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sexta-feira, 4 de setembro de 2020

A Duna encontra o Outono em Pequim: diálogos inesperados entre Frank Herbert e Boris Vian

[Outro dos meus artigos no JL de 26 de agosto de 2020 sobre os vários centenários de autores de ficção científica. Gostei especialmente deste. De aprender sobre a ligação de Boris Vian a este universo e de fazer a ligação deste à Duna de Franck Herbert, também ele centenário. O Jornal recomenda, entretanto, várias obras dos autores publicadas recentemente. Além destes trabalhos e de outros artigos, notas e sugestões, o JL tem entrevistas a Ondjaki e João Alvim, discute as feiras do livro de Lisboa e Porto, o teatro, a fotografia e outros assuntos]


Quando a Duna de Frank Herbert (1920-1986), o livro de ficção científica (FC) mais lido de todos os tempos, com pelo menos duas adaptações para cinema, uma delas de David Lynch, foi publicado, em 1965, Boris Vian (1920-1959) tinha já morrido. Morreu com 39 anos, mas deixou uma obra a descobrir. Eu, que fiz parte da geração que lia os livros de Vian pelo seu humor e provocações, nunca tinha pensado em Boris Vian como um autor de ficção científica, mas a enciclopédia de FC na internet disse-me que sim – e eu verifiquei que era verdade. Em Outono em Pequim, obra inclassificável de 1947, que não se passa num outono nem em Pequim, onde o surrealismo se mistura com o humor, tudo com um fundo de música que se sente em toda obra, ou não fosse o autor também músico, tem desertos, areia e dunas. Talvez não seja classificado precisamente como sendo ficção científica, como A Erva Vermelha, por exemplo, mas poderia. Boris Vian era um polimata que traduziu ficção científica, escreveu usando os métodos da ficção científica e escreveu ensaios, em particular um deles sobre o cinema de ficção científica, merece ser lembrado também por isso. Sofria de uma doença do coração, o que o fez com que fosse considerado inapto para a guerra, desaconselhado de tocar saxofone e acabasse por morrer de enfarte de miocárdio.

Há um número enormíssimo de livros sobre ficção científica. Tenho aqui comigo uma referência - já datada, é certo, mas todas o são - para livros e outros materiais sobre livros e materiais de ficção científica, literatura fantástica e horror. Parece ficção científica - um livro que cataloga livros, que catalogam livros e aí por diante - mas não é – existe mesmo! Refere até um livro sobre a ficção científica recursiva, ou seja ficção científica que escreve sobre ficção científica! Natália Correia, sempre atenta, disse em 1981 que não era uma literatura menor – e penso que tinha razão. Basta pensar nos autores que referi, mas também em o Ensaio sobre a Cegueira de José Saramago, por exemplo, agora muito citado. Nesse livro referem, claro, H. G. Wells, Artur C. Clark, Isaac Asimov, Ray Bradbury, Frank Herbert, e muitos outros, mas não encontrei Boris Vian, ele que terá dito que a ficção científica “era o ressurgimento da poesia épica.” Nem mais!

Também no Outono em Pequim há dunas, como referi, mas primeiro falemos da Duna de Herbert. Começo por dizer que não gosto muito da Duna, nem de livros similares. O que mais me aborrece, mas aceito que outros adorem, é a existência de um mundo alternativo no futuro que se passa a milhares de anos, com viagens mais rápidas do que a luz e muitas tecnologias para nós desconhecidas. Para mim, o mais interessante está nas entrelinhas. As pessoas continuarem a ser humanas, claro, e serem até mais feudais e religiosas. Os computadores e robôs, assim como todas as máquinas que podem imitar o homem estão proibidos! Como é que isto é possível? O livro apresenta uma solução: computadores humanos. Paralelamente, há uma especiaria que só existe no planeta Arakis onde quase não existe água e por isso esta e o sangue (que como sabemos é uma solução aquosa) são preciosos. E os nativos usam fatos destiladores para não perderem água. Claro que a narrativa tem falhas, mas é plausível. Ou talvez não seja em 2020, mais de sessenta depois de ser escrito! Com a tecnolgia de hoje saberíamos qual era a estrutura tridimensional da especiaria que, de acordo com uma enciclopédia sobre o livro, tem uma parte parecida com a canela e outra parecida com a hemoglobina. A milhares de anos de distância, com viagens no espaço-tempo, mais rápidas do que a luz - comandadas por computadores humanos, é certo - continuam a não saber qual é a estrutura da molécula mais importante e central na civilização? Claro que podemos suspendar a nossa desconfiança, mas essa eu tive alguma dificuldade em engolir. Afora isso, vemos claramente como o Duna influenciou muita da literatura de ficção científica que se seguiu e, em particular, os filmes conhecidos como Star Wars, estes que, por outro lado, revolucionariam o consumismo. E ao mesmo tempo tem sido visto como um livro ecológico. Esse aparente paradoxo também me fez pensar. Mas percebemos mais ou menos porquê: a tecnologia é biológica. Na minha opinião, o melhor do livro são as imagens que acabaram por influenciar o cinema e a banda desenhada de ficção científica. Agora, em 2020, parecem banais mas não eram, sendo que o Duna pode ser também um filme de franchising – na verdade este é também uma saga com vários episódios. Um conhecido cineasta, Martin Scorcese, disse, e explicou mais tarde, que isso não era cinema por já se saber o que irá acontecer, e sobretudo como será feito. Ele referia-se aos filmes de super-heróis e, em particular, aos filmes de franchising, aos filmes de chave-na-mão, mas acho que ele (ou nós) podermos estar a cair no mesmo erro das pessoas que pensam que a literatura de ficção científica é uma literatura menor. Pode ser, sim, se for unilateral e banal, só para vender, mas pode ser excelente se nos abrir os olhos, se tiver vários caminhos possíveis, mesmo sabendo nós a história, aliás como acontece nos mitos gregos - toda a gente sabe, ou pode saber, o que acontece ao Édipo, por exemplo.  

O Outono em Pequim foi escrito afinal na primavera e refere autocarros que se perdem nas cidades e um deserto longinquo mas estranhamente, ou não, familiar, onde estes nos podem levar por acaso. Rolls refere também A Visita Maravilhosa de Wells, a Viagem ao Fim da Noite de Céline, a Alice no País das Maravilhas de Carroll, O Estrangeiro de Camus e o Trópico de Cancer de Miller. Mas, deixemos isso para os especialistas. Este livro não tem medo de ser divertido, essa é que é essa. O deserto estabelece a ligação entre os dois livros mas a seriedade pomposa afasta os dois autores. Como referi, Boris Vian traduziu para francês e escreveu sobre ficção científica. Depois de Jules Verne ser quase abandonado em França, Boris Vian escreverá sobre ficção científica (FC) e temos um volume compilando crónicas de cinema e FC. É neste que recupera um artigo, escrito sob psedónimo, em 1947, em que declara que o romance de antecipação é agora chamado de ficção científica. Neste também antecipa como seria sua vida em 2000, ano em que terá 80 anos, mas não, não foi bem assim. Boris Vian não antecipou, como refere o cardiologista Gilgenkrantz, os tratamentos cardíacos que se seguiram, tendo morrido numa ambulância.

quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Ray Bradbury: A ficção Científica que é Literatura Fantástica

[Outro dos meus artigos no JL de 26 de agosto de 2020 sobre os vários centenários de autores de ficção científica. Gostei muito deste pela ligação menos conhecida ao Moby Dick. O Jornal recomenda, entretanto, várias obras dos autores publicadas recentemente. Além destes trabalhos e de outros artigos, notas e sugestões, o JL tem entrevistas a Ondjaki e João Alvim, discute as feiras do livro de Lisboa e Porto, o teatro, a fotografia e outros assuntos. Boas leituras!]

Comemora-se este ano o centenário do nascimento de Ray Bradbury (1920-2012). Em Jardins de Cristais – Química e Literatura (Gradiva, 2014) escrevi que este não era tanto um autor de ficção científica mas mais um autor de narrativas fantásticas. E dava como exemplo o conto As Maçãs Douradas do Sol, no qual, uma nave espacial arrefecida a amoníaco, vai recolher bocados do Sol para usar como energia. O autor apresenta para a nave uma temperatura de milhares de graus negativos que viola a temperatura zero (que é de -273,15ºC) colocando este livro no domínio do fantástico, e isso é interessante no que concerne à distinção entre o que é possível e que não é.

Toda a gente vê que as pessoas não voam com pó mágico e bons pensamentos e não temos dificuldade em chamar a isso fantasia. Mas podemos não saber que a termodinâmica não permite temperaturas tão baixas, por exemplo. É por isso que uma verdadeira cultura científica é tão necessária. Ajuda-nos a distinguir a fantasia da realidade e nisso a ganhar novos mundos, ou ajuda-nos a perceber um argumento científico, ou a separar a ciência da pseudociência - estou-me a lembrar dos excelentes Pipocas com telemóvel (Gradiva 2012), ou A ciência e os seus inimigos (Gradiva, 2017) de Carlos Fiolhais e David Marçal. Não quero com isto dizer que não haja franjas, complexidades e aspectos técnicos – sim há. Mas é uma grande infelicidade haver erros tão banais como errar a tabuada que nunca irão mudar e são esses que deveremos evitar sob pena de sermos enganados e não percebermos o mundo em que vivemos.

Disse ainda, nesse livro, que Ray Bradbury levantava outros problemas numéricos. Por exemplo, no seu famoso Fahrenheit 451, também datado de 1953, usa como título o suposto valor da temperatura (em Farenheint) a que o papel arde de forma espontânea (temperatura de auto-ignição). Como é bem conhecido, neste livro distópico os bombeiros não apagam fogos, antes queimam livros, quaisquer livros, pois estes foram proibidos. Disse que são muitos os aspectos químicos que podem ser encontrados neste livro. E é verdade. Os processos de combustão, os materiais incombustíveis de que são feitas as casas, os antidepressivos e as drogas, são alguns exemplos, mas salientava, e ainda saliento, muito em particular a química dos odores. Ao longo de todo o livro os cheiros têm um papel importante nas suas relações com as memórias. A tomada de consciência do bombeiro e também na perseguição deste realizada por um mastim mecânico que usa o espectro do seu cheiro para o detectar. Este cão não vai aparecer no filme, talvez pelos aspectos técnicos, talvez por não ser interessante em termos de imagem, mas acaba por ser um aspecto interessante e muito actual a considerar. Na realidade os odores e a sua relação com a memória desempanham um papel importante em boa parte da literatura. Lembro apenas os cheiros que marcam a vida de Fermina Daza em o Amor nos Tempos de Cólera de Gabriel Garcia Marques e o famoso bolo (uma madalena) que conduz o narrador à sua infância de Em Busca o Tempo Perdido de Marcel Proust.

Fahrenheit 451 é muito conhecido e teve várias versões em contos e livros até à versão final que agora conhecemos. Há várias interpretações para a queima dos livros e isso é, na minha opinião, a boa literatura – haver várias possibilidades e caminhos. O próprio Bradbury contribuiu para isso referido o seu amor incondicional aos livros e como a televisão os poderia destruir. Não foi isso que aconteceu – nem a televisão, nem  a internet, que em 1953 não era conhecida, matou os livros. Podería falar das suas Crónicas Marcianas, do Homem Ilustrado, ou de outras conhecidas obras. Mas não. 
 
Falo aqui do amor de Bradbury à literatura e de um problema que me intrigava e me fez voltar ao Moby Dick de Herman Meleville. Por que é Ray Bradbury disse e escreveu que a personagem de Persee Fedallah arruinava a obra? É verdade que este é referido de forma enigmática por Melville apenas a partir da capítulo 48 como um dos cinco fantasmas que rodeavam o capitão Ahab mas ainda não tenho um resposta convincente.     

Como jovem argumentista de Hollywood, Ray Bradbury adaptou, também em 1953, o Moby Dick para o filme do mesmo nome de 1956 de John Huston com Gregory Peck a fazer de Ahab e com o sermão do padre Mapple a ser realizado por Orson Wells. Uma equipa fantástica como John Huston referiu. Os efeitos especiais eram rudimentares pelos padrões de hoje e para dar uma cor profunda ao filme foram sobrepostas a película a cores e preto e branco (diz-me a wikipedia). E, de facto, na cópia que tenho as imagens são bastante escuras. Ray Bradbury tratou de dizer a John Huston, o seu herói, que Fedallah seria atirado borda fora e as suas melhores deixas passariam para Ahab, com o que John Huston concordou de imediato.    

Em 1992, Ray Badbury publicou Green Shadows: White Whale (que julgo não ter sido traduzido para português) o qual trata da sua ida à Irlanda e da escrita do guião do Moby Dick. Começa com a chegada ao mundo verde da Irlanda e um diálogo incrível com um inspector da alfandega sobre cultura, em particular sobre literatura, sobre o Moby Dick e o Hamlet. Muito do livro são os seus diálogos (verdadeiros ou inventados) com personagens locais ou com John Huston, enquanto escreve o guião do filme. Durante esse tempo, fala, vive e sonha com a literatura. Com Hemingway, Shaw, Chesterton, Wells entre outros, e ganhará um prémio, ele que aparentemente era conhecido como um Flash Gordon que punha toda a sua libido nos foguetões. Mas adaptar o Moby Dick era o seu sonho – conta - ele que amava a literatura e leu o livro totalmente três vezes, algumas partes cinco vezes e outras pelo menos vinte vezes.    

Escrevi em 2014 que um bom livro de ficção científica, policial ou de literatura fantástica, mas também de ciência, é aquele que nos abre os olhos para enigmas para os quais ainda não temos solução. Continua a ser absolutamente verdade para mim.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Asimov: centenário da escrita e leitura compulsivas

[O JL de 26 de agosto de 2020, traz artigos meus que vou aqui colocar sobre os vários centenários de autores de ficção científica. Falo de vários autores (aproveito para corrigir algumas gralhas), nascidos em 1920, que transbordaram, ou estão ligados, a a este universo.O Jornal recomenda, entretanto, várias obras dos autores publicadas recemente. Além destes trabalhos e de outros artigos, notas e sugestões, o JL tem entrevistas a Ondjaki e João Alvim, discute as feiras do livro de Lisboa e Porto, o teatro, a fotografia e outros assuntos. Boas leituras!]

Isaac Asimov, nome inglês de Isaak Yudavich Azimov, nasceu na Rússia, antigo União Soviética, a dois de janeiro de 1920, segundo o próprio, e morreu em Brooklyn a 6 de abril de 1992. Os dados parecem estar na Wikipédia, mas olhemos para eles com mais atenção.

Isaac descreve numa sua autobiografia desde que nasceu até aos anos 1950, publicada em 1979, que queria inicialmente ser médico e que se formou em ciências com um major em química, em 1939. Que fez um mestrado em química, insistindo muito com os professores, nomeadamente com Urey, prémio Nobel em 1934. Refere que adorava a química mas que pensava ganhar a vida a escrever. Embora, por essa altura, muitos manuscritos seus fossem rejeitados. A guerra apanhou-o e foi para a Marinha e só se doutorou em 1948. Ao mesmo tempo que fazia um pós-doc, concorria para vários lugares e foi sendo recusado. Acabou num inesperado lugar de professor de bioquímica numa escola médica de Boston, ele que desistiu de ser médico! Hoje, muitas pessoas acham que ele era bioquímico e de facto foi (mas antes foi químico). Fez alguma investigação e ensinou esta matéria. Mas o que gostava mais, diz, era de ensinar, escrever e divulgar. É engraçado que o seu primeiro livro famoso tenha surgido quando conseguiu esse lugar e na contracapa apareça a sua afiliação, o que o faz pensar em demissão. Diz-lhe o presidente da escola que se o livro era bom a escola não se importava de ficar associada a ele.

Muitos professores ensinam aquilo que não aprenderam, como é óbvio. Tiveram de estudar. As pessoas podem tornar-se especialistas se estudarem a sério. Lavoisier não era formado em química, mas sim em direito. Quando as coisas correm mal gostamos de dizer que as pessoas eram de outra área. Thomas Midgley Jr., ligado à gasolina com chumbo e os CFC, formou-se em mecânica e só depois obteve um doutoramento em química. Dirac era formado em engenharia antes de tornar o génio matemático e físico que conhecemos. Em Portugal atualmente (não vou referir nomes) torcem o nariz às pessoas que ensinam uma coisa e tiveram formação inicial noutra. São raros os que têm lugares fora do sua área inicial. Gostamos de referir o percurso, por exemplo, de Bento de Jesus Caraça, mas quando as coisas correm mal lembramo-nos da formação inicial...

Gosto especialmente do conto de Asimov sobre a galinha dos ovos de ouro (Mistérios, Vega, 1990). É a mesma história, mas travestida de ciência e tecnologia. Está muito bem feita porque as pessoas quase acreditam. A bioquímica é razoável, assim como a física nuclear. Mas nunca vimos uma galinha dos ovos de ouro e o investigador, levando-a para o laboratório, desmontando-a, mata-a e acaba com os ovos de ouro.

São também muito famosos os seus livros de contos sobre robôs. Mais ainda as suas leis da robótica que como é sabido têm mais de 70 anos. Hoje em dia, tempo da inteligência artificial (AI), de Internet das coisas (IoT), de e Big Data e comunicação permanente, presentes de forma ubíqua, em particular nos telemóveis, lembramo-nos por vezes que muitas das atividades decididas pelos computadores e feitas por máquinas. Os pilotos automáticos deram lugar às aterragens conduzidas por máquinas. Os carros autónomos comunicam como se fosse telepatia entre condutores gentis. As profissões e atividades transformam-se de forma imprevisível. Claro que temos as distopias do controlo como o 1984 e o Admirável Mundo Novo, mas não era isso que referia.

Referia-me ao conto do robô que aprendeu a mentir. Esse conto é admirável por si só e, na minha opinião, não precisa de sobrenatural. O robô lê pensamentos, ninguém sabe como, mas não era necessário explicitar que ele lia mesmo pensamentos. Ler pensamentos é interpretar os pensamentos, pensar o que os outros pensam. E as máquinas podem fazer isso muito bem. Podem aprender a perceber os sentimentos e agir em conformidade. Podem aprender a identificar padrões melhor que os humanos. Voltando atrás, um robô aprende a perceber o que as pessoas querem ouvir, mas ele dá também conta que de isso é muito complexo. Então pede romances e livros humanos, que segundo ele, seriam muito mais complexos do que os livros de mecânica quântica. O robot começa a perceber que a psicóloga de robôs de meia idade está a apaixonada, que um cientista quer o lugar do outro, e diz-lhes o que eles querem ouvir. Assim, temos uma psicóloga que se arranja e pinta e um cientista que é arrogante com o chefe que se vai demitir, o que surpreende por os robot nunca mentirem. Confrontado com a contradição, o robô não a consegue resolver e autodestrói-se. Hoje não seria assim com a lógica difusa, por exemplo.


Isaac Asimov morreu relativamente novo (pelos padrões de hoje), com 72 anos, e só começou a publicar regularmente depois dos 30 anos. Mais de quatrocentos dos seus cerca de quinhentos livros foram publicados depois dos cinquenta anos. Tem uma produtividade média de onze livros por ano e atingirá a sua produtividade máxima aos 69 anos com quase quarenta livros. A escola estava tão contente por ter esse autor entre os seus académicos que não lhe dava aulas regulares.

Em oposição, António Nobre só publicou um livro. Harper Lee também o queria fazer, mas descobriram um livro dela depois de morta (é muito perigoso estar morto).

Outro livro que acaba por conter todos os estilos e preocupações de Asimov é o Planeta dos deuses (Livros do Brasil, 1980) de 1972 publicado na coleção Argonauta. Na Terra, passado um século, em 2070, houve uma grande crise (não sabemos qual) e a população passa de seis para dois mil milhões, havendo uma colónia na Lua. Entretanto, descobriram um bomba de energia, chamada “bomba eletrónica” baseada na estabilidade inesperado do inexistente tungsténio 186. Esta bomba era conduzida por para-universo de leis diferentes que usava a segunda lei da termodinâmica para obter energia nos dois universos. Parecia violar aquela lei, mas lançando os problemas no outro universo mutuamente parecia não violar. Há obviamente vários problemas e contradições na ideia, mas parece plausível como toda a boa ficção. Mas os dois universo convergem para ter as mesmas leis e no final morrerão. Esperava-se que passado muito tempo. Os cientistas que duvidam são renegados e postos na prateleira. Há aqui um vislumbre de meio académico tacanho mas muito estilizado. O capítulo acaba (aliás todo o livro se baseia nesta citação) referido uma peça de Schiller, “mesmo os deuses são impotentes perante a estupidez.” Devemos notar que Asimov fez muitos guias, desde Shakespeare à medicina, passando pela Bíblia e era (a contragosto diz-se) presidente de uma das associação de sobredotados mais conhecida.

No segundo capítulo aparecem os “deuses”, extraterrestres avançados e muito diferentes. A ficção científica clássica - derivada da fantasia - em toda a sua glória. Duros e flexíveis, racionais e sensitivos, tríades cuja fusão é dificultada pelas variações das leis.  Finalmente temos um capítulo passado na Lua que tem um sincrotrão e pessoas que tendo nascido lá não têm músculos e ossos adaptados à gravidade da terra (este tema é tratado também por Robert Heinlein) que nunca teve um bomba eletrónica. Foi aí que aparecem a notícia da bomba contrária mas fica em aberto o que se passará a seguir. 

Este é grande mote da ficção científica, da literatura e da vida. Não sabermos o que se passará a seguir.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

BREVE PRÉ-HISTÓRIA DA FICÇÃO CIENTÍFICA

Excerto de um artigo que publiquei na revista on line Adn80 (revista para quem gosta de ler online e sem distracções).



«O termo “ficção científica” surge pela primeira vez nos finais do século XIX. Mas podemos balizar o percurso de uma pré-história da ficção científica como tendo tido início depois do nascimento da ciência experimental moderna. E esta aconteceu com Galileu Galilei e Johannes Kepler no início do século XVII.
Se Galileu é reconhecido como figura principal na revolução científica, a Kepler, astrónomo e matemático alemão, devemos as três leis sobre o movimento dos planetas, que recebem o nome em sua homenagem e que foram base de partida para a formulação, por Isaac Newton, da lei da atracção universal.
O curioso é que grandes divulgadores da ciência e da cultura humana, como Carl Sagan, identificam num destes gigantes da ciência o autor da primeira obra da pré-história da ficção científica. Como disse o poeta cientista, “eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida”. E de facto parece ter sido pelo sonho de uma viagem à Lua que a pré-história da ficção científica começou. (…)»
(o restante artigo encontra-se aqui)
A ilustração faz parte de uma série da artista Bettina Forget inspirada na obra “Somnium”. ©Bettina Forget

António Piedade

sexta-feira, 10 de maio de 2013

SONHO

Poema publicado na revista Papel


Sonho

Sonho que os Selenitas
Cultivam nas crateras lunares
Pomares de luar para os amantes,
Que iluminam Cyrano de Bergerac nos seus poemas escaldantes.
Sonho que viajo até aos Estados e Impérios do Sol
E que me plasmo em labaredas cómicas e auroras errantes.

Sonho que viajo com Micromegas,
Entre Sirius e Saturno, à velocidade da luz.
E que num instante, encontro gigantes
Companheiros de Gulliver e de outros viajantes.

Sonho que encontro uma Nova Atlântida,
Em mares para sempre imaginados,
Ilha científica, em que nasce tecnologia
Por entre canteiros de ficções oníricas
Indistinguíveis da pura magia.

Sonho que esvoaçam por entre neurónios,
Inconstantes realidades que me fazem,
Ora Monstro, ora Homem,
Numa transmutação insustentável e
Socialmente odiável.

Acordo.
Descubro o medo de já não ser mais o centro da criação,
Do sistema solar, do Universo,
De já não ser dono da consciência sem emoção
Despojado de qualquer livre-arbítrio adverso,
Como uma criatura só, por ter nascido retalhada,
Aprisionada num medo ancestral cheio de nada.

Sonho que converso com Frankenstein,
Sobre a origem das espécies.
E que ele me fala de um Homem velho,
Num Admirável Mundo Novo.
Sonho que ao sonhar compreendo melhor,
E que a consciência irradia em expansão acelerada pelo Cosmos.

Sonho.


António Piedade
04 de Maio de 2013

sexta-feira, 18 de maio de 2012

TRETAS ESTAMINAIS

A crioestaminal, uma empresa que se dedica à recolha e preservação de células do sangue do cordão umbilical, iniciou recentemente uma campanha de publicidade bastante reprovável:



Há utilidade reconhecida na preservação das células do sangue do cordão umbilical em bancos públicos, em que as células podem ser transplantadas para qualquer pessoa que delas necessite (não apenas o dador ou os seus familiares). Ao contrário da ideia que se pretende fazer passar no anúncio, e de um modo eticamente abjecto, a preservação de células do sangue do cordão umbilical para uso próprio é altamente controverso, com uma utilidade muito, mas mesmo muito, questionável. Em grande medida, é um exercício de pura futurologia médica, mais próximo da ficção científica do que da ciência.

É muito difícil estimar a probabilidade de uma criança necessitar das células do sangue do seu próprio cordão umbilical. Isto, porque muitas das potenciais aplicações ainda não existem. Mas é muito baixa. Qualquer coisa entre uma hipótese em 1000 e uma hipótese em 200000.

As recomendações da Academia Americana de Pediatria acerca deste assunto são estas:

1. As doações do sangue do cordão umbilical devem ser desencorajadas sempre que o sangue do cordão umbilical seja guardado exclusivamente para uso pessoal. Isto, porque muitas condições clínicas que poderiam ser tratadas com sangue do cordão umbilical já existem no sangue da criança. Os médicos devem estar conscientes de que os bancos de sangue do cordão umbilical privados fazem alegações não fundamentadas aos futuros pais, prometendo uma espécie de seguro para as crianças contra doenças graves no futuro.

2. Não sendo um procedimento habitual, a recolha de sangue do cordão umbilical para uso próprio, deve ser encorajada apenas quando se tem conhecimento da existência de um membro da família com uma condição clínica que possa potencialmente beneficiar com um transplante do sangue do cordão umbilical.

3. A doação de sangue do cordão umbilical deve ser encorajada quando se destinar a um banco para uso público.

4. Como não há dados científicos suficientes para justificar a preservação de sangue do cordão umbilical para auto-transplantes e é difícil fazer uma estimativa da necessidade desses transplantes, e tendo em conta  possibilidade do transplante a partir de dadores não familiares, a preservação privada do sangue do cordão  como um "seguro biológico" deve ser desencorajada.

Em Portugal, o que faz sentido é doar o sangue do cordão ao Lusocord, o banco público de células de sangue do cordão umbilical. É (relativamente) fácil, é barato (grátis) e pode ajudar milhões.

Infelizmente, o Lusocord está com dificuldades financeiras, o que é absurdo. Esperemos que os problemas sejam ultrapassados e que haja uma aposta do governo em manter e expandir esse serviço público. De qualquer forma, a eventual falta de capacidade do Lusocord não valida a Crioestaminal como alternativa. Quando uma coisa que serve para alguma coisa não está a funcionar, de nada adianta substituí-la por outra que não serve para nada.

Um nota final: o artigo científico citado no anúncio refere-se à probabilidade de transplantes de células estaminais hematopoéticas (presentes no sangue do cordão) ao longo da vida, mas de qualquer origem. Ou seja: não apenas as do sangue cordão umbilical para auto-transplante, mas também transplantes de terceiros, nomeadamente da medula óssea (que podem ser recolhidas ao longo da vida). Usar estes números para sustentar a possível necessidade de auto-transplante, como se isso fosse a única possibilidade, é pura e simplemente intelectualmente desonesto.


Para além disso, e segundo o estudo citado, a probabilidade de necessitar de um transplante de células estaminais hematopoéticas aumenta com a idade, sendo especialmente significativa depois dos 40. O anúncio, já que se baseia neste estudo, deveria ser protagonizado por um quarentão barrigudo e calvo.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Levi e Regge em diálogo


Um pequeno extracto do rico diálogo entre o escritor Levi e o físico Regge que acaba de sair em livro na Gradiva, uma obra que vivamente recomendo:

"LEVI: O facto é que, nesta altura, me parece completamente sem sentido que alguém que não um físico escreva um romance de ficção científica. Actualmente, a literatura de ficção científica é uma reserva de caça privada, algo escrito por físicos e para físicos. A parte que entra no mercado comercial é lixo marginal. A verdadeira ficção científica é a que circula na república dos físicos. Foi fundada por gente que sabia alguma física e biologia, que era capaz de comunicar, e de facto teve enorme sucesso.

REGGE: Mas ficou desactualizada muito rapidamente. Se reler os textos da Urania [Revista italiana de contos de ficção científica publicada desde 1952 (edições A. Mondadori). (N. do T.], parece-lhe impossível que, passados vinte anos, a ficção científica tenha sido tão ultrapassada pelos factos. Todas as viagens à Lua se tornaram ridículas, parecem cenários feitos com papel de embrulho.

LEVI: Excepto o livro de Wells, que julgo intitular-se Os Primeiros Homens na Lua e tem uma ideia muito bela: há o cientista habitual, ligeiramente doido, que inventa uma substância plástica que intercepta a força da gravidade. Se te puseres sobre uma placa do «cavorite» dele deixarás de ter peso. O cientista decide construir um veículo muito simples para ir à Lua, um poliedro com cinco ou seis metros de diâmetro, feito de pequenas persianas de «cavorite» que abrigam o inventor e o seu companheiro. O veículo, evidentemente, não tem peso, e para se deslocar é aberta uma janela voltada para a Lua, isto é, ele só «pesa» na direcção da Lua.

REGGE: A astúcia de Wells estava em ele não tentar explicar as máquinas que imaginava. Elas estavam muito além das capacidades tecnológicas do seu tempo e, portanto, não podiam envelhecer.

LEVI: Nem sempre: em Guerra no Ar, Wells previu realmente a Segunda Guerra Mundial, a aliança entre o Japão e a Alemanha, a importância da guerra aérea. Por comparação, Verne parece um pouco patético, um pouco didáctico. Mas um romance de Verne que não é ficção científica, Miguel Strogoff, e que recentemente reli, parece-me muito belo. E o mesmo se pode dizer de Volta ao Mundo em Oitenta Dias, em que o esquecimento dos fusos horários é muito sagaz. Contudo, mantém-se o facto de um género popular como a ficção científica estar em implosão e a tornar-se uma espécie de reserva de caça, um monopólio dos físicos.

REGGE: Asimov deixou de escrever, mas mesmo a sua famosa trilogia tem uma ficção que não se aceita: uma viagem a uma velocidade superior à da luz, e, como sou relativista, tais coisas dão-me traumas psíquicos.

LEVI: As exigências da história forçaram-no a fazer aquilo. Ou se deixa de escrever ou se tenta sub-repticiamente introduzir elementos que vão contra as leis conhecidas.

REGGE: A luz é desesperadoramente lenta para os autores de ficção científica; tentam rodear este facto sem nunca serem capazes de encontrar uma solução. E eu sofro.

LEVI: Arthur C. Clarke tentou elaborar uma lista de coisas que são imagináveis e outras que não são: a inteligência dos mamíferos, estradas de tapetes-rolantes, veículos com colchão de de ar, todos funcionam. Outros não, como a máquina do tempo.

REGGE: Posso compreender uma viagem até à estrela mais próxima, não a curto prazo, digamos dentro de trezentos anos, desde que a humanidade entre num período extraordinário de crescimento económico, seja capaz de colonizar a faixa de asteróides e desenvolva satisfatoriamente a fusão nuclear. O método poderia ser o projecto Oríon imaginado por Dyson: um veículo espacial que tem um espelho semi-esférico de cobre na parte posterior, enorme, qualquer coisa como dez quilómetros, e que a intervalos regulares lance unidades propulsoras, isto é, bombas de hidrogénio que atinjam o centro da esfera, expludam, e empurrem a nave através da onda de impacto. Duzentas mil bombas de hidrogénio seriam suficientes para se alcançar um centésimo da velocidade da luz. Desta maneira, ao fim de quatrocentos anos, chegaríamos à estrela mais próxima. O problema é que uma colónia de pessoas a bordo desta nave degeneraria rapidamente, regressaria a uma cultura provinciana, enfrentaria, depois, sérios problemas genéticos, golpes palacianos, e por aí adiante. O nosso conhecimento sobre o funcionamento de uma sociedade humana é muito mais imperfeito do que o nosso conhecimento sobre máquinas. Já sem mencionar o facto de ser impossível garantir que a maquinaria da nave necessária para a sobrevivência seja capaz de funcionar durante milhares de anos. Hoje em dia, nem mesmo um elevador tem garantia de dois meses..."

quinta-feira, 4 de agosto de 2011

ETOLAS - O ARQUITECTO MINERAL!


Um outro dos meus doze textos constituintes do “Cordel de Ciência”, ilustrados por Diana Marques, iniciativa promovida e inaugurada no Pavilhão do Conhecimento aquando da comemoração do seu 12º Aniversário, no passado dia 21 de Julho de 2011. Passe por lá e leve-os consigo pela mão! Entretanto…e a pedido de alguns leitores que habitam outras paragens transatlânticas...

"Depois de um dia magnífico, passado entre brincadeiras e gargalhadas, Ricardo descansa o olhar no imenso céu estrelado que vê através da janela do seu quarto.

Enquanto o sono não chega, para viver novas aventuras em sonho, Ricardo colecciona cores e intensidades diferentes nos brilhos das estrelas. Na caderneta estrelar do Ricardo não há cromos repetidos. Aliás, Ricardo tem dificuldade em encontrar duas estrelas iguais na vastidão da abóbada celeste observável através da janela do seu quarto.

Subitamente, a intensidade do brilho de uma estrela aumenta de tal forma que inunda o seu quarto de luz. Surpreendido, Ricardo senta-se na cama e esfrega os olhos. Não podia acreditar: algo muito estranho tinha vindo junto com o brilho.

- Quem és tu? – pergunta Ricardo, estupefacto.
- Sou Etolas, o melhor arquitecto de minérios desta galáxia!
- Arquitecto de minérios?! Que profissão é essa? – questiona Ricardo, cada vez mais intrigado.
- Arquitecto as condições espaciais para que novos minerais possam ser gerados… – Ricardo interrompe Etolas.
- Espaciais? Mas donde é que tu vens? Não me pareces nada com um astronauta!
- Eu venho de um planeta que já não existe neste Universo – responde Etolas, com nostalgia. – Um planeta que orbitava entre Marte e Júpiter, mais precisamente onde hoje existe um belo cinturão interno de asteróides neste sistema solar.
- Não me digas que és um extraterrestre? – pergunta Ricardo, desconfiado.
- Do vosso ponto de vista… Sim, sou um extraterrestre.
- Estranho! Não pareces nada com os extraterrestres dos filmes que vejo: não tens antenas, não tens só um olho, não tens quatro pernas, a tua cabeça parece-me humana… Não me pareces nada com um extraterrestre. – diz Ricardo, com a dúvida a turvar o olhar.
- A imagem que vês de mim é fruto da tua imaginação. Sabes – continua Etolas – é difícil imaginarmos coisas diferentes daquelas que estamos habituados a ver e sentir desde que nascemos. E eu que te diga: não é mesmo nada fácil, mesmo para mim que já por cá viajo há milhões de anos! Por isso, é normal que a imagem que o teu cérebro constrói sobre mim não seja muito diferente da de uma imagem humanóide.
- Curioso… – comenta Ricardo – Aquilo que dizes faz algum sentido, mesmo para mim que colecciono cores e brilhos de estrelas. Apesar de ainda não ter encontrado, com a vista desarmada, duas exactamente iguais, não posso dizer que no geral sejam assim tão estranhas umas das outras. Mas, e para ti, Etolas, como é que eu te apareço? – pergunta Ricardo, desafiante.
- Queres mesmo que te diga? – compassa Etolas.
- Quero. Sou assim tão estranho aos teus olhos? – insiste Ricardo.
- Para mim a tua imagem não é estranha, pela mesma razão que a minha imagem para ti não é muito diferente da de um humano – responde Etolas.
- Mas então, se me disseres como me vês, ficarei com uma ideia de como és! – exclama Ricardo – como é que eu te apareço visualmente?
- Como um minério composto essencialmente por fosfato, cálcio, oxigénio e hidrogénio! Estes elementos, organizados em estruturas tridimensionais a que vocês dão o nome de cristais de hidroxiapatita. É uma estrutura cristalina interessante – continua Etolas – do meu ponto de vista de arquitecto de minérios, e única, posso confirmar-te, por todo o Universo por onde já viajei!
- Pareço-te então um esqueleto?! – boceja Ricardo.
- Lá está a tua incapacidade de escapar ao que te é conhecido – responde Etolas – Para mim és uma estrutura mineral que resultou do crescimento organizado de cristais, cuja regularidade nuclear pode ser descrita pela fórmula química Ca10(PO4)6(OH)2, para falarmos numa mesma linguagem química.
- Curioso não detectares carbono na minha composição! – diz Ricardo, espantado.
- Para mim – responde Etolas – o elemento carbono é superficial na imagem que tenho de ti. Aliás, deixa-me dizer-te que, para mim, as estruturas à base de carbono são muito monótonas…
- Mas é sobre essa monotonia carbónica que a vida neste planeta se edificou… curiosa essa tua visão – remata Ricardo, pensativo, para logo perguntar: – Mas se o teu planeta já não existe, de onde vens tu agora? – Ricardo abre a mão para o céu estrelado.
- Não venho de lado algum – afirma Etolas, categórico – Viajo pelo Universo à procura dos meus minérios, dos meus cristais preciosos e únicos. Já te disse que sou um arquitecto de minérios.
- Não estou a perceber nada! Se calhar estou a sonhar… – diz Ricardo, espreguiçando-se.
- Vou-te explicar com um exemplo concreto: lembras-te do minério que os vossos cientistas baptizaram por Wassonite? – pergunta Etolas, refulgente.
- Vagamente… Aquele encontrado num meteorito, creio que designado por Yamato 691, descoberto na Antártica em 1969, e que se pensa proveniente da cintura interna de asteróides… – intervala Ricardo, atónito, para recomeçar entusiasmado – Não me digas que é um pedaço do teu planeta…
- Não, Ricardo – responde Etolas. – Esse meteorito é o que resta de um dos inúmeros canteiros de minerais que eu arquitectei a partir dos elementos disponíveis. Esse, em particular, até foi uma das minhas últimas arquitecturas minerais, elaborada a partir dos elementos enxofre (S) e titânio (Ti). Consegui um arranjo cristalino estável e singular, na senda de contribuir para a imprescindível diversidade mineral do Universo! – expõe Etolas, com uma pose muito extraterrestre.
- És mesmo inorgânico, Etolas! – conclui Ricardo, piscando um olho.
- Do meu ponto de vista, sou universalmente mineral! – graceja Etolas, imiscuindo-se no seu brilho cristalino.

O galo do tio Alfredo cantou, seguindo a “Partitura de Alvorar”, autoria do “cósmico anónimo”.

Ricardo acorda. Estremunhado, recorda-se de um sonho de outro mundo, com vida muito mineral…

António Piedade

domingo, 3 de julho de 2011

XMEN: O INÍCIO



Já está nos cinemas portugueses o filme "XMen: O início", ficção científica baseada em mutantes. Começa na Polónia, na Segunda Guerra Mundial, e termina com a crise dos mísseis em Cuba, no início dos anos 60. Pelo meio muita acção e alguns clichés sobre a ciência e os cientistas...

terça-feira, 7 de junho de 2011

FICÇÃO: Portugal em 2111


A revista Pública desafiou-me para um exercício de ficção, para distrair das eleições no dia das mesmas, imaginar como comunicaremos daqui a 100 anos. Receio que a distracção não fosse muito necessária, dado o elevado (e já tradicional) nível de abstenção e o excelente dia de praia. Aqui fica o texto escrito pela jornalista Natália Faria com base nos meus contributos. As ilustrações da imagem são de João Fazenda.

Telemóveis de origem biológica

Em 2111, segundo o bioquímico David Marçal, o entendimento cabal das vias metabólicas — a rede intrincada de transformacões que ocorrem nos organismos vivos — permite o surgimento de uma engenharia própria e o desenvolvimento de infra-estruturas de comunicacão globais que são gigantescas redes de células vivas. Neste cenário, a informacão transmite-se sob a forma de impulsos eléctricos, alimentadas por estações fotossintéticas. “Os utilizadores usam a rede através de dispositivos orgânicos, que nalguns casos interagem com os próprios impulsos eléctricos do cérebro. Estes interfaces telepáticos são cada vez mais populares.” Tanto podem ser usados para controlar um veículo (que também será feito em materiais biológicos) como para comunicar com outras pessoas. E, lembra Marçal, “como o modo de transmitir a informacão é o mesmo tipo de impulsos eléctricos que há entre células nervosas, é possível transmitir ideias e emoções, para além de conteúdos verbais ou visuais”. No fundo, “é como se essa rede de comunicação fosse uma extensão do sistema nervoso do próprio indivíduo, funcionando segundo os mesmos princípios e permitindo transmitir ideias e emocões de um cérebro para o outro”. Mesmo se uma das pessoas está em Portugal e outra na Austrália.

Os dispositivos que desempenham as funções dos telemóveis, das televisões e dos computadores terão uma origem biológica, ou seja, serão feitos de tecidos “produzidos por microrganismos ou plantas com as características físicas adequadas à sua função (por exemplo dureza)”, o que significa que “são biodegradáveis e regeneráveis”. Ou seja, a era dos resíduos de plástico do tempo do petróleo há muito que ficou para trás.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

UNIVERSOS E MULTIVERSO


MInha crónica saída no semanário "Sol" publicado hoje:

Certas áreas da física contemporânea aproximam-se da ficção científica. O polaco Nicolau Copérnico ensinou-nos que a Terra não era o centro do mundo (na altura, restrito ao sistema solar), mas sim o Sol. De início, quase ninguém acreditou nele. Hoje, alguns físicos querem fazer-nos crer que o Universo não é apenas um, mas que existe o Multiverso, uma pluralidade eventualmente infinita de Universos, nos quais o nosso não tem um papel central. E há cada vez mais gente a acreditar...

A ideia de “muitos mundos” ou “mundos paralelos” surgiu nos anos 50 do século passado no contexto da interpretação da teoria quântica. Confrontado com a noção quântica da probabilidade, o físico norte-americano Hugh Everett propôs a ideia de vários Universos: em cada um deles concretizava-se um dos futuros possíveis oferecidos pelas probabilidades. O chamado gato de Schroedinger é o protagonista de uma experiência conceptual: o pobre animal estava fechado numa caixa e podia morrer devido a um fenómeno quântico. Segundo a teoria quântica convencional há uma certa probabilidade de ele estar vivo e o resto da probabilidade de ele estar morto. Segundo a teoria dos muitos mundos, ele estaria vivo num certo mundo físico e morto num outro. Não só parecia uma teoria do outro mundo como era mesmo!

Esta ideia dos mundos paralelos ressuscitou nos tempos mais recentes, impulsionada por teorias cosmológicas. Sendo o início do Universo um processo quântico, pode ter acontecido que o Universo que habitamos e conhecemos seja apenas um dos resultados possíveis e que haja outros. Onde estão? Pois, mal comparado, o nosso Universo pode ser apenas uma bolha que está, incógnita, no seio de inúmeras outras, para nós inacessíveis. Como se esta teoria não fosse suficientemente estranha, há quem defenda que o “borbulhar” do Big Bang é um processo contínuo e eterno, isto é, que estão sempre a nascer e irão sempre nascer Universos no Multiverso.

Outros autores há que pugnam pela pluralidade de Universos por uma via diferente. Para eles, os outros Universos não estão para além do nosso horizonte cósmico, mas sim têm portas dentro do nosso próprio mundo. Sabemos hoje por via tanto teórica como observacional que o cosmos a que temos acesso possui buracos – os buracos negros – onde o espaço-tempo acaba. Há muita especulação sobre esses abismos cósmicos. Alguns físicos imaginam que esses sítios, devido a uma qualquer modificação da gravidade, são túneis para outros Universos do Multiverso. O norte-americano Carl Sagan, que além de astrofísico foi também o autor do romance de ficção científica Contacto, que descreve viagens no espaço-tempo, escreveu: “Os buracos negros podem ser entradas para Países das Maravilhas. Mas haverá lá Alices e coelhos brancos?”

sábado, 9 de abril de 2011

Revisitando uma Opinião de H.G. Wells sobre Portugal


A propósito de uma sessão muito interessante sobre "Ficção Científica no Ensino da Ciência", que decorreu hoje dia 9 de Abril, de tarde, no Exploratório Ciência Viva, em Coimbra, Carlos Fiolhais guiou os presentes por uma breve visita á história da ficção científica.

Uma das constatações, muito curiosa, foi a de que a ciência moderna e a ficção cientifica nasceram num mesmo berço, pelas penas de um Francis Bacon (The New Atlantis, 1624), primeiro filósofo do método científico, ou de um gigante da ciência como Johannes Kepler (Somnium - Sonho - 1634).

Depois de revisitar vários autores incontornáveis (Cyrano Bergerac, JulesVerne, entre outros), Carlos Fiolhais deteve um pouco o nosso passeio em H. G. Wells (autor de "A Guerra dos Mundos", por exemplo) e leu uma passagem do seu livro de 1924 “A Year of Prophesying” (Fisher Unwin, Londres), cujo capítulo 25 é dedicado a Portugal. A páginas tantas Wells escreve o seguinte sobre o Portugal de então:

"Quer esteja a chover ou não, o ar em Portugal tem uma felicidade particular e as pessoas desse país deviam ser tão felizes e prósperas como qualquer povo do mundo. O país tem uma situação magnífica e grandes territórios ultramarinos. Lisboa é o porto natural da Europa para a América do Sul e para a África Ocidental. As oliveiras e as laranjeiras e espécies semelhantes podem ser aqui cultivadas nas melhores condições possíveis. A riqueza mineral é muito diversa e extensa, embora em larga medida inexplorada, e inclui filões radioactivos de importância mundial. E por aí fora. Existem todas as condições para haver uma grande prosperidade. Mas, de facto, nunca vi uma nação com um aspecto tão pouco próspero. Uma enorme pobreza prevalece em toda esta terra. Nunca vi em lado nenhum do mundo, nem sequer na Rússia, trabalhadores tão andrajosos, tão remendados e esfarrapados, tão manifestamente mal-cuidados e subnutridos. E há também numerosas doenças que podiam ser prevenidas. As mulheres estão velhas aos trinta anos, dando à luz filhos que vão morrer; os homens estão corcundas aos cinquenta. As casas mais pobres são casebres, e metade da população é analfabeta. E, no entanto, não se trata de uma população inferior."

E neste mesmo De Rerum Natura, Carlos Fiolhais já nos apresentara (aqui) as interrogações de Wells sobre Portugal.

"(...) Os comboios em Portugal estão num estado miserável e as estradas metem medo. Por todo o lado se vêem sinais evidentes de uma administração incompetente ou corrupta. Um pequeno país como este, com uma moeda instável, não consegue assegurar uma educação moderna para o seu povo. Não existe um público que leia o suficiente para manter uma imprensa com poder e uma literatura de crítica política. Os ministros não são suficientemente vigiados. E sobre as coisas que se passam nas colónias portuguesas dificilmente podemos saber alguma coisa lendo a imprensa portuguesa. Parece que não existe opinião pública que olhe para lá. Os portugueses que enriquecem nas colónias depositam e investem o seu dinheiro no estrangeiro, em geral em Londres; há uma saída permanente destes tributos do império português para os estados maiores e mais estáveis. Em nenhum lado da Europa se tem um sentimento tão intenso de um país penhorado ao capital guardado lá fora.”

Pura predição ficcionista com cerca de 90 anos de antecedência? É que salvaguardando algumas alterações geográficas no palco da ordem internacional, de analfabetismo, de saúde pública, podemos rever muitos portugueses (e não Portugal) neste retrato. Descubra as diferenças!

António Piedade

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A ficção científica no ensino da Ciência

Informação que forneço cedida pelo Exploratório Infante D. Henrique de Coimbra sobre uma iniciativa em que vou participar:

Prossegue no sábado, dia 9 de Abril, organizada pelo Exploratório, a Oficina de Formação de Professores sob o tema “A ficção científica no ensino da Ciência” em que participam 20 professores das áreas científicas do Ensino Básico e Ensino Secundário.

Na tarde desse dia (a partir das14.30h), as actividades são abertas ao público em geral, destacando-se três apresentações a cargo de professores convidados:

- “A Física e a ficção científica” por Carlos Fiolhais,
- “Fricção científica: do ‘gecko’ ao Homem Aranha” por Ana Nunes
- e “Tintin no país da Ciência” por Romain Gillain.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O ÁLBUM GENÉTICO



Crónica publicada no "O Despertar":

Avô e neto passeiam os olhos pelo álbum genético da família. É um álbum em que não há rostos de pessoas mas histórias de genes e da sua relação com a história de vida de cada um.

Registos coloridos de interacções fluorescentes desdobram-se em anotações com informações sobre determinados genes que marcaram determinado momento da vida. Desde os que estiveram mais activos durante as diferentes etapas do desenvolvimento embrionário de cada membro da família até aqueles que determinaram momentos cativos em que uma doença trespassou o silêncio celular e explodiu em dor.

Comparando os perfis genéticos com fotos, é engraçado comparar as parecenças fisionómicas com as semelhanças de actividade de certos genes em determinadas alturas da vida da avó e da mãe.

Cada registo está ainda emoldurado com uma outra história: a da interface modeladora do percurso bioquímico de cada um com o meio ambiente, numa espécie de moldura epigenética. “Foi aqui que o pai começou a fumar. Nota-se pelo aumento da actividade destes genes que transcritos activam defesas antioxidantes”. “Foi aqui que comecei a ter mais pelos no corpo, nota-se pelo aumento da actividade dos genes que codificam as proteínas que sintetizam as hormonas masculinas como a testosterona.”

É um álbum repleto de esperança. Foi através da sua análise e interpretação que o médico do tio percebeu o seu genótipo bioquímico e ajustou a terapêutica adequada à sua incipiente propensão para o síndrome metabólico que o levaria a uma diabetes tipo 2 galopante, se não fosse tratado precocemente.

É um álbum hoje de ficção científica, de impressões mágicas, como eram mágicos os primeiros daguerreótipos, depois as primeiras fotografias (e ainda não o são?), depois as radiografias, depois as ressonâncias magnéticas...

Mas é uma janela aberta para um futuro muito próximo, quiçá já neste primeiro quartel do século XXI, propulsionado pelo desenvolvimento de tecnologias de sequenciação genómica e de metodologias bioanalíticas cada vez mais sensíveis, robustas e económicas.

Estamos à porta de uma revolução que nos trará imagens dos nossos genes em acção.

António Piedade

domingo, 15 de agosto de 2010

Onde estão os ET?


A esta pergunta, colocada originalmente pelo físico Enrico Fermi, responde outro físico, Robert Park, na sua coluna "What's New" de 6 de Agosto: Estão em, casa deles, pois não dispõem de fonte de energia que lhes permita acelerar uma nave que vença as distâncias intergalácticas.

"FERMI PARADOX: WHERE ARE ALL THE SPACE ALIENS?

The question of whether we are alone gnaws at us. In 1950, in a discussion of whether advanced civilizations might exist elsewhere in the Milky Way galaxy, Enrico Fermi famously asked, "Where are they?" This has come to be known as the Fermi paradox. If planets are a common feature of stars, the naturalistic assumption would be that life exists throughout the Milky Way galaxy. Sentient beings with the capacity to develop advanced technologies would be expected to evolve. Implicit in Fermi’s question was an assumption that advanced technologies would be capable of interstellar travel. Where are they? At home, as we are. Interstellar distances are too great. Travel time is not the principal obstacle. The barrier is the energy it would take to accelerate a spacecraft to a reasonable fraction of the speed of light. I hope that's the end of the Fermi paradox, and the Dyson sphere, and all that science fiction crap."

Robert Park

quinta-feira, 29 de julho de 2010

A ORIGEM



Já está nos cinemas o último filme de Christopher Nolan, protagonizado por Leonardo DiCaprio, que é, ao mesmo tempo, ficção científica e thriller psicológico. Em cima um dos trailers, em formato gigante.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

2001 ODISSEIA NO ESPAÇO


Do meu livro (esgotado, ao que julgo saber) "A coisa mais preciosa que temos" (Gradiva) recupero o texto sobre "2001 Odisseia no espaço", escrito precisamente em 2001, vai fazer dez anos:

Foi em 1968 que se estreou o filme de Stanley Kubrick “2001 Odisseia no Espaço”. Passou muito tempo. Mas chegou, ao fim de 33 anos, o ano de 2001, aquele que decorre a acção escrita por Arthur Clarke e Stanley Kubrick. Já em 1984 tinha chegado o ano em que George Orwell colocou o seu romance com o mesmo título. O futuro, anunciado pelo cinema e pela literatura, continua pontualmente a chegar.

Que semelhanças há entre a ficção científica e a acção científica? Muitas. Não esqueçamos que o físico inglês Sir Arthur Clarke, residente desde há muito no Sri Lanka, participou na construção do primeiro radar, integrado numa equipa da Royal Air Force, durante a Segunda Guerra Mundial. Na sua imensa produção bibliográfica equilibram-se as obras de ficção e as de ensaio. No filme “2001” uma nave com astronautas a bordo começa por se deslocar à Lua. A mesma viagem espacial não demorou praticamente nada depois da estreia do filme a acontecer na realidade. Os astronautas da “Apollo 8”, que foram os primeiros a efectuar uma viagem em órbita da Lua, em Dezembro de 1968, já tinham visto o filme quando partiram para o espaço. Disseram mais tarde que estiveram quase a anunciar para a Terra a descoberta de um monólito no solo lunar, numa brincadeira sugerida pelo filme... Em 1969, o norte-americano Neil Amstrong pisou o solo lunar sem ter encontrado nenhum monólito.

No filme, o monólito acaba por indicar o caminho para Júpiter (na novela de Clarke, para o outro gigante do sistema solar, Saturno). E, se o leitor se bem recorda -- se não se recorda, ponha a cassete vídeo ou o DVD no aparelho de leitura -, é nessa altura que o computador HAL (repare-se que as iniciais são as que antecedem alfabeticamente às de IBM), perante uma avaria na antena, procura tomar o comando da nave, revoltando-se contra os humanos. Diz o robô para um dos astronautas: “Sorry to interrupt the festivities, but we have a problem” (“Desculpem interromper a festa, mas temos um problema”). Em 1970, sabemos o que aconteceu com a “Apollo 13” (a falha deu, de resto, um outro filme). Um astronauta real transmitiu por rádio para a sala de controlo: “Houston, we have had a problem” (“Houston, tivemos um problema”). Coincidência ou não, o módulo de comando chamava-se “Odisseia” e, pouco tempo antes do acidente, a tripulação tinha estado a ouvir o famoso tema do filme, “Also Sprach Zarathustra”, de Richard Strauss. Clarke comenta no epílogo a uma reedição do livro “2001” que se sentiu quase co-responsável pela situação real de crise...

As luas de Júpiter e de Saturno seriam fotografadas pela sonda “Voyager 2”, lançada em 1977. Em 1979, essa sonda, não tripulada (como se o robô HAL tivesse razão ao querer tomar conta sozinho dos destinos da nave ficcional), passava pelas quatro luas mais próximas de Júpiter: Iô, Europa, Ganímedes e Calisto. Em 1981, a “Voyager 2” chegava a Saturno e às suas luas: Mimas, Iapetus, Titã, etc. (são muitas e parece que ainda não acabou a sua conta). Em 1995, a sonda “Galileo”, lançada em 1989, chegava a órbita de Júpiter, apesar de uma avaria numa das suas antenas. Hoje, a nave “Cassini”, lançada em 1997, vai a caminho de Saturno e das suas luas, onde chegará em 2004. Os sete longos anos da viagem, depois de usar a ajuda gravitacional de Vénus (um efeito que Clarke incluiu premonitoriamente nos seus escritos), indicam-nos que Clarke e Kubrick tinham razão quando colocaram os seus astronautas a hibernar enquanto não chegavam a Júpiter.

As missões de exploração do sistema solar exterior não são tripuladas. Só são tripuladas missões orbitais perto da Terra, como a estação espacial internacional, que está a ser construída num esforço conjunto de americanos, russos e europeus. Nos anos 80, a estação espacial norte-americana “Skylab” colocada em órbita da Terra, tinha uma forma circular que não era muito diferente da nave “Discovery”, inventada por Clarke para “2001”. Ao contrário desta, porém, não rodava constantemente para manter uma gravidade artificial. Mas isso não impediu os astronautas a bordo de filmarem uma sequência de corrida na “Skylab” bastante parecida com um “take” do filme 2001. As imagens foram, evidentemente, sonorizadas com a música retumbante de Richard Strauss.

O filme de Kubrick é praticamente perfeito. Há só um pequeno erro: um amigo físico e cinéfilo contou-me que o líquido no interior da palhinha de um dos astronautas cai no filme, apesar de as condições serem supostamente de imponderabilidade... O rigor do guião de Clarke e da câmara de Kubrick encontra inspiração no rigor com que a NASA planeia e executa as suas missões. Ou não será antes ao contrário: que os engenheiros da NASA se inspiraram em Clarke e Kubrick?

Stanley Kubrick, entretanto falecido, habituou-nos a realizar uma e uma só obra-prima de um dado género cinematográfico e, depois da realização de “2001”, abandonou de vez o género de ficção científica. Mas Clarke insistiu no tema, e escreveu “2010 Odisseia 2”, que foi passado ao cinema pelo realizador norte americano Peter Hyams (a película estreou-se em 1984). A correspondência electrónica entre o escritor no Sri Lanka e o realizador em Los Angeles, feita em computadores pessoais primitivos, está registada em livro (“The Odyssey File”, Arthur Clarke e Peter Hyams, Panther Books, 1985). Em “2010” continua a acção de “2001”: tratava-se agora de colonizar Júpiter. Mas o tempo é de guerra fria. Os russos lançaram a nave “Leonov”, atrás da “Discovery” (há, na realidade, um marechal Alexei Leonov, cosmonauta e herói da ex-União Soviética). A “Leonov” chega à “Discovery” (o que faz lembrar os encontros entre a “Soyuz” e a “Apollo”, em que o astronauta Leonov participou). As duas expedições acabam, depois de várias peripécias, por cooperar. No final, Júpiter, por acção dos estranhos monólitos, acaba por se transformar numa estrela, um segundo sol (de facto, se Júpiter fosse bastante maior do que realmente é o sistema solar teria duas estrelas, o que não seria nada favorável para a estabilidade da órbita da Terra e, portanto, para o desenvolvimento de vida no nosso planeta). Uma enigmática mensagem chega entretanto aos russos e americanos: “Todos estes mundos serão vossos excepto Europa: usai-os em conjunto, usai-os em paz”. Os russos tinham recebido sinais da lua Europa que pareciam indicar a presença de vida e fica-se na dúvida sobre a existência ou não de vida nessa lua.

Vida numa lua de Júpiter? Nada mais actual, numa altura em que é anunciada, a partir de registos recolhidos e enviados pela sonda Galileo, a possibilidade de haver água líquida, e hipoteticamente vida, em Ganímedes, uma lua de Júpiter. A realidade é, por vezes, mais estranha do que a ficção. Claro que falta ainda um contacto com seres extraterrestres, construtores de monólitos ou não. Mas isso poderá acontecer em qualquer altura. Lembremos as palavras avisadas do padre, cientista e filósofo, Teilhard de Chardin: “À escala do cósmico, só o fantástico tem probabilidade de ser verdadeiro”.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

"CONTACTO" DE CARL SAGAN NO CENTRO RÓMULO DE CARVALHO


Informação recebida do Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho, em Coimbra (clicar para ver melhor o cartaz):

sexta-feira, 28 de maio de 2010

UM CÂNTICO A LEIBOWITZ


Informação recebida do Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho:

O projecto “Quark!” e o Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho levam a cabo a iniciativa “Ciência e Ficção“.

Uma sexta-feira por mês, nos fins de semana da escola Quark!, pelas 21h15m, no Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho (CCVRC, situado no Departamento de Física da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra), haverá debate com convidados, à volta de livros de ficção científica… e da ciência que estes encerram.

Hoje, é sobre a obrara: Um Cântico a Leibowitz de M. Walter Miller Jr., sendo o palestrante o Dr. Jaime Silva (Departamento de matemática).

Mais informações: http://nautilus.fis.uc.pt/rc/?cat=30.

No CCVRC encontram-se disponíveis algumas das obras deste autor para empréstimo e venda.

Informação editorial sobre o livro:

"Primeiro o Dilúvio de Chamas e a Radioactividade, seguidos pela peste e pela loucura. Depois começa o derramamento de sangue da Simplificação, quando os seres humanos que restam se revoltam contra aqueles que transformaram o mundo num deserto árido. Tal como aqueles que o tinham escrito, também o conhecimento humano é totalmente destruído. E só Leibowitz, um físico pré-Dilúvio, consegue salvar alguns dos seus livros. Passados séculos, os monges da Ordem de Leibowitz herdam as relíquias sagradas. As suas vidas são passadas a copiar, iluminar e interpretar os fragmentos sagrados, criando lentamente uma nova Renascença num mundo bárbaro e destruído. Prometem preservar o conhecimento antigo até que a Humanidade esteja preparada para o receber de novo. Mas iria o Homem aprender com os erros do passado ou a História voltaria a repetir-se? Publicado pela primeira vez em 1959, com aclamação imediata e universal, Um Cântico a Leibowitz é uma obra clássica da ficção científica da era pós-nuclear cujo poder visionário poderá ser comparado a 1984 e Admirável Mundo Novo."

EM QUE ACREDITA O SENHOR MINISTRO DA EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E INOVAÇÃO E A SUA EQUIPA?

No passado Ano Darwin, numa conferência que fez no Museu da Ciência, em Coimbra, o Professor Alexandre Quintanilha, começou por declarar o s...