segunda-feira, 30 de junho de 2014

A suspeição...

A propósito de um texto sobre a orientação de algumas "Educações para...", a leitora Luísa Almeida escreveu, em comentário, o seguinte:
Além do que refere, é de assinalar que cada vez mais a escola assume funções que deveriam ser asseguradas pelas famílias e por diversas instituições públicas (por exemplo: ensinar a reciclar, como lavar os dentes, educação rodoviária, etc...etc...).
Um cartaz retirado da internet feito por alunos.
Além do que é dito no texto, destaca-se a publicidade.
Não posso estar mais de acordo.

Por razões que não importa agora especificar, nas últimas décadas, a escola não parou de expandir as suas funções e atribuições (por exemplo, aqui e aqui). A sociedade qui-la como família, comunidade, espaço terapêutico... determinou-a como espaço de fins-de-semana, de férias e de lazer... exigiu mais tempo para e isto e para aquilo...

A escola tudo aceitou e ainda foi mais além: o sistema privado por negócio; o público justificando a prestação de serviços... A sociedade foi dizendo: "Não há quem cuide das crianças e dos jovens, antes na escola do que na rua...". Bom, vista a coisa de tal prisma...

Este quadro, por si só, deveria fazer-nos parar para pensar: miúdos antes e durante a escolaridade básica e secundária a passarem a maior parte das suas vidas na escola!? Como se a escola fosse um internato, mas sem as condições de acompanhamento de um internato?

Mas não nos faz parar, essa é que é essa! E também não nos faz parar o facto de a função instrutiva da escola ter vindo a ser negada: a escola educa, e isto e mais do que ensinar e muito mais do que instruir. Mas, educar é tudo! Sim, claro, é preciso educar em todos os sentidos. Como se a escola fosse a única instituição educativa e não existissem outras. Como se todas as crianças e jovens fossem órfãos, negligenciados ou maltratadao.

Há como que uma suspeição, antes de mais, em relação à família... que não ensina, ou não ensina convenientemente, a lavar os dentes e a cuidar da restante higiene, a comer e beber, a reciclar o lixo, a atravessar na passadeira, a poupar energia e uns trocos para levar ao banco, a usar a internet, a desenvolver a autoestima, a evitar doenças sexualmente transmissíveis, a gerir os afectos, a dizer não a solicitações abusivas, etc, etc, etc... Se as famílias não cumprem estas obrigações, que são suas, então accionem-se os serviços de protecção de menores, mas uma coisa é certa: não é à escola que elas cabem.

E quando o tempo, mesmo quando a escola é a "tempo inteiro", começa a faltar para o tal "tudo", onde é que se corta? A resposta é óbvia: corta-se nas disciplinas que são a razão de ser da escola, as que têm matérias que só esta instituição pode levar a aprender em extensão e profundidade, em pouco tempo e com eficácia. Acresce que, enquanto estas disciplinas, sobretudo as que andam conotadas como inúteis, se esvaem, vão-se integrando no currículo variadíssimas componentes curriculares da lavra de uma multiplicidade de entidades da comunidade muito-preocupadas-com-a-educação-das-novas-gerações.

Mais: ainda que as disciplinas clássicas se mantenham, trata-se de as esventrar dos conteúdos que lhe dão identidade para se integrarem conteúdos ligados à vida, esses, sim, os fundamentais.

Ou seja, as "Educações para..." se não entram pela porta da frente, entram pela porta lateral, mas isso pouco importa desde que consigam ocupar o centro da sala.
Maria Helena Damião

A FCT ENSANDECEU

A FCT já não regulava bem. Tinha acabado com a história da ciência. Agora ensandeceu. Quer acabar com a ciência em Portugal. Quer acabar, por exemplo, com a Física no Minho, no Porto e em Coimbra. A mim, que apesar de saber pouco sei mais de Física que a FCT (que  não sabe coisa nenhuma de nada),  parece-me antes que temos de acabar não com a FCT mas com esta FCT. O ministro da Ciência, Nuno Crato, demitiu-se há muito de o ser e agora, quando vê os "coveiros da ciência", parece não querer fazer mais do que deitar terra para cima. A  FCT e o ministro Crato estão a escrever uma página negra da ciência em Portugal, como que querendo voltar aos tempos da Inquisição. Não conseguirão, até porque em breve o seu tenebroso mandato político vai expirar.

A COISA DAS PROFESSORAS


Artigo sobre indisciplina de Gabriel Mithá Ribeiro, no "Obsrevador": aqui

O PADRE VIEIRA E AS “NOVAS”


Nota minha para a "História do Futuro" do Padre António Vieira, na nova edição que acaba de sair no Círculo de Leitores:

O Padre António Vieira inclui nesta sua obra os “matemáticos” Tycho Brahe (1546-1601) e Johannes Kepler (1571-1630), respectivamente dinamarquês e alemão, na categoria dos “profetas”. Eram os dois astrónomos famosos no seu tempo: o primeiro faleceu sete anos antes de Vieira nascer e o segundo quando este tinha 22 anos. Foi com base nas observações do seu mestre Tycho que Kepler formulou as três leis dos movimentos planetários que haveriam de servir de base à lei da gravitação universal de Isaac Newton (1643-1727). De facto, os astrónomos adquiriram nessa altura, baseados na matemática, a capacidade de efectuar previsões mais exactas das posições dos planetas.

No entanto, observaram-se acontecimentos inesperados no céu que resistiam à matematização: a passagem de cometas, astros com órbitas muito alongadas do sistema solar e só temporariamente visíveis da Terra, e a explosão de estrelas muito pesadas, num processo terminal das suas vidas, que Tycho confundiu com o aparecimento de estrelas (daí ter-lhe chamado “novas”; hoje chamamos-lhe supernovas). A passagem de cometas foi abundante na época: por exemplo, em 1607 Kepler viu o cometa Halley, que não tinha então esse nome. E, apesar de serem eventos muito raros (apenas um em cada século na nossa Galáxia), Tycho e Kepler tiveram a sorte de observarem duas “novas”, uma cada um: Tycho viu, a olho nu, uma em 1572 (desnominada hoje SN 1572), na constelação da Cassiopeia, e Kepler viu, também à vista desarmada, outra em 1604 (a SN 1604), no Ofiúco. Os dois escreveram dois livros com o mesmo título, De Stella Nova, respectivamente em 1573 e em 1606.

Tycho e Kepler viveram o tempo em que a astrologia dava lugar à astronomia, coexistindo as duas num processo lento de transição. De facto, Kepler fornecia ao imperador Rudolfo II previsões de vários tipos. Tanto os cometas como as “novas” serviram para arredar a ideia aristotélica de imutabilidade dos céus, numa ruptura que significava um enorme avanço científico. Mas, na antiga tradição astrológica, eles eram também vistos como presságios de acontecimentos. Tanto uns como outros foram interpretados como sinais de Deus. Tal foi particularmente evidente no caso da “nova” de Kepler. Como em 1603 tinha começado um novo “trígono ígneo”, um período de 800 anos iniciado por uma conjugação de Júpiter e Saturno (outros tinham começado com o nascimento de Cristo e com a coroação de Carlos Magno no dia de Natal de 800 em Roma), a “nova” do ano seguinte não pôde deixar de ser associada a esse evento nos céus. Especulava-se, porém, sobre qual seria a grande novidade no mundo.

Vieira foi autor de um discurso místico, obviamente não científico, mas que se procurou apoiar em modernos dados da ciência. Em vários dos seus escritos fala dos cometas, procurando interpretar o seu significado. E, neste trecho da História do Futuro, fala das duas “novas”, a de Tycho e a de Kepler. Não tem dúvidas de que elas trazem notícias de Deus: “Que costuma Deus por sinais falar e avisar aos homens. E porquê? Porque quer que se conheça que são efeitos de sua providência, e não acasos.” Sobre o sentido desses sinais, Vieira não se coibiu de especular, invocando para legitimar as suas teses os escritos dos “matemáticos”. Ele conhecia bem os livros de Tycho e Kepler sobre as novas estrelas. Quanto à primeira, cita o astrónomo dinamarquês: “Tico chama a estrela da Cassiopeia o maior milagre da natureza, que sucedeu desde o princípio do mundo, nada inferior ao parar o sol em tempo de Josué “ Quanto à segunda, que teve maior luminosidade do que a anterior, afirma que “não houve semelhante coisa no céu depois da criação do mundo”. E não hesita em associá-la à Restauração de Portugal, que havia de ser sede do Quinto Império. Num dos seus sermões salientou que o rei D. João IV tinha nascido no ano da estrela de Kepler, acrescentando:

"E significava mais alguma coisa a mesma estrela nova? Duas coisas, e duas novidades as maiores que nunca viu, e há muitos anos espera ver o mundo. A primeira, que na cristandade se levantaria uma nova monarquia, que dominaria e seria senhora de todo o universo. A segunda, que esta monarquia e o seu monarca seria o que destruísse e extinguisse a seita e império maometano. Assim o diz expressamente o já alegado Képlero, matemático famoso deste século, que, com a mesma estrela diante dos olhos, observando todos os movimentos seus, e dos outros astros, compôs dela um eruditíssimo livro, no qual, descendo a declaração e juízo de seus efeitos, ou influidos, o primeiro é este: [latim] Quer dizer: que desde o ano de 1604, em que aquela estrela apareceu no céu, começava a nascer e se levantar na terra uma nova república, a qual crescendo com a idade, viria a formar a seu tempo um império universal, debaixo de cuja obediência todos os reinos do mundo, que ao presente tumultuavam ferozmente em guerras, deporiam as armas, e ele seria o jugo que os amansasse, e o freio que os contivesse em paz" (in Sermões, vol. XV, Lello, pp. 74-75).


A mesma leitura da obra de Kepler é apresentada no seu “Discurso em que se prova a vinda do senhor Rei D. Sebastião” (in Obras inéditas. Lisboa, eds. J.-M.C. Seabra e T. Q. Antunes, 1856, tomo I, pp. 224-225). Como conciliar o profetismo político-religioso de Vieira, que busca fundamento nos astros, com a recusa da astrologia judiciária, emanada do concílio de Trento? A doutrina católica, então clarificada, impossibilitava os juízos feitos nos horóscopos sobre o futuro de indivíduos, mas não impedia profecias a respeito da Natureza, de regiões ou de países. Contudo, como mostra o processo que lhe levantou a Inquisição, o padre jesuíta, obcecado com a decifração do futuro, movia-se, teologicamente, num terreno perigoso.

domingo, 29 de junho de 2014

Livros com Química: Ferreira de Castro e A Selva


Assinalam-se hoje, 29 de Junho, 40 anos da morte de José Maria Ferreira de Casto, um dos mais notáveis escritores portugueses do século XX que é também um dos mais conhecidos e traduzidos.

 

Com doze anos José Maria Ferreira de Castro, nascido em 1898, partiu para o Brasil para tentar a sua sorte. Não teve muita, mas dessa experiência resultaram dois excepcionais romances, Os emigrantes de 1928 e A Selva de 1930, que ainda hoje nos fazem meditar sobre a condição humana. Estes dois livros, mostram-nos com grande realismo as vidas das pessoas pobres, e mesmo remediadas, que emigravam para o Brasil, assim como as condições de vida dos brasileiros com que se relacionavam. Para além disso, através das reflexões das personagens, dos seus diálogos e da descrição das suas acções e processos técnicos em que estão envolvidos, Ferreira de Castro consegue simultaneamente manter-se actual e dar-nos uma imagem viva do passado.

Em A Selva, Ferreira de Castro dá-nos uma imagem muito forte das condições de vida duras e de escravatura (de facto) em que viviam os seringueiros que trabalhavam na recolha da borracha no início do século XX. Estes, uma vez chegados ao seringal, ficavam presos, através de um esquema de empréstimos e dívidas, aos aviadores que lhes forneciam os materiais de trabalho, alojamento e alimentação, pagos em troca da borracha recolhida. Ferreira de Castro, esteve nessa situação quase quatro anos e, por isso, no livro podemos também encontrar descrições muito precisas dos métodos de recolha e tratamento do látex, do qual se obtém a borracha natural.

De acordo com o livro, o látex era coagulado com o fumo proveniente de uma espécie de fogareiro em forma de funil ou cone, deixando-o cair numa espécie de pá, formando-se peles de borracha que eram enroladas em bolas de borracha, as quais eram depois pesadas e vendidas. É a acidez do fumo que Ferreira de Castro bem notou, assim como as suas propriedades como fungicida e bactericida, que permitem o tratamento do látex e a sua transformação em borracha natural. Esta borracha era mais tarde enviada para o estrangeiro onde seria vulcanizada e transformada em pneus, bolas, os quais seriam usadas por pessoas que não saberiam que a borracha era obtida em condições tão duras e miseráveis, o que suscita algumas reflexões pertinentes à personagem principal do livro.

O processo usado na altura para coagular o látex era com certeza muito pouco saudável, como se pode ver na figura. Mais tarde, com a industrialização do processo de produção de borracha natural passou a usar-se ácidos diluídos e compostos de enxofre para evitar o ataque biológico da borracha, embora o tratamento pelo fumo das peles de borracha continue a ser um processo eficaz de evitar o ataque biológico.


Entretanto, passadas cerca de duas décadas surgiu a borracha sintética e actualmente já não estamos dependentes da borracha natural e da sua extracção. As condições miseráveis em que se obteve borracha natural no Congo ou no Brasil são hoje uma coisa do passado que a química veio também contribuir para eliminar.

Notável em A selva é também a tensão erótica. No entanto, no livro, ao contrário do filme feito a partir deste, o desejo não se concretiza nem parece ser correspondido ou sequer reconhecido. Num dos momentos mais memoráveis do livro, este desejo entra em diálogo com a morte e a finitude da vida a propósito da observação (e comentário com rigor científico, mas não menor terror) de fogos-fátuos no cemitério do seringal.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Raposas matreiras, bonecas cientistas e cavaleiros que adoecem por apanhar sol: a Química na literatura para jovens

Excerto ligeiramente editado do meu artigo sobre a química na literatura infantil e juvenil que apareceu recentemente no Boletim da Sociedade Portuguesa de Química, Abril-Junho de 2014.

Aquilino Ribeiro é um escritor que teve uma notável intervenção cívica e política, tendo, no início do século XX, passado pela acção revolucionária, a qual segundo se sabe, e, de acordo com as suas memórias, originou uma explosão em 1907 que vitimou dois dos seus companheiros de conspiração. Estava, por isso, com certeza, familiarizado com a Química e e tecnologia do seu tempo, o que é, de resto, claramente reconhecível, por exemplo, no romance que publicou em 1944, "Volfrâmio". Mas isso não é relevante para a Química que podemos encontrar em “O Romance da Raposa” datado de 1929 e dedicado ao seu filho Aníbal.

A raposa e o texugo a trocarem informação química (desenho do Miguel, na altura com 9 anos)  
 




Aquilino Ribeiro inspira-se em narrativas anteriores, de origem culta e popular, para criar um livro que nos revela com pormenor os mecanismos da astúcia e da inteligência, mas também aspectos da descoberta científica e da química que nos rodeia. Em particular, o odor característico dos animais e os disfarces que a raposa usa para enganar o lobo, primeiro empregando mel para colar palha e depois usando resina para colar folhas de couve, são temas químicos a explorar com proveito. Por que cheiram os animais de forma diferente uns dos outros? Por que é que o mel se dissolve em água e a resina dos pinheiros não?

Podemos começar com a forma como a raposa faz a sua descoberta científica da utilização do mel para se disfarçar. Foi por acaso que isso aconteceu (dir-se-ia hoje, por serependidade), ao ficar toda lambusada de mel, depois de atacar uma colmeia. O mel, que a tudo se colava, sugeriu-lhe uma ideia para se disfarçar. Teve depois de validar os seus ensaios, replicar e optimizar os resultados. No final tinha um resultado que pôde testar: um disfarce que o lobo não reconheceu. Entretanto, tendo a raposa revelado o seu segredo, o lobo passou a testar os animais, molhando-os com água. Assim, a raposa teve de aperfeiçoar o seu disfarce: inventar um que fosse impermeável. Nesse momento já sabia o que queria e foi provavelmente mais fácil fazer os seus ensaios. Mas, mesmo assim, teve experimentar e testar várias hipóteses e, no final, encontrou o material adequado: a resina de pinheiro.

Um outro aspecto químico que podemos relacionar com o “Romance da Raposa” é, como referido anteriormente, o odor dos animais. A descoberta da explicação química dos odores dos animais e da composição do suor, demorou até ao aparecimento dos métodos modernos da espectrometria de massa, cromatografia gasosa e líquida de alta resolução. E ainda das espectroscopias vibracional e de ressonância magnética, química computacional e possibilidade de determinação das estruturas moleculares por difracção de raios X.

Em “A Montanha Mágica”, datado de 1924, do escritor Thomas Mann, Hans Castorp e o médico a quem este faz perguntas sobre Ciência, o Dr. Behrens, ainda não têm os meios necessários para saberem o que hoje nos parece fácil de obter. Faz-se um espectro dos odores e surgem centenas de compostos, muitos deles já identificados e outros que é necessário ainda identificar. No final os odores aparecem-nos como perfumes muito mais complexos do que aqueles que podemos obter pela simples mistura de alguns compostos, os quais são característicos de cada espécie e únicos para cada indivíduo.

Um cão treinado pode identificar compostos voláteis característicos de explosivos, drogas ou mesmo de doenças. E pode notar alterações de comportamento, por exemplo, o medo, o qual pode ser também associado a processos químicos, como veremos mais adiante. Estes animais estão envoltos numa nuvem complexa de informações químicas que lhes chegam ao nariz, ou que eles aspiram, aumentando assim o fluxo de moléculas analisadas.

Para o texugo, e também para nós, humanos, a raposa cheira mal, o que esta concorda, afirmando no livro que o texugo é um animal muito mais asseado que ela. No entanto, parece ser hoje senso comum que os texugos cheiram mal, em especial uma variedade que se tornou famosa nos desenhos animados. Em que é que ficamos? Quem cheira pior?

A raposa tem razão, mas os desenhos animados também. Os texugos vulgares têm um sentido do olfacto muito apurado e são muito organizados e higiénicos no uso das latrinas. Têm, no entanto, uma glândula anal que pode libertar uma enorme quantidade de compostos, os quais têm um cheiro almiscarado, que para a maioria das pessoas não é assim tão desagradável e Aquilino sabe isso. Destes compostos realça-se o nonanal que nós humanos também libertamos e que tem a particularidade de atrair mosquitos! O nosso suor, em particular o dos pés, pode conter compostos também bastante mal-cheirosos como o ácido butanóico, também presente no queijo, vomitado e frutos fermentados de algumas árvores. Entretanto, o texugo fedorento do continente americano liberta compostos que contêm enxofre como o isoamiltiol e pode ser por isso produtor de cheiros nauseabundos se se sentir em perigo.

Finalmente, as raposas são muito menos asseadas que os texugos vulgares e por onde passam deixam cheiros desagradáveis. Das suas fezes, por exemplo, obteve-se o composto 2,4,5-trimetil-3-tiazolina que tem sido usado como repelente, havendo algumas dúvidas se este funciona como um indutor de medo ou por ser simplesmente repugnante.

HOME MADE SCIENCE

HOME MADE SCIENCE é um blogue para famílias da autoria de uma professora de Biologia e Geologia, Rita Costa. Fez-me uma mini-entrevista, que poder ser vista aqui.

Portugal é o 35.º melhor pais do mundo

rankings para tudo, até para "good country". Portugal distingue-se pela cultura (19.º lugar) e pela ciência (42.º lugar) e já não tanto no resto, como por exemplo a defesa da paz e segurança no mundo (116.º). Posição global, levando em conta todas as componentes: 35.º lugar. Sempre é melhor que no ranking do desenvolvimento humano de 2013, onde somos o 43.º país (descemos 3 lugares).
Ver http://www.goodcountry.org/overall

quinta-feira, 26 de junho de 2014

“Trinta árvores em discurso directo”

Ciclo Literário “Nem só as Árvores têm Folhas”:


Bagão Félix apresenta “Trinta árvores em discurso directo” no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra

As leituras debaixo das árvores voltam este sábado, 28 de junho, às 15h00. Desta vez, o conhecido político e amante da natureza António Bagão Félix vai falar do livro “Trinta Árvores em Discurso Directo”.

No livro são as próprias árvores que falam de si mesmas, numa apresentação que aborda elementos botânicos, etnobotânicos e históricos. No mundo das pessoas, é o autor quem vai desvendar as histórias por detrás das árvores!

A sessão vai ser apresentada pela jornalista Maria Flor Pedroso.

Participe!

Saiba mais aqui.

Sinopse da obra: Este livro é um preito singelo de quem vê nas árvores um código universal de respeito pela vida e nelas encontra civilidade, paz, ágape, sensualidade. Escolhi trinta delas e convidei-as, com a minha ajuda, a apresentarem-se ao leitor. Com alforria, sem constrangimentos, cada uma delas se descreve na forma, na essência e nas circunstâncias. E revela-se nas envolventes respeitantes à sua família botânica, mas igualmente em pinceladas da sua relação com a cultura popular, a arte nas suas diferentes expressões, a poesia e a literatura, as religiões e as tradições, a toponímia e a onomástica, a história e outras abordagens. Porque, afinal, a vida é tudo isto, mesmo para uma árvore.

Data: sábado, 28 de junho de 2014
Horário: 15h00
Local: Jardim Botânico da Universidade de Coimbra (portão junto aos Arcos do Jardim)
Autor: António Bagão Félix
Apresentação: Maria Flor Pedroso

AINDA CARLOS QUEIROZ "VERSUS" PAULO BENTO


“O mais excelente quadro posto a uma luz, logo mostra borrões, e visto a melhor luz, logo descobre pinturas” (Padre António Vieira).

Publico este post minutos antes do jogo entre as seleções de futebol de Portugal e Estados Unidos para que o resultado final deste decisivo encontro para as cores nacionais não influencie a presente análise que tem a suportá-la a minha defesa de Carlos Queiroz, em vários posts no “De Rerum Natura” (v.g. “Carlos Queiroz versus Paulo Bento, 22/05/2012) e a sua recente entrevista no Público (18/06/2014), intitulada: “Se o Cristiano Reinaldo do Brasil for o mesmo da África do Sul, a selecção terá menos chances”.

Neste contexto, regressando ao passado, depois de na fase de grupos ter empatado com a Costa do Marfim e Brasil e vencido a Coreia do Norte por 7-0 (equipa que viria a perder com o Brasil pelo escasso resultado de 1-2), ressurge, inevitavelmente o “escândalo” da equipa das quinas não ter chegado aos quartos-de-final do Campeonato do Mundo 2010, por eliminação com o resultado de 0-1 a favor da fortíssima selecção de Espanha que se viria a sagrar Campeã do Mundo.

No supracitado Campeonato do Mundo, foi seleccionador um teórico (Carlos Queirós) e no actual Campeonato do Mundo (2014) é seleccionador um prático (Paulo Bento). Aliás, este despique entre teóricos e práticos foi moeda corrente em outras épocas, sendo que, no caso da prática desportiva, encontra raízes milenares na Grécia Antiga. Segundo Galeno (célebre médico grego, tido como pai da medicina desportiva moderna), os treinadores troçavam das teorias dos professores de ginástica e dos médicos sob o pretexto de não se ter o direito de discutir sobre coisas desconhecidas quando se não tem a prática do ofício.

A minha classificação de teórico dada a Carlos Queirós, um modestíssimo jogador de futebol competitivo, encontra razão na sua formação e docência universitárias, licenciatura e mestrado em Metodologia do Treino pelo ISEF da Universidade Técnica de Lisboa e posterior docência onde teve como aluno José Mourinho (também ele, modesto praticante do desporto-rei) que, aquando da atribuição do seu doutoramento honoris causa pela Universidade Técnica de Lisboa, reconheceu publicamente que “seria sempre treinador de futebol, mas sem faculdade seria assim-assim e nunca muito bom" (“Record”, 24/03/2009).

Por outro lado, Paulo Bento tem a suportar o seu currículo de treinador apenas o facto de ter sido um destacado jogador da Selecção Nacional de Futebol (35 vezes internacional) e a habilitação de cursos de treinador de futebol, promovidos pela Associação de Treinadores de Futebol e Federação Portuguesa de Futebol (FPF).

Ou seja, o futebol moderno, embora conservando a sua componente de sorte inerente a toda e qualquer forma de jogo que o torna aliciante para as multidões, exige, hoje, condições científicas inerentes à respectiva metodologia de treino e conhecimento profundo do funcionamento da “máquina humana”, questões que, por vezes, são mantidas no esquecimento.

Entretanto, evidencio o clima favorável criado à volta de Paulo Bento, em vésperas do actual Campeonato do Mundo, a decorrer em Terras de Santa Cruz, em contraste com o clima hostil que rodeou Carlos Queirós, aquando do passado Campeonato do Mundo de Futebol 2010, em que a selecção teve a acompanhá-la, na África do Sul, o vice-presidente da FPF, Amândio Carvalho, que se manifestou, desde o princípio, contra a contratação de Carlos Queirós criando um clima pouco propício a boas relações entre ambos e a própria selecção.

Este clima, como não podia deixar de ser, reflectiu-se no comportamento dos jogadores da selecção nacional com destaque para a atitude de Cristiano Ronaldo que, desculpando-se pela sua má prestação foi colhido pelas câmaras de televisão, a dizer com ar agastado (cito de memória): “Isto assim não dá Carlos!”

Referindo-se a esta situação, Carlos Queiroz, na supracitada entrevista, ao lhe ser perguntado se “ainda estava magoado com Cristiano Ronaldo, que o responsabilizou após a eliminação no Mundial 2010”, respondeu: “Não, estou absolutamente distanciado e indiferente. Nem eu, nem ele devemos nada um ao outro. Agora, se o Cristiano, num determinado momento da sua vida, entendeu que devia actuar comigo daquela forma, apesar de não esperar, tenho de respeitar. Não me move nada contra ele, mas continuo a pensar que não foi um comportamento oportuno, ajustado e adequado à posição dele como capitão da selecção.Sinceramente, não gostei e seria hipócrita se dissesse o contrário”.
Inevitável, nessa entrevista veio à baila o litígio Federação Portuguesa de Futebol/Carlos Queiroz, com a pergunta do entrevistador: “Tem tudo resolvido com a Federação Portuguesa de Futebol [FPF]?” Respondeu Carlos Queiroz: “Tudo. Com a federação não tenho nenhum problema, pelo contrário. O que aconteceu [processo litigioso após a FPF lhe ter rescindindo o contrato como seleccionador no final do Mundial 2010, por quebra de confiança] foram incidentes de pessoas que estavam envolvidas com a instituição. A FPF é a minha casa, onde nasci para o futebol”.

Casa essa onde foi responsável pela preparação de equipas de jovens futebolistas que foram duas vezes Campeões Mundiais sub-20 e que deram lugar, anos mais tarde, a uma geração de ouro do futebol português com nomes como Figo, Rui Costa, Vitor Baía, João Vieira Pinto, entre outros. Os resultados obtidos por Portugal na África do Sul, manipulados pelos seu detractores como se tivessem sido péssimos, pretenderam deixar a imagem de um verdadeiro soçobrar das Selecção das Quinas.

Assim, depois do regresso da equipa de todos nós a fronteiras nacionais, no “Jornal de Desporto da SIC” (06/09/2010) assistiu-se a uma declarada tentativa de intoxicação da opinião pública contra Carlos Queirós de que se fez personagem principal o jornalista Jorge Baptista, que se desfazia-se em sorrisos de puro gozo, como se tratasse de um round de boxe virtual de desforço, sempre que os restantes intervenientes, embora de forma moderada, teciam análises desfavoráveis às substituições feitas pelo seleccionador nacional na África do Sul.

Por último, nessa entrevista, Carlos Queiroz, antecipando-se ao facto de a história levar o seu tempo para fazer memória (Gertrude Stein), diz ter tido a humildade de quando as coisas se tornaram difíceis para ele fazer as malas e procurar sucesso em outras paragens do mundo surgindo, hoje, com seleccionador do Irão no actual Campeonato Mundial de Futebol. E assim se cumpriu, uma vez mais, o aforisma de que ninguém é profeta na sua terra.

O medo para motivarmos mais os miúdos!

Imagem retirada daqui

No nosso sistema de ensino, a Educação sexual, como várias outras "Educações para...", ganhou aquela força do "tem-mesmo-de-ser"... O que é o Português quando comparado com a Educação sexual? Dispensável! O mesmo se pode dizer da Matemática. E da Física. E da História... E se a compararmos com a Educação estética e artística ou com as Clássicas, não há dúvida nenhuma: estas são muito menos importantes.

Exagero, admito! Ou, talvez não.

A verdade é que desconheço qualquer lei que estabeleça o regime de aplicação do Português, da Matemática, da Física, da História... Para regular a educação escolar - é desta que aqui falo - existe uma Lei de Bases, e para regular o currículo da educação de infância, do ensino básico e do ensino secundário existem sobretudo decretos-lei, portarias e despachos. Nenhuma disciplina é tão importante que mereça uma lei própria, com a supremacia e força que uma lei tem. Mas a Educação sexual, não sendo sequer disciplina curricular, mas "apenas" componente curricular, tem-na.

Efectivamente, a Educação sexual tem honra de lei - a Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto -, regulamentada pela Portaria n.º 196-A/2010, de 9 de Abril, sendo já antes de 2009 assegurada por uma panóplia de Despachos [1], e depois de 2010 reafirmada pelo Decreto-Lei n.º 18/2011, de 2 de Fevereiro [2].

Associada, agora, à Educação para a saúde - "Educação para a saúde e sexualidade" (aqui. aqui ou aqui) - foi-lhe, entendeu eu, acentuado o seu carácter "patologizante": "infecções sexualmente transmissíveis", "consumo de substâncias psicoactivas", "violência em meio escolar", o diabo-a-sete... Nem a "urgência de educar para os valores" atenua esse carácter...

Medo e mais medo para motivarmos mais os miúdos, disse Daniel Pennac. O que nos esquecemos é que, como recordou, Sophia de Mello Breyner Andresen, "a criança é uma criança, não é um pateta"... Talvez seja isso que justifique o desagrado manifestado por alunos português em relação a essa estranhíssima centração no modelo bio-médico-psico-pedagógico-patológico.

Num estudo realizado pela Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde, recentemente publicado [3], é isso que referem. O mesmo referem pais e professores:
"Alunos, professores e pais sugeriram uma progressão na abordagem deste tema, ao longo dos vários ciclos de aprendizagem, sugerindo ainda uma monitorização que garanta que o assunto não se centre unicamente nos aspectos biológicos da reprodução e nas infecções sexualmente transmissíveis".
A dita Sociedade propõe melhorias nesta "Educação para..." (tremo quando ouço este tipo de declarações), nunca questionando a sua pertinência em meio escolar... 

Mas devia. 

E, devia porque a orientação da Educação sexual, à semelhança da orientação da generalidade das "Educações para..." não é educativa, é doutrinal [4].

Notas:

[1] Entre esses normativos contam-se
- Despacho n.º 19 737/2005 (2ª série), de 15 de Junho.
- Despacho n.º 25 995/2005, de 16 de Dezembro Aprova e reafirma os princípios orientadores das conclusões dos relatórios no que se refere ao modelo de educação para a promoção da saúde.
- Despacho n.º 2506/2007, de 20 de Fevereiro Define linhas de orientação para o professor coordenador da área temática da saúde
- Despacho n.º 19 308/2008, de 21 de Julho, que determina que, ao longo do ensino básico, em área de projeto e em formação cívica, sejam desenvolvidas competências no domínio da educação para a saúde e sexualidade
[2] Sobre esta lei já me pronunciei neste blogue, por exemplo, aquiaquiaquiaquiaqui.
[3] Estudo que não consegui encontrar, pelo que, para escrever estas linhas, baseei-me em notícias da comunicação social que, estranhamente, não o identificam. Por exemplo, aquiaquiaqui)
[4] Sobre este assunto ver, por exemplo, dois textos divulgados neste blogue: de um professor universitário especialista em sexualidade (aqui), e de um radialista e escritor (aqui).
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Maria Helena Damião

O MEU CONTRIBUTO PARA A CONFERÊNCIA PARLAMENTAR O FUTURO DA CIÊNCIA EM PORTUGAL

Texto enviado para a Conferência Parlamentar sobre a temática O futuro da Ciência em Portugal, que decorreu no dia 24 de Junho. Os restantes documentos, registo áudio e video, podem ser encontrados na página do evento.

1. Quantas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento serão atribuídas no concurso de 2014?
De 2012 para 2013 verificou-se uma redução muito significativa do número de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento financiadas pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), que passaram de 1878 para 962. Após o resultado do concurso, e na sequência de uma mobilização expressiva da comunidade científica e da sociedade civil, o governo anunciou um reforço de 350 bolsas. Mesmo com esse reforço, mantém-se uma redução de 30% em relação ao números bolsas atribuídas em 2012. Tendo em conta o planeamento e as expectativas dos investigadores é importante saber atempadamente, ou seja, no momento da abertura do concurso, quantas bolsas de doutoramento e pós-doutoramento serão atribuídas no concurso de bolsas individuais de 2014.

2. Bolsas de programas doutorais não são comparáveis às bolsas individuais
Em 2013 ocorreu uma grande alteração no modo como as bolsas de doutoramento são atribuídas. O número de bolsas individuais atribuídas em concurso nacional caiu abruptamente, tendo sido apenas concedidas 415 (contando com o reforço anunciado pelo governo), face às 1198 atribuídas em 2012. Em 2013 a maior parte das bolsas (431) foram concedidas no âmbito de programas doutorais financiados pela FCT. Esta substituição (parcelar, porque o número total de bolsas é bastante inferior ao de 2012) apresenta vários inconvenientes:
- Apenas 96 programas doutorais são financiados pela FCT, e estes correspondem a uma gama reduzida dos 809 programas de doutoramento aprovados pela Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior em Portugal (A3ES). Em vez de seleccionar os melhores candidatos num concurso nacional, a FCT seleccionou programas de doutoramento.
- Os candidatos seleccionados no âmbito de programas doutorais financiados pela FCT são escolhidos por júris locais, de cada instituição. Tendo o nosso país, tradicionalmente, níveis muito elevados de endogamia nas universidades, parece pouco adequado realizar concursos a nível institucional. Tanto mais, que esta opção é oposta à solução adoptada no caso do concurso Investigador-FCT, que é um concurso nacional.
A aposta da FCT nos programas doutorais não pode ser feita em detrimento do número de bolsas atribuídas no concurso individual de bolsas, pois estas não são equivalentes, nem nas áreas de investigação nem na consistência da selecção dos candidatos.

3. Desvalorização do candidato nos concursos de bolsas
Várias alterações na avaliação de bolsas de doutoramento e pós-doutoramento têm contribuído para a desvalorização do mérito do candidato e do respectivo plano de trabalhos. Entre esses, a penalização dos candidatos cujo plano de trabalhos não se enquadre num projecto de investigação financiado em concurso competitivo. Por outro lado, a direcção da FCT tem veiculado a ideia de que as bolsas de pós-doutoramento deverão ser integradas em projectos de investigação financiados (sem que para isso reforce as verbas dos mesmos) em detrimento de bolsas individuais. Estas duas opções revelam uma visão dos jovens investigadores como meros recursos dos projectos de investigação, tal como equipamento ou  reagentes. Os concursos de bolsas da FCT devem selecionar os futuros cientistas portugueses e não faz sentido desvalorizar o mérito dos candidatos e do respectivo plano de trabalhos, face a factores circunstanciais.

4. Para quando a integração dos bolseiros no Regime Geral de Segurança Social?
Paradoxalmente, essa visão dos bolseiros como mão de obra não é levada ao ponto de permitir a sua inclusão no Regime Geral da Segurança Social. Actualmente os bolseiros estão integrados no regime do Seguro Social Voluntário, tendo direito ao reembolso das contribuições pelo valor do Indexante dos Apoios Sociais. Esta situação é extremamente penalizadora para a carreira contributiva dos bolseiros. Além disso, não lhes confere o direito a subsídio de desemprego. Que sentido faz integrar os bolseiros de investigação, nomeadamente os de pós-doutoramento, no regime de segurança social de quem não tem rendimentos? E de negar o acesso ao subsidio de desemprego a investigadores que trabalham num regime de precariedade absoluta?

Resultados do inquérito sobre o interesse na comunicação de ciência


Efectuei um inquérito de opinião ao público em geral, com o objectivo de prospecionar qual o interesse por assuntos de ciência e tecnologia e pela comunicação de ciência. O inquérito foi divulgado através da internet, principalmente pelas redes sociais como seja o facebook. As respostas ao inquérito foram recebidas entre Janeiro e Junho de 2014.

Responderam ao inquérito 654 indivíduos, sendo 64 % do sexo feminino e 36 % do masculino. As idades da maior parte dos inquiridos distribuem-se da seguinte forma: 34 % entre os 35 e 44 anos; 29% entre os 25 e os 34 anos; 16% entre os 45 e os 54 anos; 11% entre os 18 e 24 anos.

A distribuição geográfica mostra que 27% reside no distrito de Lisboa, 19% no distrito de Coimbra, 17% no distrito do Porto, 9% no distrito de Aveiro, 5% no distrito de Braga e os restantes um pouco por todo o país.

Em relação à formação académica verifica-se que 83% possui um grau superior, dos quais 29% possui mestrado e 12% doutoramento.

Surpreendentemente, 73% dos inquiridos afirmam fazer comunicação de ciência no âmbito da sua profissão. 97% procuram diariamente notícias sobre ciência e tecnologia, sendo que a internet é o meio mais utilizado e preferido para esse acesso ao conhecimento. A rádio e a televisão são os meios de comunicação social menos usados para obter informação sobre ciência.

90% dos inquiridos considera que os meios dedicados à comunicação de ciência em língua portuguesa são insuficientes. Em relação ao espaço dedicado pelos órgãos de comunicação social à ciência, 61% considera que ele é insuficiente e 36% muito insuficiente. No que toca à qualidade da comunicação de ciência efectuada nos meios de comunicação social portugueses, 66% considera que é razoável, 15% acha que é boa contra 23% que a avalia como péssima.

Dos inquiridos, 71% dizem ter um grande interesse por assuntos científicos. Destes 51% têm mais interesse por ciência aplicada, 30% por ciência fundamental e 19% por tecnologia. A biologia é a área científica que desperta mais interesse, seguindo-se os assuntos ligados à saúde e à medicina. A matemática é a área a que é dispensado menos interesse. No que toca às tecnologias, as que se aplicam ao ambiente e à saúde são as que recebem mais atenção. A tecnologia associada à geologia é a que desperta menos interesse.

Ao consultar conteúdos sobre ciência na internet, os inquiridos usam maioritariamente sítios especificamente dedicados à divulgação de ciência, sendo que as pesquisas no Google aparecem em segundo lugar, seguidas dos jornais online. Os blogues surgem em quarto lugar e a wikipedia em quinto.

O português e o inglês são igualmente as línguas mais usadas por 89% dos inquiridos. Contudo, 23% dos inquiridos também usa o espanhol e 22% o francês.

94% dos inquiridos são da opinião que todos precisamos de ter bons conhecimentos básicos de ciência, enquanto que 5% consideram que são os mais novos aqueles que devem ter preferencialmente esses conhecimentos.

António Piedade

quarta-feira, 25 de junho de 2014

DIA DO GEÓLOGO - 2


Embora um pouco atrasado, e a nosso pedido, não podemos deixar de publicar segunda parte do texto (a primeira parte está aqui) do Prof. Victor Hugo Forjaz (na imagem), geólogo, sobre "O Dia Do Geólogo":

1 - A cartografia de Zbyszewski impressiona pelo rigor dos limites geológicos. Mas enferma  de um mal de época, ou seja, nas cartas geológicas de temática vulcanológica não era hábito seriar as formações por idades, mesmo que relativas. Como já se registou, a carta de S. Jorge foi a primeira a adoptar essa norma. Terminada e impressa a cartografia geológica oficial dos Açores, entrou-se na rotina de sempre -- um ou outro cientista estrangeiro visitando uma ou outra ilha e a habitual campanha de Verão da Faculdade de Ciências de Lisboa (FCUL). Ainda cheguei a permanecer na Junta Geral do Distrito de Ponta Delgada durante três meses, em1969, (trabalhando também para o poço científico profundo Moho da Universidade canadiana de Dalhousie) mas o Prof. Carlos Teixeira não conseguiu o meu destacamento por mais tempo. Entretanto passei a integrar, como representante da Geologia, a Comissão Geotérmica do Grupo do Petróleo, dirigida pelo Eng.º Barreto de Faria  e com  escritório na Rua Braamcamp. A FCUL ainda era representada pelo agrupamento de Geofísica (Prof. Luís Mendes-Victor). O Instituto Superior Técnico delegou no Prof. Luís Aires-Barros. A Comissão Geotérmica  trabalhou arduamente mas foi esmorecendo até ao 25 de Abril de 1974 porque os interesses petrolíferos eram gigantescos e poderosos a nível do arquipélago…

2 - Com a Revolução de Abril retomou-se o  Projecto Geotérmico (PG) de S. Miguel. Em Agosto de 1975 organizou-se, nas Furnas, o gitadíssimo Seminário NATO de Pequenas Centrais Geotérmicas  (patrocinado pelo  Ministério da Educação e pela embaixada dos EUA). Entretanto passei diversas semanas a visitar centrais geotérmicas  em diversos estados da Califórnia, do México e da América Central. Também estagiei em equipas de diversos poços geotérmicos profundos, nos Geysers. Na Califórnia reencontrei o Eng.º Álvaro Silva, da Ribeira Grande, que se mostrou fulcral no avanço do PG, via S. Francisco. Em Dezembro de 1975, encontrando-me no Faial a estudar as fundações do novo hospital, recebi o pedido para me apresentar, no regresso a Lisboa, no Palácio da Conceição, em Sm Miguel, a convite do General Altino Pinto de Magalhães  (Presidente da nova Junta Regional e que o Prof. José Enes, residindo na Guarda, julgava ser Almirante, conforme carta de oferta dos seus serviços que me deram do Arquivo da Junta). Nesse fim de Dezembro de 1975  aceitei, com muito entusiasmo mas grande ingenuidade, fixar-me em S. Miguel uma temporada , secretariando a Junta no sector da Investigação Científica e Ensino Superior (assim o estampam  o contrato e a requisição à FCUL). Pretendia-se instalar o Instituto Universitário dos Açores -- IUA (depois Universidade) e o Instituto de Geociências dos Açores - IGA  (que " genealogicamente" e após difíceis " hemorragias" e  "filharada" com diversos" progenitores"  gerou a  actual Sogeo SA, em fase de integração em nova empresa…).

3- Tomei posse em 1976. Reuni-me com os Professores Frederico Machado, vulcanólogo, e Ávila Martins, geólogo. Idealizou-se como contratar jovens  geólogos de várias especialidades, geofísicos de diversos ramos e engenheiros desde civis a peritos em sondagens e em termodinâmica. E esses técnicos até poderiam leccionar no IUA… Entretanto apareceu a legislação que criava o IUA e surgiu a consequente Comissão Instaladora. Com os citados professores (FM e AM) manteve-se a cordialidade de muitos anos (aliás sucedi ao Prof Ávila Martins, no Departamento de Geociências, em 1982). Mas o Reitor José  Enes, o Dr. Álvaro Monjardino e o Engº. João Bernardo Rodrigues, da Comissão Instaladora, moveram-me, de imediato, demolidora e inesperada " guerra". Ou seja, tontamente temiam que a geotermia - via IGA - ofuscasse o IUA! E que a geotermia iria diminuir drasticamente as vendas de petróleo, suspeitou-se também… Foi um erro crasso! 

4- O contrato da geotermia foi assinado em 1976, em S. Miguel, com grande pompa, para acalmar a FLA, segundo o General…. Deslocaram-se  à ilha o Dr. João Palma Carlos, Procurador Geral da República e o Secretário de Estado da Energia. Em concurso internacional já estava  seleccionada,  como operador geral, a empresa norte americana Geonomics Inc. Contratualmente, a  cada técnico estrangeiro correspondia um técnico português visando a transferência de know how. Assim - ao petrólogo estrangeiro correspondia o Dr. Herlander Correia, perito vindo da Universidade de Évora. Ao hidrogeólogo italiano equivalia o Dr. José Barradas, hoje Professor na Universidade de Aveiro. Ao geofísico "expert" em geoelelectricidade associava-se o Dr. Luís Teodoro (que executou brilhante trabalho nas pesquisas geotérmicas da Terceira,em 1997, com Francisco Rocha ).  Ao sismólogo californiano equivalia a Dr.ª Manuela Mendes, hoje distinta  professora do IST. Como empresa sondadora escolheu-se a nacional A.Cavaco.de raiz  açoreana. Etc., etc.  Durante  quatro anos vasculharam-se as geologias e as profundezas de algumas ilhas e, em 1980, o vulcão do Fogo - Serra de Água de Pau começou a produzir geoelectricidade! Ao fim e ao cabo fez-se em 1976-1980 o que agora se pretende  realizar com os islandeses através do programa de treino e de formação etiquetado de GAIa-EU 2020, pomposamente anunciado pelo grupo EDA como uma grande novidade… Irra - levaram anos a compreender que depender de estrangeiros custa milhões! Milhões irrecuperáveis .

Mas porque falharam os ensinamentos de 1976-80? Conduzindo ao regresso de imprescindíveis  técnicos às suas origens continentais?.... Apenas porque  invejas pessoais, políticos metediços e o desejo de poder por absolutos ignorantes assaltaram o projecto geotérmico. Apenas em 1991 o bom senso e as escolhas certas  seleccionaram  as soluções certas. Mas, em 2002, regressaram as "encenações" de Monteiro da Silva e de um Rui qualquer coisa, geólogo-director do campo geotérmico , ambos qual triste sina. O maior projecto geológico dos Açores  já  terá feito contas aos milhões perdidos e ao tempo desacreditado?

5- Nesta listagem ainda se justificaria  uma análise da geologia universitária, desde 1995, comparando-a com o período 1981-1995. Mas o Dia do Geólogo tem espaço limitado .Essa análise sairá publicada  mais adiante. Porque, entretanto, relendo Shakespeare, deparei com os gritos impotentes  do  Rei Lear perante a  Ímpia Fatalidade e o Feroz Destino que não conseguimos controlar:

-  "Esta é a praga destes  tempos quando loucos guiam os cegos!" 


Victor-Hugo Forjaz,  30-31 de Maio de 2014 .

Homenagem Nacional ao Prof. Luís Mendes Victor

Nascemos no mesmo ano de 1931, convivemos, como colegas e amigos, mais de quatro décadas no nobre edifício da antiga Escola Politécnica, depois Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ele no Instituto Geofísico Infante Dom Luiz, eu no que foi o Museu Mineralógico e Geológico, e jubilámo-nos no mesmo ano de 2001. Ainda resistimos por dois anos à inglória situação de aposentados, mas a idade não perdoa.


O último dos geofísicos antigos e o primeiro dos geofísicos modernos”, nas palavras de Teresa Firmino (Público, 26.03.2013), acompanhei-o na árdua luta que travou com os autarcas da Junta Metropolitana do Porto, a propósito do projecto internacional COMBO (Core-Mantle Boundery). Visando o melhor conhecimento da fronteira entre o núcleo e o manto terrestres, este projecto pretendia fazer explodir várias toneladas de TNT no mar, ao largo da Invicta. Nesta luta, que assumiu dimensão de disputa política, Mendes Victor e o saber científico saíram derrotados.

Preocupado, em particular, com a prevenção face ao risco sísmico, uma realidade cientificamente reconhecida, em especial no Algarve e nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, dizia que, não se conhecendo a qualidade dos edifícios em muitas zonas de construção clandestina (Brandoa, Prior Velho, Alhandra e outras), não se imagina quantos irão ruir durante um abalo de suficiente magnitude que, mais cedo ou mais tarde, certamente, acontecerá.

São do seu ex-aluno e colega Jorge Miguel Miranda, as palavras, escritas em 24 de Março de 2013, no dia do seu falecimento, que nesta ocasião importa recordar.
“Luís Mendes-Victor dedicou uma carreira de mais de 40 anos à investigação nas diversas áreas da Geofísica. Professor Catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa desde 1991, ensinando Geofísica, Sismologia, Prospecção Geofísica, Hidrologia e Física dos Recursos Naturais. Na Universidade de Lisboa, foi Director do Instituto Geofísico Infante Dom Luiz, e Presidente do Instituto de Ciências da Terra e do Espaço, introduzindo em Portugal o ensino e a investigação moderna em Geofísica, e dirigindo o grupo de investigação mais representativo nesta área científica. Foi fundador do Laboratório Associado Instituto Dom Luiz.
Luís Mendes-Victor ocupou lugares de grande responsabilidade internacional na área da Geofísica e Meteorologia, em particular como Director Geral do Instituto Nacional de Meteorologia e Geofísica (1977-1987), Vice-presidente e Presidente da Associação Regional VI da OMM (1980-1986), Membro do Conselho Executivo da OMM (1984-1986), Presidente do Centro Europeu de Previsão do Tempo a Médio Prazo (1984-1986), Presidente do Comité Ad-hoc para a Investigação dos Sismos do Conselho da Europa (1980-1983), membro do Comité de Aconselhamento para a Europa da Associação Geofísica Americana, Presidente do conselho de coordenação científica do Centro Universitário Europeu para o Património Cultural (Ravello), e Presidente do Comité Consultivo Europeu para a Avaliação da Previsão de Sismos (Conselho da Europa).
No sistema português de investigação, Luís Mendes-Victor foi Secretário do Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa, Presidente da Secção Portuguesa da União Internacional de Geofísica e Geodesia, membro do Comité Nacional de Geotermia (1975-1978), representante oficial do conselho de investigação científica da NATO (1978-1985) e Presidente do Comité Português para o Estudo do Espaço Exterior (1983-1986). Em 1996, e como reconhecimento desta actividade, a Sociedade Europeia de Geofísica atribuiu-lhe a Medalha Sergey Soloviev, “for his distinguished work on seismic, tsunami, hydrological and geological hazards in complex environments at an interdisciplinary and international level”. Em 2005 foi agraciado com o grau de comendador da Ordem de Santiago de Espada, por ocasião do Ano Internacional da Física”.
A. Galopim de Carvalho

CIÊNCIA E FUTEBOL


A revista espanhola "Quo" de divulgação científica, aproveitando a ocasião do campeonato do Mundo de Futebol, fez uma selecção dos melhores cientistas espanhóis. Um deles foi Pedro Echenique, um físico  basco que recentemente esteve no Porto na Conferência de Ciência da Fundação Francisco Manuel dos Santos.  Outro, curiosamente, é português,  biólogo marinho do CSIC que nasceu em Lisboa em 1960. Outro ainda é um investigador espanhol na área do cancro, Joan Massagué, que trabalha nos Estados Unidos há muitos anos. É este último que sugeriu através da revista uma "fórmula mágica" para resolver o problema do financiamento da ciência espanhola.:
"Com o orçamento da Selecção espanhola de Futebol podíamos travar a actual perda de talentos. Com os talentos no interior do país, poderíamos retomar o processo de converter a investigação de excelência em indústria de impacto. Com indústria de impacto abriríamos novos mercados num valor de 7000 milhões de euros logo de entrada. E com 10% deste benefício financeiro financiaríamos a Selecção espanhola de Futebol."
Foi isto mesmo que sugeri para o caso português ontem na sessão de ciência que teve lugar na sala do Senado da Assembleia da República (sobre o que lá se passou ver, por exemplo, aqui). Fui ver qual era o orçamento da Federação Espanhola de Futebol, cuja equipa principal conseguiu ser campeã do mundo e da Europa, e encontrei 110 milhões por ano (dos quais parece que 70 milhões são para a equipa campeã, que naturalmente dá lucro, pois o retorno é superior a esse valor). para comparar, vi o orçamento da Federação Portuguesa de Futebol, que era de 40 milhões por ano (não sei quanto é só para a selecção). Pareceu-me algo desproporcionado, isto é, a Federação Portuguesa de Futebol tem uma orçamento demasiado para o que consegue fazer. Os resultados não se comparam, embora no Mundial deste ano a selecção espanhola tenha ficado pelo caminho. Mas ao menos ganharam brilhantemente o último jogo. Mas, além disso,  a Espanha é cerca de cinco vezes maior do que Portugal e tem um PIB bem maior do que o nosso.
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Porque os cientistas devem divulgar ciência?


Na revista Superinteressante de Julho vem uma superinteressante entrevista com Martin Rees, Astrónomo Real do Reino Unido e ex-presidente da Royal Society (lugar em tempos ocupado por Newton). Resposta que ele deu quando lhe fizeram uma pergunta sobre a divulgação da ciência:
"Nós astrónomos, temos sorte: dedicamo-nos a uma disciplina muito atraente, com muitos adeptos. Na minha opinião, é muito importante que os cientistas façam divulgação, e não apenas porque devem devolver à sociedade parte do que ela lhes deu; a razão é muito mais profunda. Como o trabalho quotidiano de um cientista é tão absorvente, estamos demasiado concentrado nos pormenores e perdemos de vista o conjunto. Ao explicar a ciência ao grande público, conseguimos recuperá-lo."
Rees é o autor de vários livros de divulgação da ciência, entre os quais "O Nosso Habitat Cósmico", na Gradiva. 

O MUNDO EM TRANSIÇÃO


Luís Queirós é natural de S. Pedro de Rio Seco, a mesma terra na raia beirã onde nasceu Eduardo Lourenço,  licenciou-se em Ciências Físico-Químicas na Faculdade de Ciências de Lisboa e ensinou Matemática no Instituto Superior de Economia. Fundou a Associação Rio Vivo que se dedica ao desenvolvimento sustentável do interior e dirige a Fundação Vox Populi,  que fundou em 2008, que se dedica a promover o uso escolar de estudos de  opinião pública e a ajudar zonas debilitadas. Fundou e presidente da empresa Marktest, que  é hoje uma multinacional, mas o seu principal interesse é a análise das questões energéticas e do desenvolvimento equilibrado.

O livro "O Mundo em Transição",. com o subtítulo "Reflexões sobre Crescimento, População, Poluição e Recursos Naturais" é um conjunto de pequenas crónicas, agrupadas em seis capítulos após uma introdução: Economia, Recursos, Naturais e Poluição,  Demografia e Crescimento, Mundo Globalizado, Crise em Portugal e na Europa, e o Mundo em Transição. Ao longo da obra, onde  está bem patente a formação científica do autor, sobressai, como os títulos dos capítulos já indicam, uma preocupação muito viva com o futuro do nosso planeta, um planeta cujos recursos, designadamente  energéticos, são finitos. Além disso, a exploração desses recursos está sujeita às leis da física: a energia conserva-se, enquanto a energia útil se vai inexoravelmente perdendo. Fala por exemplo do "pico de petróleo", uma questão muito debatida acerca do previsível começo do esgotamento desse recurso natural: para os mais pessimistas  já ocorreu, para outros ocorrerá entre 2015 e 2020. 

Luís Queirós fala das teorias do especialista em gestão Dennis Meadows sobre os limites do crescimento: poderá uma economia continuar indefinidamente a crescer num ambiente de recursos limitados? O famoso relatório do Clube de Roma de 1972 continua ainda hoje a ser fonte de discussão. Para o autor, o sistema formado pela interacções entre indivíduos e organizações, "não pode contrariar as poderosas forças primárias que sobre ele se exercem, e que dependem mais das leis da Física e da Termodinâmica do que das leis da Economia".  Dá exemplos curiosos como as ideias económicas de Frederick Soddy, um cientista inglês que foi Prémio Nobel da Química por ter esclarecido a origem da radioactividade e o sugnificado de isótopos, para quem a "riqueza real está irremediavelmente enraizada na realidade física" (o que já não acontece com a riqueza virtual, que se baseia na crença de geração de riqueza real). Para Soddy sempre que uma economia baseada na dívida deixar que esta cresça mais do que a produção de riqueza real, a bancarrota será inevitável.  

O autor gosta de citar o físico nuclear (falecido em 2013) Alfred Bartlett, da Universidade do Colorado: "O maior defeito do pensamento humano é não entender as consequências do crescimento exponencial". Ele deu uma palestra intitulada "Arithmetic, Population and Energy: Sustainability"  1742 vezes em todo o mundo.  Baseado no crescimento exponencial da população nos últimos 700 anos, Bartlett  previu que, daqui a 700 anos, haja um habitante por metro quadrado da superfície terrestre. Estaríamos condenados a viver apertadinhos! Um neo-malthusiano, portanto. Mas é sabido como Malthus se enganou, ao não ter previsto o crescimento de recursos. A criatividade humana, traduzida pela ciência e pela tecnologia, revelou-se imprevisível.  Li com muito gosto o livro de Queirós (lêem-se bem os seus vários textos, relacionados mas independentes), mas a sua  muito útil discussão sobre os limites lembra-me um debate que  houve em tempos entre o biólogo pessimista Paul Ehrlich (autor de "The Population Bomb", de 1968) e o economista optimista Paul Simon  (já falecido): os dois fizeram uma aposta em 1980 sobre a evolução de custos de cinco metais, devido ao seu esgotamento ao longo de uma década. E o pessimista perdeu! Os recursos serão limitados, mas a nossa capacidade de os explorar tem-se revelado espantosamente criativa.   

- Luís Queirós, "O Mundo em Transição", Âncora e Fundação Vox Populi, 2.ª edição, 2013.

TERRAMOTO 1980


Eram 16h42 do dia 1 de Janeiro de 1980 quando a terra tremeu na ilha Terceira dos Açores, assim como nas vizinhas ilhas da Graciosa e de São Jorge. O sismo teve a magnitude de 7,2 na escala de Richter e foi um dos maiores ocorridos em terras açorianas. Para comparação o terramoto de Lisboa de 1 de Novembro de 1755  foi decerto maior: a sua magnitude deve ter sido 9 naquela escala, tendo falecido mais de 50.000 pessoas.  Mas no terramoto dos Açores morreram 44 pessoas na ilha Terceira e 17 na ilha de S. Jorge, Ficaram desalojadas 13.032 pessoas na Terceira, 2066 pessoas em S. Jorge e 489 pessoas na Graciosa. Ficaram completamente destruídos 2778 edifícios na Terceira, 450 em S. Jorge e 120 na Graciosa. O sismo, com epicentro no mar entre as três ilhas, teve, portanto, efeitos catastróficos.

Nenhum sismo nos Açores voltou a ter a mesma magnitude: o maior ocorreu no Faial em 9 de Julho de 1998, mas não passou de 5,8 da escala de Richter. Acrescento que o maior sismo no século XX em Portugal ocorreu a 28 de Fevereiro de 1969, pelas 2h42, com magnitude de 7,8  (lembro-me bem, acordei de noite e tive medo!). Teve a maior intensidade no Algarve  e  provocou a morte de 13 pessoas. E o segundo maior ocorreu a 23 de Abril de 1909 em Benavente, com magnitude 6,  originando 46 mortos.

O livro que saiu há pouco tempo da autoria do vulcanólogo e professor catedrático de Geociências Victor Hugo Forjaz, que tanto tem feito pelo conhecimento e divulgação da geologia açoriana,. e de mais nove autores documenta o maior terramoto açoriano. Após uma sinopse geológica sobre a ilha Terceira e uma sinopse sobre o terramoto segue-se um conjunto de testemunhos de pessoas que viveram a catástrofe. O subtítulo "Memória e sentimentos" traduz bem o espírito do livro. A obra, em papel couché, está ricamente ilustrada com esquemas e fotografias, que dão conta do cenário de devastação.

Não faltam as imagens do presidente Eanes, que então decretou três dias de luto nacional,  em visita à ilha mais afectada. O livro lembra que a tragédia teria sido maior se tivesse ocorrido à noite, pois nesse caso teria causado 15.000 vítimas, tantas quantas as pessoas que estariam a dormir debaixo de tectos desabados. Conforme relata o técnico geofísico Francisco Meneses Rocha,  no dia 1 de Janeiro, dia de aniversário da sua filha, viu  miúdos, no corredor, que pareciam "bolas de pingue-pongue" a saltar. E conta o salvamento de um avô numa casa vizinha, onde pereceram uma avó, um pai e três bebés. Conforme ele diz, nesse dia houve "heróis e santos, quase todos desconhecidos".

- Victor Hugo Forjaz e outros, "Terramoto de 1980", OVGA - Observatório Vulcanológico e Geotérmico dos Açores, 2013.

terça-feira, 24 de junho de 2014

MOÇAMBIQUE EM IMAGENS DE UM FOTÓGRAFO PIONEIRO


Luísa Villarinho Pereira é uma artista (ceramista e pintora) filha de um médico obstectra Salvador Villarinho Pereira (1879-1948), que era também fotógrafo amador. Em memória e homenagem ao seu pai realizou várias investigações sobre a história da medicina em Portugal no século XX. No desenrolar desse trabalho descobriu a história do seu bisavô paterno (avô do seu pai), que foi não só um fotógrafo profisisional (“photografo-desenhista”) como um dos fotógrafos pioneiros na recolha de imagens de Moçambique no final do século XIX. Foi mesmo comissionado pelo Governo Português em 1890, o ano do Ultimato inglês que tanto abalou os últimos tempos da monarquia. O  nome do “photografo-desenhista” era Manoel Pereira (1815-1894) e o seu percurso de vida confunde-se com o do século XIX português. 

O livro, em edição da autora, é um belo álbum, contendo inúmeras fotografias em bom papel de Moçambique. A investigação que as acompanha é bastante cuidada, denotando um trabalho longo da autora quer na recolha de documentação quer no seu cotejo e análise. A obra releva tanto para o estudo da fotografia como também, e talvez principalmente, para o melhor conhecimento da história da antiga colónia portuguesa, no tempo em que Lourenço Marques, hoje Maputo, não passava de uma pequena povoação. 

As raízes da família Pereira encontram-.se no Algarve, pois o fotógrafo nasceu em S. Bartolomeu de Messines, a terra do poeta e pedagogo João de Deus (nascido 15 anos mais tarde). Manoel Romão Pereira teve sete filhos de um primeiro casamento e três filhas de um segundo, realizado com a irmã da falecida primeira esposa. Um dos filhos, Salvador Villarinho Pereira (1858-1879), foi guarda-livros da empresa Mason e Perry, que explorou a pirite nas Mina de S. Domingos, no Alentejo, e este, por sua vez, foi pai do referido médico obstectra, seu homónimo, que teve consultório no Chiado. De facto, Villarinho pai só teve um filho, e nem sequer o chegou a conhecer, por ter falecido escassos meses antes do nascimento do filho e apenas meio ano após o seu casamento.

 Manoel Pereira ganhou a vida como fotógrafo, num tempo em que a técnica fotográfica ia progredindo e crescendo. Foi ganhando fama como artista fotográfico, tendo algumas das suas fotos servido de base a gravuras, como era uso na época, em periódicos como o “Archivo Pittoresco - Semanário Ilustrado” e “O Occidente” . Fotografou as minas de S. Domingos, onde tinha estado seu pai. Esteve em Cabo Verde em 1877, onde foi amanuense, e, em 1881, portanto ainda antes de ter sido comissionado pelo governo português, encontra-se na Ilha de Moçambique. De acordo com a nomeação do ministro Ressano Garcia de 188, Pereira, na altura já com 75 anos, “devia percorrer os territórios de Lourenço Marques, Inhambane, Gaza e Alto Zambeze, tirando photografias dos edifícios, monumentos, fazendas mais importantes, povoações, estações de caminhos de ferro, e bem assim dos typos das diferentes raças, régulos e indivíduos mais importantes de cada um dos paízes, e bem assim de todos os sítios, regiões ou accidentes naturais que mereçam ser reproduzidos.” E ele foi isso mesmo que fez, como documentam admiráveis fotos hoje guardadas em arquivos como o Arquivo Histórico Tropical do Instituto Nacional de Investigação Científica Tropical. Algumas das fotos de Manuel Pereira podem ser vistas aqui.

Talvez ajudado pelo mérito desse trabalho, Manoel Pereira foi, em 1891, admitido na Sociedade de Geografia de Lisboa, sob proposta de Luciano Cordeiro e outros sócios. Lembra-se que tinha sido esta sociedade a patrocinar as explorações “de Angola a Contra-Costa” empreendida por grandes aventureiros portugueses como Roberto Ivens, Serpa Pinto e Hermenegildo Capelo. 

Na sua investigação, Luísa Villarinho foi ajudada pelo arqueólogo industrial Custódio Morais e pelo historiador de fotografia e coleccionador Alexandre Ramires. O seu livro é uma adição notável à história da fotografia portuguesa e das antigas colónias.

 - Luísa Villarinho Pereira, “Moçambique. Manoel Pereira (1815-1894). Fotógrafo comissionado pelo Governo Português”, Lisboa, 1013 (edição da autora).

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