segunda-feira, 1 de agosto de 2011
TEORIA DE TUDO?
Minha crónica na "Gazeta de Física" que está a sair (na imagem os físicos Ernest Rutherford e Kammerlingh Onnes):
Há entre os físicos aqueles que preferem confrontar-se com grandes questões fundamentais, como as de saber quais são as partículas últimas do mundo e as suas interacções, e aqueles que optam antes por investigar os fenómenos complexos observados no mundo que resultam de processos de auto-organização sobre as quais as teorias ditas fundamentais nada dizem porque nada podem dizer. O primeiro grupo segue uma linha que se pode chamar reducionista, que procura desmontar o Universo nos seus blocos, ao passo que o segundo grupo se interessa pela estruturação da matéria numa certa extensão e propriedades emergentes, isto é, que se perdem completamente quando os blocos são separados.
As duas visões são complementares. A invocação de duas efemérides recentes da história da Física ajuda a perceber essa complementaridade. Há um século, mais precisamente a 7 de Março de 1911, o britânico (nascido na Nova Zelândia) Ernest Rutherford apresentava à Sociedade Literária e Filosófica de Manchester uma comunicação intitulada A dispersão dos raios alfa e beta e a estrutura do núcleo na qual anunciava a sua descoberta do núcleo atómico partir do embate de partículas alfa numa fina película de ouro:
“É considerada a dispersão de partículas electrizadas para um tipo de átomo que consiste de um carga eléctrica central concentrada num ponto e rodeada por uma distribuição esférica uniforme de electricidade oposta igual em grandeza.”
Era mais um passo, e desta vez de gigante, no esforço incessante da humanidade de compreender os constituintes da matéria.
Passados poucos dias, a 8 de Abril de 1911, num laboratório de Leiden, o físico holandês Heike Kamerlingh Onnes escrevia, em má caligrafia, no seu caderno de notas um apontamento sobre a supercondutividade do mercúrio escassos quatro graus acima do zero absoluto:
“Temperatura medida com êxito. (Resistividade do) mercúrio praticamente zero”.
Desta vez era matéria que se julgava bem conhecida – o mercúrio já era usado pelos antigos egípcios e chineses e foi manipulado pelos alquimistas com o nome que ainda hoje mantém – que revelava a surpreendente propriedade de anular a resistência eléctrica a uma temperatura bastante baixa.
A descoberta do núcleo atómico lançou a Física Nuclear, que por sua vez lançou a Física de Partículas, trazendo as duas vagas sucessivas de saberes novos, por vezes surpreendentes, sobre a constituição da matéria. Muitos físicos trabalham hoje na esteira de Rutherford bombardeando com violência a matéria para conhecer os seus segredos mais íntimos.
Por seu lado, a descoberta da supercondutividade lançou, durante longos anos, a perplexidade entre os maiores cérebros da Física. Tardou até 1957 para três físicos, os norte-americanos John Bardeen, Leon Cooper e Robert Schrieffer, conseguirem explicar o estranhíssimo fenómeno: Devido à intermediação da rede atómica um electrão aliava-se a outro e os dois podiam fazer coisas que nenhum faria sozinho. Bardeen foi até à presente data o único laureado com dois Prémios Nobel da Física, o primeiro pela invenção do transístor e o segundo pelo esclarecimento da supercondutividade. Em 1986, há um quarto de século, algo inesperado voltou a bater à porta dos físicos da matéria condensada: o alemão Johannes Bednorz e o suíço Karl Alexander Mueller anunciaram a descoberta da supercondutividade a altas temperaturas em materiais cerâmicos, que a teoria de Bardeen, Cooper e Schrieffer (BCS) não conseguia explicar. Ainda hoje, não obstante a publicação de mais de cem mil artigos sobre a supercondutividade a altas temperaturas, nenhuma teoria o consegue fazer de forma satisfatória...
Os exemplos mostram que, quando menos se espera, a experiência se encarrega de trazer grandes novidades aos físicos. E mostram que maneiras diferentes de ver e fazer física têm encontrado novos desafios, que não raro se cruzam e iluminam. Os físicos de partículas discutem actualmente a possibilidade de uma teoria de tudo. Mas os físicos da matéria condensada sabem que não há nem pode haver uma só teoria que dê conta de tudo...
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2 comentários:
Bem, Carlos Fiolhais, gostava que este seu texto tivesse continuidade num outro, onde procurasse ir ao encontro ou ao desencontro da teoria do tudo. Aguardo! :)
Completamente errado!!!
Só disparates. O timbre típico de Carlos Fiolhais. Reducionismo é a tese que tudo se reduz à combinatória de um conjunto determinado de elementos. O atomismo é um exemplo claro de reducionismo. O fisicalismo é um outro exemplo de reducionismo, onde se defende que toda existência se reduz a elementos físicos. Pode-se ser atomista e defender a existência de fenómenos complexos. Complexidade e atomismo não são contrários, como a estatistica bem mostra. Agora, não é possivel ser-se atomista e emergentista sem contradição. São, precisamente, contrários. São teses contrárias sobre a génese das propriedades. E, portanto, não são nem complementares (mesmo em sentido Bohriano da palavra), nem "visões".
A ignorância das primeiras linhas é de tal ordem que as outras nem me mereceram ser lidas. Carlos Fiolhais, se não sabe, cale-se. Que de maus livros e maus textos está o mundo cheio.
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