terça-feira, 16 de agosto de 2011

As estruturas sociais, a educação e o insucesso escolar

“Nem todos podem tirar um curso superior. Mas todos podem ter respeito, alta escala de valores e as qualidades de espírito que são a verdadeira riqueza de qualquer pessoa” - Alfred Montapert.

Perante as queixas que se ouvem em surdina, ou mesmo alto e bom som, sobre o insucesso escolar, uma pergunta inicial se impõe: será a criança de hoje menos dotada de “massa cinzenta” do que as gerações que a precederam?

Os constantes estímulos de uma avançada era tecnológica, v.g., televisão e jogos de computador, embora agindo para o bem e para o mal, dotaram a criança de uma interconexão neuronal responsável pelas aquisições motoras que, antes da linguagem, são, para Jean Piaget, a chave da inteligência adulta.

Por outro lado, de uma forma mais ou menos geral, a prática desportiva e uma mais cuidada alimentação, em percentagens proteicas, teores vitamínicos e valores calóricos, embora condicionados por factores genéticos, promoveram um maior desenvolvimento da estatura da população (em regra, os jovens adultos de hoje são mais altos e mais fortes que os seus progenitores).

Acresce que as estruturas sociais – de entre elas a educação – estão condicionadas pela saúde financeira de uma sociedade reflectindo as suas virtudes e os seus defeitos, o seu dinamismo e a sua inércia, a sua riqueza e a sua pobreza, tornando-se num verdadeiro banco de dados do desenvolvimento global de uma nação. Assim, no sector educativo, para que Portugal possa ombrear com os outros parceiros da Comunidade Europeia mais desenvolvidos, urge estugar a caminhada, com passos decididos de uma vontade política forte que impeça o jeito bem latino de deixar para amanhã o que pode ser feito hoje, em doentia e fatídica procrastinação. Os juros a colher desta política não serão cobrados a breve prazo, mas sim à la longue, serão compensadores pela livre circulação, em fronteiras nacionais, de dentro para fora de portugueses e de fora para dentro de estrangeiros. Mas em reciprocidade e em equilíbrio de concorrência para que se não exportem os melhores cérebros e se importem cabeças estrangeiras de menor valor deixando as sobras para os técnicos portugueses deficientemente formados em clima de escandaloso facilitismo que os leva a passearem pelo torrão natal a sua mediocridade e a sofrerem da concomitante falta de emprego. Aliás, desemprego mesmo para verdadeiros licenciados para quem os deveres cumpridos em anos de esforçado estudo, e dispêndio para os cofres do Estado, estabelecem "direitos" que não são mais do que migalhas em empregos a recibos verdes e em tarefas para as quais a antiga 4.ª classe do ensino primário bastava.

E aqui surgem, inevitáveis, as perguntas. Haverá, para além de venturosas e propaladas estatísticas de sucesso para inglês ver, declarado insucesso escolar no nosso país? Ou seja, haverá ou não razão para os nacionais se lamentarem dos políticos da terra que os viu nascer e crescer sem lhe darem a esperança de melhores dias?

No que respeita a esta temática, não deve ser esquecida a preguiça dos alunos favorecida pela quase proibição de retenções no ensino básico (os chumbos ou "raposas" do meu tempo) florescidas em terras úberes de descarado facilitismo. E, muito menos, a referência obrigatória ao desacompanhamento parental à criança ou ao adolescente, sendo difícil de o fazer numa sociedade em que é raríssimo a mãe não estar empregada tendo, ainda, a sobrecarga das lides caseiras, e em que o pai, depois de um dia de trabalho, escravizado ao pequeno ecrã da televisão para ouvir as últimas e desencorajadores notícias sobre a economia portuguesa, não encontra tempo, ou sequer disposição, para brincar com o(s) filho(s), tomando para si a parte que lhe compete no respectivo desenvolvimento psicomotor, alegria lúdica e acompanhamento dos trabalhos escolares.

Ou seja, a formação dos jovens é um assunto demasiado sério para ficar a cargo exclusivo da escola, responsabilizando-a comodamente por tudo quanto se passa de mau no rendimento escolar da criança ou nos seus desvios comportamentais. Já Ramalho Ortigão, no decurso do século XIX, escrevia: “A família é dos pouquíssimos meios pelos quais ainda é lícito em Portugal um homem honrado influir para o bem no destino do seu século”. Daí a sua veemente exortação: “Querido leitor! O meio mais eficaz de seres útil à tua pátria é educares o teu filho. Consagra-te a ele”. Por seu turno, em nossos tempo, a feminista norte-americana Ann Hewlett, presidente do Center for Work-Life Policy e autora do livro “O custo de negligenciar as nossas crianças”, obrigou-se, ela própria, a reconhecer que “muitas mulheres jovens estão a compreender que uma boa mãe não pode combinar com o exigente trabalho fora de casa”.

Desta forma, desacompanhado pela família dos alunos na sua função de educador, mesmo os professores com as melhores relações com os alunos, convivendo com eles em salutar clima de empatia, senhores de estóica vontade e grande competência, frente a esta desoladora realidade, sentem séria dificuldades em levarem a cabo a sua nobre missão, a exemplo do desencanto amargo do poeta Reinaldo Ferreira quando nos fala de “um voo cego a nada”!

Mas encaremos, aqui, a Escola que é a nossa, agora, reportando-nos, apenas, ao actual ensino secundário por ainda ser um pequeno oásis de exigência. Quando os exames das disciplinas do 12.º ano, como a Matemática e o Português, por exemplo, apresentam índices de reprovação alarmantes de quem é a culpa? Quando as respectivas provas de exame (para serem resolvidas em clima de tensão nervosa) estão, umas tantas, mal elaborados, e outras tantas, difíceis de resolver no tempo regulamentar de quem é, também, a culpa? Quando as matérias programáticas são tão extensas que não podem ser cumpridas nos tempos lectivos a elas destinada, de quem é, outro tanto, a culpa? Quando a complexidade dos assuntos a ensinar exige, em discriminação económica, dispendiosos explicadores (ainda mesmo, para espanto da nossa geração, no antigo ensino primário) no desumano sacrifício de todo um agregado familiar, de quem é, ainda, a culpa? Quando se extinguiram os ensinos técnicos secundários (Escolas Industriais e Comerciais) e médios (Institutos Industriais e Comerciais), em nome de uma pretensa democracia igualitária, sem ter em conta diferenças de natureza económica e/ou de aptidões para certas tarefas escolares que, por isso, levam os alunos a não terminar cursos universitários para os quais não se sentem vocacionados ou com poder económico suficiente para saldar os exorbitantes custos com propinas e o facto de se encontrarem longe de casa com as inerentes despesas em alojamento e alimentação, e, assim, ficarem sem formação adequada para entrarem no competitivo mundo do trabalho que requer, cada vez mais, gente e operários especializados de quem é, finalmente, a culpa? Dos alunos? Dos professores? Dos pais? Do ministério da Educação? De todos ou só de alguns?

Como escreveu Alberto Caeiro, “o ter consciência sobre as coisas não me obriga a ter teorias sobre as coisas”, mas há algo que não oferece qualquer dúvida, sequer, e que deve responsabilizar a sociedade portuguesa e seus desvarios pós-25 de Abril. Assim, quando princípios nobres foram contestados (v.g., a honra e a honestidade; a justiça e a verdade; a virtude e a lealdade) e a autoridade dos pais e dos professores posta em causa, discutida e não acatada, aqui, o insucesso escolar tem uma etiologia moral e identifica-se com uma doença da alma, jogando-se no cordão sanitário das influências conjuntas da família, da escola, dos colegas, dos amigos, o destino da criança e o futuro do País. O genoma do indivíduo mergulha as suas raízes no meio envolvente interagindo ambos em conformidade e em perfeita sincronia!

4 comentários:

Anónimo disse...

As crianças de hoje em dia
em nada são desiguais
daquelas que antes havia,
tirando o caso dos pais!

JCN

Rui Baptista disse...

Caro Professor JCN: Lá diz o ditado popular, "escola de pais, escola de filhos".

Cláudia S. Tomazi disse...

"autoridade dos pais e dos professores posta em causa, discutida e não acatada, aqui, o insucesso escolar tem uma etiologia moral e identifica-se com uma doença da alma, jogando-se no cordão sanitário das influências conjuntas da família, da escola, dos colegas, dos amigos, o destino da criança e o futuro do País"

Cito a história de João e Maria, crianças com migalhas de pão norteando o caminho, a exemplo do conto em que por defesa são ingênuas do ocaso na floresta, pois reféns em uma jaula e engordados dia a dia. E com devotado respeito faço desta ilustração para vossa comparação Sr. Rui Baptista cujos meandros da civilidade em que aprendemos com lentes para o universo de informações ora côncavo, ora convexo por vezes incidem a exemplo nas migalhas de nosso humilde conhecimento, e teria gosto de vossa dedicada explanação por descrever até onde as crianças por orientação sofrem cobranças ou de outro modo, indexadas pelos trajetos da civilidade (universalidade), pois, não seriam estas as quais pagam uma conta que não as pertencem? Não neste dado ínterim infante em que sua verdade é somente proporcionar inocências e felicidades. Pois o caminho que vos cita família, este núcleo de amparo ao amor, reduto da consciência do afeto, laço de bem querer, firmeza de prazer pelo desabrochar da vida, sim a família e que possa ser este cordão umbilical de luz que desenvolve no amniótico de pureza ao que saibamos destes fundamentos pela vitalidade da fé no rebento trazidos a vida pelo sopro. Mas, por talvez nós, eu e vos, distanciados tentando estabelecer outros limites ao conhecimento ao que propriamente reconheço o quanto tem seduzido o saber, e das dificuldades ao que possa me assemelhar a um fariseu e que me livre o bom Deus em tal cobrança que possa remeter indevidamente, assim ainda reconheço de todo esta fraqueza que tanta injustiça procrastina ou aos que engordam criancinhas e como no conto que estas sejam destas livres propriedades para a fuga e realização na casa materna, no seio da família e aconchego do lar, livradas indevidas cobranças. E que nossas lentes possam enfim aquecer nossa alma e despertar a chama para clareza da nossa ansiedade. Desde já antecipo o agradecimento ao Sr. Rui Baptista pela clareza na fluidez e lucidez dos trajetos de vossa cognição e que permitem expor estes anseios que reconheço propriamente como doença da alma.

Rui Baptista disse...

Prezada Cláudia: Grato pela sua análise que vai ao encontro da mensagem que quis transmitir no meu post: ou seja, encarar a problemática educativa numa perspectiva holística. Ou, se quiser, sob o ponto de vista gestáltico em que o todo é maior que a soma das partes.

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