quinta-feira, 17 de janeiro de 2008
IMAGINAÇÃO, ARTE E CIÊNCIA
No início de Março vai haver a Semana Cultural da Universidade de Coimbra, este abno dedicada ao tema "Imaginação". A revista estudantil "Via Latina", de grande tradição, fará um número temático. Eis, em pré-publicação, o meu contributo, chamando a atenção para uma revista que merecia ser mais conhecida.
Associa-se normalmente a imaginação à arte e o conhecimento à ciência. No entanto, a imaginação é essencial também para a ciência. Sem imaginação não há, evidentemente, a mínima possibilidade de ciência. A um dos maiores cientistas, o físico suíço e norte-americano de origem alemã Albert Einstein, alguém perguntou um dia o que era mais importante, a imaginação ou o conhecimento. Ele não teve dúvidas em dar a primazia à imaginação: "A imaginação é mais importante do que o conhecimento. O conhecimento é limitado. A imaginação dá a volta ao mundo." Noutra ocasião, repetiu essa sua escolha de modo a não deixar margem para dúvidas, dizendo o mesmo por outras palavras: “O conhecimento permite-nos ir de A para B, mas a imaginação permite-nos ir a qualquer lado”. Noutra altura disse mais em defesa da imaginação: “Quando me examino a mim mesmo e aos meus métodos de pensamento, chego quase à conclusão de que o dom da imaginação teve para mim maior significado do que o talento para absorver conhecimento absoluto.” (As citações são de “The New Quotable Einstein”, colecção e edição de Alice Calaprice, prefácio de Freeman Dyson, Princeton University Press, 2005).
A imaginação permite-nos, de facto, não só dar a volta ao mundo, mas ir a qualquer lado, mesmo fora do mundo que conhecemos. É a imaginação que permite à mente viajar a todos os lugares com a maior liberdade. Livremente! É isso que faz o artista, seja qual for o campo da sua expressão artística: ele não só descreve o mundo em que vive como constrói mundos, ao dar forma externa aos seus mundos interiores.
Por que é que, em geral, se pensa que a imaginação é avessa à ciência? Porque a missão do cientista é a descoberta do mundo em que vivemos, um mundo que é afinal único e que pode ser contrastado com os muitos mundos criados pela imaginação. De entre todos os mundos possíveis, vivemos num só. Acontece que é preciso uma imaginação extraordinária para concretizar o empreendimento científico. Para saber como é o nosso mundo, é preciso primeiro adivinhar como é. Quer dizer, é preciso primeiro imaginá-lo. Depois o veredicto da observação ou da experiência valida ou não o voo mais ou menos temerário que, de início, a imaginação teve de fazer. Pode-se ir de A para B ou C ou para outro sítio, conforme o salto da nossa imaginação. Mas acabamos por ir para E, porque a observação ou a experiência assim o determina. Porque o nosso mundo assim o quer. Uma conclusão matemática nem sempre é a conclusão física, embora a conclusão física seja sempre uma conclusão matemática (o mundo segue regras lógicas, que se exprimem de uma forma matemática). Há quem não considere a matemática uma ciência porque o matemático tem uma imaginação muito menos limitada do que a do cientista experimental. De certo modo a imaginação dele assemelha-se mais à do artista. Mas um físico tem ainda de ter imaginação e de se deixar levar por ela. Conforme declarou Einstein, cuja paixão pelo violino é bem conhecida: “Eu sou suficientemente artista para me deixar levar pela imaginação”.
A arte é, tal como a ciência, uma actividade humana que requer criatividade. A grande arte requer uma grande criatividade, o mesmo acontecendo com a grande ciência. É interessante que os grandes períodos da criatividade humana, nomeadamente “o século de oiro” da Grécia Antiga, o Renascimento europeu e o início do século XX ainda na Europa, se tenham distinguido pela ocorrência de grandes progressos, tanto na arte como na ciência, em processos paralelos. Por exemplo, a teoria da relatividade, de Albert Einstein, um dos pontos de partida da física moderna, e as “Les Demoiselles d’Avignon”, de Pablo Picasso, o quadro considerado ponto de partida do cubismo, foram criações praticamente contemporâneas, a primeira de 1905 e a segunda de 1907, tendo havido já tentativas de lhes encontrar convergências. Elas convergem, por exemplo, no sentido em que divergem de conceitos estabelecidos. Arte e ciência, embora diferentes (a primeira ligado ao subjectivo e a segunda ao objectivo), têm mais em comum do que normalmente se pensa: O processo de descoberta científico é normalmente favorecido quando se segue um critério estético. De uma maneira resumida mas sugestiva, pode dizer-se que “se é bonito, então deve ser verdadeiro”. Ou, pensando pela negativa como muitos fazem: “se é feio, então deve ser mentira”. Vários físicos aplicaram com sucesso um critério deste tipo, apesar de não ser fácil definir o “bonito” ou o “feio”. Mas, como já alguém disse, o belo reconhece-se com facilidade se não houver necessidade de o parametrizar. Quem tentar quantificar o belo para melhor o reconhecer arriscar-se-á a perder uma boa parte dele. O belo escapa sempre de um ou de outro modo a uma medida rigorosa.
Poder-se-á pensar que a imaginação científica, confinada como está pela observação e pela experiência, é menos criativa do que a imaginação artística, como a imaginação do escritor, do músico ou do artista plástico. Mas não é assim. O nosso mundo é suficientemente complexo para ter desafiado e para continuar a desafiar a nossa imaginação. É possível conhecer, como mostra à saciedade não só toda a história da ciência mas também o nosso actual modo de vida, e o processo que conduz ao conhecimento exige uma dose imensa de imaginação. A formulação de uma hipótese científica não é, em geral, trivial. Está longe de o ser. Exige, ao mesmo tempo, um grande conhecimento e uma grande imaginação. O conhecimento nada pode sem a imaginação e a imaginação nada pode sem o conhecimento. E é por isso que não é fácil ser cientista. O físico norte-americano Richard Feynman resumiu esse facto quando afirmou no seu livro “O que é uma Lei Física” (Gradiva, 1989) que na ciência a imaginação tem de estar contida dentro de uma camisa de forças. Quis com isso dizer que imaginar o que a realidade possa ser a partir daquilo que é (a tal camisa de forças) é bem mais difícil do que imaginar livremente. Pode até acontecer que um esforço de imaginação conduza a F, quando a resposta certa, que requer um esforço ainda maior de imaginação, é E.
O novo conhecimento científico tem sempre de ser compatível com o velho. Por exemplo, podemos não saber muito sobre a matéria e sobre a vida, mas sabemos que a matéria é feita de átomos e que os seres vivos são feitos de células. Qualquer coisa que se venha a saber sobre a matéria ou sobre a vida tem de respeitar esse conhecimento prévio e básico. O conhecimento vai sendo adquirido, mas só é adquirido o que não prejudica o que já foi adquirido, ou melhor, que não prejudica muito porque terá sempre de prejudicar alguma coisa. Neste sentido a ciência é conservadora. Tem de ser, ao mesmo tempo, inovadora e conservadora. Não pode nem inovar demais, nem conservar demais, tendo constantemente de procurar um justo meio-termo.
Feynman, ele próprio um artista plástico na fase final da sua vida, enfatizou a dificuldade da imaginação na actividade científica no seu livro “O Significado de Tudo” (Gradiva, 2001): “É surpreendente que as pessoas suponham que não há imaginação em ciência. É um tipo de imaginação muito interessante, diferente da do artista. A grande dificuldade reside em tentar imaginar algo que nunca se viu, que seja consistente em todos os pormenores com o que já se observou e ao mesmo tempo que seja diferente do que até aí se pensava; mais, terá de ser uma afirmação bem definida, e não apenas uma proposição vaga. É, na verdade, difícil.” Será difícil, mas é precisamente a dificuldade da imaginação no trabalho científico que confere um valor acrescido tanto a essa imaginação como a esse trabalho.
Em resumo: É fácil para toda a gente perceber o papel que a imaginação desempenha na arte. O valor da arte é, em grande medida, o valor da imaginação. Mas é percebido por menos gente que a imaginação também é um ingrediente da ciência, ainda que de forma um pouco diferente. Se mais pessoas soubessem que a imaginação é comum à arte e à ciência e que na ciência ainda é preciso uma grande imaginação, talvez a ciência gozasse de um maior reconhecimento.
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12 comentários:
Realmente, quando vemos as ideias propostas por alguns cosmologistas acerca da origem e da natureza do Universo, coincluimos que desde há muito foram ultrapassados os limites da ciência e da racionalidade.
Tudo está neste momento entregue à especulação, à imaginação e, porque não dizê-lo, à arte impressionista.
Assim, alguns físicos e cosmologistas, como Alan Guth, Andrei Linde, Leonard Susskind, Lisa Dyson, Paul Davies, etc. propõem-nos:
1) universos compostos por observadores desconectados no espaço (entre os quais estaríamos nós, a imaginar que estamos mesmos aqui na Terra);
2) universos constituídos por um número infinito de cérebros flutuantes, tornando os nossos cérebros normais altamente improváveis;
3) universos criados pelos seus observadores;
4) universos surgindo como bolhas de água em todas as direcções em todo o tempo;
5) universos que dão origem aos seus próprios observadores numa assentada;
6) universos de múltiplas reincarnações;
7) possibilidades de flutuações quânticas conduzindo a uma explosão que nos destruiria a nós e ao Universo num instante;
8) universos em que Deus evolui para depois criar o Universo, etc., etc.
A Taxnonomia destas ideias foi dissecada num recente artigo no New York Times, de 15 de Janeiro.
Sugestivamente, o artigo, de Dennis Overbye, chama-se: “Big Brain Theory: Have Cosmologists Lost Theirs?”
No essencial, é isto que o “método científico” nos propõe hoje acerca da origem e da natureza do Universo. Há universos para todos os gostos.
Qual é a teoria a que os criadores deste blogue aderem? Como poderemos saber (algum dia) qual delas é verdadeira? Quais os critérios? Quem os define? Com base em que pressuposições e visões do mundo?
Em face destas teorias, impossíveis de qualquer validação empírica pela observação e pela experimentação, a ideia de um Universo criado de forma racional, sistemática e metódica por um Deus omnisciente e omnipotente, que expandiu o espaço e dilatou o tempo para demonstrar a sua infinitude e eternidade, ganha inteira plausibilidade.
Nenhuma das teorias referidas é mais plausível cientificamente do que a doutrina bíblica da Criação, nem permite esclarecer melhor a origem, o sentido e o destino do Universo, da Vida e do Homem.
Na verdade, o melhor esclarecimento para estas questões só pode ser aquele que vem directamente do próprio Criador.
Veja-se:
http://www.nytimes.com/2008/01/15/science/15brain.html?pagewanted=1&8dpc&_r=3
"(...) O valor da arte é, em grande medida, o valor da imaginação. Mas é percebido por menos gente que a imaginação também é ingrediente da ciência (...)".
Não foi certamente o caso de Leonardo da Vinci... Felizmente para nós!
"Perspectiva" mostra (mais uma vez) a sua falta de perspectiva, agora no tema da imaginação vs. ciência.
Uma das características das ciências empíricas é o seu caracter especulativo: as leis e as teorias científicas não resultaram da simples observação e acumulação de dados empíricos à espreita de um padrão que os justificasse. São modelos explicativos que passaram pela formulação de hipóteses e seu devido julgamento no tribunal da razão e da experimentação. Na formulação de hipóteses a imaginação tem um papel decisivo em Ciência. Não se trata porém de imaginação delirante, mas de imaginação criadora à partida constrangida dentro do campo do possível pelas leis universais da Física, da Biologia, etc...os cientistas entendem isto há muito tempo...tal como entendem a beleza que reside na simplicidade e na elegância das hipóteses explicativas que fundamentam as teorias científicas bem sucedidas. Ao ponto de alguns fazerem aí a ligação com o dedo de Deus.
Mas nada disto tem a ver, o que quer que seja, com a doutrina bíblica da criação que, exactamente por ser doutrina,dogmática e incrítica, anula toda a possibilidade de imaginar ... anula toda a possibilidade de pensar, anula tudo...tudo, incluindo a capacidade deste(a) "perspectiva" enxergar o que quer que seja que não venha (ou que ele julga que vem)no seu livro único. Já começa a ser fatigante...
Poderá ser interessante imaginar qual foi o mecanismo que fez surgir a imaginação por evolução. Ou então imaginar de onde nos vem o sentido estético para produzir obras de arte. Será que evoluiu mesmo? Ou seremos produto de um Criador criativo que criou tudo o que vemos a partir do nada e a quem devemos estar eternamente agradecidos por tamanho acto? A ciência continuará a ser chamada ciência mesmo que usemos a imaginação que o nosso Criador nos deu para poder imaginar novos meios de simplificar a nossa vida, novos meios de resolver os nossos problemas, etc. Podemos querer tornar a arte mais científica ou a ciência mais artistica, podemos andar aos círculos para tentar encontrar as respostas mais básicas para a vida, mas se reconhecermos a nossa existência por via de um Criador, teremos pelo menos respostas racionais para sobre as quais desenvolvermos as nossas actividades. Para quê especular?
Caros Rui e Perspectiva:
Não tenho vocação para discutir tretas... a partir de agora deixo simplesmente de vos ler.
Passem bem e sejam felizes!
As pessoas ou querem pensar ou nao querem pensar. Quando não querem pensar, descartam a possibilidade de querer pensar. Por isso, deveria ser ensinado a pensar e não o que pensar. Quando nao acontece isto, as pessoas não estão treinadas a pôr a possibilidade de lhes estar a ser ensinado a pensar. Simplesmente rejeitam o que lhes diga. É triste, mas é o que acontece.
Não sei se se poderá afirmar que é preciso mais imaginação na ciência do que na arte. Eu, pessoalmente, não concordo, mas também não direi que é preciso mais imaginação na arte do que na ciência. Será possível quantificar? Também não me parece. Talvez devessemos perguntar à Adília Lopes (poetisa e física) a sua opinião, embora eu não saiba se ela alguma vez terá feito investigação.
Talvez também se devesse informar as pessoas da quantidade de ciência que existe na arte.
Um grande texto, tanto na dimensão como no alcance e clareza!
Parabéns!
O António Gomes Coelho já tem a sua cabeça feita. Já não quer pensar mais.
Ele esquce que os modelos explicativos dos cientistas sobre a origem do Universo e da vida não surgem no vácuo, antes exprimem sempre visões do mundo.
No presente, predomina uma visão naturalista, que exclui Deus a priori.
No entanto, trata-se de uma visão ideológica, que nenhuma experiência científica consegue validadar.
Os criacionistas têm uma visão do mundo que não escondem. Os evolucionistas parece que ignoram que muitos dos seus modelos actuais exprimem uma ideologia materialista e naturalista.
Os criacionistas também têm os seus diferentes modelos em questões como a dilação gravitacional do tempo ou o mecanismo do dilúvio (v.g. tectónica catastrófica de placas; hidroplacas).
Deus não nos limita a capacidade de imaginar. Pelo contrário. Ele pode ser o nosso grande professor de ciência.
Ele é o cientista por excelência.
O ser humano pode aprender muito sobre luz aeronautica, aerodinâmica, radares, sonares, eco-locação, armazenamento de informação, conversão de energia, poupança de energia, etc., simplesmente olhando para as múltiplas e diferentes criaturas animais e vegetais e procurando imitar os designs do Criador.
Na verdade, a biomimética faz isso mesmo, tal como o faz a bioinformática ao desenvolver computadores de DNA.
Quando o homem procura pensar os pensamentos de Deus depois de Deus aprende muito acerca da ciência.
A Bíblia diz-nos que Deus criou o mundo racionalmente, para ser compreendido racionalmente por pessoas racionais.
Estas premissas permitem dar muito mais significado á ciência do que hipotéticos cérebros desconexos flutuando no espaço.
Se o António Coelho não quiser ler estas palavras, outros certamente lerão.
Belo texto professeor Carlos, sem emendas.
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