terça-feira, 3 de junho de 2014

Löss, o pó de pedra que um vento frio levou para longe

Em começos dos anos 20 do século XIX, o alemão Karl Cäsar von Leonhard (1779-1862), professor de Mineralogia na Universidade de Heidelberga, foi o primeiro a descrever na proximidade desta cidade, no vale do Reno, um depósito sedimentar muito fino, friável, homogéneo, não estratificado, aproveitado como solo agrícola, a que deu o nome de Löss, termo radicado no germânico lösch (que significa solto, móvel) usado pelos camponeses locais.

Particularmente abundante na China, no que é hoje conhecido por Planalto do Loess, é um material facilmente erodível, de coloração habitualmente amarelo acastanhada (devido à presença de hidróxidos de ferro), que tinge dessa cor as águas de escorrência e fluviais, como são as do Rio Amarelo e as do mar, entre a costa leste da China e a costa oeste das duas Coreias e, por isso, conhecido por Mar Amarelo.
Paisagem no Planalto do Loess, província de Shanxi, China
Catarata no Rio Amarelo (China), cuja cor resulta da enorme carga de loess que transporta.
Pode ocasionalmente apresentar cor avermelhada (devido à presença de óxido de ferro) e acinzentada (devido à presença de matéria carbonosa). Interpretado de início como de origem fluvial, sabemos hoje corresponder a um depósito continental acumulado por via eólica, em regime periglaciário, comum no hemisfério norte (América e Eurásia) durante os últimos períodos interglaciários do Quaternário.
Loess transportado pelo vento, em Milles County (Iowa EUA)
Boneca de loess
Com a aparência de pó de pedra, o loess (na versão internacionalizada) é definido como um sedimento da classe dos lutitos (do latim lutu, lama, lodo, vasa) de granulometria inferior a 0,062 mm, com predominância de silte (ou limo) sobre a argila [1] e uma muito pequena percentagem de carbonato de cálcio. Esta componente tende a desaparecer, por descalcificação, ao nível do solo. Neste caso, corresponde ao aleurito (do grego aleurós, farinha) proposto em 1957 pelo sedimentólogo russo Nikolai Strakhov(1900-1978). Corresponde, ainda, ao limon (do latim limus, lama, lodo, vasa), definido pelos autores franceses como um material silto-argiloso, destituído de calcário, não coeso, de origem fluvial ou eólica.

Migrando em profundidade, o carbonato vai gerar concreções muito características deste depósito, conhecidas por löss Kindchen (bonecas do loess).

Bastante poroso, o loess, naturalmente afectado por fendas verticais, permite a formação de escarpados talhados a pique.
Escarpado natural no loess de Vicksburg (Mississippi, EUA)
Maioritariamente composto por grãos angulosos de quartzo, feldspato e mica [2], muito angulosos, o loess denuncia a sua origem no seio dos tilitos (moreias), onde o esmagamento ou trituração do substrato rochoso dos glaciares conduziu à formação da conhecida por “farinha glaciária”, “farinha dos tilitos” ou “argila dos tilitos”.

Exposto ao gélido e seco vento do norte, forte e prolongado por milénios, este “pó de pedra” voou para latitudes temperadas, nomeadamente, na Alemanha, Áustria, Bulgária, Roménia e Hungria, nos Estados Unidos da América (Iowa e Nebraska) e na China, onde deu nome ao “Planalto do Loess” e cobre cerca de 640 000 quilómetros quadrados com dezenas de metros de espessura.

O carácter pouco coeso do depósito e a sua estrutura vertical permitiram escavar habitações, como acontece na China, nas províncias de Shanxi, Shaanxi e Gansu.
Habitação rústica escavada no loess (China)
No seu «Principles of Geology», Charles Lyell (1797-1875) divulgou este termo, tendo assemelhado a formação descrita por von Leonhard, no vale do Reno, com a que observou, anos mais tarde, ao longo das margens do Mississippi, durante o périplo que realizou no continente norte-americano. Por esta altura, o loess era visto com um sedimento pelítico de fácies fluvial, interpretação negada, pouco depois, em 1857, pelo engenheiro de minas francês, Virlet D'Aoust (1800-1894), que defendeu a sua origem eólica.

Duas décadas mais tarde, o geógrafo alemão Ferdinand von Richthofen (1833-1905) confirmou e divulgou esta interpretação, na obra «China: Ergebnisse eigner Reisen und darauf gegründeter Studien», em cinco volumes editados entre 1877 e 1912.

Para que se tenham acumulado a grande extensão e a espessura dos depósitos de loess foram necessários uma fonte de poeira siliciclástica, a energia eólica adequada para a transportar, uma área suficientemente plana de acumulação e uma quantidade tempo na ordem de muitos milhares de anos. As vastas planuras aluviais de canais entrançados (anastomosados) que, na Primavera e no Verão transportavam grandes volumes de água do degelo dos glaciares, carregada de sedimentos, ficavam a seco no Outono e no Inverno, expondo os referidos sedimentos, dos quais o vento levantava a dita poeira (silte e argila), transportando-a para Sul.
Sistema fluvial entrançado
Reduzindo o conceito de loess ao critério granulométrico, há autores que definem como tal os depósitos de materiais muito finos oriundos de desertos (Nebraska, Kansas e Colorado, nos EUA, África e Austrália) e outros de cinzas vulcânicas (Equador, Argentina).
A. Galopim de Carvalho

Notas:
[1] Neste contexto, a palavra argila tem significado granulométrico, isto é, o da fracção inferior a 0,004 mm. Além de minerais argilosos (caulinite, ilite e montmorilonite), há quartzo, feldspato, micas e outros minerais, reduzidos a pó, o que é normal sob um clima acentuadamente frio, onde a meteorização química das rochas é, praticamente, inexistente.
[2] Embora em percentagens mínimas, além de cinzas vulcânicas, é grande a variedade de espécies identificadas, mesmo das mais instáveis, dada a pouca agressividade química própria do tipo de ambiente correlativo.

2 comentários:

Holderlin disse...

O meu computador não tem trema. É americano.

Barbie disse...

Gosto da sua boneca, Professor Galopim. É linda!
Um abraço mesmo apertado e os meus parabéns pelo uso que deu ao magnífico cérebro que lhe calhou na lotaria genética.

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...