Novo post de António Mota de Aguiar (na imagem, estátua de Sousa Martins em Lisboa, ao antigo Campo de Santana, hoje Campo dos Mártires da Pátria):
A primeira metade do século XX deu a Portugal numerosos e competentes cientistas. Já neste blogue descrevemos os currículos de alguns físicos, matemáticos, biólogos, médicos e astrónomos, que se destacaram pelos seus trabalhos nas décadas de 30 e 40 deste século. Mas o limiar do século ficou marcado por uma geração médica que dignificou a História da medicina do nosso país.
Três figuras marcaram o fim do século XIX: Manuel Bento de Sousa (1835-1899), José Tomás de Sousa Martins (1843-1887) e Miguel Bombarda (1815-1910) . Este último, foi professor e director do Hospital Rilhafoles em Lisboa e, graças ao seu empenho, e ao de Sousa Martins, criaram, respectivamente, em 1882 e 1897, o Instituto Bacteriológico e o Laboratório de Histologia, este último no Hospital Rilhafoles, tendo Miguel Bombarda nomeado Marck Athias para o dirigir. Diga-se, contudo, que estes três homens não foram cientistas nem experimentadores, mas essencialmente clínicos, oradores e polemistas. Porém, a sua acção na sociedade portuguesa de então e a criação das duas instituições mencionadas estiveram na base dos posteriores avanços da medicina em Portugal.
A medicina lisboeta do final deste século era essencialmente clínica e baseada no velho Hospital de S. José; a Escola Médico Cirúrgica estava instalada, em condições precárias, numa espécie de barracão, ao lado do Hospital, como escreveu Jaime Celestino da Costa (1915-2010).
Por esta altura, ouviam-se vocês discordantes que alertavam para o nosso atraso e avançavam soluções, como, por exemplo, Ricardo Jorge (1858-1939), que propunha soluções para a reforma do professorado e sua especialização técnica, pondo em evidência que “o grande mal, o maior mal, não é o analfabetismo, é o iletrismo das classes dirigentes”. “A um século de distância, o conceito parece-nos bastante actual”, conclui Jaime Celestino da Costa.
“Éramos parasitas da ciência alheia”, escreve ainda o mesmo professor, “…situação contra a qual os jovens queriam lutar. Mas iam contar com o apoio de grandes inovadores que tinham fugido ao iletrismo nacional”.
Foi graças a estes grandes inovadores que, em 1911, a Assembleia da República promulgava duas leis de importância decisiva. A 22 de Fevereiro a que reformava os estudos médicos, a 24 de Março a que criava novas Universidades e novas Faculdades. As Escolas Médicas de Lisboa e Porto transformaram-se em Faculdades, com estatuto universitário.
O psiquiatra e professor da Universidade de Coimbra Sobral Cid (1877-1941), na sua oração de sapiência, proferida em 1925, diz o seguinte:
“…seria injustiça, (…) não dar o devido relevo ao papel primordial da Régia Escola de Cirurgia de Lisboa, na regeneração do ensino superior. Usando larga e inteligentemente da lei de autonomia promulgada em 1907 pelo governo ditatorial do Conselheiro João Franco, a Escola Médica de Lisboa reformava-se a si mesmo e por si própria, antecipando-se e avantajando-se no campo das relações práticas, a todos os outros estabelecimentos de ensino superior. Foi uma admirável obra colectiva, em que todos os professores da época tiveram um quinhão de glória” .
Os fundadores (herdeiros das duas instituições cridas por Sousa Martins e Miguel Bombarda) desta nova medicina portuguesa foram Câmara Pestana (1863-1899) e Marck Athias (1875-1948). Os dois aperceberam-se da relevância de duas disciplinas nascidas da microscopia: a bateriologia e a histologia. Câmara Pestana, fundou, em 1892, o Instituto Bacteriológico que tem o seu nome, o qual, em virtude da sua morte prematura, aos 36 anos, vítima da epidemia da peste bubónica, levou o seu sucessor, Aníbal Bettencourt (1868-1930) a defender e desenvolver a sua obra.
No Laboratório de Histologia, Marck Athias deu um relevante impulso à investigação biológica, e contam-se como seus discípulos, Augusto Celestino da Costa (1884-1956), Geraldino de Brites e Abel Salazar (1889-1946), entre outros.
Desta geração áurea da medicina portuguesa, além dos nomes já citados, fazem parte:
Francisco Gentil (1878-1964), Azevedo Neves (1877-1955), Sílvio Rebello (1879-1933), Henrique Vilhena (1879-1958), Egas Moniz (1874-1955), Gama Pinto (1853-1945), Reynaldo dos Santos (1880-1970), Pulido Valente (1884-1963), Eduardo Mota (1817-1912), Carlos May Figueira (1829-1913), Sabino Coelho (1853-1938), Oliveira Feijão (1850-1918), José António Serrano (1851-1904), Silva Amado (1846-1925), Curry Cabral (1844-1920), Custódio Cabeça (1866-1936), Alfredo da Costa (1859-1910), José Gentil (1870-1941), Ferraz de Macedo (1838-1907), Bello Moraes (1868-1933), Moreira Júnior (1866-1952), Bettencourt Pita (1826-1907), Bettencourt Raposo (1853-1937), Sílvio Rachello (1879-1938), Salazar de Sousa (1871-1940), Carlos Tavares (1857-1913), Augusto Vasconcelos (1867-1951), Ferreira de Mira (1875-1953), e muitos outros.
“Obra colectiva, de grupo, rara entre nós, era a reforma espontânea de uma escola, coisa também rara e conduzida, coisa ainda mais rara, por um grupo de homens preparados – porque tinham procurado ser competentes” , escreveu Jaime Celestino da Costa.
Num outro texto, diz-nos ainda o mesmo professor:
“O movimento singular da geração de 1911 foi um caso especial – um oásis no contexto nacional – mas não podia sozinho mudar o rumo da história pátria”..
António Mota de Aguiar
2 comentários:
Cama-se CAMPO MARTIRES DA PATRIA !
Excelente trabalho sobre uma época relevante na História da Medicina Portuguesa! J. Figueiredo Lima
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