“As leis mal feitas constituem a pior forma de tirania” (Edmund Burke, 1729-1797).
Embora, de certo modo, já esperada, deparei-me, anteontem, em título de 1.ª página, no “Correio da Manhã”, com a alarmante notícia : “Pensões do Estado em buraco de 10 milhões/dia”.
É natural, portanto, que eventuais leitores se interroguem sobre algumas das possíveis causas deste buraco orçamental. Por ser do meu melhor conhecimento, reporto-me, apenas, a uma relativa importância relacionada com as aposentações e o exercício da actividade docente. Segundo o artigo 120.º, do Decreto-Lei 139A/90, de 28 de Abril (“Estatuto da Carreira Docente Não Superior”), sendo ao tempo Roberto Carneiro Ministro da Educação, discutido e publicado em clima de verdadeira exigência e pressão sindical, para os docentes de Educação Pré-Escolar e do 1.º Ciclo do Ensino Básico, para o efeitos de aposentação, passaram a ser exigidos, apenas, 30 anos de serviço e 55 anos de idade ou 32 anos de serviço e 52 de idade. Em contrapartida, para os professores dos 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário foi aplicado, em medida draconiana, o regime de aposentação dos Funcionários e Agentes da Administração Pública: 60 anos de idade e 36 anos de serviço.
Assistiram, com lamentável apatia, os professores licenciados a todo este avanço em benefício de certos associados e dirigentes sindicais. Quiçá, esperançados que a falta de pudor não poderia chegar tão longe ou rendidos a um fatalismo pessoano: “Quanto é melhor, quando há bruma. / Esperar por D. Sebastião. /Quer venha ou não”. Desta forma, repiso, só tardiamente despertaram os professores, com maiores habilitações académicas, desta espécie de estupor ao se aperceberam, finalmente, ter chegado a hora de pugnar por um Estado de direito em que se deve legislar em critérios de justiça e não segundo os interesses de estratos profissionais fortemente apoiados num sindicalismo fortemente politizado pela Fenprof. Diga-se em abono da verdade, que este statu quo teve o apoio de outros sindicatos docentes representantes de uma grande heterogeneidade de associados com diferentes formações académicas – na sua maioria, diplomados pelas Escolas do Magistério Primário - e, evidentemente, com soluções pouco condizentes por diferentes serem os problemas da sua massa associativa.
Entretanto, tarde e a más horas, só através da criação da extinta Associação Nacional de Professores Licenciados (ANPL), génese do actual Sindicato Nacional dos Professores Licenciados (SNPL), os professores licenciados por universidades reagiram em defesa do seus direitos perante uma justiça com dois pratos de balança e de olhos vendados. Como escreveu Camilo, “há lágrimas espremidas pelas mãos da prepotênciae a lei acobarda-se de levar aos olhos dos fracos o lenço que vela os olhos da justiça”.
Mas as aberrações não se ficaram por aqui. A Lei 50/90, de25 de Agosto, veio conceder aos antigos docentes do ensino primário e trabalhos manuais, por exemplo, condições para obterem o grau académico de licenciado, através da frequência dos Cursos Complementares de Formação das ESE, igualmente ministrados em escassos meses “em escolas de pseudo-ensino superior privado, criadas recentemente, ainda não homologadas, mas já a funcionar, e cujo nível dos cursos ministrados nada tem a ver com o de um 4.º ano de ensino superior” (“Boletim de Informação”, da ANPL, Janeiro/92). E mais é aí acrescentado: “Muitos dos candidatos a estes cursos não têm as habilitações para ingresso no Ensino Superior”.
Aliás, encontrei inesperado respaldo para o facilitismo como eram criadas, em hora de verdadeiro regabofe, essas “escolas superiores”, no testemunho de José João Lucas, dirigente do Sindicato de Professores da Região Centro, pertencente à Fenprof, quando este escreve: “Uma escola superior não se monta como se fosse uma mercearia” ("Diário de Coimbra”,01/11/1991).
Curiosamente, pouco tempo mais tarde, entrou em funcionamento a Universidade Independente (1993), encerrada compulsivamente em longo estertor e escândalo público (2007) tendo-se aí licenciado os antigos governantes do PS José Sócrates e Armando Vara, respectivamente em Engenharia Civil e em Relações Internacionais.
As referidas escolas de complemento de habilitações tiveram uma quota-parte de responsabilidade no estado actual de verdadeiro buraco orçamental em que se encontram as pensões do Estado. Explico porquê. Os docentes não licenciados que se dirigiram, escasso tempo antes da sua aposentação, a uma dessas escolas passaram a ter a reforma atribuída ao 10.º escalão da carreira docente, embora tivessem descontado até então a quota correspondente ao respectivo 9.º escalão. Dificilmente a Caixa Geral de Aposentações deixaria de não reflectir negativamente o facto de haver docentes reformados com apenas 55 anos de idade que descontaram quase até ao final da sua carreira quantias correspondentes ao vencimento do 9.º escalão vindo a beneficiar, por portas travessas, de reformas iguais às dos licenciados posicionados com toda ajustiça e esforço próprio em reformas correspondentes ao 10.º escalão.
O reflexo desta situação (não nos esqueçamos que as grandes enxurradas podem começar por pequenas gotas de água) está à vista de toda a gente: aqueles que mais estudaram, mais trabalharam e mais descontaram passaram a ter idêntica reforma aos que menos estudaram, menos trabalharam e menos descontaram como se a justiça consistisse em igualar desiguais. Ora, como nos ensina o antigo reitor da Universidade de Coimbra e catedrático de Direito Rui Alarcão, “o princípio da igualdade, que está na Constituição, significa que o que é igual deve ser tratado igualmente e o que é desigual deve ser tratado desigualmente”.
Nada disto seria assim tão trágico não se desse o caso de as reformas futuras dos jovens portugueses, nossos filhos e netos, em face destas circunstâncias, passarem a ser profundamente desvalorizadas ou mesmo inexistentes. Ou seja, mais uma vez, como soe dizer-se, pagará o justo pelo pecador!
1 comentário:
A falta de responsabilidade, o anseio da regalia imediata, e do principio do quem vier atras que feche a porta,está entranhado na nossa forma de ser e estar.O resultado não podia ser outro.
Mas porque razão o Estado não entrega a percentagem dos 22% dos encargos sociais dos seus funcionários à CGA?
Um privado é objecto de processo crime e acção de penhora.
Desde 2008 que não o faz.Sócrates nisto era especialista.Estes parecem seguir-lhe as pegadas.
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