sexta-feira, 26 de agosto de 2011
CIÊNCIA NA IMPRENSA LOCAL E REGIONAL
Lembro-me bem da ligação afectiva que o meu pai, enquanto emigrante, mantinha com o jornal regional “A Voz de Loulé”, que assinava e que o informava das notícias da sua terra natal, a milhares de quilómetros de distância.
Assim como o meu pai, o mesmo aconteceu e acontece com milhões de portugueses aquém e além terras lusitanas. Para além de muitos outros aspectos, esta ligação afectiva a inúmeros jornais locais e regionais amenizou a saudade, fortaleceu a esperança do regresso, mantém elos nativos, é por ventura para muitos o primeiro contacto com as notícias escritas.
Disse inúmeros. Mas sabemos quantos são. Segundo um relatório sobre a “Imprensa Local e Regional em Portugal” (obter aqui), efectuado pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), e no ano de 2009, estavam recenseadas “728 publicações periódicas de âmbito local e regional nos 18 distritos de Portugal Continental e nas duas Regiões Autónomas”. Desses, apenas 18 títulos têm periodicidade diária (2,5 %). A periodicidade predominante é a mensal (37,5%), seguida da semanal (29,4 %) e por último os quinzenário/bimensais (23,9%).
Ressalve-se que o número de publicações periódicas registadas na ERC, em 2009 , era muito superior àquele utilizado para o estudo mencionado. De facto, e ainda segundo o mesmo relatório, o número registado era igual a 2942, apresentando diversos perfis e características que saiam fora do âmbito do estudo. Refira-se, a propósito, que este documento é uma ferramenta útil para compreender a realidade da imprensa local e regional portuguesa no século XXI.
Por outro lado, o documento mencionado baseou-se também no estudo Bareme Imprensa Regional, efectuado pela Marktest. Segundo este, 49,7 por cento dos portugueses tem por hábito ler jornais regionais, sendo os de periodicidade semanal os mais lidos, com 28,3 por cento do total. O número foi, para mim, surpreendente. Mais de cinco milhões de portugueses lêem, folheiam jornais locais e regionais.
(Curiosamente, o distrito de Castelo Branco, cuja cidade vai receber o 29º Encontro da Associação Juvenil de Ciência (ver notícia relacionada aqui) é o que apresentava um maior número de leitores de jornais regionais: 71,3 % da população!)
A notícia da actualidade local e regional é do maior interesse dos cidadãos que assim melhor se vêm identificados com ela, sendo este, entre outros aspectos, um elemento propiciador para uma melhor democracia pluralista, para uma maior consciência de cidadania participativa.
Aqueles números indicam-me também que a imprensa local e regional é de extrema importância para os hábitos de leitura dos portugueses, muitos deles com um grau de literacia muito baixa, num país que conquistou na última década um número significativo de doutorados. Será que estes últimos também lêem jornais locais e regionais?
E surge então a pergunta que me move: no universo de periódicos estudados, qual a percentagem de conteúdos sobre ciência e tecnologia em relação ao total de notícias publicadas? Qual a proximidade que 49,7 % dos portugueses tem com notícias, conteúdos sobre, ou relacionados, com ciência e tecnologia?
A resposta: o espaço dedicado a temáticas relacionadas com ciência e tecnologia foi inferior a 0,7% em 2009, no universo composto por toda a temática publicada no universo da imprensa local e regional estudada, incluindo todas as temáticas de manchete, chamadas na primeira página, textos e/ou crónicas de informação e/ou opinião. Este valor sobe para 0,9% quando a temática saúde é incorporada na análise.
(De momento, não tenho dados sobre a imprensa dita nacional)
Ou seja, a imprensa local e regional é muito insatisfatória no que respeita a aproximar os seus leitores com a ciência e tecnologia.
O que é que isto significa? Que os leitores não têm interesse, curiosidade, pela ciência?
Estudos recentes mostram que não há desinteresse dos “públicos portugueses” por assuntos relacionados com o conhecimento científico e tecnológico (e.g., A.F. Costa, P. Ávila e S. Mateus, Públicos da Ciência em Portugal, ed. Gradiva, 2002).
Numa primeira formulação, pode dizer-se que a insignificante publicação pode encontrar explicação, mesmo que parcial, na dificuldade da imprensa regional em ter acesso a conteúdos sobre ciência e tecnologia dedicados e ajustados às suas especificidades. Se esta for uma pergunta, temos de verificar o que aconteceria se o acesso a conteúdos, atractivos mas cientificamente rigorosos, de boa escrita, em bom português, fosse, de alguma forma, facilitado.
Em parte, a experiência editorial dedicada à ciência, de que a Gradiva é, e foi, pioneira, responde positivamente: se houver conteúdos de qualidade disponíveis em português, há público para eles, os projectos são viáveis, atraem publicidade e outras formas de financiamento para a inserção desses mesmos conteúdos.
O que acontecerá na imprensa local e regional?
António Piedade
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3 comentários:
Realmente a percentagem de conteúdos científico-tecnológicos é ínfima, num tipo de jornais que desempenha um papel tão importante junto da sociedade portuguesa. Tinha ideia de que era muito baixa, mas não sabia ao certo o quão baixa era! Nos dias de hoje, e cada vez mais, urge um grande acréscimo deste tipo de conteúdos em todos os meios de comunicação social, principalmente nos que apresentam uma quantidade residual destes, sendo este tipo de conteúdos uma importante fonte para alfabetizar cientificamente os cidadãos portugueses.
Professor de Matemática e Ciências do 2º ciclo do E.B.
pseudo-ciência em artigos mal feitos
em jornais que custam centos de milhões em subsídios e contrariamente ao jornal do Gaiato
nem subscritores nem compradores
e os leitores leêm com a mesma atenção que a Dica ou ...enfim
uns milhares de toneladas gastas
em antiguidades que continuam a ser enviadas a subscritores mortos há anos..
tudo tem o seu tempo...
é como a colecção policial da gradiva...um fiasco
O jornal regional é um companheiro próximo, que muitas vezes fica ali largado como diz aqui em cima o mr dollars. Mas, contudo, um companheiro bem próximo da vida diária.
Os conteúdos de ciência e tecnologia existem. Integrados nas notícias, referências, comentários, opiniões. Mas não chegam a ser a matéria do título, o foque do texto. Os estudos de Públicos de Ciência da Gradiva que o António fala apresenta-nos um público que acredito de gente que quer saber mais, curiosa...
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