quinta-feira, 26 de junho de 2014

O medo para motivarmos mais os miúdos!

Imagem retirada daqui

No nosso sistema de ensino, a Educação sexual, como várias outras "Educações para...", ganhou aquela força do "tem-mesmo-de-ser"... O que é o Português quando comparado com a Educação sexual? Dispensável! O mesmo se pode dizer da Matemática. E da Física. E da História... E se a compararmos com a Educação estética e artística ou com as Clássicas, não há dúvida nenhuma: estas são muito menos importantes.

Exagero, admito! Ou, talvez não.

A verdade é que desconheço qualquer lei que estabeleça o regime de aplicação do Português, da Matemática, da Física, da História... Para regular a educação escolar - é desta que aqui falo - existe uma Lei de Bases, e para regular o currículo da educação de infância, do ensino básico e do ensino secundário existem sobretudo decretos-lei, portarias e despachos. Nenhuma disciplina é tão importante que mereça uma lei própria, com a supremacia e força que uma lei tem. Mas a Educação sexual, não sendo sequer disciplina curricular, mas "apenas" componente curricular, tem-na.

Efectivamente, a Educação sexual tem honra de lei - a Lei n.º 60/2009, de 6 de Agosto -, regulamentada pela Portaria n.º 196-A/2010, de 9 de Abril, sendo já antes de 2009 assegurada por uma panóplia de Despachos [1], e depois de 2010 reafirmada pelo Decreto-Lei n.º 18/2011, de 2 de Fevereiro [2].

Associada, agora, à Educação para a saúde - "Educação para a saúde e sexualidade" (aqui. aqui ou aqui) - foi-lhe, entendeu eu, acentuado o seu carácter "patologizante": "infecções sexualmente transmissíveis", "consumo de substâncias psicoactivas", "violência em meio escolar", o diabo-a-sete... Nem a "urgência de educar para os valores" atenua esse carácter...

Medo e mais medo para motivarmos mais os miúdos, disse Daniel Pennac. O que nos esquecemos é que, como recordou, Sophia de Mello Breyner Andresen, "a criança é uma criança, não é um pateta"... Talvez seja isso que justifique o desagrado manifestado por alunos português em relação a essa estranhíssima centração no modelo bio-médico-psico-pedagógico-patológico.

Num estudo realizado pela Sociedade Portuguesa de Psicologia da Saúde, recentemente publicado [3], é isso que referem. O mesmo referem pais e professores:
"Alunos, professores e pais sugeriram uma progressão na abordagem deste tema, ao longo dos vários ciclos de aprendizagem, sugerindo ainda uma monitorização que garanta que o assunto não se centre unicamente nos aspectos biológicos da reprodução e nas infecções sexualmente transmissíveis".
A dita Sociedade propõe melhorias nesta "Educação para..." (tremo quando ouço este tipo de declarações), nunca questionando a sua pertinência em meio escolar... 

Mas devia. 

E, devia porque a orientação da Educação sexual, à semelhança da orientação da generalidade das "Educações para..." não é educativa, é doutrinal [4].

Notas:

[1] Entre esses normativos contam-se
- Despacho n.º 19 737/2005 (2ª série), de 15 de Junho.
- Despacho n.º 25 995/2005, de 16 de Dezembro Aprova e reafirma os princípios orientadores das conclusões dos relatórios no que se refere ao modelo de educação para a promoção da saúde.
- Despacho n.º 2506/2007, de 20 de Fevereiro Define linhas de orientação para o professor coordenador da área temática da saúde
- Despacho n.º 19 308/2008, de 21 de Julho, que determina que, ao longo do ensino básico, em área de projeto e em formação cívica, sejam desenvolvidas competências no domínio da educação para a saúde e sexualidade
[2] Sobre esta lei já me pronunciei neste blogue, por exemplo, aquiaquiaquiaquiaqui.
[3] Estudo que não consegui encontrar, pelo que, para escrever estas linhas, baseei-me em notícias da comunicação social que, estranhamente, não o identificam. Por exemplo, aquiaquiaqui)
[4] Sobre este assunto ver, por exemplo, dois textos divulgados neste blogue: de um professor universitário especialista em sexualidade (aqui), e de um radialista e escritor (aqui).
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Maria Helena Damião

1 comentário:

Anónimo disse...

Excelente reflexão, Professora Helena Damião!

Além do que refere, é de assinalar que cada vez mais a escola assume funções que deveriam ser asseguradas pelas famílias e por diversas instituições públicas (por exemplo: ensinar a reciclar, como lavar os dentes, educação rodoviária, etc...etc...).
Cumprimentos,
Luísa Almeida, Lisboa

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