quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A persistente confusão entre brincadeira e trabalho

Uma criança de dez anos é vestida, maquilhada, arranjada de diversas maneiras. É fotografada em poses várias e as fotografias publicadas numa revista internacional de moda. Mais: é capa.

Olha-se para a criança e não se diz que é uma menina, diz-se que é uma mulher. Mas não uma mulher qualquer. Com base nos referenciais que usamos para discriminar o quotidiano, não me parece haver lugar para equívocos: o modelo de “produção” subjacente é “de mulher fatal”.

Jornais, revistas, televisão, internet apresentaram e comentam o caso, convocam-se os direitos dos menores, a profissão e os comentários dos pais, a exploração do trabalho infantil, ouvem-se especialistas, profissionais, pessoas anónimas… o comum.

Detenho-me numa entrevista dada ontem ao Diário de Notícias por uma estilista portuguesa, que também prepara e selecciona manequins. Afirma a senhora, em várias passagens, que a menina em causa terá encarado a fabricação da personagem e a sua exposição como uma brincadeira. Todas as meninas com a idade daquela menina gostam de vestir aos fatos e calçarem os sapatos das suas mães, de se maquilharem como elas e de usarem as suas jóias. Isto é brincar. Um brincar de que as crianças, particularmente, gostam.

Mais uma vez a confusão entre a brincadeira e o trabalho.

A brincadeira das crianças é entre elas, sem interferência (directa) de adultos. São elas que decidem ao que brincar e como brincar... Quando os adultos dizem às crianças o que fazer e como fazer, não é brincadeira e muito menos se daí resultam benefícios financeiros. Neste caso, é trabalho. Mais concretamente, trabalho infantil.

Onde é que está a dúvida? Será que um século – o Século da Criança, que foi o século XX – não bastou para alicerçar este conceito? Ou será que os efeitos de tanto pensar sobre o assunto se estão a esbater?

4 comentários:

Luís Ferreira disse...

Se um filho ajudar a mãe na horta, é exploração do trabalho infantil. Numa capa de revista é giro.

Já não percebo nada. Não admira: sou só um "zeco"...

Anónimo disse...

Atenção! Vem aí outra investida!

http://edition.cnn.com/2011/LIVING/08/10/handwriting.horror/index.html?eref=mrss_igoogle_cnn

Tiago.

Anónimo disse...

Se um miúdo de 14 anos ajudar os pais a servir às mesas num tasco, é trabalho infantil.

Se andar num palco, com um acordeão no lombo a cantar aleivosidades, é...cultura popular!

Ou se andar aos chutos numa bola 3 hrs por dia, 6 dias por semana, é...cultura física!

Mas isto sou eu a pensar, que não percebo nada, sou só (pelos padrões actuais), um "cota" (que ainda usa aspas e tudo...)

Dervich

Bartolomeu disse...

Se a criança gosta de colocar vestidos de adulta, de se pentear e maquilhar como uma adulta, se demonstra possui "jeito" para a pose fotográfica, se os pais zelam para que a sua personalidade não venha a ser afectada pela expopsição mediática, se a agência de modelos se empenha num trabalho sério, para quê colocar a menina na pose de "mulher fatal"?
Ou será que toda a gente que a rodeia vê nela, unicamente, uma marionete ao serviço da futilidade?!

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