quinta-feira, 19 de junho de 2014

Notícias da construção da próxima crise


Ao contrário daquilo que é veiculado por uma camada mais distraída da sociedade, não há mercado mais regulado e mais controlado que o mercado da intermediação financeira, leia-se banca. Nunca na história, ou noutro sector, se controlaram os números de todas as empresas do sector sobre todos os aspectos da vida financeira, alavancagem, avaliação de riscos vários, mínimos de capital, projecções de liquidez, relações com os clientes, reclamações de clientes, incumprimentos de clientes, investimentos feitos, investimentos não feitos, etc. Os reguladores, centralizados agora na Autoridade Bancária Europeia com braços nos (antigos) bancos centrais da UE, impõem regras apertadíssimas sobre os membros do mercado que suportam custos elevadíssimos de demonstração a esses reguladores da adequação da sua actividade às regras impostas.

Nada disto é motivo de notícia nos jornais, mas este ano os bancos todos estão em actividade acelerada para cumprirem com mais uma carrada de reportes aos reguladores, com base no novo regulamento. O "regulamento", passado a directiva comunitária, mas emanado de Basileia para o mundo civilizado inteiro, é um verdadeiro manual de como cozinhar uma trafulhices e construir uma crise. Isto porque neste mundo de burocratas de produtividade nula, a única forma de criarem rendas para si é obrigar os outros a pagá-las e, assim, vai de criar leis que têm que ser controladas, auditadas, certificadas e verificadas, tudo no pressuposto de que há um cliente no fim da cadeia que quer ou pode pagar tudo isto.  Mas verdadeiramente grave é que os bancos, hoje, não avaliam os riscos de colocarem o dinheiro dos depositantes nas mãos de credores. Em vez de estarem a avaliar, a estudar, a modelar, etc. estão simplesmente a responder aos critérios dos reguladores, que sabem o que é melhor para eles em nome da estabilidade financeira. Um banco europeu é, hoje em dia, gerido por uma folha de Excel em Londres. Que, ainda por cima, está ERRADA! Portanto, não vai haver um banco errado e todos os outros certos. Quando um estiver errado, vão estar todos. E acreditem, vão estar.

A adicionar a isto, para além do crescimento obrigatório dos spreads sobre o crédito e a negatividade económica da coisa, é o facto do regulamento ser uma espécie de história de trafulhice sobre o capital, mas em negativo. Faz-se a história de todas os esquemas mais ou menos fraudelentos e coloca-se a obrigatoriedade de reportá-los. Isto torna-se particularmente útil para quem está a desenhar a próxima trafulhice, bastando para tal fazer uma gincana pelos pontos de reporte actuais, evitando os pontos onde podemos ser apanhados, deixando descansados os reguladores pelo facto de estarmos a evitar fazer aquilo que foi descoberto, ONTEM! 

Por exemplo, um esquema bastante criativo no passado foi um banco cotado em bolsa investir parte do dinheiro dos seus depositantes em acções do próprio banco. Como a administração era eleita pelos accionistas e estes gostam de eleger quem lhes dá mais dividendos, os dividendos que iam para o banco enquanto accionista do próprio banco foram convertidos em dividendos a distribuir pelos demais accionistas, que ficaram mais ricos com a operação. Quando se anunciam os dividendos, o preço das acções sobem e o banco ganha enquanto accionista. E quem representaria o accionista banco nas assembleia geral do banco? A própria administração! Um esquema brilhante em que o depositante era roubado por o risco do banco subir, os concorrentes eram roubados porque parte do capital do banco era subscrito pelo próprio banco e o banco era roubado, deixando administração e accionistas felizes.

Claro que os reguladores agora pedem para reportar as acções do próprio banco que o banco tem. Nada que não se resolva montando um fundo de investimento em activos imobiliários fechado que compra as acções do banco e vende unidades de participação ao banco, que as vai reportar como unidades de participação vulgares. Porquê? Porque o reporte assim o determina. Demasiado simples? Faz-se um fundo de fundos, uma financeira que emite obrigações. Há sempre possiblidade de fugir à regra se for essa a intenção. O regulador, esse, fica feliz e contente pelo facto de não haver acções próprias do banco inscritas no balanço.

E, assim, vamos cavando a próxima crise financeira com a ignorância (ou esperteza) dos reguladores. Lá se vai baixando taxas de juro quando se sobe o quadruplo ou o quintuplo nos spreads e, quando a crise financeira chegar - porque vai chegar- vai acontecer o mesmo que aconteceu agora, a culpa vai para a falta de regulação. Porquê? Porque a maneira mais fácil ganhar dinheiro é explorar os preconceitos ideológicos dos outros. Desde que em 1988 se globalizou a regulação bancária que as tragédias se têm repetido e a resposta tem sido sempre o aumento da regulação. Virá o dia em que se vai aprender, mas não me parece que seja já na próxima...

10 comentários:

Anónimo disse...

E por que razão a ausência de regulação seria melhor?

João Pires da Cruz disse...

Não estava essa hipótese colocada. Mas se a coloca, encontro factores a favor e contra.

Anónimo disse...

Desculpe o meu equívoco, mas da sua frase seguinte havia compreendido que, para si, o problema estava na existência de regulação:

"Desde que em 1988 se globalizou a regulação bancária que as tragédias se têm repetido e a resposta tem sido sempre o aumento da regulação. Virá o dia em que se vai aprender,"

Se não era a ausência de regulação a sua hipótese, então qual era?

João Pires da Cruz disse...

A redução. Não é o que se depreende? Nem a venda de pastilhas elásticas é isenta de regulação neste mundo.

Anónimo disse...

Muito bem. Se o problema não é na existência de regulação, mas no excesso - na sua opinião - de que modo a redução de regulação seria melhor para evitar trafulhices e, já agora, o que não pode deixar de ser regulado?

João Pires da Cruz disse...

O objectivo da regulação bancária é a resiliência do sistema. Desta forma, o regulador deve encarar um mercado como uma carteira de bancos onde uns farão uma coisa, outros farão outra, uns avaliarão os riscos de uma forma, outros de outra, uns serão grandes, outros pequenos. Só há uma forma real de mitigar risco e essa forma é a diversificação. Quanto mais exigir, menos bancos pequenos vão existir, mais bancos grandes terei. Quando mais regular, menos formas diferentes de avaliar risco vão existir, vou ter diversidade nos bancos e concentração no sistema. Aquilo que os bancos estão a tentar descorrelacionar, a regulação está a correlacionar.

Outra coisa, na realidade a esmagadora maioria das trafulhices são fugas à regulação. Tirando aquilo que são normas triviais de protecção do consumidor, que devem existir também no mercado financeiro, anti-trust, lealdade, etc... A regulação deve concentrar-se em fabricação de índices, por exemplo, e não a preocupar-se se um banco pode ir à falência ou não.

Anónimo disse...

Caro João Pires da Cruz. Agradeço-lhe a resposta. Julgo ter compreendido bem o seu argumento. E, se obviamente, a fuga à regra só existe por haver regra (o que não justifica diminuir o número de regras por si só), concordo com o seu princípio geral de não protecção dos mais fortes e percebo que ir inventado regras serve precisamente de expediente para os proteger.

joão viegas disse...

Um post idiota e de uma irresponsabilidade que mete do.

Admitindo que as regras são mas, e que devem ser aperfeiçoadas, porque é que o autor não faz propostas concretas, aproveitando para esclarecer os leitores (ja que se queixa, e bem, de não existir informação na imprensa sobre o assunto) sobre os problemas, por exemplo sobre a facilidade de contrornar as regras que existem ?

Em vez disso, temos um texto com uma argumentação que, tudo bem espremido, se reconduz ao brilhante raciocinio que segue :

- Ja existe regulamentação em demasia
- A melhor regulamentação seria que os bancos definissem livremente as suas proprias regras, pois eles é que sabem da poda
- Os bancos estão organizados de tal maneira que não podemos confiar num controlo interno.
- Mas a culpa é dos burocratas maus (cujo poder vem de onde ?) que so querem enriquecer à custa dos impostos pagos pelo povo trabalhador
- Vem ai o apocalipse, ai vem de certeza !

Mais um post que desprestigia este blogue ! Como dizia o meu avô, às vezes, ficar calado da saude mental...

Boas

João Pires da Cruz disse...

Você é mesmo muito inteligente. Não deveria perder o seu tempo, do qual a humanidade muito lucraria, a comentar coisas tão idiotas. Eu fico esmagado, só com a honra de juntar o meu post à sua vasta obra que tornou a nossa vida tão melhor, como o.... aquilo.... ah.... bem, alguma coisa deve ter sido. Nós, seres inferiores, ficaremos sempre contentes só com o vislumbre de uma letra sua.

joão viegas disse...

Não sei se sou inteligente ou não, mas sei que o post é tolo, pelas razões que expus acima. Não gosta de ouvir isto ? Escreva coisas com tino...

Boas

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...