos? Ou seja, precisamos de multiplicar 37,5 anos por 10000000 de anos para chegar a essa data. E de tão longe quanto parece ser esta altura, nós conseguimos ser capazes de descrever com detalhe o que se passou nessa altura. Aí eu me pergunto mais uma vez, a língua com eu que me estou a expressar diz-vos realmente alguma coisa ou vos é totalmente estranha!? Eu consigo ler o que está escrito nesse livro, mas o que está escrito parece vir de alguém que definitivamente deve falar outra qualquer língua totalmente diferente da minha. Se de facto, há pontos de contacto entre o que eu estou a dizer e o que vocês compreendem, então há algo aqui que ou não está a funcionar bem ou talvez esteja e não queremos ver. Meus amigos, são 375 milhões de anos!! Realmente ler parece ser fácil, mas depois parece que há algum bloqueio no entendimento. Poder descrever o que se passou nessa altura é algo que ultrapassa qualquer tentativa de contacto na linguagem comum que aparentemente ainda nos faz entender em muitos aspectos. Ou estarei de todo enganado?

Um bom dia para todos,

Gilberto Miranda Jr. disse...

Congratulo-me com essa notícia da mais alta importãncia e relevância. Que bom... parece que o bushismo está em vias de ser varrido das terras norte-americanas.

Anónimo disse...

Caro Paulo Gama Mota

O problema da teoria da evolução foi ter sido apropriada pelo ateísmo o que provocou uma reacção extremista do fundamentalismo religioso.

O que muita gente desconhece, e devo agradecer ao filósofo Desidério Murcho por me ter indicado um excelente livro sobre este tema, é que Santo Agostinho considerava que as Escrituras não eram imunes às descobertas científicas e que a sua interpretação devia ser reavaliada caso os dados científicos apresentassem provas concretas sobre determinados fenómenos naturais.

Foi com base nestes argumentos de Santo Agostinho que Galileu estruturou a sua defesa.

É preciso que os cristãos percebam, com base no pensamento de Santo Agostinho, que a ciência não constitui nenhum ameaça à fé cristã nem à Bíblia. Só quando essa ideia estiver completamente implantada na sociedade é que o criacionismo perderá força. Até lá a guerra de palavras continuará.

Smith disse...

Rui, se tivesse lido as 89 paginas do texto talvez entendesse. Mas não, é mais fácil deixar-se estar com as suas crenças não vá começar a queimar os neurónios por começar a pensar!

Ciência Ao Natural disse...

Caro Paulo Gama da Mota,

Excelente informação.
"Transpondo o caso para a nossa paróquia, os nossos organismos académicos seriam capazes de sustentar uma posição cientificamente fundada contra uma posição errada do Primeiro-ministro ou do Presidente da República?"

Não conheço, para além do post da Palmira e do meu , nenhuma outra reacção da comunidade científica ao voto contra de Mota Amaral na resolução Conselho da Europa sobre os perigos do Criacionismo...

Cumprimentos

Luís Azevedo Rodrigues

:: rui :: disse...

Do livro mencionado, "Religious denominations that do not accept the occurrence of evolution tend to be those that believe in strictly literal interpretations of religious texts."

Agora apresento desta forma, "Scientific denomination areas that do not accept the occurrence of God's supernatural Creation tend to be those that believe in strictly literal interpretations of scientific texts."

Ou seja, para um lado, não se pode interpretar literalmente. Mas para outro, já se pode. A questão é que há aqui um reducionismo na forma como se apresenta a religião. Esta, definitivamente não está contra a ciência, nem a forma como ela opera. O contrário parece acontecer e já que parece criar tão grandes reacções defensivas, pode-se perguntar se o problema é de quem interpreta literalmente os textos religiosos ou se é de quem interpreta literalmente os textos científicos. Talvez estes textos possam criar reacções que definitivamente não têm fundamento. Eu sou a favor da ciência, eu vejo ciência à minha volta e necessito do que a ciência produz para me ajudar a viver. Mas, será que a ciência somente me dá tudo o que preciso?

Não foi a ciência que me ensinou o que é certo e errado! E isso sei bem de onde vem. E de onde vem, tudo o que lá está escrito é verdade. Se algo que lá está escrito não é verdade, então, bem posso dizer que o resto também pode não ser. E assim, resta-me apelar aos meus instintos animais e começar a disparar contra quem me fizer mal.

Cumprimentos,

:: rui :: disse...

E para além do que é certo e errado, esse livro que menciono, mostrou-me as bases em várias áreas de conhecimento, para que construa sobre elas um conhecimento mais profundo e ensine aos demais. As bases vêm de algum lado, e certamente nao foi o homem que as descobriu.

lino disse...

Há coisas que eu não consigo perceber. A NAS divulgou a saída do livro ontem, dia 4 de Janeiro. Eu imprimi o artigo de apreciação do The New York Times, ontem, às 7H30 da manhã ( cerca das 2H30 em Nova Iorque) e, seguidamente, a recensão do livro que estava disponível online. O autor da posta (que merece o meu aplauso, embora me iniba de sobre o assunto escrever) reproduziu (julgo) uma parte da dita recensão. Como é que um comentador português já conseguiu ler o livro todo (que diz ter 89 páginas, quando a NAS refere 79)? E se leu, percebeu-o?
Saberá tal comentador quem é FRANCISCO J. AYALA?

Smith disse...

O pdf tem 89 páginas, num total de 70 numeradas pois exclui a capa o indice e o prefácio e está disponivel em para downdoad gratuito em
http://www.nap.edu/catalog/11876.html. Sim já li, oviamente le-se em pouco mais de uma hora, porque? Se percebi? Mais claro não podia estar, o livro é para o publico geral.

Armando Quintas disse...

"Transpondo o caso para a nossa paróquia, os nossos organismos académicos seriam capazes de sustentar uma posição cientificamente fundada contra uma posição errada do Primeiro-ministro ou do Presidente da República?"

Por cá é mais dificil combater os criacionistas pois a independencia e isenção de muitas das instacias deixa algo a desejar, o caso do voto de mota amaral que por acaso até pertence à opus dei é um exemplo, acho que antes de que o perigo surja em grande a comunidade cientifica deve fazer tudo o que está ao seu alcance para pressionar o governo a proibir e inconsticionalizar qualquer ensino criacionista nas escolas, mesmo antes do facto se verificar, afinal mais vale prevenir que remediar, em boa hora saiu este livro e por cá deveria acontecer o mesmo.

Armando Quintas disse...

Sugiro ao autor deste post a ideia de traduzir esse texto para português adicionando algumas paginas explicativas sobre o caso no nosso país e que o mesmo texto ficasse permanentemente disponivel em algum servidor da internet ou mesmo aqui no blog.

Ivo disse...

Ciência e Religião
Quando criança fui lendo artigos sobre a Fé e a Razão. Esta temática não perdeu sua actualidade ainda nos nossos dias. Hoje se fala tanto de teorias de evolução e de Creacionismo. É ponto assente hoje que a Ciência nem prova nem desaprova a existência de Deus. A Ciência trata de fenómenos. O campo é empírico. Deus transcende as categorias de tempo e de espaço.
O nosso argumento óbvio é que a Ciência não pode contradizer a Bíbla, porque a Verdade não pode contradizer a Verdade. O modelo a seguir não é o de conflicto mas o de diálogo. Não houve contradicção entre a teoria heliocéntrica advogada por Galileo Galilei, e a Bíblia. Mas o ‘caso Galileu’ foi muito mais complexo.
A Ciência deve submeter-se a valores éticos. O Criacionismo não tem razão de ser, porque a Bíblia não ensina sobre a constituição do Universo, mas sobre a ‘criação’ do Universo por Deus e a formação do povo israelita. O conceito de criação não é uma teoria científica, mas um conceito teológico. Não há incompatibilidade entre a teoria de evolução e o conceito teológico de criação. Nós aprendémos que Deus é Criador do Universo, como também tantas teorias como de nebulosa, Big-bang. A teoria de evolução do Homem está a ser indagada ainda hoje e recolocada na África. O creacionismo é fundamentalismo bíblico.
Dr.Ivo da C.e Sousa

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