segunda-feira, 5 de março de 2012

Convite a ler "Poeira da Alma"


Com uma capa um pouco diferente do que é costume, acaba de sair na colecção "Ciência Aberta" da Gradiva (n.º 183) , um livro com o título "Poeira da Alma" e o subtítulo "Amagia da consciência", da autoria de Nicholas Humphrey, professor inglês de Psicologia. Transcrevemos aqui o "Convite" escrito pelo autor no início da obra, que vem recomendada na capa por João Lobo Antunes:

"Há uns anos escrevi um pequeno livro — Seeing Red: A Study in Consciousness — que teve críticas inesperadamente boas, mesmo de colegas meus. Digo «inesperadamente», porque no campo que passou a ser conhecido como «estudos sobre a consciência» é habitual os académicos desdenharem das ideias uns dos outros. O psicólogo Walter Mischel observou ironicamente: «Os psicólogos tratam as teorias alheias como escovas de dentes —nenhum indivíduo dotado de amor-próprio quer usar uma que pertença a outra pessoa». E os filósofos têm tendência a ser ainda mais cautelosos.

A recensão que mais me agradou foi publicada no American Journal of Psychology: «O autor deste artigo fez pelo menos três leituras da obra, cada uma das quais produziu uma nova compreensão da mesma. A primeira deixou-me com a sensação de: ‘Oh, ele não pode querer dizer ISSO!’ Mas a segunda consolidou e confirmou essa sensação: ‘Oh, sim, ele quer mesmo dizer isso.’ E a terceira, que foi a mais gratificante: ‘Oh, meu Deus, acho que ele está certo!’». No entanto, praticamente todo o debate em torno de Seeing Red acabou por ter um travo amargo. Ninguém queria admitir que o problema da consciência estava resolvido. Assim, Steven Poole escreveu no Guardian: «Mas o ‘problema difícil’ continua a existir, embora desviado para um canto da tese do autor. Num estádio qualquer da evolução, os sinais de feedback sensorial são ‘privatizados’ no cérebro e tornam-se ‘sobre si mesmos’. E cá temos a reflexividade e, por conseguinte, a consciência. Mas entre matéria e pensamento ainda há uma fenda argumentativa. Se esta não existisse, a obra seria sensacional. Sendo assim, ela é apenas profundamente interessante».

Claro está que eles tinham razão: eu não tinha resolvido o problema. Porém, quem quereria ter um epitáfio a dizer que as suas ideia eram «apenas profundamente interessantes»? Senti-me desafiado a fazer mais uma tentativa de escrever um livro sensacional — ou, pelo menos, uma obra que mostrasse à mosca a maneira de sair da garrafa.

A presente obra, Poeira da Alma, retoma o tema das últimas páginas de Seeing Red. Uma vez que não é certo os leitores conhecerem a minha obra anterior, sempre que necessário retomei algumas das ideias nela expressas. No entanto, à parte isso, as teses que aqui desenvolvo são novas. Além disso, tenho de admitir que, em grande medida, não foram abordadas pelos meus pares. Neste novo livro, tentei deliberadamente modificar o jogo, seguindo um conjunto de regras diferente daquelas que tradicionalmente enquadram o debate sobre a consciência. Ao fazê-lo, e ao verificar aonde isso conduz, posso dizer que por vezes fiquei surpreendido com as minhas mudanças de posição: «Não posso mesmo estar a querer dizer isto. Mas sim, é exactamente isto que quero dizer. Bem, então nesse caso, vamos lá...» Com efeito, a história avançou por si própria. Se o livro parece — de uma forma quase artificial — uma viagem de descoberta, tal deve-se ao facto de ele ter sido exactamente isso no decurso da escrita.

Esta obra pretende ser séria do ponto de vista científico e filosófico, e espero que venha a ser considerada como tal. Mas foi também escrita para o leitor comum (embora esteja recheada de anotações eruditas). Acontece que dificilmente eu teria feito outra coisa do que não fosse tentar escrever um «livro popular». Desde já, porque uma parte central da minha argumentação assenta no pressuposto de que só através da ligação aos interesses e ansiedades dos seres humanos conscientes em geral podemos começar a ver a explicação evolutiva da existência da consciência. Assim, quando começo a abordar os «porquês» da consciência, passo a centrar-me, naturalmente, em questões que têm a ver com a vida, com a morte e com o significado da existência — questões que, como é óbvio, interessam aos seres humanos comuns (ainda que por vezes estes se preocupem mais com elas do que falem a seu respeito).

O resultado é que Poeira da Alma, que se inicia com as questões mais básicas acerca da natureza da percepção e da sensação conscientes, torna-se uma obra sobre a evolução da espiritualidade e sobre o modo como os humanos se instalaram naquilo a que chamo o «nicho da alma». Embora eu não tenha qualquer crença no sobrenatural, não apresento desculpas por repor a alma onde estou certo de que é o seu lugar: no centro dos estudos da consciência.

Mesmo assim, embora a obra termine debruçando-se sobre muitas preocupações humanas familiares, não se deve esperar que seja de leitura fácil. Houve trabalho que tive de desenvolver, e também será necessário que o leitor faça o mesmo. Inicio o livro definindo o que considero ser a consciência e em que consiste o problema difícil. Isto implica que comece com uma análise relativamente árida e depois, à medida que as respostas começam a surgir, seguem-se algumas incursões na neurociência especulativa, de modo nenhum áridas, mas não demasiado fáceis. Em diversos pontos da primeira parte, proporciono ao leitor uma hipótese de saltar para a etapa seguinte.

Mas na segunda parte, onde começo a perguntar para que serve a consciência, espero que o trabalho anterior de definir o que ela é comece a dar frutos. Isto porque, se, como afirmo, a consciência for nem mais nem menos do que uma peça de «teatro» mágico, as interrogações sobre aquilo para que serve começam a parecer muito diferentes daquelas que os filósofos e psicólogos estão acostumados a fazer. E com perguntas muito diferentes surgem respostas muito diferentes.

As respostas a que chego são por certo distintas das que a ciência tem apresentado. Tenho de admitir que, por si só, isto não é uma recomendação. Por certo que a ciência pretende ser mais cumulativa do que revolucionária. Porém, quando a investigação anterior sobre a consciência não produziu quase nada como resposta às grandes interrogações das pessoas sobre o mistério da sua experiência, talvez já não possamos continuar a confiar na ciência como estamos acostumados a fazer.

O mundo material dotou os seres humanos de almas mágicas. As almas humanas retribuíram o favor, lançando um sortilégio sobre o mundo. Para compreender estes factos assombrosos, convido-vos a dar início à leitura."

Nicholas Humphrey

2 comentários:

Cláudia S. Tomazi disse...

Interessante que ao ler este convite de Nicholas Humphrey, trouxe-me a recordação do Pe. António Vieira, de quando o discorrer faz-se necessidade de resposta da inquietaçõe, para a alma. Porém, distintamente da idéias de Pe. Vieira, que em suma são propósitos do sentido, eis que em momento algum, o jesuíta saltaria contra a ciência; até mesmo, em por ser a ciência, para a ciência, um agravante de mistérios. Sim! Pois, se de um lado as respostas estão distantes, do outro lado a consciência não toma, e nem tomará distância da ciência por quão importante, e ao que seja por justamente da verdade por contraponto e ensejo, o despertar da alma! E, eis que a mágica suscita o sentido, pela busca de respostas que não esgotam-se, mas, apenas fluem diante da necessidade e causa, e que para o humano a presença destas experiências, flamas, enquanto firmeza de espírito, possibilitam o encontro por assimilarem a feição da evolução, critério absoluto ao discernimento e por conseguite a descoberta. Ora, e daquele que trago pela memória o saudoso Pe. Vieira, assitira como termo, revelação.

Cláudia disse...

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