Há muitos anos um amigo meu, jovem à altura, foi destacado como magistrado para uma pequena cidade do interior. Ali chegado em época festiva, viu serem distribuídos, por empregados duma empresa bem identificada, cabazes a todos os que trabalhavam no tribunal, parecendo o seu tamanho ser pensado em função da importância do funcionário.
Estranhando o facto de também ter sido um "feliz contemplado", disse qualquer coisa do género: “Acabo de chegar, não conheço ainda ninguém, deve ser engano”. O empregado tentou argumentar que se tratava duma “tradição”, mas o meu amigo fez-se desentendido. No tempo em que ali esteve, que não foi muito, nunca mais ninguém tentou oferecer-lhe nada.
Quando ele contou isto, achou-se que o seu comportamento tinha sido obviamente correcto, que, de forma alguma, podia ter sido outro: um magistrado, no exercício das suas funções, não pode ou, melhor, não deve receber o que quer que seja de pessoas individuais ou colectivas sob pena de a sua independência deixar de ser o que era, ou de deixar de parecer o que deve, acima de tudo, ser: independente.
A independência, com todas as limitações humanas não controláveis que possa ter (e tem-nas), constitui um valor fundamental da magistratura, do ensino, da medicina, do jornalismo e doutras profissões cuja essência é pugnar pela igualdade de tratamento daqueles que servem. E, tal como a mulher de César, não basta sê-lo, tem também de parecê-lo. São, pois, duas condições que podem ser tratadas isoladamente, mas que não deixam de se associar.
Isto vem a propósito de um certo congresso dos magistrados do nosso Ministério Público que teve lugar por estes dias e que foi patrocinado por empresas de diversa natureza. Tal como em concursos de televisão recentes em que cantores, actores, compositores, etc. têm de dizer entusiasticamente a marca dos fatos e dos sapatos que usam, ao mesmo tempo que mostram a peça, também um magistrado leu, da tribuna, o nome de todas as empresas envolvidas. Reparei que pediu agradecimento, como nesses tais concursos.
Questionados por jornalistas, os magistrados que foram entrevistados falaram assertivamente a uma só voz: nada há de duvidoso, de estranho ou de menos digno em terem recebido apoios privados e, de maneira nenhuma, a independência e a dignidade da instituição que representam ficaram em causa. Com as verbas reunidas foi até possível doar vinte por cento de uma certa verba para uma certa instituição. Foi este pormenor que se convocou para "salvar a honra do convento".
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