sexta-feira, 2 de março de 2012

DARWIN AOS TIROS EM SEGUNDA EDIÇÃO



Já está nas livrarias a segunda edição do livro "Darwin aos Tiros e outras histórias de ciência", do David Marçal e meu, que a Gradiva publicou no final do ano passado e cuja primeira edição se esgotou rapidamente. Deixo aqui, para abrir o apetite à leitura a quem não conhece a obra escrita a quatro mãos, um dos excertos, da autoria do David:

"Bullying eterno

A ideia de que a diversidade dos seres vivos resulta de processos inteiramente naturais, e não de uma cuidadosa elaboração divina, tinha tudo para causar problemas.

Mesmo na Inglaterra vitoriana do século XIX, fervilhante de pensamento racional e entusiasmo pelo estudo da Natureza, quando foi proposta por Charles Darwin. O problema não era tanto a compatibilidade da evolução das espécies com a arca de Noé (o literalismo bíblico não era então uma corrente dominante), mas a ausência de um propósito e de uma finalidade na Natureza (onde, aparentemente, se tinha de incluir o homem). Se as espécies dão origem umas às outras, como resultado da selecção de características que surgem por acaso em determinados indivíduos da população, sem um propósito ou desígnio superior, o mundo corria o risco de se transformar num caos amoral, sem respeito pela hierarquia social e pelo papel da Igreja.

Ironicamente, Darwin chegou a estudar em Cambridge para se tornar membro da Igreja Anglicana. Sobre isso escreveu na sua autobiografia:

Tendo em conta a forma feroz como fui atacado pelos ortodoxos, parece-me ridículo outrora ter querido ser padre.

Ao longo da vida, Darwin foi tendo dúvidas religiosas, a ponto de a sua mulher, pessoa muito religiosa, recear que estas implicassem que não fossem para o mesmo sítio depois da morte. Não terá ocorrido a Emma que bastaria cometer uns quantos pecados (há uma lista dos mais graves!) sem arrependimento para garantir um lugar ao lado do marido.

Darwin nunca se considerou ateu, tendo acabado por se assumir agnóstico. Morreu, após uma velhice adoentada, aos 73 anos e não se sabe para que lado do outro mundo terá ido e se os receios de Emma se justificaram.

Mas, como castigo (há quem defenda que a razão foi o seu estatuto), foi sepultado na Abadia de Westminster, no centro de Londres, sendo provavelmente vítima de bullying eterno por parte das almas devotas que por lá andam."

David Marçal

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