domingo, 18 de março de 2012

Sobre Ferreira de Mira (1875-1953)

Mais um post de António Mota de Aguiar sobre a história da ciência no século XX (na foto, Ferreira de Mira):

Mathias Boleto Ferreira de Mira, nasceu em Canha (Montijo) e estudou em Lisboa na Escola Médico-Cirúrgica, onde terminou o seu curso em 1898. Depois de uma curta passagem pelo Hospital da Misericórdia da vila de Canha, veio residir para Lisboa em 1910, e, já no âmbito das actividades da nova Faculdade de Medicina de Lisboa, assumiu, em 1912, a cadeira de segundo Assistente provisório de Fisiologia.

Esta data marca o começo da brilhante carreira científica de Ferreira de Mira, primeiro, regendo cursos práticos de Fisiologia e Química biológica, a seguir, como investigador científico, mas não só, porque também exerceu funções no Município de Lisboa no pelouro da Instrução primária, além de ter sido deputado à Assembleia da República de 1921 a 1923.

A sua carreira de jornalista começa por volta de 1912, essencialmente nos jornais A Lucta, Diário de Notícias e Seara Nova, onde escreveu dezenas de artigos de vulgarização científica, na área da biologia e de outras ciências.

O Professor Luís Rebelo, da Faculdade de Medicina de Lisboa, considera “Ferreira de Mira, à época o mais importante historiador de medicina portuguesa (…)” e, sem dúvida, não se enganou, pois, por essa altura, Ferreira de Mira tinha um muito atento leitor, o multimilionário Bento da Rocha Cabral (1847-1921), que lhe iria deixar em testamento uma considerável fortuna para obras de investimento científico.

Contudo, não se pode falar de Ferreira de Mira sem o inserir na geração médica de 1911, que elevou a medicina portuguesa ao mais alto nível do que havia de melhor pelo mundo. Geração essa que arrancou, ainda no século anterior, com Sousa Martins e Miguel Bombarda e que, participando activamente na Assembleia da República, promulgou, em 1911, as leis que reformavam os estudos médicos e criavam novas Universidades e novas Faculdades, pondo fim às escolas médicas de Lisboa e Porto, que se transformaram em Faculdades, com estatuto universitário.

Em 1911 estava constituída, em pessoas e instalações, a nova Faculdade de Medicina de Lisboa com as suas cadeiras laboratoriais:

“Era um real progresso, uma transformação quase milagrosa dum ensino e duma medicina anacrónicos, numa medicina francamente moderna; dum espírito decadente passara-se a um espírito empreendedor e progressivo; de instalações decrépitas passava-se a um edifício moderno e de bela arquitectura; duma medicina parasitária a uma ciência com expressão própria. Evolução duma medicina provinciana e fechada para uma ciência médica que transpôs as fronteiras nos dois sentidos”.

É no quadro das transformações ocorridas, como acima nos diz Jaime Celestino da Costa, que devemos compreender a acção científica de Ferreira de Mira, e diria mais, é neste quadro que podemos compreender que o transmontano Bento da Rocha Cabral, emigrante no Brasil, no fim da vida, regressa à sua terra e doa a um desconhecido – Ferreira de Mira – uma soma astronómica de dinheiro e bens com o fim de levar a cabo investigação científica em biologia. Um oásis de esperança no contexto nacional!

Foi no âmbito das actividades da recém-criada Faculdade de Medicina de Lisboa que foram criados os seguintes Institutos:

- O Instituto de Farmacologia e Terapêutica Geral, fundado por Sílvio Rebello (mais tarde por Toscano Rico e Gomes da Costa).

- O Instituto de Histologia e Embriologia, fundado por Augusto Celestino da Costa (com Pedro Roberto Chaves, Alfredo Magalhães Ramalho e Simões Raposo).

- O Instituto de Anatomia, fundado por Henrique de Vilhena (com Vítor Fontes e Barbosa Sueiro).

- O Instituto de Anatomia Patológica e Patologia Geral, fundado por António Pinto de Magalhães (falecido prematuramente).

- O Instituto de Fisiologia e Química Fisiológica, fundado por Marck Athias (com Joaquim Fontes e Ferreira de Mira).

Este instituto foi um importante centro de investigação e aprendizagem para o qual Ferreira de Mira deu uma importante contribuição. Certamente lhe terá servido esta experiência quando, anos mais tarde, fundou o Instituto de Investigação Científica Bento da Rocha Cabral.

Ferreira de Mira tem uma vasta obra de trabalhos de investigação científica, principalmente sobre a fisiologia das cápsulas suprarrenais, publicados em revistas portuguesas e estrangeiras da especialidade, muitos destes trabalhos foram feitos em colaboração com Joaquim Fontes.

Escreveu livros didácticos: Lições de Químico-Fisiologia elementar; Exercícios de Química Fisiológica, de colaboração com Marc Athias; Manual de Química Fisiológica; Química Geral e Química Orgânica, de colaboração com Pereira Forjaz e Kurt Jacobsohn, etc.

Escreveu também livros de divulgação científica, muitas crónicas científicas e deu dezenas de conferências sobre temas científicos.

Ferreira de Mira tinha cerca de 45 anos quando, por volta de 1920, soube da herança que recebia de Bento da Rocha Cabral. Por isso, a sua obra científica, a partir desta data, está ligada ao instituto do mecenas. Olhando para as actividades do Instituto Rocha Cabral, iniciadas no começo dos anos 20, podemos seguir a obra de Ferreira de Mira, cientista da geração médica portuguesa de 1911.

António Mota de Aguiar

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