quinta-feira, 4 de agosto de 2011
ETOLAS - O ARQUITECTO MINERAL!
Um outro dos meus doze textos constituintes do “Cordel de Ciência”, ilustrados por Diana Marques, iniciativa promovida e inaugurada no Pavilhão do Conhecimento aquando da comemoração do seu 12º Aniversário, no passado dia 21 de Julho de 2011. Passe por lá e leve-os consigo pela mão! Entretanto…e a pedido de alguns leitores que habitam outras paragens transatlânticas...
"Depois de um dia magnífico, passado entre brincadeiras e gargalhadas, Ricardo descansa o olhar no imenso céu estrelado que vê através da janela do seu quarto.
Enquanto o sono não chega, para viver novas aventuras em sonho, Ricardo colecciona cores e intensidades diferentes nos brilhos das estrelas. Na caderneta estrelar do Ricardo não há cromos repetidos. Aliás, Ricardo tem dificuldade em encontrar duas estrelas iguais na vastidão da abóbada celeste observável através da janela do seu quarto.
Subitamente, a intensidade do brilho de uma estrela aumenta de tal forma que inunda o seu quarto de luz. Surpreendido, Ricardo senta-se na cama e esfrega os olhos. Não podia acreditar: algo muito estranho tinha vindo junto com o brilho.
- Quem és tu? – pergunta Ricardo, estupefacto.
- Sou Etolas, o melhor arquitecto de minérios desta galáxia!
- Arquitecto de minérios?! Que profissão é essa? – questiona Ricardo, cada vez mais intrigado.
- Arquitecto as condições espaciais para que novos minerais possam ser gerados… – Ricardo interrompe Etolas.
- Espaciais? Mas donde é que tu vens? Não me pareces nada com um astronauta!
- Eu venho de um planeta que já não existe neste Universo – responde Etolas, com nostalgia. – Um planeta que orbitava entre Marte e Júpiter, mais precisamente onde hoje existe um belo cinturão interno de asteróides neste sistema solar.
- Não me digas que és um extraterrestre? – pergunta Ricardo, desconfiado.
- Do vosso ponto de vista… Sim, sou um extraterrestre.
- Estranho! Não pareces nada com os extraterrestres dos filmes que vejo: não tens antenas, não tens só um olho, não tens quatro pernas, a tua cabeça parece-me humana… Não me pareces nada com um extraterrestre. – diz Ricardo, com a dúvida a turvar o olhar.
- A imagem que vês de mim é fruto da tua imaginação. Sabes – continua Etolas – é difícil imaginarmos coisas diferentes daquelas que estamos habituados a ver e sentir desde que nascemos. E eu que te diga: não é mesmo nada fácil, mesmo para mim que já por cá viajo há milhões de anos! Por isso, é normal que a imagem que o teu cérebro constrói sobre mim não seja muito diferente da de uma imagem humanóide.
- Curioso… – comenta Ricardo – Aquilo que dizes faz algum sentido, mesmo para mim que colecciono cores e brilhos de estrelas. Apesar de ainda não ter encontrado, com a vista desarmada, duas exactamente iguais, não posso dizer que no geral sejam assim tão estranhas umas das outras. Mas, e para ti, Etolas, como é que eu te apareço? – pergunta Ricardo, desafiante.
- Queres mesmo que te diga? – compassa Etolas.
- Quero. Sou assim tão estranho aos teus olhos? – insiste Ricardo.
- Para mim a tua imagem não é estranha, pela mesma razão que a minha imagem para ti não é muito diferente da de um humano – responde Etolas.
- Mas então, se me disseres como me vês, ficarei com uma ideia de como és! – exclama Ricardo – como é que eu te apareço visualmente?
- Como um minério composto essencialmente por fosfato, cálcio, oxigénio e hidrogénio! Estes elementos, organizados em estruturas tridimensionais a que vocês dão o nome de cristais de hidroxiapatita. É uma estrutura cristalina interessante – continua Etolas – do meu ponto de vista de arquitecto de minérios, e única, posso confirmar-te, por todo o Universo por onde já viajei!
- Pareço-te então um esqueleto?! – boceja Ricardo.
- Lá está a tua incapacidade de escapar ao que te é conhecido – responde Etolas – Para mim és uma estrutura mineral que resultou do crescimento organizado de cristais, cuja regularidade nuclear pode ser descrita pela fórmula química Ca10(PO4)6(OH)2, para falarmos numa mesma linguagem química.
- Curioso não detectares carbono na minha composição! – diz Ricardo, espantado.
- Para mim – responde Etolas – o elemento carbono é superficial na imagem que tenho de ti. Aliás, deixa-me dizer-te que, para mim, as estruturas à base de carbono são muito monótonas…
- Mas é sobre essa monotonia carbónica que a vida neste planeta se edificou… curiosa essa tua visão – remata Ricardo, pensativo, para logo perguntar: – Mas se o teu planeta já não existe, de onde vens tu agora? – Ricardo abre a mão para o céu estrelado.
- Não venho de lado algum – afirma Etolas, categórico – Viajo pelo Universo à procura dos meus minérios, dos meus cristais preciosos e únicos. Já te disse que sou um arquitecto de minérios.
- Não estou a perceber nada! Se calhar estou a sonhar… – diz Ricardo, espreguiçando-se.
- Vou-te explicar com um exemplo concreto: lembras-te do minério que os vossos cientistas baptizaram por Wassonite? – pergunta Etolas, refulgente.
- Vagamente… Aquele encontrado num meteorito, creio que designado por Yamato 691, descoberto na Antártica em 1969, e que se pensa proveniente da cintura interna de asteróides… – intervala Ricardo, atónito, para recomeçar entusiasmado – Não me digas que é um pedaço do teu planeta…
- Não, Ricardo – responde Etolas. – Esse meteorito é o que resta de um dos inúmeros canteiros de minerais que eu arquitectei a partir dos elementos disponíveis. Esse, em particular, até foi uma das minhas últimas arquitecturas minerais, elaborada a partir dos elementos enxofre (S) e titânio (Ti). Consegui um arranjo cristalino estável e singular, na senda de contribuir para a imprescindível diversidade mineral do Universo! – expõe Etolas, com uma pose muito extraterrestre.
- És mesmo inorgânico, Etolas! – conclui Ricardo, piscando um olho.
- Do meu ponto de vista, sou universalmente mineral! – graceja Etolas, imiscuindo-se no seu brilho cristalino.
O galo do tio Alfredo cantou, seguindo a “Partitura de Alvorar”, autoria do “cósmico anónimo”.
Ricardo acorda. Estremunhado, recorda-se de um sonho de outro mundo, com vida muito mineral…
António Piedade
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2 comentários:
Esta concepção artística ilustra como cristais de silicatos, como aqueles encontrados em cometas , podem ser criados pela explosão de uma estrela crescente. A imagem mostra uma estrela solar jovem, circundado por proto-planetas imersos num disco de gás e poeira. O silicato que compõe a maior parte da poeira teria sido gerado por partículas não-cristalinas e/ou amorfas. Como os fluxos de materiais da espiral ocorre na direção interior do disco, a estrela aumenta sua massa, produzindo maior brilho e aquecendo dramaticamente. A consequente explosão, provoca a subida da temperatura da estrela em torno disco. Quando o disco aquece a partir da explosão da estrela, as partículas de sílica amorfa fundem. Com o resfriamento, as partículas transformam em forsterita (olivina magnesiana-Mg2SiO4), um tipo de silicato (cristal) frequentemente encontrados em cometas, no nosso sistema solar.
Em Abril de 2008, o Telescópio Espacial Spitzer, da NASA, detectou indícios deste processo em curso sobre o disco de uma jovem estrela solar chamada EX Lupi.
Créditos (Texto): NASA/JPL-Caltech
Ora, aqui está um sonho que um qualquer aluno de biologia e geologia do ensino secundário português só pode sonhar com um esforço acrescido da imaginação: é que o programa daquela disciplina estipula que a Terra é um sistema fechado, pelo que não troca matéria com as suas vizinhanças, salvo aquelas coisas de nada que são a permanente queda de (micro)meteoros e a perda constante de hidrogénio e hélio para o espaço na alta atmosfera.
Isto tudo com o objectivo, suponho, de que é preciso incutir na cabeça dos jovens que os recursos de que dispomos são finitos e que os lixos que produzimos ficarão a fazer-nos companhia...
Como se as nossas próprias casas não fossem sistemas abertos (trocam matéria e energia com o exterior...), com os quais temos igualmente que ter aquela preocupação.
Àquela e a outras imposições, que (quase) não podemos pôr em causa, chamo eu (com o eufemismo possível...) uma estupidez.
Mas o conto é bonito. Lá isso é.
E até pode ser que contribua para que os programas de ciências do ensino secundário deixem de ser tão "eduquesmente" cabotinos.
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