Mostrar mensagens com a etiqueta sonho. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta sonho. Mostrar todas as mensagens

terça-feira, 9 de abril de 2013

«VER» OS SONHOS

Crónica publicada primeiramente no Diário de Coimbra e em outra imprensa regional.


“Eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida”, disse-nos um dia o poeta cientista António Gedeão.

Alguns neurocientistas actuais que estudam a evolução do cérebro e das competências que nos tornam especificamente humanos, consideram, como hipótese de trabalho, ter sido o sonho a antecâmara da consciência.

Vejamos por partes. Considerando o sono uma função natural que é resultado de um estado funcional particular do cérebro, ele é tão importante para a sua boa saúde como é natural a necessidade de respirar. Durante o sono, enquanto o corpo restante está em repouso relaxado, o cérebro apresenta uma actividade considerável. Uma dessas actividades em particular caracteriza-se por períodos designados por sono REM (rapid eye movements, ou movimento rápido dos olhos) que, sendo breve, se repete quatro ou cinco vezes durante uma noite de sono. Nestes períodos sonhamos.

Não cabe aqui analisar nem rever as inúmeras teorias interpretativas sobre os sonhos. Mas há espaço para divulgar a ideia de que ao longo da longa noite da evolução da mente humana (em rigor, dos animais com cérebro) esses momentos oníricos (do grego óneiros, que significa sonho) exercitaram a capacidade de o cérebro interligar sensações experienciadas durante o estado de vigília e retidas em memórias, criando composições integradas ou imaginadas mas desligadas do nexo da realidade sensorial. 

Estes períodos (sonhos) de composição e integração de memórias aparentemente desconexas podem ter robustecido o tear das vias neuronais que, fora do sono, durante a vigília, se foram consolidando para produzirem uma nova aptidão para o cérebro: a capacidade de gerar pensamentos conscientes e eventualmente independentes da realidade sensorial. Assim o sonho fora a antecâmara da capacidade de pensar concreta ou abstractamente!

Investigar os sonhos sempre foi um tema interessante e por vezes decisivo para o destino de civilizações. Por isso é com entusiasmo que se divulga o artigo que uma equipa de Investigadores Japoneses publicou, na edição online de dia 4 de Abril da prestigiada revista Science. Nele são apresentados os resultados do estudo efectuado por imagiologia por ressonância magnética funcional (fMRI) de pessoas a sonhar. Através do uso de um algoritmo para isso desenvolvido, os investigadores foram capazes de descodificar a actividade cerebral e prever com uma precisão de cerca de 60% as imagens que as pessoas estudadas estiveram a sonhar!

Esta visualização dos sonhos, agora possível pelo grande desenvolvimento verificado nas técnicas de imagiologia cerebral nas últimas décadas, poderá permitir novas ferramentas de diagnóstico de perturbações e patologias numa maior aproximação a cada caso individual. Na realidade, esta nova ferramenta permite dizer-nos que não sabemos ainda o que vamos encontrar, que ilhas ou continentes os neurocientistas vão descobrir no mar dos sonhos.

A publicação deste artigo surge na mesma semana em que os EUA, pela pessoa do seu Presidente Barack Obama, acabam de anunciar o orçamento (100 milhões de dólares para o ano 2014) para um novo e ambicioso programa de investigação em neurociências. O projecto, apresentado pela desiganção “Brain Research Through Advancing Innovative Neurotechnologies”, ou simplesmente “BRAIN, visa “acelerar o desenvolvimento e aplicação de novas tecnologias que permitam aos investigadores produzir imagens dinâmicas do cérebro, mostrando como as células individuais e os sistemas neurais complexos interagem à velocidade do pensamento”.

Abrem-se novos meios para descobrir o futuro do conhecimento. É o cérebro a decidir conhecer-se a si próprio. A desvendar o sonho imemorial da nossa evolução.

António Piedade

terça-feira, 20 de março de 2012

Livros com química: a memória, o sono e o sonho

A propósito da Semana Internacional do Cérebro, e ainda com base na palestra Livros com Química, recordo alguns livros que nos podem conduzir à química da memória, sono e sonho.

O livro Cem anos de Solidão de Gabriel Garcia Marques, escrito em 1967, começa da seguinte forma:

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendia havia de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou para conhecer o gelo.

Não é dito se o gelo que trazem os ciganos foi ou não obtido de forma artificial, embora muito provavelmente não tenha sido. A produção artificial de gelo só pôde começar a ser realizada em larga escala com os estudos termodinâmicos sobre a expansão dos gases. E, embora lá pelo meio do livro, alguns dos filhos do coronel acabem por ter uma fábrica de gelo, não temos pormenores sobre esta no livro. Também no início do livro, o cigano Melquíades traz utensílios para a construção de um laboratório rudimentar de alquimia e, ao longo da narrativa, este laboratório, assim como alguns resultados alquímicos, vão reaparecendo. Porque se lembrou daquele momento da sua infância o Coronel? A química da criação das memórias e do seu apagamento vai começando agora a ser desvendada. Se a impressão e a atenção que devotamos a um assunto ou situação são importantes, uma proteína conhecida como CREB e um neurotransmissor, a anandamina, parecem ter um papel importante no mecanismo bioquímico de fixação e apagamento das memórias.

É muito curioso, numa dada altura da história, o surgimento da peste da insónia, uma doença de realidade fantástica, que leva à perda da memória. Para evitar o esquecimento, colocam-se etiquetas com os nomes nas coisas, depois completadas com instruções de funcionamento. Por exemplo, isto é uma vaca, tem de se ordenhar. No meio de Macondo coloca-se a placa Deus existe. É feita uma máquina que permite recapitular todos os dias todos os conhecimentos, mas o poder do esquecimento é enorme. Os que queriam dormir, não por cansaço, mas por saudades dos sonhos, recorriam a todo o tipo de métodos de esgotamento. Esta parte do livro, leva-nos através do realismo mágico do autor, às questões do sono, da memória e do sonho. Por que dormimos e sonhamos? Qual é a relação entre o sono e a memória?

A química do sono e dos sonhos é fascinante e tem, na verdade, alguma relação com a memória. A adenosina tem um papel importante em lembrar que está na hora de dormir, embora pareçam existir vários mecanismos cerebrais responsáveis pelo sono. Durante o sono são produzidas menores quantidades dos neurotransmissores serotonina e norepinefrina e os processos nervosos são controlados essencialmente pela acetilcolina, a qual está na origem dos sonhos. Finalmente, o sono parece ser muito importante na formação das memórias e tanto o excesso como a baixa de acetilcolina parecem ter reflexos negativos nesta.

Ao longo do livro encontramos também vários venenos e remédios: noz-vómica, acónito, arsénico, etc. E as compressas de arnica revelam ser um remédio universal para as inflamações. Vamos encontrar este remédio também n'Os Maias de Eça de Queiroz (uma obra de que falaremos noutra altura) no episódio tragicómico que imagina Ega sobre a violência doméstica, seguida de reconciliação dos Cohen. Não nos surpreende que Ega possa imaginar e visualizar cenas que não está a ver ou nunca viu, porque fazemos coisas idênticas a todo o momento mas, se pararmos um pouco para pensar, trata-se de uma coisa verdadeiramente notável, cuja química não deve ser muito diferente da que está envolvida nos sonhos e memória.

Mas voltando aos sonhos. Um dos livros mais influentes de Freud é a Interpretação dos Sonhos. Freud, que começou a sua carreira na química, passou para a zoologia e finalmente chegou à medicina, em muitos aspectos estava errado como têm demonstrado a neurofisiologia e a neuroquímica, e, nas suas experiências, estava muitas vezes mais próximo do Dr. Jekyll de Stevenson que de um cientista moderno. De qualquer forma, dado o seu primeiro interesse científico, não é de estranhar que haja bastantes referências à química e a produtos químicos nesse livro. Curiosamente, um dos sonhos do livro é o do jovem químico que quer livrar-se do que considera ser um vício desagradável, tentando alterar o seu comportamento social. Este sonha com um determinado tipo de reacções químicas, depois de um aluno ter tido um acidente no laboratório. Freud associa e interpreta todos estes dados de uma forma bastante criativa, vingando-se assim, quem sabe, de uma forma verdadeiramente freudiana do seu amor juvenil não correspondido pela química, algo que Freud não parece ter esquecido tão facilmente como as cartas para pessoas de quem não gostava.

Se esquecer algo pode ser mau, nunca esquecer pode ser muito pior. Em Funes o memorioso, um conto de Jorge Luis Borges, a questão do apagamento da memória revela-se de uma forma trágica, mostrando a importância fundamental do esquecimento. Funes memoriza todos os pormenores de tudo e não consegue esquecer nada. A sua memória acaba por ser, diz, uma lixeira. Para não sermos como Funes, temos a CREB e a anandamina para memorizar e esquecer, adormecemos com a adenosina e sonhamos com a dose certa de acetilcolina. E, como é óbvio, os mecanismos do sono, sonho e memória são muito mais complexos do que parecem aqui e há, com certeza, muitas coisas que ainda não sabemos sobre a química do cérebro.

SOBRE O GRANITO E A SUA ORIGEM, NUMA CONVERSA TERRA-A-TERRA.

Por A. Galopim de Carvalho Paisagem granítica na Serra da Gardunha. Já dissemos que não há um, mas sim, vários tipos de rochas a que o vulgo...