Talvez alguns leitores não saibam que o currículo é composto por disciplinas reconhecidamente escolares, como aquelas que acima referi e por um leque de "educações para...", (forçadamente) agregadas na difusa expressão que é a "educação para a cidadania".
Estas "educações para..." são propostas elaboradas pelos mais diversos parceiros educativos, forças vivas da comunidade, forças de pressão... acolhidas pelo Ministério da Educação, e escolhidas pelas escolas. Estas, ao abrigo das figuras de Autonomia de escolas e de Gestão flexível do currículo, optam, em geral, por uma ou duas, consoante os "interesses e necessidades" das populações que servem.
Com origem em instâncias internacionais, que ainda não consigo identificar bem, a "educação financeira" foi a última a dar entrada na página da Direcção-Geral de Educação, mas de 2012 até ao presente conseguiu uma implantação notável.
Efectivamente, a parceria entre o Banco de Portugal, o Instituto de Seguros de Portugal e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, levou à concretização do Plano Nacional de Formação Financeira, do Referencial de Educação Financeira, que tem a forma de metas curriculares, e do Programa de Formação de Professores... Além disso, disponibilizam-se, em livre acesso, actividades pedagógicas e materiais didácticos, prevêem-se encontros com diversas entidades da finança e visitas a instituições, não faltam as camisolas com os símbolos a decorar, nem o hino para os alunos cantarem afinada e entusiasticamente nem a celebração do dia da educação financeira, que é a 31 de Outubro. E... talvez me esteja a escapar alguma coisa.
A abrangência é nacional e contempla todos os patamares de escolaridade, desde o início do ensino básico até ao final do ensino secundário, por isso qualquer escola pode desenvolver o seu próprio projecto, sob a designação genérica de "Todos contam", que depois, caso entenda, submete a concurso nacional e internacional (aqui, aqui e aqui).
Numa cimeira anual com a sugestiva designação "Child and youth finance international", com ligações à UNICEF e à OCDE e que tem lugar na sede da ONU (tudo, portanto, ao mais alto nível), premeiam-se os melhores do mundo. E nós fomos os ganhadores da Europa!
A presidente da Comissão de Coordenação desse Plano Nacional declarou, confiante, que estamos no caminho certo e que há muitos países a querer segui-lo (aqui). Ficámos, pois, a saber que este país deprimido, onde a riqueza se distribui de forma desigualitária, onde o sistema social colapsa, onde os desempregados são convidados a sair, onde os mais fracos são visto como um peso... que nos tornámos em tempo record numa referência em educação financeira. Promete, por isso, essa senhora continuar o seu trabalho, quer ir mais além... E assegura que há "um conjunto de iniciativas a serem preparadas".
Já ouvi falar, e mais do que uma vez, que esta "educação para..." poderá transformar-se numa disciplina obrigatória... não sei se é a essa transformação a que se refere... Se isso acontecer, presumo que os conteúdos sejam mais ou menos os que constam na imagem (retirada de um dos filmes referidos acima). Tudo é possível!
Maria Helena Damião
5 comentários:
Isto assusta. Faz tábua rasa da educação, como se todo o percurso que já se fez - sem a disciplina de educação financeira - fosse nada e só agora comecemos, suponho eu, a saber gerir os nossos dinheiros. Como se essa gestão não dependa também das outras disciplinas que agora nem interessam.É a formatação do indivíduo. O mesmo é dizer, a sua redução ao mínimo possível.
Mas que bons somos a ganhar prémios desta natureza - provavelmente porque os outros mais assisados países não estão, "nem aí", para o assunto.Pronto, não há que temer a dívida, esta gente que começa vai endireitar - no pleno sentido - tudo.
Tenho esperança que seja uma moda e passe. Porque os saberes e valores de até aqui, os que ficam, hão-de voltar. Ou então Nietzshe enganou-se, não era o superhomem a chegar, mas um apêndice abortável.
As pessoas grandes gostam de números. Quando vocês lhes falam de um amigo novo, as suas perguntas nunca vão ao essencial. Nunca vos perguntam: “Como é a voz dele? De que brincadeiras é que ele gosta mais? Ele faz colecção de borboletas?” Mas: “Que idade é que ele tem? Quantos imãos tem? Quanto é que ele pesa? Quanto ganha o pai dele? Só assim é que pensam ficar a conhecê-lo. Se vocês disserem às pessoas grandes: “Hoje vi uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado…”, as pessoas grandes não a conseguem imaginar. É preciso dizer-lhes: “Hoje vi uma casa que custa vinte mil contos.” Então, já são capazes de exclamar: “Mas que linda casa!”
Assim, se lhes disserem: “A prova de que o principezinho existiu é que ele era encantador, é que ele ria e queria uma ovelha. Querer uma ovelha é a prova de que existe”, as pessoas grandes encolhem os ombros e chamam-vos crianças! Mas se lhes disserem: “O planeta donde ele vinha era o asteroide B 612”, as pessoas grandes ficam logo convencidas e não se põem a fazer perguntas. As pessoas grandes são assim. Não vale a pena zangarmo-nos com elas. As crianças têm de ser muito indulgentes para as pessoas grandes.
O principezinho, Saint-Exupéry.
Efectivamente, temo pelo presente e futuro das crianças e jovens do nosso país. Temo pelos alunos que, mesmo frequentando a escola, e cada vez mais tempo, continuam a revelar grandes dificuldades, nomeadamente, na sua língua materna… Crianças e jovens que não sabem ouvir nem expressar-se…
Provavelmente, deveria estar optimista pois, mesmo sabendo que os nossos alunos sabem cada vez menos Português, mesmo não sabendo apreciar “uma casa muito bonita de tijolos cor-de-rosa, com gerânios nas janelas e pombas no telhado…”, temos alunos que poderão estar a ser preparados para saber reconhecer o verdadeiro valor das coisas materiais.
Como mãe, e uma vez que a escola parece não estar a conseguir cumprir o seu papel, ensinando os alunos, preocupa-me saber que o tempo escolar dos nossos alunos está a ser passado em tantas educações para…
“A Educação Rodoviária”, “A Educação para o Desenvolvimento”, “A Educação para a Igualdade de Género”, “A Educação para os Direitos Humanos”, “A Educação Financeira”, “A Educação para a Segurança e Defesa Nacional”, “A promoção do Voluntariado”, “A Educação Ambiental/Desenvolvimento Sustentável”, “A Dimensão Europeia da Educação”, “A Educação para os Media”, “A Educação para a Saúde e a Sexualidade”, “A Educação para o Empreendedorismo” e a “Educação do Consumidor”.
A acção educativa não se esgota, ou não se deveria esgotar, na Escola. Como mãe, espero que a Escola ensine ao meu filho o que é especificamente escolar. A escola deve existir para ensinar a todos o que é essencial, estruturante e obrigatório. Quanto ao resto, isso deve ser opcional, deve responder a necessidades específicas de diferentes crianças, pois não podemos acreditar, por muito tentador que seja, que a Escola consegue resolver tudo e colmatar todos os problemas. Como mãe, espero mesmo que a Escola não procure resolver “tudo” com o meu filho, pois valorizo outros espaços de educação, que considero respostas para o seu desenvolvimento saudável e harmonioso.
Ana Lúcia Neves
Parece que os pais não estão a conseguir cumprir o seu papel...
Os pais podem estar - nem todos - a não conseguir cumprir o seu papel. Ninguém é perfeito. E julgo que foi Freud que afirmou que, em educação, façamos como fizermos faremos sempre mal. Mas não podemos deixar que a escola pretenda substituir-se aos pais. São papeis diferentes e necessários. Não reversíveis.
Bem há cerca de 5 anos que saí de Portugal, mas continuo a seguir as notícias com muito interesse especialmente no que diz respeito à Educação e Ciência. E visto de fora o panorma parece estar cada vez pior.
A única coisa que não entendi e como tal tenho que perguntar: esses doutos senhores que conseguem impingir esses programas a que dão o nome de educacionais recebem algum tipo de subsídio/remuneração para espalharem as suas doutrinas ou há uma alguma réstia de juízo em quem (des)governa Portugal e fazem-no com os seus encargos?
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