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sexta-feira, 13 de julho de 2012

O OVO “PERDIDO” ENTRE AVES E DINOSSAUROS.


Fósseis de ovos da nova espécie Sankofa pyrenaica encontrados na Catalunha.

Crónica publicada primeiramente na imprensa regional.

Quem é que nasceu primeiro: o ovo ou a galinha? 

Não querendo esgravatar esta pergunta redundante, um facto é o de que a observação e análise de um dado ovo permite hoje identificar a espécie que o gerou.Essa identificação baseia-se na observação da postura de determinado tipo de ovo por parte de indivíduos do género feminino de uma certa espécie. 

Diga-se, a propósito, que se designam por ovíparas as espécies cujo “embrião se desenvolve dentro de um ovo em ambiente externo e sem ligação com o corpo da mãe”. As aves, e uma maioria de espécies de répteis, peixes, moluscos, insectos, e aracnídeos são exemplos de animais ovíparos.

Em relação às espécies extintas que se descobriu também serem ovíparas, a identificação do tipo de ovos com uma dada espécie é paleontologicamente efectuada a partir da correspondência entre ovos fossilizados encontrados junto de espécimes embrionários, juvenis ou adultos também fossilizados. Ou pelo menos por aqueles terem sido encontrados no mesmos períodos e estratos geológicos que as espécies que a eles ficaram associadas.

Como em muitas outras áreas do conhecimento, esta não está isenta de muitas questões por responder, dúvidas, fósseis que faltam para completar o grande puzzle da evolução. Há inúmeros elos perdidos, ou melhor e neste caso, ovos perdidos, necessários para robustecer as hipóteses em cima da mesa do paleontólogo. 

E uma dessas questões tem a ver com a identificação da espécie ancestral e comum às aves e aos dinossauros terópodes. Estes últimos incluem os dinossauros bípedes do Cretácico superior, como os hoje “populares e mediáticos” tiranossauros e Velociraptor.

O fóssil dessa espécie comum continua a permanecer incógnito entre algum sedimento, estrato geológico ainda não explorado. 

Contudo, o seu ovo deste "elo" poderá já ter sido encontrado. É essa a conclusão de um estudo publicado em Narço deste ano na revista Palaeontology. Nesse artigo, paleontólogos espanhóis da Universidade Autónoma de Barcelona e da Universidade Complutense de Madrid, apresentam as conclusões das análises de um conjunto de ovos fósseis encontrados na região de Montsec, perto de Lérida, na Catalunha. Todos os ovos são pertencentes a uma mesma espécie desconhecida de dinossauro terópode que terá vivido entre 70 e 83 milhões de anos atrás.

E o que é que isto tem de novo? É que estes ovos têm uma forma ovoide assimétrica, ao contrário de outros encontrados para dinossáurios  terópodes do mesmo período que apresentam uma forma simétrica!



Esquema comparativo da forma de ovos de diferentes espécies - de A a G ovos de Dinossauros - de I a P ovos de aves - H - Sankofa pyrenaica.

Ou seja: encontraram-se ovos que se assemelham aos das aves (do tamanho dos ovos das galinhas) mas que foram gerados por uma espécie ainda desconhecida de dinossauros terápodes.

E como é que os cientistas sabem que a postura foi efectuada por terápodes e não por aves? A análise da estrutura cristalina da casca aparenta-os mais à dos ovos de dinossauros (não avianos) do que aos dos das aves. Uma nova espécie de ovo com a casca do tipo da dos ovos dos dinossauros terópodes do mesmo período, mas com a forma ovóide assimétrica como a dos ovos das aves.

Assim, na falta do fóssil da espécie que os gerou, os ovos serviram aos cientistas para identificar a nova espécie, a que deram o nome de Sankofa pyrenaica, candidata a ser o um ancestral comum a aves e dinossauros.

Neste caso, bem se pode dizer que foi o ovo que “apareceu” primeiro!

António Piedade

terça-feira, 3 de abril de 2012

Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos


Palestra sobre "Dinossauros: Novas Técnicas, Velhos Mitos", com o Paleontólogo Luís Azevedo Rodrigues, no Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho, no Departamento de Física da Universidade de Coimbra, no dia 4 de Abril, pelas 21h30 (entrada livre):

RESUMO

A primeira parte desta palestra abordará questões da Paleobiologia de Dinossauros, com particular atenção às técnicas mais recentes de investigação nesta área do conhecimento. A segunda parte lidará com o papel dos dinossauros na Cultura Pop, em campos tão distintos como o cinema, a música ou a mitologia.

BIOGRAFIA

Luís Azevedo Rodrigues é Doutor em Biologia – Paleontologia pela Facultad de Ciencias da Universidad Autónoma de Madrid. A sua especialidade é a evolução dos dinossauros saurópodes, nomeadamente o que se refere ao desenvolvimento do gigantismo neste grupo e questões biológicas relacionadas com a locomoção daqueles animais. É ainda especialista em morfometria geométrica e análise de dados composicionais, técnicas que tem aplicado não só em Paleontologia e Zoologia, como em disparidade morfológica de aves, pterossauros e morcegos, mas também em estudos relacionados com a Saúde e o Desporto. Realizou trabalho de investigação e de campo um pouco por toda a Europa e ainda na Patagónia argentina (três períodos), Estados Unidos e China – efetuou pesquisa em duas dezenas de Museus de História Natural por todo o mundo, o que faz dele, segundo as suas próprias palavras “um rato de campo e um rato de museus!”

segunda-feira, 11 de abril de 2011

CÉREBRO COM 2500 ANOS



Crónica semanal publicada no "Diário de Coimbra".

A palavra “fóssil” deriva do étimo latino fossilis que significa desenterrado ou extraído da terra. O que é que está enterrado? Restos ou vestígios de animais, plantas e outros seres vivos que remontam a épocas passadas e que aparecem conservados em depósitos sedimentares, rochas encontradas no contexto geológico que é a crosta terrestre e cuja formação foi contemporânea desses seres vivos. Esta premissa permite inferir da idade do fóssil.

Os fósseis constituem o objecto de estudo da ciência designada por paleontologia, disciplina científica a que se deve a maior parte do conhecimento factual sobre o passado e evolução da vida no planeta Terra. A sua actividade experimental não se limita a encontrar fósseis, o que pode ser feito por qualquer cidadão independente da sua formação. O paleontólogo contextualiza o fóssil no registo geológico da história do planeta, reconstitui e interpreta o ecossistema passado, permite o conhecimento dos processos através dos quais a vida interage com o envolvente e evolui.

A ideia generalizada da raridade dos fósseis é falsa e talvez alimentada pela mediatização pontual e enfatizada da descoberta de um fóssil específico, cuja descoberta contribui para a explicação de um elemento em falta. É um pouco como as colecções de cromos. É relativamente fácil encontrar e acumular cromos e rapidamente preencher a caderneta respectiva até à situação da falta de um conjunto pequeno de cromos, ditos raros. O entusiasmo e a notícia empolgada é assim alimentada pela ansiedade de encontrar os poucos cromos em falta e raramente festa é feita quando a caderneta fica preenchida o suficiente para se ter uma ideia global da constelação.

O processo de geração de um fóssil (outro aspecto de interesse da paleontologia) é um fenómeno comum associado à morte e mineralização de um dado organismo. Na realidade, têm sido encontrados fósseis dos mais variados seres vivos, mesmo aqueles que viveram há milhares de milhões de anos.

Dependendo das condições de fossilização, todas as partes dos seres vivos podem deixar registo fóssil, mesmo os componentes orgânicos mais delicados como sejam os tecidos moles. A maior parte das vezes, são outras formas de vida (animais, bactérias, etc.) que degradam e reciclam os restos constituintes de um determinado ser vivo impedindo assim que essas partes fossilizem. A alteração da constituição hídrica dos tecidos orgânicos altera também o registo fóssil em relação à realidade do ser vivo assim deixa testemunho.

Neste contexto, é de registar a descoberta de um cérebro praticamente inteiro no interior de um crânio humano com cerca de 2500 anos de idade (673 – 482 a.C. o resultado da datação por radiocarbono). A conservação do tecido cerebral encontrado, não sendo única, espanta exactamente pela raridade deste tipo de achados. O tecido cerebral é rapidamente degradado a não ser que disso seja inibido por qualquer processo de mumificação ou por condições específicas do seu enterro.


O cérebro pertenceu a um homem, com idade entre 26 e 45 anos, que terá sido enforcado e de seguida ritualmente decapitado. O crânio descoberto em 2008, em Heslington, no estado de York, no Reino Unido, foi estudado por uma equipa multidisciplinar liderada pelo arqueólogo britânico Mark Johnson. Os cientistas investigaram não só as condições singulares que permitiram a conservação do fragmento cerebral preservado desde a Idade do Ferro, mas também análises histológicas e biomoleculares. Foi possível determinar a constituição em aminoácidos, lípidos e proteínas especificamente do tecido nervoso (uma proteína proteolítica da mielina e outra específica dos oligodendrócitos).

Os resultados agora colocados online num artigo a publicar no Journal of Archaeological Science indicam que o crânio deve ter sido enterrado rapidamente numa cova com uma grande espessura de argila húmida, em condições de muito baixo nível de oxigénio, o que, juntamente com outras condições encontradas, pode ter contribuído para a preservação dos tecidos encefálicos.

António Piedade

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Dinossáurios chegaram ao Geopark Naturtejo


Informação recebida do Geopark Naturtejo, Castelo Branco:

A maior exposição itinerante do Mundo sobre Dinossáurios, alguma vez reunida, está patente no Centro de Exposições do NERCAB, em Castelo Branco, Portugal, até final de Outubro.

Esqueletos, crânios de dinossáurios, garras e dentes são algumas das dinocuriosidades que poderão ser exploradas durante a DinoExpo intitulada “Dinossáurios invadem o Geopark Naturtejo”, a qual é promovida pela empresa holandesa Creatures & Features em parceria com o Geopark Naturtejo.

São cerca de 3000 m2 de descoberta, nesta fascinante viagem ao passado, que conta também com aves e répteis voadores, contemporâneos dos gigantes do passado. Um dos grandes protagonistas será um enorme saurópode, um Diplodocus de 17 metros, que viveu na América do Norte há cerca de 150 milhões de anos e que, apesar da sua grande envergadura, se alimentava apenas de plantas. Outro dos protagonistas será um gigantesco Tyrannosaurus rex, o mais conhecido e impressionante de todos os dinossáurios

A apresentação pela primeira vez ao púbico da escavação de um original de saurópode (Diplodocus), proveniente do Wyoming (E.U.A.), é mais um destaque. Além de réplicas provenientes dos quatro cantos do mundo a DinoExpo mostra fósseis reais de dinossáurios de Portugal, também nunca antes apresentados ao público.

A CP - Comboios de Portugal, a Rodoviária da Beira Interior e a organização da MAIOR exposição itinerante sobre Dinossáurios, alguma vez reunida no Mundo, criaram uma iniciativa denominada “De Comboio aos Dinossáurios - uma campanha amiga do Ambiente”, que oferece descontos no bilhete do comboio e na entrada da exposição, com garantia de transfer entre a Estação e Centro de Exposições, através do “autocarro dos Dinossáurios”.

Esta exposição encontra-se aberta diariamente entre as 10h00 e as 19h00, e pode ser visitada por todos, com acompanhamento feito por geólogos ou através de uma visita pedagógica no âmbito de programas educativos.

Saliente-se que as visitas pedagógicas, inseridas nos programas educativos do Geopark Naturtejo, estão sujeitas a marcação e destinam-se a alunos e professores do Ensino Pré-Escolar, Básico, Secundário, Profissional e Superior. Este programa é dinamizado por técnicos com formação adequada para explorar pedagogicamente os conteúdos adaptados aos diferentes níveis de ensino e para apoiar as actividades.

A esta oportunidade única de ver em Portugal uma grande exposição, que os Museus mais importantes do Mundo gostariam de ter, a Naturtejo acresce a oportunidade de explorar as belezas do Geopark Naturtejo, embarcando numa viagem que recua milhões de anos. O programa especial constituído pela Naturtejo inclui 3 dias / 2 noites de alojamento com pequeno-almoço, 1 Almoço com produtos regionais, visita acompanhada à Exposição “Dinossáurios invadem o Geopark”, realização do PR3-Rota dos Fósseis em Penha Garcia, com passagem pela aldeia típica, pelas ruínas do castelo templário, pelo Parque Icnológico (icnofósseis) e pelos moinhos de rodízio, visita ao Centro de Interpretação Ambiental de Castelo Branco: introdução da paisagem do Tejo Internacional (actividades virtuais) e visita aos Troncos Fósseis da Casa de Artes e Cultura do Tejo com 10 Milhões de Anos.

Não perca a oportunidade de visitar esta fascinante exposição dirigida para todas as idades e a preços acessíveis para os diferentes públicos: Individual: 6€ | Grupos Escolares e Grupos Seniores (+25 participantes): 3.5€ | Crianças 6 a 12 anos: 4€ | Cidadãos Seniores (sujeito a apresentação do cartão de pensionista): 4€ | Empresas (+25pessoas): 4€.

Para mais DinoInformações encontram-se disponíveis os seguintes contactos: Telefone: 272 320 176 | Fax: 272 320 137 | Central de Reservas: 707 200 065 | Email: geral@naturtejo.com | Programas Educativos: programas_educativos@naturtejo.com; www.dinoexpo.com.pt ou www.naturtejo.com.

Ao longo da exposição não vai faltar animação, através de espectáculos de teatro, música, gastronomia, actividades lúdicas sobre paleontologia e apreciar encantadoras peças de merchandising relacionadas com o tema, entre outras.

Local e Duração da Exposição:
Centro de Exposições do Nercab
Avenida do Empresário – Praça Nercab
6000 – 767 Castelo Branco - Portugal

De 27 de Março a 30 de Outubro entre as 10h00 e as 19h00

sexta-feira, 23 de abril de 2010

PEGADAS DE DINOSSÁURIOS DE PORTUGAL


Saiu em 2008 em edição do Museu Nacional de História Natural, encontra-se à venda nesse local, mas é difícil de encontrar noutros sítios. E é pena porque se trata de uma bela edição! Partindo da sua tese de doutoramento a paleontóloga Vanda Santos, nascida em Moçambique e que hoje trabalha naquele Museu, apresenta-nos, com o auxílio de sugestivas ilustrações a cores o essencial do que se sabe sobre as marcas que aqueles monstros deixaram em solo português. Eu, por exemplo, que sabia dos fabulosos rastos na Pedreira do Galinha, em Ourém, e também no Cabo Mondego, na Figueira da Foz, fiquei a saber dos trilhos de um grupo de sete dinossauros, uns maiores e outros menores, no Cabo Espichel. Boa parte de Portugal já foi, portanto, um Parque Jurássico!

Deixo aqui a sinopse:
"Em Portugal existem pegadas e pistas de dinossáurios em zonas litorais e em antigas pedreiras. O estudo destes icnofósseis permite conhecer a anatomia dos pés e das mãos dos dinossáurios que os produziram, o seu modo de locomoção, o seu comportamento individual e social, os ambientes que frequentaram, entre outros aspectos. As jazidas com pegadas de dinossáurios são, assim, uma importante fonte de informação sobre este grupo de animais já extintos há 65 milhões de anos e constituem, igualmente, locais privilegiados para o ensino de temas relacionados com a Geologia e a Paleontologia. O presente trabalho pretende divulgar o conhecimento científico adquirido com o estudo destas jazidas, realçando o seuvalor científico, cultural, pedagógico e patrimonial, e contribuir para a sua preservação."
E deixo uma das ilustrações, mostrando o modo como as pegadas se originaram:

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

"THE JESUIT AND THE SKULL"


Ainda me lembro de uma frase do Padre Teilhard de Chardin que li na juventude (em "O Despertar dos Mágicos", de Pauwells e Bergier) e me impressionou: "À escala do cósmico (toda a física moderna no-lo ensina) só o fantástico tem probabilidade de ser verdadeiro". Desde essa altura que me tenho interessado pela obra do sacerdote francês, que, ao longo da sua vida, tão incompreendido foi.

Assim foi com júbilo que encontrei uma recente biografia do jesuíta e paleontólogo Teilhard de Chardin (1881-1955) da autoria de um escritor norte-americano de divulgação científica de méritos confirmados, Amir D. Aczel (é o autor, entre vários outros, de "O Último Teorema de Fermat"). O livro, intitulado "The Jesuit and the Skull" e subintitulado "Teilhard de Chardin, Evolution, and the Search for Peking Man", saído em 2007 na Riverhead Books (do grupo Penguin) lê-se muito bem. Apesar de captar a vida toda, centra-se no papel que Chardin teve na descoberta do homem de Pequim, nos arredores da capital Chinesa, no final dos anos 20.

Lendo-o ficamos a saber mais sobre as perseguições de que Chardin foi vítima por parte da sua própria Ordem e da sua própria Igreja, que impediram qualquer sua publicação em vida que não se restringisse à sua actividade científica estrita. Aliás, Chardin foi, depois de ter participado na Primeira Guerra Mundial (há um livro que conta essa experiência: "Escritos do tempo de guerra", Portugália, 1969) e de se ter doutorado na Sorbonne, enviado para a China em 1922, precisamente por haver receios sobre a propagação das suas posições pouco ortodoxas sobre o pecado original. Hoje o autor de "O Fenómeno Humano" (Tavares Martins, 1965) , que concebeu uma curiosa síntese entre ciência e religião baseada na teoria da evolução está reabilitado, é uma "figura de culto" em muitos meios, objecto de muitos estudos, mesmo dentro da Igreja Católica (essa síntese é pouca ortodoxa e não agrada nem à ciência nem à religião). Não pude, por isso, deixar de me admirar quando Aczel, no prólogo, refere que nos Arquivos da Companhia de Jesus, em Roma, encontrou documentos secretos, tendo sido admoestado pelo Director do Arquivo: "O senhor é um escritor: tenha pois cuidado com o que escreve. Não nos cause problemas com o Vaticano".

A história da descoberta em 1929 do homem de Pequim, um exemplo do Homo Erectus fundamental para a compreensão para a evolução humana, é emocionante. Fiquei a saber que a maior parte dos vertígios ósseos desapareceram misteriosamente sem deixar rasto, devido talvez a peripécias da guerra entre China e Japão. Na pesquisa que fiz para saber o que aconteceu a esses restos humanos, fiquei ainda a saber que, segundo a Nature deste ano, um processo de nova datação recente coloca-o numa data mais antiga do que se pensava, há cerca de 800 000 anos, o que pode fazer repensar o modo como se deu o espalhamento da espécie humana "out of Africa".

Além da disputa teológica, de arqueologia asiática (incluindo incursões no deserto da Mongólia à la Indiana Jones) e de guerra, o livro contém também um romance. A história de amor que houve, platónica, entre o paleontólogo e a escultora americana Lucile Swan, que fez uma reconstrução plástica do homem de Pequim, tendo-se tornado amiga inseparável de Chardin. Aczel conta como ela quis levar mais longe a relação entre os dois e como ele resistiu a todos esses avanços, nunca renunciando aos seus votos eclesiais (as cartas entre os dois estão hoje publicadas em inglês, mas há cartas dela que nunca foram enviadas).

Aczel já escreveu um outro livro depois deste sobre um outro padre cientista, que se cruzou na China com Chardin: o francês Henry Breuil (1877-1961), mais conhecido por "Abbé" Breuil, o estudioso da arte pré-histórica O novo livro intitula-se "The Cave and the Cathedral" (John Wiley, 2009), tive-o em mãos, mas como estas já estavam demasiado cheias, guardei a sua aquisição para outra oportunidade. Não sei, por isso, se o livro fala da relação de Breuil com Portugal. Breuil esteve em Portugal por várias vezes, nomeadamente em 1919, logo depois da Primeira Guerra Mundial, quando foi preso por um guarda-fiscal sob a acusação de espionagem, e em 1941, durante a Segunda Guerra Mundial, tendo nessa altura cá permanecido durante quase dois anos. Breuil e Chardin testemunham a possibilidade de coexistirem na mesma pessoa as funções de cientista e de sacerdote católico. Há mais casos, claro, mas faço notar que nestes dois não houve a atribuição de paróquias. Os dois foram tudo menos paroquiais.

domingo, 17 de agosto de 2008

Ossos da História



Paul Sereno é um dos paleontólogos e divulgadores desta ciência mais famosos da actualidade. Sereno é responsável por descobertas que contribuiram de forma determinante para a elucidação da evolução dos dinossáurios, que resumiu de forma fabulosa no «The Evolution of Dinosaurs», um dos cinco artigos de um número especial da Science sobre evolução.

A descoberta mais mediática do cientista da Universidade de Chicago e explorador residente da National Geographic foi sem dúvida o Sarcosuchus imperator (mais conhecido como SuperCroc), mas é igualmente fascinante o Nigersaurus Taqueti, descrito em Novembro do ano passado na Plos One no artigo «Structural Extremes in a Cretaceous Dinosaur» e apresentado ao público na mesma data no Museu da National Geographic.

O dinossáurio, nomeado por Sereno em 1999 em honra do paleontólogo francês Philippe Taquet, que na década de 1950 encontrou os primeiros ossos, revelou-se anatomicamente muito bizarro. A característica mais inesperada do Nigersaurus reside no seu crânio, inspeccionado com o auxílio de tomografia computadorizada. Com um comprimento de apenas 9 metros, este primo mais novo e mais pequeno do conhecido Diplodocus apresenta um um crâneo quase translúcido em que a caracteristica mais inesperada é um focinho com narinas externas não retrácteis que lembram um aspirador. Mas são igualmente inéditas as mandíbulas quadradas que funcionam como tesouras de 30 centímetros, dotadas de muitas centenas de dentes, muitos deles para substituir a dentição perdida ou gasta que, como referiu na altura Sereno, permite ao Nigersaurus bater «sem dúvidas, o recorde do Guinness pelo número de dentes de substituição».

O Nigersaurus tinha também um pescoço estranhamente curto, ossos delicados e uma cabeça que apontava sempre na direcção do chão. Ao contrário das espécies que celebrizaram os dinossáurios no léxico do nosso imaginário, pastava ao nível do chão, tal e qual as vacas modernas. Segundo Sereno, «Nunca tínhamos visto nada parecido. É um quebra-cabeças, uma versão radical do Diplodocus, com o mínimo necessário de estrutura corporal».

Mas este dinossáurio bovino não é a descoberta mais bizarra de Sereno na Nigéria. Em 2000, numa expedição que procurava mais ossos de dinossário no deserto do Sahara, o paleontólogo deparou nas margens de um lago há muito seco com uma descoberta totalmente inesperada: as sepulturas de cerca de 200 esqueletos que representam duas culturas completamente distintas, os Kiffian, que viveram entre 7700 e 6200 a.C., e os Tenerian, uma cultura que viveu entre 5200 e 2500 a.C.. Estes nossos antepassados habitaram o então verdejante deserto no Holocénico, o período Recente ou «Idade do Homem» que se iniciou há 11 000 anos após a última grande glaciação.

A descoberta foi revelada há uns dias num artigo muito interessante na PloS One, «Lakeside Cemeteries in the Sahara: 5000 Years of Holocene Population and Environmental Change». Para além do artigo científico, vale a pena ler os dois artigos que a descoberta mereceu na National Geographic, especialmente o artigo «Green Sahara» que nos conduz por uma viagem ao passado simplesmente a não perder. Os dois artigos permitem a visualização de fotos fantásticas sobre a escavação, como a que se reproduz em seguida.

A imagem «Stone Age Embrace» é a mais espectacular do conjunto e mostra uma mulher e duas crianças de mãos dadas enterradas numa cama de flores, como indica o polén encontrado na sepultura.

Para quem acredita que a Terra tem uns escassos 6 000 anos, as descobertas de Sereno e em especial os ossos de dinossáurios são muito difíceis de roer. Não admira que as efabulações mais mirabolantes e cretinas sejam fabricadas por estes criacionistas da Terra jovem para justificar a coexistência temporal do Homem e dos dinossáurios e negar o suporte que os dinossauros e a sua história fóssil dão à teoria da evolução. Também não espanta que a paleontologia e as suas descobertas fabulosas estejam sobre a mira constante destoutros dinossáurios em nome da religião.

Numa entrevista à Veja, Sereno, que fez algumas das suas descobertas no Brasil, o Jobaria, um herbívoro com 22 metros de comprimento entre elas, referiu-se à onda de criacionismo que varre os Estados Unidos e realçou o papel fundamental da divulgação científica para a debelar. «É triste que nos Estados Unidos de hoje, um país tão aberto, muita gente ainda veja a ciência com desconfiança», disse Sereno. Mas, como refere a Veja, a paleontologia encontra em Sereno um porta-voz capaz de perpetuar o legado de Stephen Jay Gould, e se existissem dúvidas este vídeo onde Paul Sereno descreve a sua descoberta dissipá-las-iam.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Mamutes e alterações climáticas



Em Maio do ano passado, Yuri Khudi, um pastor de renas da cidade de Nenets, encontrou na península de Iamal, no norte da Rússia, o corpo congelado de uma bébé mamute em excelente estado de conservação. Alexei Tikhonov, vice-director do Instituto de Zoologia da Academia Russa de Ciências, que participou de uma delegação que foi examinar a descoberta, (considerada uma das dez mais importantes de 2007 pelo Instituto Arqueológico da America), declarou então que:

«Em termos do seu estado de preservação, é a descoberta mais importante deste género».

Com 1.2 m e 50 kg, a bébé Lyuba morreu há cerca de 10 000 anos, no final da última Idade do Gelo, quando os gigantescos animais foram extintos do planeta. Em finais de Dezembro, o mamute foi enviado para a Universidade de Jikei, em Tóquio, onde foi sujeito a um estudo detalhado, que, como explicou Naoki Suzuki, que dirigiu a primeira parte da investigação, se espera consiga lançar luz sobre a extinção dos mamutes. De facto, as opiniões dividem-se sobre as causas que levaram à extinção deste parente dos actuais elefantes, sendo apontadas como possibilidades alterações climáticas, caça excessiva, doença ou mesmo uma explosão de supernova.

Uma equipa do Instituto Max Planck para a Antropologia Evolucionária em Leipzig, que incluiu Svante Pääbo, o especialista em genética «arqueológica», sequenciou ADN mitocondrial do mamute peludo, Mammuthus primigenius. O artigo «Multiplex amplification of the mammoth mitochondrial genome and the evolution of elephantidae», publicado na Nature em 2005, permitiu uma visão mais clara da evolução da família Elephantidae. Nomeadamente, revelou que o mamute era mais próximo do elefante asiático do que do elefante africano. Os mamutes e os elefantes africanos partilharam um ancestral comum há cerca de seis milhões de anos mas o elefante asiático só se separou dos mamutes cerca de quinhentos mil anos depois. Os mamutes extinguiram-se e o elefante indiano sobrevive.

Na opinião de Bernard Buigues, vice presidente do International Mammoth Committee, aparentemente foram alterações climáticas as causas da extinção dos mamutes, já que considera que «A descoberta da Lyuba é um evento histórico» continuando «Pode explicar-nos porque razão esta espécie não sobreviveu ... e lançar luz sobre o destino dos seres humanos».

A mesma opinião parece ser partilhada por Akito Arima, director do Museu de Ciência de Tóquio onde Lyuba se encontra em exibição até final do mês, que considera ser o aquecimento global que permitiu a descoberta do mamute bébé. A tundra siberiana, cujo solo até há uns anos permanecia congelado todo o ano, começa a descongelar e a revelar os fósseis de uma série de animais pré-históricos, como mamutes, rinocerontes peludos e leões das cavernas. Está igualmente a revelar outro tipo de vestígios deixados pelos gigantescos animais que a percorriam há milhares de anos.

De facto, os excrementos dos mamutes e restantes animais começam igualmente a descongelar e o problema não afecta apenas as narinas dos que estão expostos à recém revelada fragrância da tundra siberiana: de acordo com Sergei Zimov, que dirige a estação de Cherskii da Academia Russa de Ciência, à medida que descongelam, os resíduos orgânicos retidos nos solos começaram a ser degradados por bactérias. A tundra siberiana contém cerca de 500 biliões de toneladas de carbono à espera de serem transformadas em CO2 e metano - um gás de efeito de estufa com um factor de aquecimento global (Global Warming Factor, GWF) de 21.

Na Iakútia, a região do nordeste da Sibéria onde se situa a estação, a faixa de permafrost com solo do tempo dos mamutes cobre uma área equivalente às da França e da Alemanha somadas. Há ainda mais permafrost em outras regiões siberianas. Diria que mais que lançar luz sobre o destino dos seres humanos, os restos dos mamutes selarão esse destino se estes solos se degradarem. Não me parece provável que seja a recente proibição dos aquecedores de pátio que o evitará...

domingo, 27 de janeiro de 2008

Evolução e encefalização do homem


Este pequeno vídeo educativo ilustra o processo evolutivo da encefalização humana utilizando o registo fóssil de crânios de homínideos. Do ponto de vista neurofilogenético, a inteligência das espécies tem sido avaliada pela extensão das áreas associativas corticais, pela massa cerebral e especialmente pela relação massa cerebral/massa corporal ou índice de encefalização (I.E.), o indicador favorito da maioria dos antropólogos.

Apesar de este índice não ser um indicador absoluto de inteligência, especialmente se aplicado a pequenos animais cujas massas corporal e encefálica são acentuadamente baixas - por exemplo, um rato* tem um I.E. muito superior ao do Homo sapiens - é interessante analisar a evolução deste índice na árvore filogenética humana. Na tabela, que inclui o chimpanzé para comparação, são indicados valores médios calculados usando uma das muitas definições de IE.

Espécie Capacidade craniana /cm3 IE
A. afarensis 414 3.1
A. africanus 441 3.4
P. boisei 530 3.5
P. robustus 530 3.5
H. habilis 640 4.0
H. erectus (Java) 937 5.5
H. neanderthalensis 1450 7.8
H. sapiens 1350 7.6
P. troglodytes 395 2.6

Se analisarmos os dados da tabela, verificamos que durante o Plistocénico Inferior (há entre 1.8 milhões de anos a 750 000 anos) até ao Plistocénico Médio (750 000 a 400 000 anos atrás), o volume do cérebro duplica de 440 para 900 cm3 - modificando igualmente a forma do crânio, especialmente o frontal e o occipital. No Plistocénico Superior, há 400 a 100 mil anos, período em que viveram os últimos Homo erectus e os primeiros Homo sapiens, ocorreram as maiores alterações na reorganização das proporções cranianas. Ou seja, a tabela sugere que a evolução do homem é igualmente a evolução do cérebro, isto é, da encefalização.

Este aumento da dimensão do volume craniano associado ao desenvolvimento do bipedalismo teve algumas consequências não despiciendas, não só a nível da evolução das capacidades cognitivas humanas mas igualmente no desenvolvimento do nosso comportamento moral e social.

O desenvolvimento de um cérebro (e crânio) maior não acarretou apenas vantagens. Por um lado, um cérebro maior necessita de mais energia - o nosso cérebro consome cerca de 1/5 da energia que produzimos - ou seja, implica a necessidade de uma dieta mais energética, e por outro lado, como para um bipedalismo eficiente a pélvis humana é necessariamente mais estreita, a cabeça de um nascituro com gestação «normal» seria demasiado grande em relação à pélvis da mãe. Ou seja, o parto humano é assim um acontecimento muito arriscado, pois em relação às restantes espécies, para além de durante o nascimento a cabeça do feto ter de efectuar uma rotação complexa, o crânio do nascituro é comparativamente maior e a pélvis materna é menor.

Como consequência, o homem é o mamífero cujas crias nascem mais impreparadas para o mundo, numa fase em que o seu cérebro mal começou a desenvolver-se. Isto é, nos humanos o cérebro continua a crescer com taxas próximas às fetais durante cerca de 1 ano; nos outros mamíferos (incluindo os restantes primatas), o crescimento rápido do cérebro ocorre apenas antes do parto. Assim, todos os nascimentos humanos, como qualquer estudante de biologia sabe, poder-se-iam considerar abortos de fetos viáveis. Esse é quiçá o acaso da selecção natural que resultou no maior trunfo da Humanidade, aquele que permitiu a distinção do ser do Homem do ser dos demais animais, já que a selecção natural privilegiou os exemplares capazes de dar à luz fetos viáveis sensivelmente a meio do tempo de gestação «normal», fetos com poucas conexões neuronais estabelecidas mas a cujo nascimento uma maior percentagem de gestantes sobreviviam.

Este desenvolvimento cerebral extra-uterino é um trunfo que a evolução proporcionou porque é muito mais rico em estímulos e permite uma «programação» francamente mais diversa e flexível que a possível uterinamente. Boa parte dessa «programação» é efectuada durante os primeiros anos de vida, como os tristemente célebres casos de crianças selvagens indicam claramente. Um dos casos mais bem documentados, o da menina-lobo Kamala recuperada com 5 anos, mostra quão importantes são os estímulos externos no desenvolvimento de um ser humano e quão difícil é a «reprogramação» humana.

Por outro lado, os perigos associados ao parto humano levaram ao desenvolvimento de comportamentos sociais únicos nos humanos, nomeadamente no que respeita à necessidade de cooperação entre as fêmeas de um dado grupo na altura do parto e à relação mãe-cria.

No entanto, estudos comparativos entre o comportamento social humano e o de primatas não humanos, se por um lado revelam traços comportamentais que nos distinguem, revelam igualmente semelhanças impressionantes. De facto, a primatologia evidencia que os primatas não humanos apresentam padrões de sociabilidade onde se podem reconhecer a empatia, a reciprocidade e a simpatia, o altruísmo, a obediência a normas sociais - que incluem evitar conflitos dentro de um grupo -, o tratamento especial de inválidos e de doentes, entre outros elementos que tínhamos reservado para um dos nossos comportamentos mais específicos: o comportamento «moral».

Assim, é possível observar noutras espécies comportamentos sociais que evocam alguns dos tradicionalmente imputados a uma característica única dos humanos: a moral. Parece óbvio que a moral humana é uma consequência da evolução do homem, um sub-produto da evolução não só em «quantidade» mas em «qualidade» do cérebro humano. Não faz sentido postular mecanismos diferentes para o desenvolvimento de comportamentos semelhantes. Ou seja, tal como as capacidades cognitivas, as capacidades comportamentais únicas aos humanos evoluiram connosco ao longo de milhões de anos, isto é, decorrem da nossa evolução biológica, igualmente única.


*O cérebro humano apresenta uma superfície convoluta muito rara - com uma área neocortical, a zona utilizada para a resolução de problemas, de ~2275 cm2. A superfície do cérebro do rato é lisa. Ou seja, não é apenas o IE que interessa; interessa especialmente a «composição» do cérebro.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Paleontologia molhada



Neste vídeo, Tyler Keillor explica como preparou o modelo do Tiktaalik, o fóssil de uma espécie de transição peixe - anfíbio (tetrápode) descoberto pelo paleontólogo Neil Shubin.

E falando em Shubin, este descreveu num post convidado no Pharyngula as suas impressões sobre a ida ao Colbert Report. Apesar de nos confessar ter ficado aterrorizado com o convite e tão nervoso que dormiu muito mal na véspera da gravação, diria que não se nota no produto final. E embora a bloggingheads.tv não tenha o impacto do Comedy Channel, certamente que ajudou falar sobre «Paleontologia Molhada» num Science Saturdays. Achei especialmente interessante o trecho em que Shubin discute «The problem with the idea of a missing link».

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Gravado na Pedra: Registo Fóssil e Evolução



Realiza-se hoje pelas 21h30mn na Galeria Matos Ferreira uma palestra simplesmente a não perder. O paleontólogo Carlos Marques da Silva do Dep. de Geologia da Faculdade de Ciências da UL «abordará a Evolução Biológica e a Teoria da Evolução Biológica e, com base em exemplos paleontológicos, retirados do registo fóssil, abordará conceitos evolutivos básicos, evidências concretas e, espera-se, desmistificará mitos e desfará equívocos da Evolução.»

A palestra «Gravado na Pedra: Registo Fóssil e Evolução» integra o ciclo «Do Grão ao Planeta». Mais informações no Ciência ao Natural, outro blog de divulgação de ciência associado ao Público.

sábado, 15 de dezembro de 2007

As armaduras da evolução

Dentro de pouco mais de um ano, em 12 de Fevereiro de 2009, celebra-se o bicentenário do nascimento de Charles Robert Darwin, ano em que se assinalam igualmente os 150 anos de publicação de «A Origem das Espécies», livro que marcou profundamente toda a ciência e a forma como descrevemos o mundo.

Na génese do livro está a viagem que um Darwin de apenas 22 anos iniciou a bordo do HMS Beagle. Recomendado por John Stevens Henslow, seu profesor em Cambridge, Darwin embarcou no Beagle a 27 de Dezembro de 1831 numa expedição à volta do mundo que durou quase cinco anos, até 2 de Outubro de 1836. Durante a viagem Darwin leu os «Princípios da Geologia» de Charles Lyell - que seria posteriormente um defensor do evolucionismo, nomeadamente no livro «A Evidência Geológica da Antiguidade do Homem», publicado em 1863. Lyell descrevia as características geológicas da Terra como o resultado de processos graduais ocorrendo ao longo de grandes períodos de tempo e não de acontecimentos catastróficos e repentinos.

O Beagle percorreu as costas atlântica e pacífica da América do sul o que permitiu a Darwin a realização de expedições terrestres para recolher exemplares da fauna e da flora locais. Nestas expedições, Darwin encontrou, entre outros, fósseis de animais extintos como o megaterium e o gliptodonte em camadas que não mostravam quaisquer sinais de catástrofe ou mudanças climáticas. Inicialmente Darwin pensou serem esses animais fossilizados similares a outros encontrados em África mas, após o seu regresso, Richard Owen mostrou-lhe que estes fósseis eram mais parecidos com animais não extintos que viviam na mesma região (preguiças e tatus).

Na primeira edição de «A Viagem do Beagle», a influência de Lyell pode apreciar-se na adopção por Darwin da teoria de Lyell de «centros de criação» para explicar a distribuição das espécies que encontrou. Em edições posteriores, a fauna encontrada nas Ilhas Galápagos era já evidência para Darwin da evolução que seria consagrada com «A Origem das Espécies»: «é possível imaginar que algumas espécies de aves neste arquipélago derivam de um número pequeno de espécies de aves encontradas originalmente e que se modificaram para diferentes finalidades».

Não parece improvável que os fósseis do gliptodonte, um «parente» dos tatus, que se extinguiu por volta da época em que se pensa que o homem chegou ao continente americano e que com os seus cerca de 3 metros de comprimento e peso de aproximadamente 1.4 toneladas mais parecia um tanque de assalto, tenham ajudado ao estabelecimento da teoria da evolução.

Na edição de quarta feira da revista «Journal of Vertebrate Paleontology» é descrito no artigo «A New Basal Glyptodontid and other Xenarthra of the Early Miocene Chucal Fauna, Northern Chile» o fóssil de um ancestral do gliptodonte com cerca de 18 milhões de anos, descoberto em 2004 na região Salar de Surire, no altiplano chileno, a 4.300 metros de altitude.

A nova espécie, baptizada Parapropalaehoplophorus septentrionalis, com cerca de um metro de comprimento e 90 kg, de acordo com um dos paleontólogos, «Pareceria uma mistura entre uma tartaruga e um tatu, mas claro que está mais relacionada com os tatus».

A equipa de paleontólogos da Universidade Case Western Reserve, do Museu Americano de História Natural e da Universidade da Califórnia em Santa Barbara que descobriu e estudou o fóssil acredita que esta área dos Andes, o habitat da fauna Chucal - cerca de 18 espécies extintas evidenciadas pelo registo fóssil encontrado na região - e a maior elevação no hemisfério ocidental em que se descobriram fósseis de vertebrados, era uma savana aberta cerca de mil metros acima do nível do mar quando os mamíferos que descobriram viveram no local, há 18 milhões de anos.

Como referiu John Flynn do Museu Americano de História Natural em Nova Iorque, «Os nossos e outros estudos no Altiplano [chileno] sugerem que a região se encontrava a uma muito mais baixa altitude, fornecendo novos dados para o timing e taxa de elevação dos Andes». Ou seja, o estudo agora publicado é apenas mais um que esclarece detalhes da teoria mais marcante do século XIX e de uma das teorias que a influenciou, as evoluções biológica e geológica de Darwin e Lyell.

Na imagem: uma reconstituição do P. septentrionalis, crédito de Velizar Simeonovski.

SOBRE O GRANITO E A SUA ORIGEM, NUMA CONVERSA TERRA-A-TERRA.

Por A. Galopim de Carvalho Paisagem granítica na Serra da Gardunha. Já dissemos que não há um, mas sim, vários tipos de rochas a que o vulgo...