
Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendia havia de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou para conhecer o gelo.
Não é dito se o gelo que trazem os ciganos foi ou não obtido de forma artificial, embora muito provavelmente não tenha sido. A produção artificial de gelo só pôde começar a ser realizada em larga escala com os estudos termodinâmicos sobre a expansão dos gases. E, embora lá pelo meio do livro, alguns dos filhos do coronel acabem por ter uma fábrica de gelo, não temos pormenores sobre esta no livro. Também no início do livro, o cigano Melquíades traz utensílios para a construção de um laboratório rudimentar de alquimia e, ao longo da narrativa, este laboratório, assim como alguns resultados alquímicos, vão reaparecendo. Porque se lembrou daquele momento da sua infância o Coronel? A química da criação das memórias e do seu apagamento vai começando agora a ser desvendada. Se a impressão e a atenção que devotamos a um assunto ou situação são importantes, uma proteína conhecida como CREB e um neurotransmissor, a anandamina, parecem ter um papel importante no mecanismo bioquímico de fixação e apagamento das memórias.
É muito curioso, numa dada altura da história, o surgimento da peste da insónia, uma doença de realidade fantástica, que leva à perda da memória. Para evitar o esquecimento, colocam-se etiquetas com os nomes nas coisas, depois completadas com instruções de funcionamento. Por exemplo, isto é uma vaca, tem de se ordenhar. No meio de Macondo coloca-se a placa Deus existe. É feita uma máquina que permite recapitular todos os dias todos os conhecimentos, mas o poder do esquecimento é enorme. Os que queriam dormir, não por cansaço, mas por saudades dos sonhos, recorriam a todo o tipo de métodos de esgotamento. Esta parte do livro, leva-nos através do realismo mágico do autor, às questões do sono, da memória e do sonho. Por que dormimos e sonhamos? Qual é a relação entre o sono e a memória?
A química do sono e dos sonhos é fascinante e tem, na verdade, alguma relação com a memória. A adenosina tem um papel importante em lembrar que está na hora de dormir, embora pareçam existir vários mecanismos cerebrais responsáveis pelo sono. Durante o sono são produzidas menores quantidades dos neurotransmissores serotonina e norepinefrina e os processos nervosos são controlados essencialmente pela acetilcolina, a qual está na origem dos sonhos. Finalmente, o sono parece ser muito importante na formação das memórias e tanto o excesso como a baixa de acetilcolina parecem ter reflexos negativos nesta.
Ao longo do livro encontramos também vários venenos e remédios: noz-vómica, acónito, arsénico, etc. E as compressas de arnica revelam ser um remédio universal para as inflamações. Vamos encontrar este remédio também n'Os Maias de Eça de Queiroz (uma obra de que falaremos noutra altura) no episódio tragicómico que imagina Ega sobre a violência doméstica, seguida de reconciliação dos Cohen. Não nos surpreende que Ega possa imaginar e visualizar cenas que não está a ver ou nunca viu, porque fazemos coisas idênticas a todo o momento mas, se pararmos um pouco para pensar, trata-se de uma coisa verdadeiramente notável, cuja química não deve ser muito diferente da que está envolvida nos sonhos e memória.


2 comentários:
O consumo de "ritalina" no Brasil alcançou índice de 300% em sendo que está substância deveria ser indicada somente para distúrbio de aprendizagem (freiar a dinâmica).
Enviar um comentário