quarta-feira, 3 de agosto de 2011
O VERDADEIRO EXEMPLO DA FINLÂNDIA
Novo artigo sobre educação de Guilherme Valente saído na segunda-feira no jornal "Público":
1. A educação finlandesa é um exemplo de exigência, de combate ao facilitismo, de responsabilidade, de anti-eduquês, afinal. Um exemplo do que o "milagre" da educação pode realizar.
Essa exigência na educação e, designadamente, o rigor, sem complacência, na aplicação e no uso dos recursos materiais disponíveis, transformaram, em poucos anos, a Finlândia.
Podemos fazer o mesmo em Portugal.
2. Numa entrevista ao jornal Público (1/4/11), Jouni Valijarvi, director do Instituto Finlandês para a Investigação em Educação, como que ilustrando o que tenho escrito, referiu-se às condições que explicam o êxito do sistema educativo finlandês:
"É mais eficaz chumbar um aluno na primária do que depois, porque é quando estão a ser dadas as bases".
E eu acrescento: e é um sinal a dizer aos alunos que vêm para a escola para trabalhar e aprender. Um sinal, também para os professores e os pais, que marcará a atitude e o percurso escolar da criança.
Entre nós passa-se o oposto: os alunos apercebem-se e interiorizam rapidamente que pouco lhes é realmente exigido. Pelo ambiente que encontram na escola, mas mesmo pelo que explicitamente é disseminado: "a sala de aula é o prolongamento do recreio", não é esta uma das ideias veículadas nas escolas de formação de professores do eduquês? O que podem contra isto mesmo docentes, mesmo os mais lúcidos e empenhados?
O que acontece é que, ao invés dos animais, que seleccionam, afinam, na longa duração mecanismos naturais de adaptação ao meio ambiente, o ser humano dispõe de um mecanismo de adaptação rápido, cultural. Assim, quando entra na escola, a criança, mesmo a que chega mais motivada e responsável, apercebe-se, muito rapidamente, ter de se adaptar a essa nova realidade: permissiva, desresponsabilizadora, facilitista, sem desafios, imbecilizante. Adaptar-se para sobreviver.
Poucos resistem a esse clima envolvente. Só os mais dotados ou com pais que acompanham com exigência o seu percurso escolar. Por isso, as vitimas da escola do eduquês são sobretudo os mais desfavorecidos.
Segundo Jouni Valijarvi, o ensino no seu país não está mais centrado no bem-estar da criança do que nos resultados académicos. Embora, naturalmente, haja preocupação com o bem-estar da criança, a razão de ser da escola "reside na área cognitiva", "visando atingir níveis exigentes no campo da escrita, da leitura e da matemática". Matemática "também já importante na pré-primária".
Na Finlândia, "(...) os professores estão motivados e bem preparados e têm autonomia" para trabalharem com eficácia. E o que é um professor bom para os alunos e para o sistema? O professor é bom "quando domina a matéria que deve ensinar".
Algo de óbvio, que só a cegueira ideológica não quer ver. Em vez de preparar os professores no domínio das matérias relevantes a leccionar, as escolas de formação do eduquês encharcam-nos corm "pedagogias" confirmadamente insensatas e nocivas. Dar voz aos docentes que nesses cursos e escolas discordam dessa orientação cujo jugo lhes é imposto é um imperativo de inteligência, progresso e liberdade.
Na Finlândia, o professor acompanha a criança durante seis anos! Sem o absurdo do excesso de "disciplinas" que impede os alunos de estudarem e aprenderem o essencial, aquilo que é culturalmente enriquecedor e socialmente útil, de adquirirem, antes de mais, o domínio dos instrumentos, a informação, o treino de trabalho, que lhes permitirão aprender tudo e cultivar o espírito crítico.
Na Finlândia, além de dominar os programas para ensinar bem, o professor tem ainda tempo "para se interessar pelos alunos e para estar disposto a ter com eles conversas que lhes digam algo", a fim de "os ajudar na escolha do caminho que vão seguir, discutindo o porquê das suas escolhas". Professores libertos das inutilidades e da burocracia com que nas nossas escolas, inundadas por labirintica legislação, se condiciona a função inestimável que deve ser a deles.
"Turmas pequenas, 21 alunos por turma na primária, em media. No secundário, 19", indica Jouni Valijarvi. Não menos, reservando recursos para criar "sempre mais apoios para os alunos que deles necessitam, de acordo com o contexto de cada escola".(Note-se que há escolas na Finlândia com 15% de alunos imigrantes.)
Problema que no nosso país o ME, servindo, afinal, o interesse próprio da nomenclatura que o tem comandado, sempre dificultou que as escolas enfrentassem, não deixando que cada uma avalie e adopte autonomamente as necessidades próprias e respectivas soluções.
Uma vantagem decisiva das escolas privadas.
A Finlândia é um dos países onde os alunos passam menos tempo na escola.
"Quando se está na escola, está-se concentrado na escola. Quando se vai fazer outra coisa são tempos perfeitamente separados" , diz Jouni Valijarvi.
3. Quando estive no Conselho Nacional de Educação, propus, na comissão que integrava, um projecto que mobilizasse a escola e a sociedade para um objectivo tão simples quanto essencial: que nenhuma crianca terminasse o ensino básico sem dominar a leitura, a escrita e as operações matemáticas elementares.
Resposta dos eduqueses que dominam aquele indescritível Conselho: "Queremos muito mais, queremos fazer cidadãos" (!?).
Trinta por cento das crianças saem do ensino básico sem saber ler, nem escrever, nem contar. Cidadãos... analfabetos?
Guilherme Valente
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8 comentários:
Não sei se fico contente por termos exemplos bem sucedidos, ou triste por estarmos tão ligados a um retrocesso cultural.
http://portalcognoscere.wordpress.com/
"Queremos muito mais, queremos fazer cidadãos"
Parece o empregado que pede um aumento mas antes de demonstrar merecê-lo.
É a vida a crédito...
Que terá sobre isto a comentar o anónimo papúa que tem por háhito deglutir "alguém" nas suas refeições nocturnas? Será que ainda não engasgou?... JCN
Mas na Finlândia começa-se por coisas simples ainda antes dessa descrição como ter um professor bem formado que sabe que no concurso público não ser passado à frente por um "labrego" qualquer só porque é amigo do director, do ministro ou do secretário xpto, em que esse professor é-lhe reconhecido o mérito e no lugar de aprendizagem estão pessoas que sabem ensinar e no lugar de mando estão pessoas que sabem mandar e sabem com o que lidam, porque se calhar na Finlândia quando um jovem acaba de sair da universidade não vai logo para os cargos de chefia mas sim para a base da pirâmide para aprender com quem está na casa há anos e sabe do oficio, um hábito que tivemos há décadas em Portugal e que perniciosamente subvertemos, e muitos outros exemplos poderiam ser apontados que fazem toda a diferença.
É pena a Ana Bettencourt não referir estas coisas. Ela gosta é das Câmaras Municipais a mandar na escola, e acha muito engraçado os alunos andarem descalços nas salas de aula. Há quem passe pela floresta e só veja lenha para queimar.
No Brasil é ainda pior!
=/
Senhor Guilherme Valente:
Dou-lhe os parabéns!
Qual quadratura do círculo, desta vez, e do princípio ao fim do artigo, poupou-nos ao massacre de escrever profusamente o seu «querido»/odiado termo «eduquês», quer no próprio título, quer ao longo do texto, onde só o utilizou 5 vezes.
Sinal dos tempos (meter as mãos na massa traz as pessoas à realidade, e isso já se começa a notar por outras paragens, esperemos o que o futuro nos revelará ainda) ou a cruzada «anti-eduquês» começa a fraquejar nos seus alicerces? Isto é, o termo deixa de ser operacional quando se tem que resolver problemas concretos, só funciona como slogan propagandístico de uma cruzada.
Pelo que digo, não me tome por militante ou sequer simpatizante do chamado «eduquês» (qual lente não graduada através da qual alguns teimam em querer ver o estado do nosso ensino, velhos e novos problemas, uma coisa e o seu contrário), conceito «mole» onde tudo cabe, impossibilitando a identificação exacta dos problemas para que possam ser devidamente atacados. Mas confesso-lhe que me incomoda esta sua simplificação, que faz de nós estúpidos, ou nos toma como tal, especialmente os que fizeram ou fazem da vida profissional o ensino, que sabem muito de muitos problemas e conhecem pouco de «eduquês».
A Finlândia também interessa muito aos EUA, como se vê neste artigo do Smithsonian:
http://www.smithsonianmag.com/people-places/Why-Are-Finlands-Schools-Successful.html
Susana Serrão
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